Pró-Reitoria de Graduação
Curso de Direito
Trabalho de Conclusão de Curso
INVESTIGAÇÃO CRIMINAL DIRETA PELO MINISTÉRIO PÚBLICO: UMA
ABORDAGEM À LUZ DA CF/88
Autora: Glenda de Paula Silva
Orientador: Carlos André Bindá Praxedes
Brasília - DF
2010
GLENDA DE PAULA SILVA
INVESTIGAÇÃO CRIMINAL DIRETA PELO MINISTÉRIO PÚBLICO: UMA
ABORDAGEM À LUZ DA CF/88
Trabalho
apresentado
ao
curso
de
graduação em Direito da Universidade
Católica de Brasília, como requisito para
obtenção do Título de Bacharel em Direito.
Orientador: Carlos André Bindá Praxedes
Brasília
2010
Trabalho de autoria de Glenda de Paula Silva, intitulado “Investigação Criminal
Direta pelo Ministério Público: uma abordagem à luz da CF/88”, requisito parcial para
obtenção do grau de Bacharel em Direito, defendida e aprovada, em ___de
______________ 2010, pela banca examinadora constituída por:
___________________________________________
Presidente. Prof. Carlos André Bindá Praxedes
Orientador
___________________________________________
(Integrante: Prof. Dr.)
___________________________________________
(Integrante: Prof. Dr.)
Brasília
2010
Dedico o presente trabalho, em especial, aos meus
pais, que com muito amor e dedicação não mediram
esforços para as minhas conquistas, confiando sempre
em mim; bem como às minhas irmãs pela paciência e
amizade e ao meu afilhado Victor, pelo carinho,
compreensão e incentivo.
Agradeço a Deus, inteligência suprema, criador de
todas as coisas; eterno, imutável, único, onipotente,
soberanamente justo e bom.
Teu dever é lutar pelo direito; porém, quando
encontrares o direito em conflito com a justiça, luta pela
justiça.
Eduardo Couture.
RESUMO
PASSOS, Glenda de Paula Silva. “Investigação Criminal Direta pelo Ministério Público:
uma abordagem à luz da CF/88”. 2010. 70 f. Trabalho de conclusão de curso
(Graduação). Faculdade de Direito, Universidade Católica de Brasília, Brasília, 2010.
A presente monografia visa abordar à luz da CF/88 a investigação criminal direta pelo
Ministério Público. Mencionando-se os institutos relacionados ao tema, como a
persecução penal do Estado, a evolução histórica dos sistemas processuais penais, e
um resumo dos principais pontos da instituição em discussão, o Ministério Público. Para
então passar-se a análise dos pontos controversos relacionados a investigação criminal
direta pelo Ministério Público, conceituando os principais institutos e expondo
argumentos e posições dos tribunais superiores referentes.
Palavras-chaves: Investigação Criminal. Ministério Público. Processo. Penal.
ABSTRACT
PASSOS, Glenda Paula Silva. "Reflections on the possibility or otherwise of a criminal
investigation be carried out directly by the prosecutor." 2010. 70 f. Completion of course
work (undergraduate). Faculty of Law, Catholic University of Brasilia, Brasilia, 2010.
This monograph seeks to address the issue on whether or not the criminal investigation
being conducted directly by the prosecutor. We analyze both the institutes related to the
topic, such as criminal prosecution of the state, the historical evolution of systems of
criminal procedure, and a summary of key points of the institution under discussion, the
Attorney General. Analyzing concepts, principles, arguments and positions of the
superior courts regarding the possibility of a ministerial investigation.
Keywords:
Criminal
Investigation.
Prosecutors.
Process.
Criminal.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO .............................................................................................................. 12
CAPÍTULO 1 – DA PERSECUÇÃO PENAL DO ESTADO........................................... 15
1.1 CONCEITO.............................................................................................................. 15
1.2 A FASE PRÉ-PROCESSUAL.................................................................................. 15
1.3 A FASE DO PROCESSO PENAL............................................................................ 17
CAPÍTULO 2 – A EVOLUÇÃO HISTÓRICA DOS SISTEMAS PROCESSUAIS PENAIS
...................................................................................................................................... 19
2.1 BREVE HISTÓRICO................................................................................................ 19
CAPÍTULO 3 - O MINISTÉRIO PÚBLICO NA ORDEM JURÍDICA NACIONAL .......... 23
3.1 ETIMOLOGIA E ORIGEM ....................................................................................... 23
3.2 O MINISTÉRIO PÚBLICO SOB A ÓTICA DO DIREITO CONSTITUCIONAL
COMPARADO ............................................................................................................... 24
3.3 O MINISTÉRIO PÚBLICO NO BRASIL ................................................................... 28
3.4 NATUREZA JURÍDICA............................................................................................ 30
3.5 PRINCÍPIOS INSTITUCIONAIS DO MINISTÉRIO PÚBLICO ................................. 30
3.6 AS FUNÇÕES INSTITUCIONAIS DO MINISTÉRIO PÚBLICO FACE À
CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 ........................................................................... 31
3.6.1 Promover, privativamente, a ação penal pública, nos termos da Lei (art. 129,
I, CF).............................................................................................................................. 31
3.6.2 Expedir notificações nos procedimentos administrativos de sua
competência, requisitando informações e documentos para instruí-los, na forma
da Lei complementar respectiva ( art. 129, VI, CF). .................................................. 33
3.6.3 Exercer o controle externo da atividade policial, na forma da Lei
complementar mencionada no artigo anterior. (art. 129, VII) .................................. 34
3.6.4 Requisitar diligências investigatórias e a instauração do inquérito policial,
indicados os fundamentos jurídicos de suas manifestações processuais (art. 129,
VIII, CF). ........................................................................................................................ 35
CAPITULO 4 - INVESTIGAÇÃO CRIMINAL DIRETA PELO MINISTÉRIO PÚBLICO 36
4.1 CONCEITO DE INVESTIGAÇÃO CRIMINAL .......................................................... 37
4.2 HIPÓTESES DE INVESTIGAÇÃO DIRETA ............................................................ 37
4.3 PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS PERTINENTES À INVESTIGACAO CRIMINAL
DIRETA PELO MINISTÉRIO PÚBLICO ........................................................................ 39
4.3.1 Princípio do Devido Processo Legal................................................................. 39
4.3.2 Princípio do Contraditório ................................................................................. 41
4.4 SÍNTESE DOS ARGUMENTOS FAVORÁVEIS À INVESTIGAÇÃO CRIMINAL
DIRETA PELO MINISTÉRIO PÚBLICO ........................................................................ 42
4.4.1 Previsão Constitucional e Infraconstitucional ................................................. 42
4.4.2 A Polícia Judiciária não detém a exclusividade da Investigação Criminal ... 46
4.4.3 Aplicabilidade da Teoria dos Poderes Implícitos ............................................ 48
4.4.4 Conveniência da Investigação Criminal Direta Pelo Ministério Público........ 49
4.5 SÍNTESE DOS ARUGUMENTOS CONTRARIOS À INVESTIGACAO CRIMINAL
DIRETA PELO MINISTERIO PUBLICO ........................................................................ 50
4.5.1 Ausência de previsão Constitucional e Infraconstitucional ........................... 50
4.5.2 A Investigação Criminal é atividade exclusiva da Polícia Judiciária ............. 52
4.5.3 Inaplicabilidade da Teoria dos Poderes Implícitos.......................................... 53
4.5.4 Inconveniência da Investigação Criminal direta pelo Ministério Público...... 55
4.6 DO PROCEDIMENTO INVESTIGATÓRIO CRIMINAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO56
4.7 POSIÇÃO DOS TRIBUNAIS SUPERIORES ........................................................... 57
CONCLUSÃO ............................................................................................................... 64
REFERÊNCIAS ............................................................................................................. 66
12
INTRODUÇÃO
Em janeiro de 1999, aconteceu no Brasil, um escândalo envolvendo os Bancos
Marka S.A e Fontecindam. Seus representantes foram julgados e condenados por crime
contra o sistema financeiro no Brasil, pois, foram beneficiados pelo Banco Central com
informações sigilosas a respeito da desvalorização do papel moeda brasileiro: o real,
causando assim, diversos problemas para o sistema financeiro nacional.
Uma determinação judicial autorizou o Ministério Público Federal a realizar
buscas e apreensões na residência dos suspeitos, foram apreendidos documentos e
pertences pessoais, que resultaram na prisão da maioria dos envolvidos, entre eles
Salvatore Alberto Cacciola, proprietário do Banco Marka à época, que teve a pena final
de 13 anos de reclusão e 156 dias-multa.
Os recursos perante os tribunais superiores adquiriram mais força, levantando a
discussão quanto à possibilidade de o Ministério Público realizar diretamente
diligências de cunho criminal.
A partir daí, as garantias e prerrogativas do Ministério Público começam a ser
ameaçadas. Pois, o Parquet começa a desmascarar uma criminalidade composta por
integrantes dos altos escalões sociais.
As discussões floresceram, jurisprudência, doutrina, Ministério Público, Polícia
Judiciária, enfim, vários foram os personagens que ganharam vida nesse novo cenário
que surgia. Nasce ai a necessidade de se repensar algumas questões.
O Ministério Público estaria exorbitando de suas funções constitucionais,
violando direitos e garantias fundamentais?
Essa é uma dentre outras questões que irão surgir no decorrer do trabalho e que
serão respondidas partindo da analise da Constituição Federal para que não haja
inversão à pirâmide de Hans Kelsen. Para que ao final, seja possível se ter a conclusão
de qual corrente mais se compatibiliza com o texto constitucional, e com o novo modelo
de persecução penal.
O primeiro capítulo desse trabalho traz os principais pontos da persecução penal
do Estado, abordando seu conceito e sua divisão.
13
O segundo capítulo traz a evolução histórica dos sistemas processuais penais
dentro de uma órbita explicativa de suas teorias desde o início de sua existência até os
momentos atuais.
O terceiro capítulo enfatiza a instituição Ministério Público, sua etimologia e
origem expõem o Ministério Público sob a ótica do direito constitucional comparado,
analisando-se os Ministérios Públicos de outros países, para que seja possível concluir
em que patamar dentro do combate à impunidade está o nosso Ministério Público.
Também nesse capítulo será abordado o Parquet no contexto pátrio, sua
natureza jurídica, seus princípios institucionais e suas funções constitucionais
relacionadas à investigação criminal realizada por ele.
Por fim, no quarto capítulo, será abordado o tema do presente trabalho, trazendo
o conceito de investigação criminal, as hipóteses dessa investigação quando o
Ministério Público atua, e os princípios constitucionais pertinentes à investigação
criminal realizada diretamente pelo Ministério Público, bem como os argumentos
favoráveis e contrários à possibilidade de o Ministério Público realizar diretamente
investigação criminal, e também um breve comentário sobre o procedimento que
regulamenta esse ato do MP.
E para finalizar, será exposta a posição do Supremo Tribunal Federal e do
Superior Tribunal de Justiça com relação ao tema.
A investigação criminal direta pelo Ministério Público é cercada de polêmica e
debates acalorados. A questão é que tanto a doutrina como a jurisprudência não
reconhecem de forma pacífica essa prerrogativa do MP
Este trabalho não tem o objetivo de defender a absoluta possibilidade das
investigações criminais serem realizadas pelo Ministério Público, nem tampouco
contrariar absolutamente tal possibilidade. Pelo contrário, defende-se o respeito à
Constituição Federal de 1988 ao lado de um trabalho sério no combate à criminalidade,
respeitando sempre a harmonia e o equilíbrio do Sistema de Administração da Justiça
em nosso País.
Assim, cada argumento colocado será ponderadamente analisado, a fim de se
ter uma opinião equilibrada com relação ao tema em questão.
14
Para a elaboração do presente trabalho, foi utilizado o método da pesquisa
bibliográfica, pesquisa esta que teve por base os principais doutrinadores que escrevem
sobre o tema, bem como recentes entendimentos jurisprudenciais dos principais
tribunais brasileiros.
15
CAPÍTULO 1 – DA PERSECUÇÃO PENAL DO ESTADO
1.1 CONCEITO
Persecução penal é o conjunto das duas fases que englobam o procedimento
criminal brasileiro, quais sejam a fase pré-processual (investigação criminal) e a fase
processual (processo penal).
1.2 A FASE PRÉ-PROCESSUAL
A fase pré-processual é a fase de investigações preliminares, pois se realizam
antes da provocação da atuação do Poder Judiciário.
Essa fase tem início com a lavratura do auto de prisão em flagrante delito ou com
a portaria de instauração do inquérito policial pelo delegado de polícia, ou ainda, nos
casos das infrações de pequeno potencial ofensivo, com a elaboração do Termo
Circunstanciado de Ocorrência (TCO), conforme arts. 61 e 69 da Lei n. 9099/95.1
Nas duas primeiras situações, dá-se início a um procedimento administrativoinformativo, de caráter marcadamente inquisitivo, que é o inquérito policial, formado por
uma seqüência de atos administrativos – ora vinculados, ora discricionários - realizados
com a finalidade de apurar a autoria e materialidade das infrações penais tornando-se
_____________
1
BRASIL. Presidência da República. Lei 9.099 de 26 de setembro de 1995. Dispõe sobre os
Juizados Especiais. Art. 61: “Consideram-se infrações penais de menor potencial ofensivo, para os
efeitos desta Lei, as contravenções penais e os crimes a que a Lei comine pena máxima não
superior
a
2
(dois)
anos,
cumulada
ou
não
com
multa”.
Disponível
em:
<http//:www.planalto.gov.br/leis/9099>. Acesso em 20 abr. 2010.
Art. 69: “A autoridade policial que tomar conhecimento da ocorrência lavrará termo circunstanciado
e o encaminhará imediatamente ao Juizado, com o autor do fato e a vítima, providenciando-se as
requisições
dos
exames
periciais
necessários”.
Disponível
em:
<http//:www.planalto.gov.br/leis/9099>. Acesso em 20 abr. 2010.
16
dessa forma uma peça apta a convencer o Ministério Público de que a denúncia
formulada será justa.
O convencimento por parte do Ministério Público, também poderá se formar
mediante atividade administrativa (procedimento) ou de notícia (peças de informação)
trazida pelo interessado (notitia criminis), casos em que o inquérito policial poderá ser
dispensado.
O inquérito policial possui as seguintes características:
- Inquisitorial: o investigado não exerce propriamente o contraditório e a ampla
defesa, uma vez que não está sendo acusado de nada, mas é apenas objeto de uma
apuração;
- Formal: o Código de Processo Penal exige certa formalidade na elaboração das
peças do inquérito policial, como por exemplo, a determinação que as mesmas sejam
reduzidas a escrito, datilografadas e assinadas pela autoridade policial;
- Sistemática: obedecendo ao princípio da verdade real, em que se pretende a
reconstrução fática da prática do ilícito penal nos autos do inquérito, as peças devem
ser dispostas em uma seqüência lógica, de modo a favorecer a compreensão e visão
dos fatos;
- Unidirecional: o inquérito policial deve se limitar a apontar a autoria e a
materialidade da infração penal, não cabe à autoridade policial emitir juízo de valor
acerca dos fatos apurados.
- Sigiloso: o inquérito policial não goza da publicidade da ação penal; os fatos em
apuração devem permanecer em resguardo para não prejudicar a investigação, esse
sigilo não alcança o advogado, conforme preceitua o art. 7º, XIV da Lei nº 8.906/94 –
Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil2.
- Discricionário: a autoridade, ao instaurar inquérito policial para investigar a
prática de uma infração penal, não está adstrita a nenhuma fórmula prescrita pela Lei
pode e deve atuar da maneira que julgar mais eficiente para a investigação, embora
_____________
2
BRASIL. Presidência da República. Lei n. 8.906 de 4 de julho de 1994. Dispões sobre o Estatuto da
Advocacia e a Ordem dos Advogados do Brasil. Art. 7º: “São direitos do advogado: XIV - examinar
em qualquer repartição policial, mesmo sem procuração, autos de flagrante e de inquérito, findos ou
em andamento, ainda que conclusos à autoridade, podendo copiar peças e tomar apontamentos”.
Disponível em: <http//:www.planalto.gov.br/leis/9099>. Acesso em 20 abr. 2010.
17
deva obedecer aos limites impostos pela Constituição Federal e também pela legislação
ordinária no que diz respeito, principalmente, aos direitos fundamentais.
Assim, Luiz Flávio Gomes e Fábio Scliar, trazem a seguinte conclusão:
Assim, a investigação preliminar cumpre a "função de filtro processual contra
acusações infundadas", embora a sua própria existência já "configure um
atentado ao chamado status dignitatis do investigado", e daí decorrem duas
conclusões: a primeira é que a investigação prévia através do inquérito policial
é uma garantia constitucional do cidadão em face da intervenção do Estado na
sua esfera privada, porque ela atua como salvaguarda do jus libertatis e do
status dignitatis; a segunda é que a investigação prévia não é somente fase
anterior do processo penal, porque mesmo quando não há processo a
3
investigação terá cumprido um papel na ordem jurídica.
1.3 A FASE DO PROCESSO PENAL
O processo penal compreende a segunda fase da persecução penal.
É o procedimento principal, de caráter jurisdicional, que se inicia com o
recebimento, pelo juiz competente, da denúncia formulada pelo órgão do Ministério
Público ou a queixa formulada pelo o ofendido e termina com um procedimento judicial
que resolve se o cidadão acusado deverá ser condenado ou absolvido.
O poder de punir é exclusivo do Estado, única entidade dotada de poder
soberano e uma vez praticado um fato definido em Lei como infração penal, enseja-se o
exercício do jus puniendi pelo mesmo.
Ao tratarmos de ação exclusivamente privada, o Estado apenas delega ao
ofendido a legitimidade para dar inicio ao processo, conferindo-lhe assim o jus
persequendi in judicio, conservando consigo a exclusividade do jus puniendi.
A princípio o poder de punir conferido ao Estado, caracteriza-se por ser
impessoal, abstrato, ao qual todos estão sujeitos, porém, a sua concretização se dá a
partir da prática criminosa, atingindo o transgressor da norma penal.
_____________
3
GOMES, Luiz Flávio e SCLIAR, Fábio. Investigação preliminar, polícia judiciária e autonomia.
Disponível em :<http://www.lfg.com.br/public_html/article.php?story=20081020154145672>. Acesso
em 20 abr. 2010.
18
No momento em que a infração penal é cometida, o poder impessoal e abstrato,
transforma-se em uma pretensão individualizada e concreta, dirigida em especifico ao
transgressor.
O poder punitivo do Estado, no entanto, não se opera de forma absoluta,
desprovido de limites e garantias ao acusado. Ele se desenvolve através do processo, o
meio pelo qual o Estado busca a composição da lide penal, formada, de um lado, pelo
interesse estatal em satisfazer sua pretensão punitiva em face da prática do delito – de
certa maneira, uma resposta à sociedade atingida diretamente pelo crime - e, de outro,
pelo interesse do acusado que oferecerá resistência a essa pretensão.
Para o promotor Fernando Capez:
A finalidade processo é propiciar a adequada solução jurisdicional do conflito de
interesses entre o Estado-Administração e o infrator, através de uma seqüência
de atos que compreendam a formulação da acusação, a produção de provas, o
4
exercício da defesa e o julgamento da lide .
Analisado os aspectos acima expostos, o processo penal constitui, acima de
tudo, garantia constitucional do acusado conforme o exposto no art. 5º, incisos LIII, LIV,
LV da CF 88.
Art. 5º: “Todos são iguais perante a Lei, sem distinção de qualquer natureza,
garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a
inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à
propriedade, nos termos seguintes:
LIII - ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade
competente
LIV - ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido
processo legal;
LV - aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em
geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos
a ela inerentes.
_____________
4
CAPEZ, Fernando. Curso de Processo Penal. 12 ed. ver. e atual.São Paulo: Saraiva, 2005, p. 3.
19
CAPÍTULO 2 – A EVOLUÇÃO HISTÓRICA DOS SISTEMAS PROCESSUAIS PENAIS
2.1 BREVE HISTÓRICO
A história do processo penal demonstra que existem três sistemas regentes do
processo penal: acusatório (público e privado), inquisitivo e misto.
O sistema adotado na Antiguidade, principalmente na Índia, em Atenas e na
Roma republicana, era o acusatório privado.
Nesse sistema a vítima era a parte legitimada a acusar quando se tratava de
crimes menos grave ou qualquer do povo quando eram crimes mais graves. Nessa
época, o processo iniciava-se com a acusação, em seguida instaurava-se o inquérito
(não policial), pelo próprio acusador (vítima ou o povo). Ao processo não era estipulado
prazo para início ou termino, essa medição era feita por conveniência das partes.
A verdade alcançada no processo era ficta, pois dependia das partes, que tinham
ampla liberdade probatória, o juiz em nada interferia. Fatos incontroversos não
precisavam ser provados. Assim, a confissão do réu implicava em sua condenação e
colocava fim ao processo. O juiz decidia de acordo com a livre apreciação das provas,
devendo fundamentar suas decisões (princípio da persuasão racional).
Eram observados alguns princípios nesse sistema da época: a) Igualdade entre
as partes (ou paridade de armas); b) Contraditório; c) Publicidade dos atos processuais;
d) oralidade dos atos processuais (mas, eventualmente, poderia ser sigiloso e escrito);
e) Imparcialidade do juiz; f) Ampla defesa era assegurada. Devido à presunção de
inocência, o réu respondia ao processo sempre em liberdade. Aí está a mais importante
vantagem do sistema acusatório: a garantia de direitos ao acusado.
O sistema acusatório é típico de sociedades mais democráticas, pois garantia
direitos ao acusado. Porém, tal tipo de processo penal, em sua fase inicial, apresentava
graves problemas.
A impunidade, a violência e o sentimento de vingança reinavam, pois, na maioria
das vezes o acusado não tinha estrutura suficiente para realizar todos os atos inerentes
20
à acusação penal, e dessa forma não se preocupavam com a justiça, promoviam a
ação penal da sua maneira.
Diante do caos, o Estado agora deixa nas mãos do juiz a tarefa de realizar a
acusação penal, podendo assim perquirir as provas. Nasce então, o sistema
inquisitório, ferindo de plano a imparcialidade do órgão julgador.
Tentou-se solucionar um problema e adquiriu-se outro. Afinal a partir de então, o
individuo era acusado pelo mesmo órgão que iria julgá-lo, passando a ser mero objeto
de investigação e não sujeito de direitos.
As conquistas sociais no campo dos direitos e garantias cresciam, então foi
exigido do Estado um primeiro passo, qual seja, afastar o juiz da persecução penal,
garantindo ao acusado todos os direitos e garantias inerentes ao pleno exercício de sua
defesa, inclusive a imparcialidade do órgão julgador.
A titularidade do ius persequendi in iudicio, continuava sendo do Estado, porém,
nas mãos de outro órgão: o Ministério Público.
Afrânio Silva Jardim, deixa consignada a importância da criação do Ministério
Público para o exercício da persecução penal;
A trajetória do processo penal é marcante nesse particular, pois, de um sistema
acusatório rígido e individualista, atingimos uma quase total publicização deste
excelente sistema, graças à criação da instituição do Ministério
Público.Originalmente, grosso modo, a acusação era privada. Outorgava-se ao
ofendido ou a qualquer pessoa do povo a difícil e árdua tarefa de acusar
publicamente aquele que tivesse praticado uma infração penal. (...)
Conseguiu-se este grande salto de qualidade através da institucionalização do
Ministério Público, que pode ser considerado o verdadeiro ‘ovo de Colombo’
para o processo penal que surgiu modernamente.
Com o Ministério Publico, assumiu o Estado, definitivamente, a titularidade da
5
persecutio criminis in judicio, sem precisar comprometer a neutralidade judicial.
Agora, a acusação continuava sendo feita pelo Estado, no entanto por um órgão
distinto do que iria julgar, restabelecendo, assim, o actum trium personarum.
A partir daí nasce o sistema processual penal acusatório público, que se difere
do sistema acusatório privado por possui nítida separação entre o órgão acusador e o
julgador.
_____________
5
RANGEL, Paulo. Investigação Criminal Direta pelo Ministério Público: Visão Crítica. 3 Ed.
Revista, ampliada e atualizada. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009, p. 166.
21
Em resumo a evolução histórica do sistema processual penal teve início com o
acusatório privado, passando para o inquisitivo e retornando ao acusatório, dessa vez
público.
2.2 SISTEMA ACUSATÓRIO PÚBLICO
Possui nítida separação entre o órgão acusador e o julgador; há liberdade de
acusação, reconhecido o direito ao ofendido e a qualquer cidadão; predomina a
liberdade de defesa e a isonomia entre as partes no processo; vigora a publicidade do
procedimento; o contraditório está presente; existe a possibilidade de recusa do
julgador; há livre sistema de produção de provas; predomina maior participação popular
na justiça penal e a liberdade do réu é a regra. 6
2.3 SISTEMA INQUISITIVO
É caracterizado pela concentração de poder nas mãos do julgador, que exerce,
também, a função de acusador; a confissão do réu é considerada a rainha das provas;
não há debates orais, predominado procedimentos exclusivamente escritos; os
julgadores não estão sujeitos a recusa; o procedimento é sigiloso; há ausência de
contraditório e a defesa é meramente decorativa. 7
2.4 SISTEMA MISTO
_____________
6
NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Processo Penal e Execução Penal. 5 ed. revista,
atualizada. e ampliada. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008, p.116.
7
NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Processo Penal e Execução Penal. 5 ed. revista,
atualizada. e ampliada. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008, p. 116.
22
Surgido após a Revolução Francesa, uniu as virtudes dos dois anteriores,
caracterizando-se pela divisão do processo em duas grandes fases: a instrução
preliminar, com os elementos do sistema inquisitivo, e a fase de julgamento, com a
predominância do sistema acusatório. Num primeiro estagio, há procedimento secreto,
escrito e sem contraditório, enquanto no segundo, presentes se fazem a oralidade, a
publicidade, o contraditório, a concentração dos atos processuais, a intervenção dos
juízes populares e a livre apreciação das provas. 8
2.5 SISTEMA PROCESSUAL BRASILEIRO
O sistema adotado no Brasil é o acusatório, que tem como principal
característica a divisão das funções inerentes à persecução penal entre os órgãos que
nela atuam: autor, juiz e réu. Porém, esse sistema acusatório não é puro, pois, traz
consigo uma parte inquisitória quando, por exemplo, permite que nos autos do processo
conste o inquérito policial, se desenvolvendo o processo a partir das informações
colhidas na fase pré-processual.
Paulo Rangel se manifesta em sua obra Direito Processual Penal, dizendo:
O Brasil adota um sistema acusatório que, no nosso modo de ver, não é puro
em sua essência. Pois, o inquérito policial regido pelo sigilo, pela
inquisitoriedade, tratando o indiciado como objeto de investigação, integra os
autos do processo, e o juiz, muitas das vezes, pergunta, em audiência, se os
fatos que constam do inquérito policial são verdadeiros. Inclusive, ao tomar
depoimento de uma testemunha, primeiro lê o seu depoimento prestado, sem o
crivo do contraditório, durante a fase do inquérito para saber se confirma ou
não, e, depois, passa a fazer as perguntas que entendem necessárias. Nesse
caso, observe o Leitor que o procedimento meramente informativo, inquisitivo e
sigiloso dá o pontapé inicial na atividade jurisdicional á procura da verdade real.
Assim, não podemos dizer, pelo menos assim pensamos, que o sistema
acusatório adotado entre nós é puro. Não. Não é. Há resquícios do sistema
9
inquisitivo, porem já avançamos muito.
_____________
8
NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Processo Penal e Execução Penal. 5 ed. revista,
atualizada. e ampliada. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008, p. 116.
9
RANGEL, Paulo. Investigação Criminal Direta pelo Ministério Público: Visão Crítica. 3 Ed.
Revista, ampliada e atualizada. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009, p. 188.
23
CAPÍTULO 3 - O MINISTÉRIO PÚBLICO NA ORDEM JURÍDICA NACIONAL
3.1 ETIMOLOGIA E ORIGEM
A etimologia do nome Ministério Público apresenta o substantivo ministério, que
deriva do latim “ministerium”, “minister”, que significa função, cargo que alguém exerce
(diz-se principalmente do sacerdócio): atender aos deveres do seu ministério.
Ministério público, magistratura estabelecida junto a cada tribunal e relativa à execução
das Leis em nome da sociedade10.
A origem do Ministério Público não tem um marco claramente definido, é grande
a divergência entre os autores, alguns deles chegam a afirmar que essa origem está há
mais de quatro mil anos.
No Egito, havia um funcionário real conhecido por magiaí, que tinha por função
castigar os rebeldes, reprimir a violência, proteger os inocentes, na Grécia, haviam
agentes conhecidos como thesmotetics ou desmodetas, incumbidos de fiscalizar a
correta aplicação das Leis em seus respectivos territórios.
Na idade média, os visigodos, tribo bárbara de origem germânica que invadiu
Roma no século V, trouxeram a figura dos saions, que tinham como atribuição a
acusação pública e a defesa dos interesses dos órfãos.
É perceptível a identificação de diversas origens do Ministério Público, pois, em
sociedades antigas diversas, bem como na idade média, encontramos sempre
presentes a figura de agentes estatais responsáveis por fiscalizar as Leis, promover a
acusação ou ainda, zelar pelos interesses dos cidadãos desafortunados
Observe-se que ao tentar localizar origens do Ministério Público, procuramos
sempre identificar a função de fiscalização.
Partindo desse pressuposto de identificação, a origem mais aceita do Ministério
Público deu-se, efetivamente, na França, com a criação das funções de procuradores
_____________
10 Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa on line. Disponível em: <http//:www.aurelioonline.com.br>.
Acesso em 20 abr. 2010.
24
do Rei, que cuidavam exclusivamente dos interesses reais. Foi a Ordenação Francesa
de 1302, editada no reinado de Felipe IV, chamado de o Belo, rei da França, o primeiro
diploma legal a tratar dos Procuradores do Rei.
Por volta de 1670, durante o reinado de Luís XIV, os procuradores do Rei
ganharam mais autonomia e passaram a exercer a função de acusadores oficiais do
Reino.
A Revolução Francesa de 1789 terminou por moldar a instituição do Ministério
Público tal como a conhecemos hoje, uma vez que a partir de 1792, os cidadãos que
exerciam a função de procuradores do Rei passaram a contar com as garantias da
independência e da inamovibilidade. Assim, passaram os mesmos a procuradores da
sociedade, defendendo os interesses da coletividade e zelando pela correta aplicação
das Leis.
A influência francesa na formação e consolidação da instituição foi tanta que o
vocábulo Parquet – usado por nós para significar o Ministério Público, é Francês e
representa as tábuas de madeira que formavam o assoalho sobre o qual os
procuradores do Rei, em pé, exerciam sua função perante os magistrados.
3.2 O MINISTÉRIO PÚBLICO SOB A ÓTICA DO DIREITO CONSTITUCIONAL
COMPARADO
Cada Estado tem um Ministério Público com funcionamento, organização, grau
de sujeição ou autonomia frente ao mundo político, diverso.
No que diz respeito à investigação criminal, alguns países adotam a atuação
direta do Ministério Público nessa fase e outros deixam a cargo exclusivo das Polícias
Judiciária, como é o caso do Ministério Público Americano.
O modelo mais comum de Ministério Público é aquele vinculado ao Poder
Executivo, tendo também modelos ministeriais vinculados ao Poder Judiciário ou ao
Poder Legislativo, e há Ministério Público como órgão independente, seria o Ministério
Público um quarto poder.
25
O modelo de Ministério Público conexo ao Poder Executivo é o mais freqüente
na perspectiva do constitucionalismo contemporâneo, compreendendo o
esquema de acusação como execução da política criminal do Governo, o qual
11
tem o poder de, em diferentes proporções, influir sobre os rumos daquele.
São exemplos de países que possuem Ministérios Públicos vinculados ao Poder
Executivo: França, Portugal e Estados Unidos da América.
O Ministério Público Francês é vinculado ao Poder Executivo. Esse órgão
Francês não recebeu tratamento constitucional, sendo regulado por Leis ordinárias.
Vigora nesse modelo o princípio da oportunidade da ação penal. Tem como
características: a dependência hierárquica e o princípio da unidade. Dependência
hierárquica, pois, todos os membros do Parquet dependem do Ministro da Justiça,
mantido no topo da pirâmide hierárquica, o princípio da unidade significa dizer que o
Promotor de Justiça atua em representação de todo o corpo do Ministério Público.
Na França a polícia judiciária é órgão subordinado ao Parquet, que é, por sua
vez, o órgão responsável pela investigação criminal, e em determinadas vezes, pela
sua condução.
Em Portugal vige a regra do princípio da oportunidade, podendo haver acordo
entre acusação e defesa.
Os membros do Ministério Público português são denominados magistrados do
Ministério Público, podendo praticar todos os atos necessários para uma apuração
criminal consistente, ou seja, o Parquet tanto pode requisitar a diligência à polícia
judiciária, como também pode realizar a diligência pessoalmente.
O Ministério Público americano é instituição denominada de “braço executivo do
governo”.
Nos Estados Unidos da América, a Instituição tem cunho político, sendo que
nesse país impera o princípio da oportunidade da ação penal, possuindo o
promotor ampla discricionariedade para tipificar os delitos, podendo, inclusive,
12
barganhar com o acusado, promovendo acordos.
No sistema criminal americano a investigação dos delitos é confiada à polícia
judiciária e às agências federais de investigação.
_____________
11 O Ministério Público e seu posicionamento em frente aos poderes do estado:uma analise sob
a ótica do direito constitucional comparado. Disponível em: <http://www.escolamp.org.br/arquivos
/revista _23_01.pdf>. Acesso em 20 abr. 2010.
12 LIMA, Marcellus Polastri. Ministério Público e Persecução criminal. 3 ed. revista e atualizada.
Lúmen Júris: Rio de Janeiro, 2002, p. 2.
26
Os sistemas caracterizados por um Ministério Público vinculado ao Poder
Executivo vêm sendo bastante criticados em certas doutrinas, por acreditarem serem
incompatíveis com o Estado Democrático de Direito, apontam inclusive que o poder
executivo “usa” o Ministério Público, para se sobrepor ao Poder Judiciário.
Modelos ministeriais vinculados ao Poder Legislativo são poucos, “embora este
seja o que concede em maior grau a legitimidade democrática requerida pela instituição
em tela no desempenho de suas funções de representantes da sociedade”.13
. Cuba e os Países Soviéticos são seguidores desse modelo.
[...] o sistema dos soviéticos e de seus seguidores não é o se pode chamar de
um exemplo a ser seguido, já que entre eles regia o principio da concentração
de poderes a serviço de um partido único, em favor do qual se delineava o
funcionamento do Legislativo, favorecendo sempre as verdadeiras instancias
14
executivas.
Ministério Público vinculado ao Poder Judiciário não é comum;
[...] haja vista que a aparição daquele como instituição está justamente
associada à introdução do princípio acusatório, o qual requer que um órgão, ao
mesmo tempo público e distinto do juiz, exerça a ação penal e sustente a
acusação.
15
O Ministério Público italiano é vinculado ao Poder Judiciário. Impera nesse
sistema o princípio da obrigatoriedade da ação penal. Suas atribuições são
semelhantes as do Parquet brasileiro.
Com relação a investigação criminal estas são conduzidas pela polícia e pelo
Ministério Público, porém, sob o controle direto de um juiz especifico para esta fase.
Ministério Público como órgão estatal independente é o modelo brasileiro, pois,
não está inserido dentro da esfera de nenhum dos três poderes, tem como princípio a
obrigatoriedade da ação penal.
_____________
13
O Ministério Público e seu posicionamento em frente aos poderes do estado:uma analise sob
a ótica do direito constitucional comparado. Disponível em: <http://www.escolamp.org.br/arquivos
/revista _23_01.pdf>. Acesso em 20 abr. 2010.
14 O Ministério Público e seu posicionamento em frente aos poderes do estado:uma analise sob
a ótica do direito constitucional comparado. Disponível em: <http://www.escolamp.org.br/arquivos
/revista _23_01.pdf>. Acesso em 20 abr. 2010.
15
O Ministério Público e seu posicionamento em frente aos poderes do estado:uma analise sob a
ótica do direito constitucional comparado. Disponível em: <http://www.escolamp.org.br/arquivos
/revista _23_01.pdf>. Acesso em 20 abr. 2010.
27
Com relação à fase pré-processual no Brasil, a condução das investigações
cabe, em regra, às Polícias Federais e Civis.
No entanto, o Ministério Público já realiza diretamente investigações criminais,
disciplinadas, pelos art. 26 da Lei federal 8.625/93 (Lei Orgânica dos Ministérios
Públicos Estaduais)16 que prevê a possibilidade de o Parquet requisitar diretamente
informações, exames periciais e documentos, intimação e oitiva de testemunhas, etc.,
poderes também assegurados pela Lei complementar nº 75/93, que disciplina a atuação
dos membros do Ministério Público da União17.
_____________
16 BRASIL. Presidência da República. Lei n. 8625 de 12 de fevereiro de 93. Institui a Lei Orgânica do
Ministério Público. Art. 26 “No exercício de suas funções, o Ministério Público poderá:
I - instaurar inquéritos civis e outras medidas e procedimentos administrativos pertinentes e, para
instruí-los:
a) expedir notificações para colher depoimento ou esclarecimentos e, em caso de não
comparecimento injustificado, requisitar condução coercitiva, inclusive pela Polícia Civil ou Militar,
ressalvadas as prerrogativas previstas em Lei;
b) requisitar informações, exames periciais e documentos de autoridades federais, estaduais e
municipais, bem como dos órgãos e entidades da administração direta, indireta ou fundacional, de
qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios;
c) promover inspeções e diligências investigatórias junto às autoridades, órgãos e entidades a que
se refere a alínea anterior;
II - requisitar informações e documentos a entidades privadas, para instruir procedimentos ou
processo em que oficie;
III - requisitar à autoridade competente a instauração de sindicância ou procedimento administrativo
cabível;
IV - requisitar diligências investigatórias e a instauração de inquérito policial e de inquérito policial
militar, observado o disposto no art. 129, inciso VIII, da Constituição Federal, podendo acompanhálos;
V - praticar atos administrativos executórios, de caráter preparatório;
VI - dar publicidade dos procedimentos administrativos não disciplinares que instaurar e das
medidas adotadas;
VII - sugerir ao Poder competente a edição de normas e a alteração da legislação em vigor, bem
como a adoção de medidas propostas, destinadas à prevenção e controle da criminalidade;
VIII - manifestar-se em qualquer fase dos processos, acolhendo solicitação do juiz, da parte ou por
sua iniciativa, quando entender existente interesse em causa que justifique a intervenção.
Disponível em: <http//: planalto.gov.br/leis/>. Acesso em 20 abr. 2010.
17 BRASIL. Presidência da República. Lei n. 8625 de 12 de fevereiro de 93. Institui a Lei Orgânica
do Ministério Público. Art. 8º “Para o exercício de suas atribuições, o Ministério Público da União
poderá, nos procedimentos de sua competência:
I - notificar testemunhas e requisitar sua condução coercitiva, no caso de ausência injustificada;
II - requisitar informações, exames, perícias e documentos de autoridades da Administração Pública
direta ou indireta;
III - requisitar da Administração Pública serviços temporários de seus servidores e meios materiais
necessários para a realização de atividades específicas;
28
A questão do aprimoramento da investigação criminal é um debate mundial, a
busca por um Ministério Público forte e cada vez mais próximo do Estado Democrático
de Direito é constante.
Felizmente, o Ministério Público brasileiro, alcançou com a Constituição de 1988,
sua excelência. Consolidou sua autonomia e independência, e passou a servir de
exemplo aos constitucionalistas contemporâneos.
3.3 O MINISTÉRIO PÚBLICO NO BRASIL
Na Constituição de 1934 o Ministério Público foi inserido no capítulo “Dos
órgãos de coordenação das atividades governamentais”, em coexistência com o
Tribunal de Contas e com os chamados Conselhos Técnicos. Por outro lado, a
Carta de 1937 não o contemplou. A Constituição de 1946 o dispôs em título
próprio, desvinculado dos três poderes; a de 1967 incluiu a instituição no âmbito
18
do Poder Judiciário. A Carta de 1969 inseriu o MP no Poder Executivo.
Observado o exposto, nota-se que apenas partir da Constituição de 1988, o
Ministério Público tem sua importância ampliada. Isso porque, no período republicano, o
MP tinha um tratamento que oscilava frequentemente, dependia sempre do momento
político em que o País se encontra, ou seja, o Parquet era bastante privilegiado em
períodos democráticos, tendo sua atuação limitada, e por vezes até anulada em
períodos autoritários.
Com a Constituição de 1988 a instituição foi inserida em capítulo próprio (“Das
Funções Essenciais à Justiça”) do título “Da Organização dos Poderes”, o que por certo
IV - requisitar informações e documentos a entidades privadas;
V - realizar inspeções e diligências investigatórias;
VI - ter livre acesso a qualquer local público ou privado, respeitadas as normas constitucionais
pertinentes à inviolabilidade do domicílio;
VII - expedir notificações e intimações necessárias aos procedimentos e inquéritos que instaurar;
VIII - ter acesso incondicional a qualquer banco de dados de caráter público ou relativo a serviço de
relevância pública;
IX - requisitar o auxílio de força policial”. Disponível em: <http//: planalto.gov.br/leis/>. Acesso em 20
abr. 2010.
18 GARCIA, Emerson. Ministério Público. Organizações, Atribuições e Regime Jurídico. 12ª ed.
Saraiva, 2005.
29
teve o escopo de romper a íntima ligação que havia entre a mesma e o Poder
Executivo.
Ainda assim, muito se discutia se o Ministério Público estava vinculado ao Poder
Judiciário ou ao Poder Executivo, ou ainda se seria um quarto poder.
O Parquet foi contemplado, ainda, com a autonomia financeira e administrativa, e
a independência funcional dos seus integrantes, conquistando também garantias até
então próprias e exclusivas dos magistrados como a vitaliciedade, a inamovibilidade e a
irredutibilidade de subsídio.
O constituinte originário buscou oferecer mais segurança e eficácia às atividades
dos membros do Ministério Público, uma vez que, livres de pressões políticas ou de
ingerências de integrantes dos outros Poderes, os mesmos passaram a ter todas as
condições necessárias para o pleno exercício das suas funções, imprescindíveis em um
Estado Democrático de Direito.
Atualmente, o Ministério Público é um órgão governamental, com poderes
amplos e responsabilidades sérias, sendo conhecido por “fiscal da aplicação da Lei”,
um “advogado” da sociedade brasileira, atuando alem dos processos judiciais.
O art. 127 da CF/88, traz o conceito certo dessa Instituição, “Ministério Público é
instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a
defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais
indisponíveis”.
O nosso ilustre Procurador de Justiça, Hugo Nigro Mazzilli, traduz a presença
social do Ministério Público dizendo:
Examinando-se a historia mais recente da instituição, traçadas nessas ultimas
duas décadas, é possível assegurar que se criou e se desenvolveu o que se
pode chamar de uma consciência nacional de Ministério Público. O ofício que a
instituição exerce passou a ser o elo comum a permitir pensar-se cada vez mais
no Ministério Público como instituição e nos seus agentes como órgãos
independentes; passou-se a identificar-lhe um fim a realizar no meio social e
não apenas a aceitá-la como um conjunto de organismos governamentais
19
estanques da União e dos Estados.
_____________
19 MAZZILLI, Hugo Nigro. Regime Jurídico do Ministério Público. São Paulo: Saraiva, 1933, p. 31
30
3.4 NATUREZA JURÍDICA
As principais classificações propostas para definir a natureza jurídica da
instituição são:
O MP é um órgão vinculado ao Poder Executivo;
O MP é um Poder Estatal, um “quarto poder”.
O MP é uma instituição constitucional, ou seja, órgão independente essencial à
função jurisdicional do Estado, sendo essa a mais coerente e harmônica definição
realizada a partir da interpretação dos dispositivos constitucionais relacionados ao tema
e, sobretudo, aos conceitos emanados do Direito Administrativo.
Os órgãos independentes são aqueles previstos na Constituição Federal,
integrados por agentes políticos e dispostos no topo da organização administrativa
estatal, sem estarem sujeitos a nenhum tipo de controle ou subordinação por outro
órgão, mas apenas de um Poder a outro.
Conforme lição do Ministro Sepúlveda Pertence, “a colocação tópica e o
conteúdo normativo da Seção revelam a renuncia, por parte do constituinte, de definir
explicitamente a posição do Ministério Público entre os Poderes do Estado”.20
3.5 PRINCÍPIOS INSTITUCIONAIS DO MINISTÉRIO PÚBLICO
O art. 127, §1º, da Constituição Federal traz expressamente os princípios
institucionais do Ministério Público, quais sejam, a unidade, a indivisibilidade e a
independência funcional. Os renomados professores Vicente Paulo e Marcelo
Alexandrino, assim conceituam os princípios:21
_____________
20 PAULO, Vicente; ALEXANDRINO, Marcelo. Direito Constitucional descomplicado. 3 ed., revisada
e atualizada. São Paulo: Método, 2008, p.661.
21 PAULO, Vicente; ALEXANDRINO, Marcelo. Direito Constitucional descomplicado. 3 ed., revisada
e atualizada. São Paulo: Método, 2008, p.662.
31
1 - unidade – a unidade do Ministério Público significa que seus membros
integram um só órgão, sob única direção de um procurador-geral.
2 - indivisibilidade –os membros do Ministério Público não se vinculam aos
processos em que atuam, podendo ser substituídos uns pelos outros, de acordo com as
regras legais, sem nenhum prejuízo para o processo.
3 - independência funcional – os membros do Ministério Público representam a
instituição, e nesse sentido, não mantêm relação de subordinação a quem quer que
seja, somente à Constituição, às Leis e a própria consciência.
3.6
AS
FUNÇÕES
INSTITUCIONAIS
DO
MINISTÉRIO
PÚBLICO
FACE
À
CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988
Algumas funções institucionais do Parquet arroladas no art. 129 do texto
constitucional, são constantemente lembradas tanto pelos que defendem a existência
da figura do “promotor investigador” como por aqueles que entendem não ser possível
a investigação criminal direta pelo membro do MP.
Importante ressaltar que o rol do art. 129 não é exaustivo, como claramente
deflui-se do inciso IX, podendo outras competências serem outorgadas ao Ministério
Público, desde que compatíveis com a missão constitucional do órgão.
Assim, são funções institucionais do Ministério Público nos termos da CF de
1988:
3.6.1 Promover, privativamente, a ação penal pública, nos termos da Lei (art. 129,
I, CF)
32
Antes da Constituição de 1988 havia os procedimentos judiciais ex-officio,
segundo os quais cabia ao magistrado dar início à persecução penal, ou, ainda, à
autoridade policial, na hipótese prevista no art. 26 do Código de Processo Penal. 22
Hoje, de acordo com o sistema acusatório no processo penal brasileiro, cabe ao
Ministério Público a titularidade exclusiva da ação penal pública, ressalvada,
logicamente, a possibilidade da ação penal privada subsidiária da pública.
Assim sendo, o MP forma sua opinio delicti acerca da prática, em tese, de um
fato definido como crime ou contravenção penal e por meio da denúncia ele dá o
impulso inicial para atuação da jurisdição do Estado no caso em concreto.
Ressalte-se, ainda, que caberá única e exclusivamente ao Ministério Público a
decisão sobre a possibilidade ou não de se intentar a ação penal, uma vez que, nos
termos do art. 28 do CPP, ainda que o juiz rejeite o pedido de arquivamento do
inquérito policial realizado pelo promotor de Justiça, caberá ao Procurador-Geral de
Justiça dar a última palavra sobre a questão, à qual o magistrado deve, então, atender.
Importante nesse contexto entendermos que a ação penal não pode ser proposta
a qualquer custo, como se fosse o Parquet obrigado a promovê-la. Deverá haver o
lastro probatório mínimo para se sustentar uma denúncia.
A obrigatoriedade da ação penal pública é o exercício de um poder-dever,
conferido ao Ministério Público, de exigir do Estado-juiz a devida prestação jurisdicional
a fim de satisfazer a pretensão acusatória estatal, restabelecendo a ordem jurídica
violada. Trata-se de um múnus público constitucional conferido ao Ministério Público
pela sociedade, através do exercício do poder constituinte originário.23
Surge a obrigatoriedade com a presença de um fato típico, ilícito e culpável. Se
há elementos que viabilizam o exercício da ação penal, não tem o Ministério Público
discricionariedade para oferecer ou não a denuncia, é um poder-dever do Parquet
promover a ação penal pública.
_____________
22 BRASIL. Lei n. 3689 de 3 de outubro de 1941. Código de Processo Penal. Art. 26 “A ação penal,
nas contravenções, será iniciada com o auto de prisão em flagrante ou por meio de portaria expedida
pela autoridade judiciária ou policial”. Disponível em: <http//: planalto.gov.br/codigos>. Acesso em 20
abr. 2010.
23 RANGEL, Paulo. Investigação Criminal Direta pelo Ministério Público: Visão Crítica. 3 Ed.
Revista, ampliada e atualizada. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009, p. 164.
33
3.6.2
Expedir
notificações
nos
procedimentos
administrativos
de
sua
competência, requisitando informações e documentos para instruí-los, na forma
da Lei complementar respectiva ( art. 129, VI, CF).
Questão essencial para a defesa da possibilidade de o Ministério Público
realizar, diretamente, investigações criminais, é essa função que a Constituição Federal
consagrou ao Ministério Público no art. 129, VI 24.
Essa artigo constitucional prevê no âmbito Ministerial, haver procedimentos
investigatórios próprios, que possibilitam ao membro do Parquet, realizar investigação
preliminar preparatória da ação penal, se necessário for.
A Lei complementar nº 75/93, que trata das atribuições do Ministério Público da
União, apresenta, em seu art.7º, caput, que “incumbe ao Ministério Público da União,
sempre que necessário ao exercício das suas funções institucionais: VII - expedir
notificações e intimações necessárias aos procedimentos e inquéritos que instaurar”.
No mesmo sentido, a Lei 8.625/93, que traz normas gerais para a organização e
funcionamento dos Ministérios Públicos Estaduais, dispõe, em seu art. 26, que “no
exercício de suas funções, o Ministério Público poderá: I - instaurar inquéritos civis e
outras medidas e procedimentos administrativos pertinentes e, para instruí-los: a)
expedir notificações para colher depoimento ou esclarecimentos e, em caso de não
comparecimento injustificado, requisitar condução coercitiva, inclusive pela Polícia Civil
ou Militar, ressalvadas as prerrogativas previstas em Lei”.
Diante do exposto na Constituição Federal e, principalmente, pelas Leis
orgânicas dos Ministérios Públicos Federais e Estaduais, não restam dúvidas acerca da
possibilidade de o Parquet expedir notificações e requisitar informações e documentos
com a finalidade de instruir procedimentos administrativos de sua competência, quais
sejam, os inquéritos civis.
_____________
24 BRASIL. Presidência da República. Constituição da República Federativa do Brasil. Art 129, VI: “São
funções institucionais do Ministério Público: VI - expedir notificações nos procedimentos
administrativos de sua competência, requisitando informações e documentos para instruí-los, na
forma da Lei complementar respectiva.”. Disponível em : <http//:www.planalto.gov.br/constituicao.>.
Acesso em 20 abr. 2010.
34
3.6.3 Exercer o controle externo da atividade policial, na forma da Lei
complementar mencionada no artigo anterior. (art. 129, VII)
Na lição do ilustre promotor de Justiça Emerson Garcia25, essa função
institucional do Ministério Público não diz respeito a qualquer relação de subordinação
ou hierarquia, mas sim de função correcional extraordinária exercida pelo Parquet,
paralelamente à função correcional ordinária existente no âmbito interno dos órgãos
policiais (no caso, as Corregedorias de Polícia). Nos termos do art. 9º da Lei
complementar 75/93, também aplicado de forma subsidiária ao Ministério Público dos
Estados:
Art. 9º O Ministério Público da União exercerá o controle externo da atividade
policial por meio de medidas judiciais e extrajudiciais podendo:
I - ter livre ingresso em estabelecimentos policiais ou prisionais;
II - ter acesso a quaisquer documentos relativos à atividade-fim policial;
III - representar à autoridade competente pela adoção de providências para
sanar a omissão indevida, ou para prevenir ou corrigir ilegalidade ou abuso de
poder;
IV - requisitar à autoridade competente para instauração de inquérito
policial sobre a omissão ou fato ilícito ocorrido no exercício da
atividade policial;
V - promover a ação penal por abuso de poder não se trata de relação
de subordinação ou hierarquia.
Paulo Rangel nos traz sua ilustre conclusão:
Destarte, o Ministério Público, se exerce o controle externo da atividade policialfim, que é a investigação criminal, com o escopo de se apurar a pratica de
infração penal, claro nos parece, mais uma vez, que pode (e se necessário for,
deve) realizar diretamente quaisquer diligencias investigatórias a fim de formar
sua opinio delicti. A própria Lei Orgânica do Ministério Público da União, ao
dispor que o Ministério Público pode “ter acesso a quaisquer documentos
relativos à atividade-fim policial” (art. 9º, II, da LC 75/93) deixa consignado que
26
tal acesso pode ser feito, pessoal e diretamente, pelo Parquet.
_____________
25 GARCIA, Emerson. Ministério Público – Organização, Anotações e Regime Jurídico. Rio de
Janeiro: Lúmen Júris, 2004.
26 RANGEL, Paulo. Investigação Criminal Direta pelo Ministério Público: Visão Crítica. 3 Ed.
Revista, ampliada e atualizada. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009, p. 179.
35
3.6.4 Requisitar diligências investigatórias e a instauração do inquérito policial,
indicados os fundamentos jurídicos de suas manifestações processuais (art. 129,
VIII, CF).
Nesse ponto, a Constituição Federal de 1988 foi clara ao dispor que, em se
tratando de investigação criminal, o órgão do Ministério Público deve requisitar à
autoridade policial a instauração do competente inquérito. Requisitar, neste sentido, tem
o significado de exigir, de pedir com autoridade. E nesses termos, o delegado de polícia
(federal, no caso do Ministério Público da União e civil, no caso dos Ministérios Públicos
dos Estados) deve atender à demanda sob pena de incorrer em ato de improbidade
administrativa (art. 11, II da Lei 8429/9227) ou mesmo, em crime de prevaricação (art.
319 do Código Penal28).
Diz o art. 47 do CPP:
Art. 47 – Se o Ministério Público julgar necessário maiores esclarecimentos e
documentos complementares ou novos elementos de convicção, deverá
requisitá-los, diretamente, de quaisquer autoridades ou funcionários que devam
ou possam fornecê-lo (sem grifos no original).
_____________
27 BRASIL. Lei 8429 de 2 de junho de 1992. Dispõe sobre as sanções aplicáveis aos agentes públicos
casos de enriquecimento ilícito no exercício de mandato. Art. 11, II: “Constitui ato de improbidade
administrativa que atenta contra os princípios da administração pública qualquer ação ou omissão
que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade, e lealdade às instituições, e
notadamente: II - retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício”. Disponível em: <http//:
planalto.gov.br/codigos>. Acesso em 20 abr. 2010.
28 BRASIL. Decreto Lei 2848 de 7 de dezembro de 1940. Institui o Código Penal. Art. 329: “Retardar
ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício, ou praticá-lo contra disposição expressa de Lei,
para satisfazer interesse ou sentimento pessoal. Pena – detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano, e
multa”. Disponível em: <http//: planalto.gov.br/ccivil03/códigos/del2848>. Acesso em 20 abr. 2010.
36
CAPITULO 4 - INVESTIGAÇÃO CRIMINAL DIRETA PELO MINISTÉRIO PÚBLICO
Apresentados os conceitos pertinentes ao tema desta monografia, chega-se ao
momento de analisar a questão central do trabalho – Investigação Criminal direta pelo
Ministério Público: uma abordagem à luz da CF/88
Duas correntes disputam, de forma apaixonada, um debate doutrinário intenso
no meio jurídico brasileiro. Cada uma delas possui notáveis defensores e argumentos
consideráveis, o que certamente contribui de forma inestimável para tornar a discussão
muito interessante.
A primeira corrente defende dentre outros argumentos, que o Ministério Público
pode realizar investigações criminais, através de procedimento administrativo próprio o
PIC (procedimento investigatório criminal); a apuração das infrações penais pelo
Parquet corresponderia plenamente às suas funções institucionais elencadas na
Constituição Federal de 1988, que assegurou ao MP, inclusive, a titularidade da ação
penal pública.
Entre os defensores dessa tese estão José Frederico Marques, Júlio Fabbrini
Mirabete, Hélio Tornaghi, Hugo Nigro Mazzili, bem como os ilustres representantes do
Ministério Público Eugênio Pacelli de Oliveira, Marcellus Polastri Lima, Emerson Garcia,
Luciano Feldens, Lênio Luiz Streck, Denilson Feitoza, Fernando Capez e Paulo Rangel.
Do outro lado, estão aqueles que acreditam que a Constituição Federal de 1988
veda a investigação criminal direta pelo Ministério Público. As apurações das infrações
penais e de sua autoria cabem, constitucionalmente, à polícia judiciária e, portanto, sem
previsão legal expressa, o MP não teria legitimidade para realizar a investigação
criminal.
Entre os que defensores dessa tese estão José Afonso da Silva, Miguel Reali
Júnior, Eduardo Reale, José Carlos Fragoso, Antônio Scarance Fernandes, Guilherme
de Souza Nucci e Rogério Lauria Tucci.
Neste sentido, passa-se a analisar alguns conceitos básicos pertinentes ao tema,
passando-se aos princípios constitucionais pertinentes a investigação criminal direta
pelo Parquet, os argumentos contrários e favoráveis da respectiva investigação, bem
37
como uma rápida abordagem do procedimento que regulamenta a investigação
ministerial e a posição dos tribunais superiores.
4.1 CONCEITO DE INVESTIGAÇÃO CRIMINAL
Investigar significa: seguir os vestígios de; pesquisar, proceder a diligências;
empenhar-se em descobrir: investigar a autoria de um crime.29
A investigação criminal é um procedimento administrativo pré-processual,
desempenhada por órgãos públicos, na maioria das vezes pela Polícia Judiciária.
Apesar de considerada procedimento administrativo, podem ser praticados atos
judiciais e jurisdicionais, como por exemplo, uma medida cautelar.
A investigação criminal feita pela Polícia tem como objetivo apurar a verdade,
indícios consistentes e suficientes, mas ao contrario do que muitos pensam, essa
apuração visa favorecer tanto a defesa quanto a acusação.
Esse
procedimento
investigatório
pré-processual
tem
uma
importância
gigantesca, ao passo que é o alicerce da manutenção da ordem pública, pois se fadada
ao insucesso, fomentará a impunidade, e consequentemente a criminalidade. Porém,
se os resultados forem satisfatórios, teremos uma ação penal fundamentada em
trabalho sério, em provas robustas e sem contradições, punindo quem realmente
merece ser punido, sem lastro de injustiça.
4.2 HIPÓTESES DE INVESTIGAÇÃO DIRETA
_____________
29 Dicionário on line de português. Disponível em: <http://www.dicio.com.br/investigar/>. Acesso em: 20
abr. 2010.
38
A classificação das investigações na fase pré-processual realizadas pelo
Ministério Público será dividida em três grupos, de acordo com o estágio de apuração
dos fatos.
-Investigação direta originaria: se dá quando o Ministério Público inicia a
apuração de um crime por conta própria, sem envolver a polícia, mesmo que, em etapa
posterior, venha requisitar o auxilio desta.30
È utilizada esta modalidade de investigação quando:
- o autor do fato é alguém capaz de exercer pressões contra a apuração policial.
- a noticia do crime chega diretamente ao promotor.
- polícia se recusa a investigar um crime, por motivos diversos.
O ilustre defensor Público Manuel Sabino, bem ilustra os tipos de pressões a que
estão sujeitas as investigações criminais, quando lembra um caso ocorrido em 2004:
caso envolvendo o chamado "marketeiro" pessoal do Presidente da República,
o senhor Duda Mendonça. Após sua prisão por promover e participar de uma
rinha de galo, dois policiais federais que participaram da ação foram
ameaçados de transferência e o Delegado responsável foi afastado de sua
chefia. Mais recentemente, o Delegado Federal Antônio Rayol, autor do
flagrante, foi indiciado pela Polícia Federal, acusado de "concorrer para
escândalo público" e "arranhar publicamente a reputação da PF". Como que por
mágica, o investigador passou a ser o indiciado.31
-Investigação direta derivada: [...] o Ministério Público toma conhecimento de
uma determinada infração penal através de outro tipo de procedimento decorrente de
sua atuação, seja de natureza cível ou criminal.32
Tendo dessa forma duas opções: determinar a abertura de inquérito ou
denunciar diretamente.
-Investigação direta revisora: ocorre quando o Ministério Público procura
confirmar os dados e as conclusões fornecidas pela polícia. 33
_____________
30
Investigação Criminal pelo
inadmissibilidade. Disponível em:
2010.
31
Investigação Criminal pelo
inadmissibilidade. Disponível em:
2010.
32
Investigação Criminal pelo
inadmissibilidade. Disponível em:
2010.
Ministério Público:Uma crítica aos argumentos pela sua
http://jus2.uol.com.br/Doutrina/texto.asp?id=8221. Acesso em 10 abr.
Ministério Público:Uma crítica aos argumentos pela sua
http://jus2.uol.com.br/Doutrina/texto.asp?id=8221. Acesso em 10 abr.
Ministério Público:Uma crítica aos argumentos pela sua
http://jus2.uol.com.br/Doutrina/texto.asp?id=8221. Acesso em 10 abr.
39
4.3 PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS PERTINENTES À INVESTIGACAO CRIMINAL
DIRETA PELO MINISTÉRIO PÚBLICO
Esta seção refere-se a dois princípios constitucionais diretamente relacionados à
discussão do tema proposto: Investigação Criminal direta pelo Ministério Público: uma
abordagem à luz da CF/88.
Para que seja entendida a real importância dos princípios dentro do nosso
ordenamento jurídico, impõe-se conceituá-los.
Para Celso Antônio Bandeira de Mello:
Os princípios são por definição, mandamentos nucleares de um sistema,
verdadeiros alicerces dele, e ainda disposições fundamentais que se irradiam
sobre diferentes normas, compondo-lhes o espírito e servindo de critério para a
sua exata compreensão e inteligência, exatamente por definirem a lógica e a
racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a tônica e lhe dá
sentido harmônico. É o conhecimento dos princípios que preside a intelecção
das diferentes partes componentes do todo unitário que é o sistema jurídico
34
positivo. 35
4.3.1 Princípio do Devido Processo Legal
A Constituição Federal consagra em seu art. 5º, LIV, que, ninguém será privado
da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal.
Esta é a conceituação mais simples do princípio do devido processo legal.
33
Investigação Criminal pelo Ministério Público:Uma crítica aos argumentos pela sua
inadmissibilidade. Disponível em: http://jus2.uol.com.br/Doutrina/texto.asp?id=8221. Acesso em 10 abr.
2010.
34 MELLO, Celso Antônio Bandeira. Elementos de Direito Administrativo. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 1981. p. 230.
35 AMARAL, Júlio Ricardo de Paula. Princípios de processo civil na Constituição Federal. Jus
Navigandi, Teresina, a. 4, n. 46, out. 2000. Disponível em: <http://www1.jus.com.br/doutrina>.
Acesso em: 10 mai. 2010.
40
O ilustre Professor Guilherme de Souza Nucci assevera:
O principio do devido processo legal é, sem duvida, o aglutinador dos inúmeros
princípios processuais penais (art. 5º, LIV, CF). Constitui o horizonte a ser
perseguido pelo Estado democrático de Direito, fazendo valer os direitos e
garantias humanas fundamentais. Se esses forem assegurados, a persecução
penal se faz sem qualquer tipo de violência ou constrangimento ilegal,
representando o necessário papel dos agentes estatais na descoberta,
36
apuração e punição do criminoso.
Observa-se que o principio do devido processo legal, engloba diversas, senão a
maioria, das garantias do processo, implícitas em sua interpretação.
Suannes depreende da garantia do devido processo legal um dos argumentos
que contrariam a legitimidade dos procedimentos investigatórios criminais presididos
pelo Ministério Publico. Segundo o autor, não parece razoável que, havendo um órgão
destinado às investigações criminais, a polícia judiciária, o Ministério Público
sobreponha-se a ele para exercer a mesma função.37
Rangel entende diferente e assegura que;
[...] a atuação do Ministério Público, se for exercida através do devido processo
legal em seu duplo enfoque (instrumental e substantivo), é garantia do acusado
de que todos os direitos previstos na ordem jurídica constitucional lhe serão
assegurados, com a certeza da imparcialidade não só do órgão julgador, mas
também do órgão fiscalizador da Lei. Assim, afasta-se a idéia de que o
Ministério Público é órgão acusador e compreende-se seu verdadeiro papel
constitucional de instituição guardiã da ordem jurídica, do regime democrático e
38
dos interesses sociais e individuais indisponíveis (art. 127, caput, da CRFB).
Percebe-se que há nítido confronto dos valores implícitos que guardam o devido
processo legal. De um lado é necessário respeitar o nosso sistema processual penal,
qual seja, o acusatório, e o que ele dispõe que é a divisão das funções inerentes à
persecução penal entre os diversos órgãos que nela atuam: autor, juiz e réu. O autor
aqui é o Ministério Público, e este estaria acumulando as funções de investigar e
desencadear a ação penal.
Ao mitigar-se o devido processo legal, haverá sérios riscos de se ignorar a
igualdade do processo, a paridade de armas e o contraditório.
_____________
36 NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Processo Penal e Execução Penal. 5 ed. revista,
atualizada. e ampliada. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008, p. 96.
37 SUANNES, Adauto S. 2004 apud CASTRO, Bruna Azevedo de. A atuação do Ministério Público
nas investigações criminais à luz dos princípios constitucionais relacionados. Disponível em:
<http://www2.uel.br/revistas/direitopub/pdfs/vol_02/ANO1_VOL_2_01.pdf>. Acesso em 20 abr. 2010.
38 RANGEL, Paulo. Investigação Criminal Direta pelo Ministério Público: Visão Crítica. 3 Ed.
Revista, ampliada e atualizada. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009, p. 63
41
Por outro lado, ao se buscar o verdadeiro alcance do princípio do devido
processo legal, conclui-se que aquele que tem sua liberdade ameaçada tem o direito de
ter as investigações criminais a seu respeito feitas de forma segura e imparcial,
desvinculada de qualquer vício ou pressão política superior. E nesse caso, o Parquet é
órgão essencial na investigação criminal direta, uma vez que, por ser órgão
responsável pela defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses
sociais e individuais indisponíveis, deve e pode assegurar uma persecução criminal
justa.
4.3.2 Princípio do Contraditório
A Constituição Federal consagra em seu art. 5º, LV, que, aos litigantes, em
processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o
contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes.
O contraditório é inerente ao sistema acusatório adotado por nós, e traduz o
direito da outra parte de também ser ouvida face á pretensão punitiva exercida pelo
Ministério Público.
Na opinião de Suannes;
Quando membros do Ministério Público tomam depoimentos em seus
gabinetes, ainda que – e principalmente – não esteja instaurada a ação penal,
afasta-se o princípio do contraditório ante a ausência da publicidade do ato que
39
deveria ser processual e não investigatório.
Rangel traz sua opinião, porém, em sentido contrário, dizendo que;
[...] se na fase preliminar preparatória da ação penal não há o contraditório por
inexistir acusação, a colheita de provas feita, diretamente, pelo Ministério
Público não ofende a Constituição, mas sim, como vamos ver mais abaixo,
garante ao indiciado, ou autor, em tese, do fato, que a mesma colheita seja feita
por um órgão independente, imparcial quanto ao direito material dito violado e
dentro do devido processo legal, pois, como dominus litis que é o Ministério
Público, se não houver justa causa para a propositura da ação penal, o
_____________
39 SUANNES, Adauto S. 2004 apud CASTRO, Bruna Azevedo de. A atuação do Ministério Público
nas investigações criminais à luz dos princípios constitucionais relacionados. Disponível em:
<http://www2.uel.br/revistas/direitopub/pdfs/vol_02/ANO1_VOL_2_01.pdf>. Acesso em 20 abr. 2010.
42
arquivamento é medida de justiça que deve ser adotado, tudo em conformidade
com os arts. 127, caput, da CRFB c/c 43, III, do CPP.
E mais: o fato de haver contraditório durante a investigação criminal levada a
efeito pelo Ministério Público não significa dizer que o investigado não tem
direitos previstos na Constituição. Tem e devem ser preservados, sob pena de
afronta ao texto constitucional que deve ser tutelado pelo Ministério Público (art.
40
127, caput, da CRFB).
4.4 SÍNTESE DOS ARGUMENTOS FAVORÁVEIS À INVESTIGAÇÃO CRIMINAL
DIRETA PELO MINISTÉRIO PÚBLICO
4.4.1 Previsão Constitucional e Infraconstitucional
A corrente que defende que a investigação ministerial criminal direta pelo
Ministério Público, aponta a existência de previsão constitucional e infraconstitucional,
permitindo esse ato.
A nossa Constituição traz no artigo 129, referente às funções institucionais do
Ministério Público a atribuição do mesmo de realizar diretamente a investigação
criminal.
Quanto à ordem infraconstitucional prevêem o art. 26, inciso I, da Lei n. 8.625/93
(Lei Orgânica Nacional do Ministério Público)41 e o art. 8º da Lei Complementar 75/9342
_____________
40 RANGEL, Paulo. Investigação Criminal Direta pelo Ministério Público: Visão Crítica. 3 Ed.
Revista, ampliada e atualizada. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009, p. 67 e 68
41 BRASIL. Presidência da República. Lei n. 8625 de 12 de fevereiro de 93. Institui a Lei Orgânica
do Ministério Público. Art. 26: “No exercício de suas funções, o Ministério Público poderá:
I - instaurar inquéritos civis e outras medidas e procedimentos administrativos pertinentes e, para
instruí-los:
a) expedir notificações para colher depoimento ou esclarecimentos e, em caso de não
comparecimento injustificado, requisitar condução coercitiva, inclusive pela Polícia Civil ou Militar,
ressalvadas as prerrogativas previstas em Lei;
b) requisitar informações, exames periciais e documentos de autoridades federais, estaduais e
municipais, bem como dos órgãos e entidades da administração direta, indireta ou fundacional, de
qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios;
43
que o membro do Ministério Público pode investigar diretamente notícias de crimes e
contravenções, instaurando para tanto procedimento administrativo. Isto, na realidade,
trata-se de uma conseqüência lógica do princípio da exclusividade da promoção da
ação penal - art. 129, inciso I da CF-88.
Será feito aqui uma breve análise ao artigo 129 da Constituição Federal,
expondo as razões que fazem com que esse dispositivo seja um permissivo ao
Ministério Público investigar diretamente os crimes;
Art. 129. São funções institucionais do Ministério Público:
I - promover, privativamente, a ação penal pública, na forma da Lei;
VI - expedir notificações nos procedimentos administrativos de sua
competência, requisitando informações e documentos para instruí-los, na forma
da Lei complementar respectiva;
VII - exercer o controle externo da atividade policial, na forma da Lei
complementar mencionada no artigo anterior;
VIII - requisitar diligências investigatórias e a instauração de inquérito policial,
indicados os fundamentos jurídicos de suas manifestações processuais;
IX – exercer outras funções que lhe forem conferidas, desde que compatíveis
com sua finalidade, sendo-lhe vedada a representação judicial e a consultoria
jurídica de entidades públicas.
O inciso I do referido artigo traz o Ministério Público como titular da ação penal
pública, podendo dessa forma além de requisitar as diligências, também realizá-las,
quando necessárias, pois, a ele cabe chegar à certeza de autoria e materialidade do
fato, afinal, por ele será feito a denúncia, que por sua vez deverá ser justa.
c) promover inspeções e diligências investigatórias junto às autoridades, órgãos e entidades a que
se refere a alínea anterior;
42 BRASIL. Presidência da República. Lei n. 8625 de 12 de fevereiro de 93. Institui a Lei Orgânica
do Ministério Público. Art. 8º Para o exercício de suas atribuições, o Ministério Público da União
poderá, nos procedimentos de sua competência:
I - notificar testemunhas e requisitar sua condução coercitiva, no caso de ausência injustificada;
II - requisitar informações, exames, perícias e documentos de autoridades da Administração Pública
direta ou indireta;
III - requisitar da Administração Pública serviços temporários de seus servidores e meios materiais
necessários para a realização de atividades específicas;
IV - requisitar informações e documentos a entidades privadas;
V - realizar inspeções e diligências investigatórias;
VI - ter livre acesso a qualquer local público ou privado, respeitadas as normas constitucionais
pertinentes à inviolabilidade do domicílio;
VII - expedir notificações e intimações necessárias aos procedimentos e inquéritos que instaurar;
VIII - ter acesso incondicional a qualquer banco de dados de caráter público ou relativo a serviço de
relevância pública;
IX - requisitar o auxílio de força policial.” Disponível em: <http//:planalto.gov.br/cccivil/8625>. Acesso
em 20 abr. 2010.
44
Esse inciso é fundamentado por uma máxima que diz “Quem pode o mais pode
o menos”, para explicar que, se o Ministério Público pode e deve promover a ação
penal pública, pode e deve colher, direta e pessoalmente, as provas necessárias para a
formação de sua convicção, a fim de propor a ação.
No inciso VI, o poder de expedir notificações nos procedimentos administrativos
de sua competência e de requisitar informações e documentos para instruí-los, abrange
tanto a esfera cível quanto a criminal.
As normas que conferem direitos não podem ter interpretação restritiva, por isso,
é dever do Parquet apurar condutas lesivas mesmo que diretamente, pois, a
investigação deve ser consistente, afinal, está em jogo um bem maior: a liberdade de
uma pessoa.
Hugo Nigro Mazilli traduz esse inciso de forma brilhante:
No inc. VI do art. 129, da Constituição, cuida-se de procedimentos
administrativos de atribuição do Ministério Público- e aqui também se incluem
investigações destinadas à coleta direta de elementos de convicção para formar
sua opinio delictis: se os procedimentos administrativos a que se refere esse
inciso fossem apenas de matéria cível, teria bastado o inquérito civil de que
cuida o inc. III. O inquérito civil nada mais é que um procedimento administrativo
de atribuição ministerial. Mas o poder de requisitar informações e diligencias
não se exaure na esfera civil; atinge também a área destinada a investigações
43
criminais.
O inciso VII, atribui ao Parquet o controle externo da atividade policial, e essa
atribuição é feita de forma ampla, pois, a fiscalização feita por esse órgão é sobre a
atividade fim da polícia, qual seja, apurar a prática de uma infração penal.
O destinatário final dessa apuração é o Parquet, por isso, se durante a
fiscalização houver indícios de erro por parte da Policia, ele poderá pessoalmente
checar as informações.
Não se trata de um controle interna corporis como se o Ministério Público fosse
corregedor dos atos administrativos da Policia, sua função é que a culpa seja formada
de maneira segura.
Parte do inciso VIII trata da atribuição que o MP tem de requisitar diligências
investigatórias. Essa requisição é uma ordem dada a polícia, que por sua vez não pode
rejeitá-la. Temos aqui mais um exemplo de inciso fundamentado na máxima “Quem
_____________
43 RANGEL, Paulo. Investigação Criminal Direta pelo Ministério Público: Visão Crítica. 3 Ed.
Revista, ampliada e atualizada. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009, p. 173.
45
pode o mais pode o menos”, pois, se o Ministério Público é competente para exigir que
se faça, não pode ser negado a ele o direito de fazê-lo, pessoalmente.
A LC nº 75/93, art. 8º é a Lei que o inciso VIII, precisava para fundamentar a
legitimidade para que o Ministério Público possa realizar investigações criminais diretas,
pois, ela regulamenta as atribuições do Ministério Público da União nos procedimentos
de sua competência, o que incluem, procedimentos criminais.
O professor e jurista, Dr. Sérgio Demoro Hamilton, em um raro parecer citado por
Paulo Rangel em uma de suas obras faz os seguintes questionamentos:44
Por que o Ministério Público pode requisitar diligências á autoridade policial
(que, obviamente, não podem ser desatendidas ) e não dispõe do poder de, ele
mesmo, realizá-las?
(...)
Por que o Ministério Público pode requisitar diretamente provas diversas
(documental, pericial, etc.) mas lhe seria vedada a colheita direta da prova oral?
E é o próprio mestre que responde, ao analisar os poderes conferidos
explicitamente pela Constituição ao Ministério Publico (art. 129, I, c/c VIII da
CRFB).
...de nada valeriam tais poderes, caso o Ministério Público não pudesse, sponte
sua, promover de forma autônoma a investigação necessária quando a Policia
não se apresente capaz – não importa a razão – de obter dados indispensáveis
para o exercício de dever afeto à Instituição.
(...)
Na verdade, como de fácil compreensão, a Constituição Federal, ao conferir ao
Ministério Público a faculdade de requisitar e de notificar (art.129, VI), deferelhe, ipso facto, o poder de investigar, no qual aquelas atribuições se subsumem.
Os três requisitos exigidos no inciso IX do referido artigo são; 1- que a função
seja definida em Lei; 2- que seja compatível com a finalidade do Parquet; 3- que não
seja representação judicial ou consultoria jurídica de entidades públicas.
Analisado os três requisitos exigíveis temos: 1- a função de investigar é definida
dentre outras na Lei Complementar nº 75/93, art. 8, V, que diz “Para o exercício de suas
atribuições, o Ministério Público da União poderá, nos procedimentos de sua
competência: V - realizar inspeções e diligências investigatórias. 2- uma das finalidades
institucionais do Parquet conforme menciona o art. 127 da CF é, “O Ministério Público é
instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a
defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais
_____________
44 RANGEL, Paulo. Investigação Criminal Direta pelo Ministério Público: Visão Crítica. 3 Ed.
Revista, ampliada e atualizada. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009, p. 197
46
indisponíveis.”, ou seja, o Ministério Público possui todos os requisitos exigidos para
exercer outras funções, como por exemplo, exercer a de investigar.
A prerrogativa Constitucional dada ao Ministério Público para realizar
diretamente as investigações criminais, é inerente ao sistema acusatório, uma vez que
esse órgão ao propor, privativamente, a ação penal pública, carrega dessa forma o
ônus, exclusivo, da prova, e assim, deverá ter uma convicção certa e idônea para
sustentar a imputação penal.
Nesse caso, o poder persecutório direto pelo Ministério Público é uma garantia
constitucional, que tem por fim, resguardar o acusado de não ser processado e julgado
injustamente.
4.4.2 A Polícia Judiciária não detém a exclusividade da Investigação Criminal
Para melhor entendermos a corrente favorável á investigação criminal direta pelo
MP, por entender não ser monopólio da polícia tal ato, iniciaremos analisando o artigo
144 da Constituição Federal, ponto controverso dessa questão.
O artigo 144, 1º, I, e 4º45 atribuem às Policias Civil e Federal, o dever de
investigar ilícitos penais, essa atribuição, no entanto, não exclui a de outras autoridades
administrativas, assim como exposto no art. 4º, p. un. do Código de Processo Penal.
No parágrafo único do referido artigo temos:
_____________
45 BRASIL. Presidência da República. Constituição da República Federativa do Brasil. Art. 144. ”A
segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a
preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos
seguintes órgãos: (...)
§ 1º A polícia federal, instituída por Lei como órgão permanente, organizado e mantido pela União e
estruturado em carreira, destina-se a: I - apurar infrações penais contra a ordem política e social ou
em detrimento de bens, serviços e interesses da União ou de suas entidades autárquicas e
empresas públicas, assim como outras infrações cuja prática tenha repercussão interestadual ou
internacional e exija repressão uniforme, segundo se dispuser em Lei;
§ 4º - às polícias civis, dirigidas por delegados de polícia de carreira, incumbem, ressalvada a
competência da União, as funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais, exceto as
militares”.
47
Art. 4º A polícia judiciária será exercida pelas autoridades policiais no território
de suas respectivas circunscrições e terá por fim a apuração das infrações
penais e da sua autoria.
Parágrafo único. A competência definida neste artigo não excluirá a de
autoridades administrativas, a quem por Lei seja cometida a mesma função.
Se entendermos pela exclusividade da polícia em realizar investigações
criminais, estaríamos prejudicando diversos órgãos administrativos que apuram ilícitos
penais, como os setores próprios da Receita Federal e do Banco Central.
Uma norma jurídica não deve ser interpretada isoladamente, mas, deve-se
utilizar o método sistemático, segundo o qual cada preceito é parte integrante de um
corpo, analisando-se todas as regras em conjunto, a fim de que possamos entender o
sentido de cada uma delas.
Nesse sentido, Lênio Streek e Luciano Feldens, dizem;
Logicamente, ao referir-se à “exclusividade” da Polícia Federal para exercer
funções “de polícia judiciária da União”, o que fez a Constituição foi, tão
somente, delimitar as atribuições entre as diversas policias (federal, rodoviária,
ferroviária, civil e militar), razão pela qual observou, para cada uma delas, um
46
parágrafo dentro do mesmo art. 144.
O professor e jurista José Frederico Marques expõe:
Além da Policia Judiciária, outros órgãos podem realizar procedimentos
preparatórios de investigação, conforme está previsto, de maneira expressa,
pelo art. 4º, parágrafo único, do Código de Processo Penal.
É o que se verifica, por exemplo, com as comissões parlamentares de inquérito.
As investigações por elas efetuadas podem ser remetidas ao juízo competente
para conhecer dos fatos delituosos ali apurados, ou ao Ministério Público, a fim
47
de ser instaurada a instância pena l .
Ou seja, pelas lições acima expostas, percebemos claramente que, não há óbice
a que o Ministério Público realize, diretamente, tais investigações já que há a ressalva
tanto na Carta Política do País, quanto na Lei ordinária.
Nesse
contexto,
assume
especial
relevância
o
conteúdo
das
Leis
complementares nº 75/93 e 8.625/93, uma vez que as mesmas são apontadas como
fundamentos legais que disciplinam o poder investigatório dos Ministérios Público
Federal e Estadual, respectivamente.
_____________
46 STRECK, Lênio Luiz; FELDENS, Luciano. Crime e Constituição: A Legitimidade da Função
Investigatória do Ministério Público. 2 Ed. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 92 / 93.
47 RANGEL, Paulo. Investigação Criminal Direta pelo Ministério Público: Visão Crítica. 3 Ed.
Revista, ampliada e atualizada. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009, p. 198
48
4.4.3 Aplicabilidade da Teoria dos Poderes Implícitos
A teoria dos poderes implícitos, desenvolvida pelo constitucionalismo norteamericano, fundamenta-se na idéia de que, para cada poder outorgado pela
constituição a certo órgão, são implicitamente conferidos amplos poderes para
a execução desse poder. Enfim, para a teoria dos poderes implícitos, a
atribuição de direitos constitucionais envolve a correspondente atribuição de
capacidade para o seu exercício
Importa-nos essa teoria porque, segundo seus cânones, na interpretação de um
poder constitucional, todos os meios ordinários e apropriados a executá-los
devem ser vistos como parte desse próprio poder.
Enfim, para os ideólogos da tese dos poderes implícitos, onde se pretende o fim
se autorizam os meios. Toda vez que a Constituição outorga um poder, aí se
incluem, implicitamente, todos os meios necessários à sua efetivação, desde
que guardada uma adequação entre os meios e o fim (princípio da
48
proporcionalidade).
Essas são palavras apresentadas pelos ilustres membros do Ministério Público
Lênio Luiz Streck e Luciano Feldens, explicando a aplicabilidade da Teoria dos Poderes
Implícitos.
Tese importante de justificação da investigação direta pelo Ministério Público – a
disposta no art. 129, I, da Constituição Federal de 1988. Sendo a instituição titular
exclusiva da ação penal pública (atividade-fim), deve ser, também, legitimada para o
exercício da investigação criminal que vai servir de base para o oferecimento da
denúncia (atividade-meio).
Na visão de Lênio Luiz Streck e Luciano Feldens 49:
Resulta nítida a relação meio-fim exsurgente dos dispositivos legal (art. 8º, V,
da LC nº 75/93, congruente à dicção do art. 26 da Lei 8.625/93) e constitucional
(art. 129,I, da CRFB), a dar acolhida, portanto, à terceira – e última – das
condicionantes impostas pelo art. 129, IX, da Constituição.
Por fim, deve ser ressaltada a posição dos doutrinadores favoráveis à
investigação direta pelo Ministério Público no sentido de que “quem pode mais, pode o
menos”. Assim, ninguém pode ser compelido a alcançar um fim sem que se lhe atribua,
_____________
48 Interpretação da Constituição. Disponível em: <http://pontodosconcursos.com.br/professor. asp?
menu=professores&busca=&prof=3&art=638&idpag=18>. Acesso em 20 abr. 2010.
49 STRECK, Lênio Luiz; FELDENS, Luciano. Crime e Constituição: A Legitimidade da Função
Investigatória do Ministério Público. 2 Ed. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 85.
49
ao menos implicitamente, o direito ao exercício dos meios necessários para buscá-lo,
utilizando-se sempre a moderação.
4.4.4 Conveniência da Investigação Criminal Direta Pelo Ministério Público
Argumento bastante difundido entre os defensores da investigação criminal
realizada diretamente pelo Ministério Público é que a polícia judiciária muitas vezes, é
incapaz de cumprir com eficiência a apuração das infrações penais.
Não por ser a Policia incompetente nas suas atribuições, pelo contrario, é
inequívoco a excelência desse órgão diante de suas atribuições. Porém, a Polícia está
sujeita a ingerências políticas do Poder Executivo – aos quais estão subordinados – ou
mesmo infestados pela corrupção de seus agentes, os órgãos policiais tendem a
realizar investigações falhas e/ou superficiais. Outro problema é o corporativismo no
caso da apuração da prática de ilícitos praticados por seus membros.
Importante ressaltar ao tratarmos desse ponto o fato de que a Polícia tem
dificuldades na obtenção de algumas provas, devido a falta de prerrogativas
constitucionais mais eficazes, temos como exemplo o acesso a autoridade policial a
dados cadastrais, que só se possibilita se violado o sigilo, e a esse órgão a burocracia
para se alcançar a quebra do sigilo é bem maior.
Nesse sentido, as garantias de independência funcional e de inamovibilidade que
os membros do Ministério Público possuem, bem como a autonomia administrativa e
financeira, asseguram ao órgão maior isenção e comprometimento na investigação
criminal. Os promotores e procuradores de Justiça, atuariam com mais liberdade, livre
de pressões políticas, colaborando, de forma efetiva, para a plena realização da
Justiça.
Pelo exposto, observa-se que os defensores da investigação criminal realizada
diretamente pelo Ministério Público aduzem que o Parquet tem melhores condições de
proceder à apuração do ilícito penal.
50
Lembrando que, a investigação pelo Ministério Público, tem caráter subsidiário,
sendo empregada apenas quando necessária, de modo que a competência da Policia
não seja subtraída.
Também, importante ressaltar que, quanto mais órgãos sérios e legalmente
autorizados por Lei, investigando, maior o cumprimento da garantia da não violação dos
direitos fundamentais individuais.
4.5 SÍNTESE DOS ARUGUMENTOS CONTRARIOS À INVESTIGACAO CRIMINAL
DIRETA PELO MINISTERIO PUBLICO
4.5.1 Ausência de previsão Constitucional e Infraconstitucional
Para a corrente que não vislumbra a possibilidade da investigação criminal ser
realizada diretamente pelo Ministério Público, apontam não se ter previsão
constitucional e infraconstitucional expressa, entendem que em nenhum artigo da nossa
Carta Magna é encontrado disposição permissiva nesse sentido.
Em analise ao artigo 12950 da Constituição Federal, temos o inciso I, que prevê
ser privativa do Ministério Público, a função de promover a ação penal publica,
concluímos que promover a ação penal não é o mesmo que investigar o crime, bem
como o inciso VII, que atribui ao Ministério Público a função de exercer o controle
externo da atividade policial e não de substituí-la.
O inciso VI do mesmo artigo atribui ao Ministério Público poderes para expedir
notificações nos procedimentos administrativos de sua competência, requisitando
_____________
50 Art. 129 da CF – São funções institucionais do Ministério Público: VI - expedir notificações nos
procedimentos administrativos de sua competência, requisitando informações e documentos para
instruí-los, na forma da Lei complementar respectiva;VII - exercer o controle externo da atividade
policial, na forma da Lei complementar mencionada no artigo anterior;VIII - requisitar diligências
investigatórias e a instauração de inquérito policial, indicados os fundamentos jurídicos de suas
manifestações processuais;
51
informações e documentos para instruí-los, e esses poderes estão restritos aos
inquéritos civis públicos e outros também de natureza administrativa. O inquérito
criminal está disciplinado no inciso VIII do mesmo diploma, limitando ao Parquet
requisitar instauração do inquérito policial e de diligencias investigatórias.
Exemplo de ausência infraconstitucional é encontrada no art. 4º, caput, do
Código de Processo Penal, que menciona que “a competência definida por este artigo
não excluirá a de autoridades administrativas, a quem por Lei seja cometida a mesma
função”, porém, para que outras autoridades possam investigar, é necessário
autorização legal expressa, e não há.
A Lei n. 7347/85, traz a hipótese de inquérito civil, este sim, presidido pelo
Ministério Público, que deve colher elementos para apurar os ilícitos civis que envolvam
interesses difusos e não há outra autoridade competente para tal, razão pela qual a Lei
concedeu aos Promotores de Justiça essa atribuição, expressa na Lei Orgânica do
Ministério Público, Lei n. 8625/93.
Porém, investigação de caráter criminal, é competência expressamente
constitucional da Polícia, afirmação fundamentada no artigo 144 da Constituição
Federal.
O advogado, Dr. Nélio Roberto Seidl Machado, esclarece:
Nenhuma razão de ordem constitucional, ou mesmo legal, plácita a postura do
Ministério Público, no passo em que pretende se ocupar da investigação
criminal. Com efeito, não há preceito no texto da Carta Política que possa
ensejar exegese permissa para que o Parquet assuma atribuições de natureza
policial. De reto, quando assim procede, assume o órgão de acusação, na
atribuição que tem, de formular o que se convencionou chamar de opinio delicti,
postura que compromete sua isenção, ate mesmo na perspectiva de fiscal da
Lei, porque estaria como que avaliar, sua própria conduta, com envolvimento
psicológico pleno e indisfarçável, prejudicando suas atribuições, notadamente
51
as assentadas no art. 129 da Constituição Federal.
Os defensores de “promotores investigativos” visualizam em Leis esparsas no
nosso ordenamento jurídico permissão para o Parquet atuar diretamente na
investigação criminal, entretanto, seguindo as premissas da corrente em estudo,
qualquer Lei infraconstitucional que atribua a determinado órgão ou instituição a
_____________
51 RANGEL, Paulo. Investigação Criminal Direta pelo Ministério Público: Visão Crítica. 3 Ed.
Revista, ampliada e atualizada. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009, p. 207
52
investigação de infrações penais contraria a Constituição Federal e, assim, é
inconstitucional.
A lição retirada da exposição acima é de que o Ministério Público não detém o
poder de conduzir a investigação criminal. Aos membros do Ministério Público, cabe
apenas requisitar à autoridade policial a realização de diligências, mas jamais como
executor destas, vez que agindo desta forma, estaria afrontando os princípios
esculpidos em nossa Magna Carta, o que não se pode admitir no Estado Democrático
de Direito.
4.5.2 A Investigação Criminal é atividade exclusiva da Polícia Judiciária
O artigo 144, da Constituição Federal, prevê:
Art. 144. A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de
todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das
pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos:... § 4º - Às polícias
civis, dirigidas por delegados de polícia de carreira, incumbem, ressalvada a
competência da União, as funções de polícia judiciária e a apuração de
infrações penais, exceto as militares.
Analisando o artigo constitucional acima referido, concluímos que, o inquérito é
policial, conduzido pela Policia Civil ou Federal, que investiga o fato e remete ao
Parquet, os elementos colhidos.
Obedecer ao principio do monopólio da investigação criminal pela polícia civil
seria respeitar também o princípio da legalidade, que traz a obrigação de a
Administração Pública só agir quando um texto de lei especifica autorize a agir.
O jurista e Procurador da República, Dr. Juarez Tavares, no HC de nº 1137 –
TRF, nesse sentido, diz:
A ação de ‘habeas corpus’, controla não somente o direito à liberdade, senão
também a validez do procedimento de que possa resultar a restrição a esse
direito.
A função de polícia judiciária e a apuração de infrações penais, exceto as
militares, são privativas das polícias civis.
53
Ao Ministério Público cabe o monopólio da ação penal pública, mas sua
atribuição não passa do poder de requisitar diligências investigatórias e a
instauração de inquérito policial militar.
Somente quando se cuidar de inquéritos civis é que a função do Ministério
Público abrange também a instauração deles e de outras medidas e
procedimentos administrativos pertinentes, aqui incluídas as diligências
investigatórias.
Diante de tais afirmações e do precedente invocado, entendemos que ao
realizar uma investigação criminal, na sede da Procuradoria da República,
fazendo requisições, intimações e tomadas de depoimentos, ou seja, tudo o que
não se inclui na sua competência institucional, o órgão do Ministério Público
denunciante agiu ilicitamente.
Sem mais considerações, opina o Ministério Público Federal pela concessão da
Ordem.
Tal argumentação coloca em cheque, ainda, o disposto no art. 4º, caput, do
Código de Processo Penal, principalmente no que se refere à sua conformidade com o
texto constitucional. Isso porque o dispositivo prevê que a função de Polícia Judiciária
não exclui a de autoridade administrativa a quem, por Lei, seja conferida a mesma
função.
Ocorre que, qualquer Lei infraconstitucional que atribua a determinado órgão ou
instituição a investigação de infrações penais contraria o disposto no art. 144, §§1º e 4º
da Constituição Federal e, assim, é inconstitucional.
4.5.3 Inaplicabilidade da Teoria dos Poderes Implícitos
De acordo com os adeptos dessa tese, aqui a teoria dos poderes implícitos em
favor do Ministério Público não se sustenta, pois, os poderes de investigação criminal já
foram explicitamente atribuídos na Constituição Federal às Policias Civil e Federal. Ou
seja, “a explicitude exclui a implicitude”.
Dessa forma, só se admitiria que o poder de promover e dirigir a investigação
criminal estivesse implícito na função ministerial contida no inciso I do art. 129 da CF,
caso essa competência não estivesse, explícita e constitucionalmente, consignada a
outros órgãos.
54
Há também aqueles que afirmam não existir necessariamente, uma relação de
meio e fim entre a investigação criminal e ação penal, como é o caso de José Afonso
da Silva, ilustre jurista refuta de maneira brilhante a referida questão;
O fim (finalidade, objetivo) da investigação penal não é a ação penal, mas a
apuração da autoria do delito, de suas causas, de suas circunstâncias. O
resultado dessa apuração constituirá a instrução documental – o inquérito –
(daí, tecnicamente, instrução penal preliminar) para fundamentar a ação penal e
serve de base para a instrução penal definitiva. Segundo, poderes implícitos só
existem no silêncio da Constituição, ou seja, quando ela não tenha conferido
aos meios expressamente em favor do titular ou em favor de outra autoridade,
órgão ou instituição. Se ela outorgou a quem quer que seja o que se tem como
meio para atingir o fim previsto, não há falar em poderes implícitos. Como falar
em poder implícito onde ele foi explicitado, expressamente estabelecido, ainda
52
que em favor de outra instituição?
O ilustre constitucionalista também rejeita a tese de que o Ministério Público,
sendo titular da ação penal pública, também há de ter o poder de investigação criminal,
pois, afinal, “quem pode o mais, pode o menos”. O tradicional brocardo, largamente
usado como regra de interpretação no direito privado, não há de ter a mínima
consideração no que diz respeito ao sopesamento de competências constitucionais,
uma vez que não é possível divisar o que é mais e o que é menos em termos de
Constituição.
Se esse prolóquio tem algum valor no campo do direito privado não sei, mas no
campo do direito público, especialmente no direito constitucional, não tem
nenhum valor. Não é uma parêmia a que se dá valor de regra interpretativa. O
que é mais e o que é menos no campo da distribuição das competências
constitucionais? Como se efetua essa medição, como fazer uma tal
ponderação? Com quantificá-las? Não há sistema que o confirme. As
competências são outorgadas expressamente aos diversos poderes,
53
instituições e órgãos constitucionais. Nenhuma é mais, nenhuma é menos.
Pelo exposto, conclui-se que a Constituição Federal outorgou, de forma
expressa, às instituições competentes, as funções de investigação e de promoção da
ação penal pública. Assim, não há que se falar em poderes implícitos, porque não
existe, necessariamente, uma relação de meio-fim entre uma e outra. Também não há
aplicação do brocardo “quem pode o mais, pode o menos”, uma vez que, tratando-se
_____________
52 SILVA, José Afonso da Silva. Em face da Constituição Federal de 1988, o Ministério Público pode
realizar e/ou presidir investigação criminal, diretamente? Revista BrasiLeira de Ciências Criminais
(RBCRIM). N. 49. 2004
53 SILVA, José Afonso da Silva. Em face da Constituição Federal de 1988, o Ministério Público pode
realizar e/ou presidir investigação criminal, diretamente? Revista BrasiLeira de Ciências Criminais
(RBCRIM). N. 49. 2004.
55
de disposições constitucionais referentes às liberdades e garantias individuais, não é
possível mensurar o que é “mais ou menos”, como aduzem os defensores da
investigação ministerial.
4.5.4 Inconveniência da Investigação Criminal direta pelo Ministério Público
O Ministério Público ocupa uma posição de supremacia sobre os órgãos que
compõem o Sistema de Administração da Justiça e está totalmente imune à corrupção
e às pressões externas. Seguir essa afirmação para justificar a capacidade
investigatória do Ministério Público é um grande equívoco.
Importante lembrar que uma das características do crime organizado é a
colaboração das várias esferas de atuação do Poder Público: presídios, delegacias de
polícia, fóruns, parlamentos e gabinetes do alto escalão dos governos federal e
estadual.
Assim, ainda que se considere o alto nível de comprometimento dos
representantes do Ministério Público, integrantes de uma carreira notadamente bem
valorizada e bem remunerada, e ainda, as relevantes funções político-institucionais
desempenhadas pelos mesmos, não é possível afirmar, com certeza, que os mesmos
estariam imunes à corrupção ou a qualquer tipo de influência.
Neste sentido, a posição do professor Luís Roberto Barroso54, da Universidade
do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), apresentada em parecer oferecido ao então
Secretário Especial dos Direitos Humanos, Nilmário Miranda:
Sem a pretensão de uma elaboração sociológica mais sofisticada, e muito
menos de empreender qualquer juízo moral, impõe-se aqui uma reflexão
relevante. No sistema brasileiro, é a polícia que atua na linha de fronteira entre
a sociedade organizada e a criminalidade, precisamente, em razão de sua
função de investigar e instaurar inquéritos criminais. Por estar à frente das
operações dessa natureza, são os seus agentes os mais sujeitos a
protagonizarem situações de violência e a sofrerem o contágio do crime, pela
cooptação ou pela corrupção. O registro é feito, aqui, porque necessário, sem
_____________
54 BARROSO, Luis Roberto. Investigação pelo Ministério Público – Argumentos Contrários e a
Favor e a Síntese Possível e Necessária. Disponível em: <http://2ccr.pgr.mpf.gov.br/documentose-publicacoes/docs_textos_interesses/investigacao_MP.pdf>. Acesso em 20 abr. 2010.
56
incidir, todavia, no equívoco grave da generalização ou da atribuição abstrata
de culpas coletivas. Pois bem: não se deve ter a ilusão de que o desempenho,
pelo Ministério Público, do papel que hoje cabe à polícia, manteria o Parquet
imune aos mesmos riscos de arbitrariedade, abusos, violência e contágio.
É certo que a fase pré-processual, assim como toda a persecução penal, deve
ser estruturada em um torno de um sistema harmônico e garantista, plenamente de
acordo com os ideais da Constituição Federal de 1988. E é a própria Lei maior da
República que conferiu ao Ministério Público, em seu art. 129, VII, o controle externo da
atividade policial.
No entanto, a partir do momento que o Parquet passa a realizar atividades
típicas de polícia judiciária e, assim, sujeito também ao cometimento de arbitrariedades
e abusos na condução da investigação criminal, qual órgão ou instituição iria realizar o
controle externo da atividade do Ministério Público? Ou partimos do pressuposto que o
grau de magnitude e excelência do trabalho dos integrantes do Ministério Público, por
sua importância inquestionável e principalmente, pelas inúmeras qualidades intelectuais
e morais da grande maioria dos seus membros, poderia estar acima de qualquer tipo de
controle?
Nesse sentido, o advogado e professor Rogério Lauria Tucci55 assevera que
em epítome, e, já agora, com Guilherme de Souza Nucci, não devendo existir
qualquer instituição superpoderosa, permitir, ao Ministério Público, por melhor
que seja a intenção de seus membros, a realização da investigação criminal
isoladamente, à socapa do investigado, e sem qualquer vigilância ou
fiscalização, ‘significaria quebrar a harmônica e garantista investigação de uma
infração penal.
Deve-se sempre ter em mente que estamos discutindo a condução de
procedimentos que lidam diretamente com as liberdades e garantias individuais
amplamente protegidas pela Constituição Federal de 1988, e, assim, qualquer tipo de
violação ou mesmo de ameaça aos mesmos deve ser rejeitado de plano.
4.6 DO PROCEDIMENTO INVESTIGATÓRIO CRIMINAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO
_____________
55 TUCCI, Rogério Lauria. Ministério Público e Investigação Criminal. São Paulo: RT, 2004.
57
Visando a regulamentar e a uniformizar o procedimento investigatório criminal do
Ministério Público, o Conselho Nacional do Ministério Público aprovou resolução nº
77/04, no âmbito do Ministério Público Federal e a resolução nº 13/06, no âmbito do
Ministério Público.
Conforme definido no art. 1º da Resolução nº 13/2006:
O procedimento investigatório criminal é instrumento de natureza administrativa
e inquisitorial, instaurado e presidido pelo membro do Ministério Público com
atribuição criminal, e terá como finalidade apurar a ocorrência de infrações
penais de natureza pública, servindo como preparação e embasamento para o
juízo de propositura, ou não, da respectiva ação penal.
O procedimento investigatório criminal pode ser instaurado de ofício, pelo
Ministério Público, por qualquer meio, ainda que informal, ou mediante provocação.
O Ministério Público na condução das investigações poderá fazer vistorias, e
quaisquer outras diligências, realizar oitivas para colheita de informações e
esclarecimentos, dentre outras elencadas no art. 6º da resolução nº 13/0656 e art. 8º da
resolução nº 77/0457.
4.7 POSIÇÃO DOS TRIBUNAIS SUPERIORES
(...) a jurisprudência representa a força viva do Direito, por evidenciar a maneira
pela qual vem o direito a ser aplicado às relações humanas, dia a dia. Estudar a
jurisprudência equivale a conhecer o Direito em sua realidade cotidiana,
analisando como são os casos isolados concretamente disciplinados pelas
normas jurídicas.
Consequentemente, a importância imediata da jurisprudência reside no fato de
apresentar ela o Direito em sua aplicação prática, em suas vestes vivenciais.
58
(...) a jurisprudência configura a interpretação judiciária do Direito vigente.
_____________
56 BRASIL. Resolução 13/06. Art 6º “Sem prejuízo de outras providencias inerentes à sua atribuição
funcional e legalmente previstas, o membro do Ministério Público, na condução das investigações,
poderá: I- fazer ou determinar vistorias, inspeções e quaisquer outras diligencias; VIII- realizar oitivas
para colheita de informações e esclarecimentos; IX- ter acesso incondicional a qualquer banco de
dados de caráter publico ou relativo a serviço de relevância pública”.
57 BRASIL. Resolução 77/04. Art. 8º: “Na condução das investigações, o órgão do Ministério Público
Federal poderá, sem prejuízo de outras providências inerentes às suas atribuições funcionais
previstas em Lei: IV- realizar inspeções e diligencias investigatórias (LC 75/93, art. 8º, V)”.
58 RANGEL, Paulo. Investigação Criminal Direta pelo Ministério Público: Visão Crítica. 3 Ed.
Revista, ampliada e atualizada. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009, p. 214.
58
Estas são as palavras do doutrinador Paulo José da Costa Jr., destacando a
importância da jurisprudência na aplicação do Direito.
O polêmico tema objeto dessa pesquisa, já esteve em discussão por diversos
momentos nos Tribunais Superiores.
Nos primeiros julgados perante o Supremo Tribunal Federal, por volta do ano de
1990, essa Corte, era unânime em defender que o Ministério Público não tinha
legitimidade para realizar investigações criminais diretas. Em março de 2009, a
Suprema Corte, através da sua 2º Turma, no julgado do HC 91.661/PE posicionou-se,
como veremos adiante, pela possibilidade de o Parquet realizar investigações criminais
diretas e oferecer denúncia com base nos elementos de prova colhidos por ele.
À guisa de exemplos colhem-se os seguintes julgados dessas Cortes Superiores:
HABEAS CORPUS. TRANCAMENTO DE AÇÃO PENAL. FALTA DE JUSTA
CAUSA. EXISTÊNCIA DE SUPORTE PROBTATÓRIO MÍNIMO. REEXAME DE
FATOS
E
PROVAS.
INADMISSIBILIDADE.
POSSIBLIDADE
DE
INVESTIGAÇÃO PELO MINISTÉRIO PÚBLICO. DELITOS PRATICADOS POR
POLICIAIS. ORDEM DENEGADA.
1. A presente impetração visa o trancamento de ação penal movida em face
dos pacientes, sob a alegação de falta de justa causa e de ilicitude da denúncia
por estar amparada em depoimentos colhidos pelo ministério público.
[...]
2. É perfeitamente possível que o órgão do Ministério Público promova a
colheita de determinados elementos de prova que demonstrem a
existência da autoria e da materialidade de determinado delito. Tal
conclusão não significa retirar da Polícia Judiciária as atribuições previstas
constitucionalmente, mas apenas harmonizar as normas constitucionais (arts.
129 e 144) de modo a compatibilizá-las para permitir não apenas a correta e
regular apuração dos fatos supostamente delituosos, mas também a formação
da opinio delicti.
3. O art. 129, inciso I, da Constituição Federal, atribui ao Parquet a privatividade
na promoção da ação penal pública. Do seu turno, o Código de Processo Penal
estabelece que o inquérito policial é dispensável, já que o Ministério Público
pode embasar seu pedido em peças de informação que concretizem justa
causa para a denúncia.
4. Ora, é princípio basilar da hermenêutica constitucional o dos "poderes
implícitos", segundo o qual, quando a Constituição Federal concede os
fins, dá os meios. Se a atividade fim - promoção da ação penal pública - foi
outorgada ao Parquet em foro de privatividade, não se concebe como não lhe
oportunizar a colheita de prova para tanto, já que o CPP autoriza que "peças de
informação" embasem a denúncia.
5. Cabe ressaltar, que, no presente caso, os delitos descritos na denúncia
teriam sido praticados por policiais, o que, também, justifica a colheita
dos depoimentos das vítimas pelo Ministério Público.
59
6. Ante o exposto, denego a ordem de habeas corpus. (grifo nosso) (HC 91661 /
PE, Ministra Ellen Gracie, DJ 10/03/2009) (grifo nosso).
A Ministra Ellen Gracie destacou que a questão de fundo do HC dizia respeito à
possibilidade de o MP promover procedimento administrativo de cunho investigatório e
depois ser a parte que propõe a ação penal.
No caso acima exposto, os pacientes deram causa à investigação policial e
processo judicial, ao prestarem depoimentos na delegacia de polícia imputando a um
cabo do exército, a prática de contravenção (art. 42, da LCP), sabendo que o mesmo
era inocente. Cometendo os pacientes o delito previsto no art. 339, 2º do Código Penal,
estes por sua vez alegavam que cumpriam ordens de superior hierárquico.
Por se tratar de crime complexo, que envolve altos escalões da sociedade, o
Ministério Público Estadual colheu pessoalmente as provas e ofereceu denúncia.
Em síntese os impetrantes alegam: a) falta de justa causa para a ação penal, eis
que as condutas atribuídas aos pacientes teriam sido realizadas sob o cumprimento de
ordem hierárquica superior; b) ilegalidade da denúncia fundada em depoimentos
colhidos pelo Ministério Público, assim as provas obtidas seriam ilícitas; c) que o
Promotor de Justiça que colheu os depoimentos foi o mesmo que ofereceu a denúncia;
d) ausência de suporte fático e jurídico para a configuração do delito do art. 339 do
Código Penal.
A ordem de habeas corpus foi denegada e a fundamentação é identificada na
síntese dos argumentos favoráveis à investigação criminal direta pelo Ministério
Público, quais sejam, o Parquet tem poderes de colher provas para a formação de sua
opinio delicti, então não cabe dizer que a prova é ilícita. Esse ato não significa retirar da
Polícia Judiciária suas atribuições previstas constitucionalmente, na verdade esses dois
órgãos atuando na investigação criminal visam harmonizar as normas constitucionais
previstas no art. 129 e 144.
Argumento forte visto acima, que fundamenta a permissão do Parquet nas
investigações criminais é a teoria dos poderes implícitos segundo o qual, quando a
Constituição Federal concede os fins, dá os meios.
A conveniência de a investigação ter sido realizada pelo Ministério Público, uma
vez que, os delitos descritos na denúncia teriam sido praticados por policiais, e envolvia
“gente grande” encontra-se dentre os argumentos acima expostos.
60
Abaixo, um trecho importante do voto da relatora Min. Ellen Gracie:
A denúncia pode ser fundamentada em peças de informação obtidas pelo órgão
do MPF sem a necessidade do prévio inquérito policial, como já previa o Código
de Processo Penal. Não há óbice a que o Ministério Público requisite
esclarecimentos ou diligencie diretamente a obtenção da prova de modo a
formar seu convencimento a respeito de determinado fato, aperfeiçoando a
persecução penal.
EMENTA: RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. MINISTÉRIO
PÚBLICO. INQUÉRITO ADMINISTRATIVO. NÚCLEO DE INVESTIGAÇÃO
CRIMINAL E CONTROLE EXTERNO DA ATIVIDADE POLICIAL/DF.
PORTARIA. PUBLICIDADE. ATOS DE INVESTIGAÇÃO. INQUIRIÇÃO.
ILEGITIMIDADE.
1. PORTARIA. PUBLICIDADE
A Portaria que criou o Núcleo de Investigação Criminal e Controle Externo da
Atividade Policial no âmbito do Ministério Público do Distrito Federal, no que
tange a publicidade, não foi examinada no STJ. Enfrentar a matéria neste
Tribunal ensejaria supressão de instância. Precedentes.
2. INQUIRIÇÃO DE AUTORIDADE ADMINISTRATIVA. ILEGITIMIDADE.A
Constituição Federal dotou o Ministério Público do poder de requisitar
diligências investigatórias e a instauração de inquérito policial (CF, art. 129,
VIII). A norma constitucional não contemplou a possibilidade de o Parquet
realizar e presidir inquérito policial. Não cabe, portanto, aos seus membros
inquirir diretamente pessoas suspeitas de autoria de crime. Mas requisitar
diligência nesse sentido à autoridade policial. Precedentes. O recorrente é
delegado de polícia e, portanto, autoridade administrativa. Seus atos estão
sujeitos aos órgãos hierárquicos próprios da Corporação, Chefia de Polícia,
Corregedoria. Recurso conhecido e provido. (grifo nosso) (RHC 81326/DF,
Ministro Nelson Jobim, DJ06/05/2003) (grifo nosso).
O processo que deu margem ao recurso acima transcrito trata de requisição
expedida pelo Ministério Público para que Delegado de Polícia comparecesse ao
Núcleo de Investigação Criminal e Controle Externo da Atividade Policial a fim de ser
ouvido em Procedimento Administrativo Investigatório Supletivo (PAIS), procedimento
este que tem por finalidade apurar fato que, em tese, configura crime, não esclarecido.
Contra essa requisição, o recorrente impetrou habeas corpus perante o Tribunal
de Justiça do Distrito Federal-TJDFT, não obtendo êxito. Impetrou, assim, habeas
corpus substitutivo de recurso ordinário perante o Superior Tribunal de Justiça-STJ, que
o indeferiu afirmando:
[...] terem-se como validos os atos investigatórios realizados pelo MP, que pode
requisitar esclarecimentos ou diligências diretamente, visando à instrução de
seus procedimentos administrativos, para fins de oferecimento da denúncia.”
61
Dessa decisão foi interposto recurso ordinário no Supremo Tribunal Federal, no
qual a 2º Turma para modificar a decisão do STJ, que pretendia ouvir o Delegado
(recorrente) no Núcleo de Investigação Criminal e Controle Externo da Atividade
Policial.
O STF se posicionou contra a legitimidade do Ministério Público para realizar
diretamente investigação criminal.
Na ementa do acórdão, foi explicitada a tese de ausência de norma
constitucional que permita que o MP apure os fatos diretamente, pois, segundo o
Ministro Gilson Dipp, esse ato por parte do Parquet fere o Princípio do Devido Processo
Legal, afinal, à Polícia cabe investigar os supostos delitos e ao Ministério Público cabe
a propositura da ação penal.
Em seu voto Nelson Jobim, expõe:
O Inquérito Policial é instrumento de investigação penal da Polícia Judiciária. É
um procedimento administrativo destinado a subsidiar o Ministério Público na
instauração da ação penal.
A legitimidade histórica para a condução do Inquérito Policial e realização de
diligências investigatórias, é de atribuição exclusiva da Policia. (RHC 81326 /
DF).
HABEAS CORPUS. PREFEITO MUNICIPAL. INVESTIGAÇÕES REALIZADAS
PELO MINISTÉRIO PÚBLICO. LEGITIMIDADE DE O PARQUET PARA
PROCEDER INVESTIGAÇÕES. AUSÊNCIA DE CONSTRANGIMENTO
ILEGAL. INÉPCIA DA DENÚNCIA. CRIME DE AUTORIA COLETIVA.
TIPICIDADE DA CONDUTA. ORDEM DENEGADA.
1. Em que pese o Ministério Público não poder presidir inquérito policial, a
Constituição Federal atribui ao Parquet poderes investigatórios, em seu
artigo 129, incisos VI, VIII e IX, e artigo 8º, incisos II e IV, e § 2º, da Lei
Complementar n.º 75/1993. Se a Lei maior lhe atribui outras funções
compatíveis com sua atribuição, conclui-se existir nítida ligação entre poderes
investigatórios e persecutórios. Esse poder de modo algum exclui a Polícia
Judiciária, antes a complementa na colheita de elementos para a propositura da
ação, pois até mesmo um particular pode coligar elementos de provas e
apresentá-los ao Ministério Público. Por outra volta, se o Parquet é o titular da
ação penal, podendo requisitar a instauração de inquérito policial, por qual
razão não poderia fazer o menos que seria investigar fatos?
2 [...]
3. [...]
4. Ordem denegada, ficando prejudicada a liminar anteriormente deferida (HC
2004/0135804-0, Ministro Hélio Quaglia Barbosa, DJ08/03/2006)
Trata-se de um caso em que um prefeito (paciente do HC) tenha participado da
prática do suposto crime contra as finanças públicas. Narra a peca acusatória que
62
houve adiantamento indevido de verbas no valor de R$ 730.000,00 (setecentos e trinta
mil reais), ao Secretário de Finanças do Município de Itapema/SC, os quais foram
destinados créditos em contas cuja titularidade o impetrante alega ser do município,
mas, de acordo com a inicial, eram movimentadas pelo Secretário de Finanças do
Município, um dos denunciados por crime em detrimento das finanças do Município de
Itapema.
O Parquet investigou e colheu provas suficientes para oferecer denúncia, o
paciente por sua vez, pugnou pela inépcia da acusatória.
O argumento utilizado pelo relator Ministro Hélio Quaglia Barbosa para justificar a
possibilidade de o Ministério Público realizar diretamente investigações criminais, é a
previsão constitucional e infraconstitucional, exposta no art. 129, incisos VI, VIII, IX, e
artigo 8º, incisos II e IV, e § 2º, da Lei Complementar n.º 75 /1993, consubstanciado
com o brocardo “quem pode o mais pode o menos”.
Enfatiza, que até mesmo um particular pode coligar elementos de provas e
apresentá-los ao Ministério Público, e caso esses elementos sejam suficientes, poderá
o MP oferecer a denúncia.
PENAL E PROCESSO PENAL - PODER INVESTIGATIVO DO MINISTÉRIO
PÚBLICO - PROVAS ILÍCITAS - INOCORRÊNCIA.
- A questão acerca da possibilidade do Ministério Público desenvolver atividade
investigatória objetivando colher elementos de prova que subsidiem a
instauração de futura ação penal, é tema incontroverso perante esta eg. Turma.
Como se sabe, a Constituição Federal, em seu art. 129, I, atribui,
privativamente, ao Ministério Público promover a ação penal pública. Essa
atividade depende, para o seu efetivo exercício, da colheita de elementos
que demonstrem a certeza da existência do crime e indícios de que o
denunciado é o seu autor. Entender-se que a investigação desses fatos é
atribuição exclusiva da polícia judiciária, seria incorrer-se em impropriedade, já
que o titular da Ação é o Órgão Ministerial. Cabe, portanto, a este, o exame da
necessidade ou não de novas colheitas de provas, uma vez que, tratando-se o
inquérito de peça meramente informativa, pode o MP entendê-la dispensável na
medida em que detenha informações suficientes para a propositura da ação
penal.
- Ora, se o inquérito é dispensável, e assim o diz expressamente o art. 39, § 5º,
do CPP, e se o Ministério Público pode denunciar com base apenas nos
elementos que tem, nada há que imponha a exclusividade às polícias para
investigar os fatos criminosos sujeitos à ação penal pública.
- A Lei Complementar n.º 75/90, em seu art. 8º, inciso IV, diz competir ao
Ministério Público, para o exercício das suas atribuições institucionais, "realizar
inspeções e diligências investigatórias". Compete-lhe, ainda, notificar
testemunhas (inciso I), requisitar informações, exames, perícias e documentos
às autoridades da Administração Pública direta e indireta (inciso II) e requisitar
63
informações e documentos a entidades privadas (inciso IV). Recurso
desprovido. (grifo nosso) (RHC 14543, Ministro Jorge Scartezzini,DJ
09/03/2004)
Nesse recurso em habeas corpus a alegação é de que as provas obtidas na
investigação são ilícitas por terem sido colhidas diretamente pelo Ministério Público.
E mais uma vez o tribunal traz como fundamentação o art. 129, I, da Constituição
Federal, a fim de explicar a legitimidade de o Ministério Público realizar diretamente
investigações criminais. Explica essa possibilidade se reportando à Teoria dos Poderes
Implícitos, afinal, se o Ministério Público é o titular da ação penal, é obvio que para bem
estruturar sua opinio delicti, se entender necessário deverá colher diretamente as
provas.
Encerrado a análise das jurisprudências pertinentes ao tema, passaremos à
conclusão desse item.
O Supremo Tribunal Federal iniciou recentemente sua inclinação favorável à
investigação
ministerial.
No
entanto,
até
a
presente
data,
não
houve
um
pronunciamento definitivo do Pleno do Supremo Tribunal Federal, tivemos apenas
decisões proferidas pelas Turmas.
O Superior Tribunal de Justiça, na grande maioria de seus julgados, vem se
posicionando favorável à investigação criminal direta pelo Ministério Público, inclusive
para pacificar a questão em nível infraconstitucional, foi adotado a sumula 234 do STJ,
que diz: “A participação de membro do Ministério Público na fase investigatória criminal
não acarreta o seu impedimento ou suspeição para o oferecimento da denúncia”.
Analisados os recentes julgados, tanto o Supremo Tribunal Federal quanto o
Superior Tribunal de Justiça se inclinam para a investigação criminal direta pelo
Ministério Público.
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CONCLUSÃO
A análise dos argumentos favoráveis e contrários à investigação criminal direta
pelo Ministério Público aborda aspectos muito interessantes sobre a questão.
A investigação pré-processual, é a base de uma ação bem fundamentada. É
nesse momento que as provas são colhidas, um erro por menor que seja nessa fase é
o liame da justiça e da impunidade, por isso deve ser a investigação realizada de forma
competente e minuciosa.
A Constituição Federal de 1988 traz as funções do Ministério Público em seu
artigo 129, e dentre elas não está explicitamente a função de investigar diretamente
crimes.
No entanto, interpretar os incisos I, VI, VII, VIII desse artigo constitucional, sob o
enfoque da teoria dos poderes implícitos, conclui-se que
o MP pode sim realizar
diretamente as investigações criminais.
O inciso IX, do referido artigo termina por autorizar a investigação criminal ao
dispor que é função do Ministério Público “exercer outras funções que lhe forem
conferidas, desde que compatíveis com sua finalidade [...]”.
Ao Ministério Público foi conferida a função de investigar crimes diretamente,
dentro dos limites estabelecidos na lei, e a finalidade primordial do Parquet é a defesa
da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais
indisponíveis, sendo assim, não há como negar que estão devidamente preenchidos os
requisitos exigidos pelo inciso IX, do art. 129, da CF.
Devido a sua finalidade primordial, que em resumo é zelar pelos direitos da
sociedade, a partir do momento em que o Parquet visualiza a necessidade de atuar
diretamente na fase investigatória esse é seu dever.
Os defensores de a investigação criminal ser realizada diretamente pelo
Ministério Público abordam um argumento bastante importante quando tratam da
conveniência dessa investigação. O MP apesar não ter pessoal suficiente nem
tampouco treinado para investigar, é “peça-chave” contra a impunidade, pois, tem
prerrogativas que nenhum outro órgão estatal possui, podendo dessa forma e fazendo
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jus aos seus privilégios de instituição independente, agir onde a policia está por
diversas vezes impedida.
O modelo processual penal que se tem hoje é o tradicionalmente elaborado, que
objetiva um equilíbrio na prestação jurisdicional: a polícia investiga, o Ministério Público
promove a ação, e o juiz prolata a sentença, acontece que esse modelo precisa ser
revisto porque a criminalidade já não é mais a tradicional.
Um Ministério Público investigador representa um avanço no nosso Estado
Democrático de Direito, porém, a função investigatória deve ser ainda mais
regulamentada, sanando todas as questões controversas, como por exemplo, quais
tipos penais, dentro da enorme gama de infrações penais sujeitas à ação penal pública,
seriam objeto do Procedimento Investigatório Criminal.
As investigações criminais diretas pelo Ministério Público não devem ser regra
geral, e sim circunstancial, investigando casos que a polícia realmente esteja
impossibilitada de investigar.
Também, o promotor que atuar na investigação não deverá ser o mesmo que
apreciará as provas para possivelmente oferecer a denúncia, para não restar
prejudicado o princípio da imparcialidade, pois, no momento de avaliar provas para
propositura da ação penal, não poderá o Promotor tender a considerá-las
suficientemente consistentes para transformar o indiciado em réu.
Importante ressaltar, que o MP deverá atuar em casos que seja necessária a sua
atuação, e não somente em casos de grande repercussão.
Diante das reflexões sobre a investigação criminal direta pelo Ministério Público,
conclui-se que o Parquet pode e deve investigar diretamente, por ter o devido amparo
legal, qual seja, o da Constituição Federal, no entanto, torna-se necessária a
elaboração de critérios claros e objetivos.
E em uma questão não restam dúvidas: duas instituições fortes e respeitadas
como são a Polícia Judiciária e Ministério Público, atuando juntas no combate a
criminalidade e a impunidade, é o modelo mais adequado a atender às demandas
sociais e aos contornos do Estado Democrático de Direito.
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Glenda de Paula Silva