Pró-Reitoria de Graduação Curso de Direito Trabalho de Conclusão de Curso INVESTIGAÇÃO CRIMINAL DIRETA PELO MINISTÉRIO PÚBLICO: UMA ABORDAGEM À LUZ DA CF/88 Autora: Glenda de Paula Silva Orientador: Carlos André Bindá Praxedes Brasília - DF 2010 GLENDA DE PAULA SILVA INVESTIGAÇÃO CRIMINAL DIRETA PELO MINISTÉRIO PÚBLICO: UMA ABORDAGEM À LUZ DA CF/88 Trabalho apresentado ao curso de graduação em Direito da Universidade Católica de Brasília, como requisito para obtenção do Título de Bacharel em Direito. Orientador: Carlos André Bindá Praxedes Brasília 2010 Trabalho de autoria de Glenda de Paula Silva, intitulado “Investigação Criminal Direta pelo Ministério Público: uma abordagem à luz da CF/88”, requisito parcial para obtenção do grau de Bacharel em Direito, defendida e aprovada, em ___de ______________ 2010, pela banca examinadora constituída por: ___________________________________________ Presidente. Prof. Carlos André Bindá Praxedes Orientador ___________________________________________ (Integrante: Prof. Dr.) ___________________________________________ (Integrante: Prof. Dr.) Brasília 2010 Dedico o presente trabalho, em especial, aos meus pais, que com muito amor e dedicação não mediram esforços para as minhas conquistas, confiando sempre em mim; bem como às minhas irmãs pela paciência e amizade e ao meu afilhado Victor, pelo carinho, compreensão e incentivo. Agradeço a Deus, inteligência suprema, criador de todas as coisas; eterno, imutável, único, onipotente, soberanamente justo e bom. Teu dever é lutar pelo direito; porém, quando encontrares o direito em conflito com a justiça, luta pela justiça. Eduardo Couture. RESUMO PASSOS, Glenda de Paula Silva. “Investigação Criminal Direta pelo Ministério Público: uma abordagem à luz da CF/88”. 2010. 70 f. Trabalho de conclusão de curso (Graduação). Faculdade de Direito, Universidade Católica de Brasília, Brasília, 2010. A presente monografia visa abordar à luz da CF/88 a investigação criminal direta pelo Ministério Público. Mencionando-se os institutos relacionados ao tema, como a persecução penal do Estado, a evolução histórica dos sistemas processuais penais, e um resumo dos principais pontos da instituição em discussão, o Ministério Público. Para então passar-se a análise dos pontos controversos relacionados a investigação criminal direta pelo Ministério Público, conceituando os principais institutos e expondo argumentos e posições dos tribunais superiores referentes. Palavras-chaves: Investigação Criminal. Ministério Público. Processo. Penal. ABSTRACT PASSOS, Glenda Paula Silva. "Reflections on the possibility or otherwise of a criminal investigation be carried out directly by the prosecutor." 2010. 70 f. Completion of course work (undergraduate). Faculty of Law, Catholic University of Brasilia, Brasilia, 2010. This monograph seeks to address the issue on whether or not the criminal investigation being conducted directly by the prosecutor. We analyze both the institutes related to the topic, such as criminal prosecution of the state, the historical evolution of systems of criminal procedure, and a summary of key points of the institution under discussion, the Attorney General. Analyzing concepts, principles, arguments and positions of the superior courts regarding the possibility of a ministerial investigation. Keywords: Criminal Investigation. Prosecutors. Process. Criminal. SUMÁRIO INTRODUÇÃO .............................................................................................................. 12 CAPÍTULO 1 – DA PERSECUÇÃO PENAL DO ESTADO........................................... 15 1.1 CONCEITO.............................................................................................................. 15 1.2 A FASE PRÉ-PROCESSUAL.................................................................................. 15 1.3 A FASE DO PROCESSO PENAL............................................................................ 17 CAPÍTULO 2 – A EVOLUÇÃO HISTÓRICA DOS SISTEMAS PROCESSUAIS PENAIS ...................................................................................................................................... 19 2.1 BREVE HISTÓRICO................................................................................................ 19 CAPÍTULO 3 - O MINISTÉRIO PÚBLICO NA ORDEM JURÍDICA NACIONAL .......... 23 3.1 ETIMOLOGIA E ORIGEM ....................................................................................... 23 3.2 O MINISTÉRIO PÚBLICO SOB A ÓTICA DO DIREITO CONSTITUCIONAL COMPARADO ............................................................................................................... 24 3.3 O MINISTÉRIO PÚBLICO NO BRASIL ................................................................... 28 3.4 NATUREZA JURÍDICA............................................................................................ 30 3.5 PRINCÍPIOS INSTITUCIONAIS DO MINISTÉRIO PÚBLICO ................................. 30 3.6 AS FUNÇÕES INSTITUCIONAIS DO MINISTÉRIO PÚBLICO FACE À CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 ........................................................................... 31 3.6.1 Promover, privativamente, a ação penal pública, nos termos da Lei (art. 129, I, CF).............................................................................................................................. 31 3.6.2 Expedir notificações nos procedimentos administrativos de sua competência, requisitando informações e documentos para instruí-los, na forma da Lei complementar respectiva ( art. 129, VI, CF). .................................................. 33 3.6.3 Exercer o controle externo da atividade policial, na forma da Lei complementar mencionada no artigo anterior. (art. 129, VII) .................................. 34 3.6.4 Requisitar diligências investigatórias e a instauração do inquérito policial, indicados os fundamentos jurídicos de suas manifestações processuais (art. 129, VIII, CF). ........................................................................................................................ 35 CAPITULO 4 - INVESTIGAÇÃO CRIMINAL DIRETA PELO MINISTÉRIO PÚBLICO 36 4.1 CONCEITO DE INVESTIGAÇÃO CRIMINAL .......................................................... 37 4.2 HIPÓTESES DE INVESTIGAÇÃO DIRETA ............................................................ 37 4.3 PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS PERTINENTES À INVESTIGACAO CRIMINAL DIRETA PELO MINISTÉRIO PÚBLICO ........................................................................ 39 4.3.1 Princípio do Devido Processo Legal................................................................. 39 4.3.2 Princípio do Contraditório ................................................................................. 41 4.4 SÍNTESE DOS ARGUMENTOS FAVORÁVEIS À INVESTIGAÇÃO CRIMINAL DIRETA PELO MINISTÉRIO PÚBLICO ........................................................................ 42 4.4.1 Previsão Constitucional e Infraconstitucional ................................................. 42 4.4.2 A Polícia Judiciária não detém a exclusividade da Investigação Criminal ... 46 4.4.3 Aplicabilidade da Teoria dos Poderes Implícitos ............................................ 48 4.4.4 Conveniência da Investigação Criminal Direta Pelo Ministério Público........ 49 4.5 SÍNTESE DOS ARUGUMENTOS CONTRARIOS À INVESTIGACAO CRIMINAL DIRETA PELO MINISTERIO PUBLICO ........................................................................ 50 4.5.1 Ausência de previsão Constitucional e Infraconstitucional ........................... 50 4.5.2 A Investigação Criminal é atividade exclusiva da Polícia Judiciária ............. 52 4.5.3 Inaplicabilidade da Teoria dos Poderes Implícitos.......................................... 53 4.5.4 Inconveniência da Investigação Criminal direta pelo Ministério Público...... 55 4.6 DO PROCEDIMENTO INVESTIGATÓRIO CRIMINAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO56 4.7 POSIÇÃO DOS TRIBUNAIS SUPERIORES ........................................................... 57 CONCLUSÃO ............................................................................................................... 64 REFERÊNCIAS ............................................................................................................. 66 12 INTRODUÇÃO Em janeiro de 1999, aconteceu no Brasil, um escândalo envolvendo os Bancos Marka S.A e Fontecindam. Seus representantes foram julgados e condenados por crime contra o sistema financeiro no Brasil, pois, foram beneficiados pelo Banco Central com informações sigilosas a respeito da desvalorização do papel moeda brasileiro: o real, causando assim, diversos problemas para o sistema financeiro nacional. Uma determinação judicial autorizou o Ministério Público Federal a realizar buscas e apreensões na residência dos suspeitos, foram apreendidos documentos e pertences pessoais, que resultaram na prisão da maioria dos envolvidos, entre eles Salvatore Alberto Cacciola, proprietário do Banco Marka à época, que teve a pena final de 13 anos de reclusão e 156 dias-multa. Os recursos perante os tribunais superiores adquiriram mais força, levantando a discussão quanto à possibilidade de o Ministério Público realizar diretamente diligências de cunho criminal. A partir daí, as garantias e prerrogativas do Ministério Público começam a ser ameaçadas. Pois, o Parquet começa a desmascarar uma criminalidade composta por integrantes dos altos escalões sociais. As discussões floresceram, jurisprudência, doutrina, Ministério Público, Polícia Judiciária, enfim, vários foram os personagens que ganharam vida nesse novo cenário que surgia. Nasce ai a necessidade de se repensar algumas questões. O Ministério Público estaria exorbitando de suas funções constitucionais, violando direitos e garantias fundamentais? Essa é uma dentre outras questões que irão surgir no decorrer do trabalho e que serão respondidas partindo da analise da Constituição Federal para que não haja inversão à pirâmide de Hans Kelsen. Para que ao final, seja possível se ter a conclusão de qual corrente mais se compatibiliza com o texto constitucional, e com o novo modelo de persecução penal. O primeiro capítulo desse trabalho traz os principais pontos da persecução penal do Estado, abordando seu conceito e sua divisão. 13 O segundo capítulo traz a evolução histórica dos sistemas processuais penais dentro de uma órbita explicativa de suas teorias desde o início de sua existência até os momentos atuais. O terceiro capítulo enfatiza a instituição Ministério Público, sua etimologia e origem expõem o Ministério Público sob a ótica do direito constitucional comparado, analisando-se os Ministérios Públicos de outros países, para que seja possível concluir em que patamar dentro do combate à impunidade está o nosso Ministério Público. Também nesse capítulo será abordado o Parquet no contexto pátrio, sua natureza jurídica, seus princípios institucionais e suas funções constitucionais relacionadas à investigação criminal realizada por ele. Por fim, no quarto capítulo, será abordado o tema do presente trabalho, trazendo o conceito de investigação criminal, as hipóteses dessa investigação quando o Ministério Público atua, e os princípios constitucionais pertinentes à investigação criminal realizada diretamente pelo Ministério Público, bem como os argumentos favoráveis e contrários à possibilidade de o Ministério Público realizar diretamente investigação criminal, e também um breve comentário sobre o procedimento que regulamenta esse ato do MP. E para finalizar, será exposta a posição do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça com relação ao tema. A investigação criminal direta pelo Ministério Público é cercada de polêmica e debates acalorados. A questão é que tanto a doutrina como a jurisprudência não reconhecem de forma pacífica essa prerrogativa do MP Este trabalho não tem o objetivo de defender a absoluta possibilidade das investigações criminais serem realizadas pelo Ministério Público, nem tampouco contrariar absolutamente tal possibilidade. Pelo contrário, defende-se o respeito à Constituição Federal de 1988 ao lado de um trabalho sério no combate à criminalidade, respeitando sempre a harmonia e o equilíbrio do Sistema de Administração da Justiça em nosso País. Assim, cada argumento colocado será ponderadamente analisado, a fim de se ter uma opinião equilibrada com relação ao tema em questão. 14 Para a elaboração do presente trabalho, foi utilizado o método da pesquisa bibliográfica, pesquisa esta que teve por base os principais doutrinadores que escrevem sobre o tema, bem como recentes entendimentos jurisprudenciais dos principais tribunais brasileiros. 15 CAPÍTULO 1 – DA PERSECUÇÃO PENAL DO ESTADO 1.1 CONCEITO Persecução penal é o conjunto das duas fases que englobam o procedimento criminal brasileiro, quais sejam a fase pré-processual (investigação criminal) e a fase processual (processo penal). 1.2 A FASE PRÉ-PROCESSUAL A fase pré-processual é a fase de investigações preliminares, pois se realizam antes da provocação da atuação do Poder Judiciário. Essa fase tem início com a lavratura do auto de prisão em flagrante delito ou com a portaria de instauração do inquérito policial pelo delegado de polícia, ou ainda, nos casos das infrações de pequeno potencial ofensivo, com a elaboração do Termo Circunstanciado de Ocorrência (TCO), conforme arts. 61 e 69 da Lei n. 9099/95.1 Nas duas primeiras situações, dá-se início a um procedimento administrativoinformativo, de caráter marcadamente inquisitivo, que é o inquérito policial, formado por uma seqüência de atos administrativos – ora vinculados, ora discricionários - realizados com a finalidade de apurar a autoria e materialidade das infrações penais tornando-se _____________ 1 BRASIL. Presidência da República. Lei 9.099 de 26 de setembro de 1995. Dispõe sobre os Juizados Especiais. Art. 61: “Consideram-se infrações penais de menor potencial ofensivo, para os efeitos desta Lei, as contravenções penais e os crimes a que a Lei comine pena máxima não superior a 2 (dois) anos, cumulada ou não com multa”. Disponível em: <http//:www.planalto.gov.br/leis/9099>. Acesso em 20 abr. 2010. Art. 69: “A autoridade policial que tomar conhecimento da ocorrência lavrará termo circunstanciado e o encaminhará imediatamente ao Juizado, com o autor do fato e a vítima, providenciando-se as requisições dos exames periciais necessários”. Disponível em: <http//:www.planalto.gov.br/leis/9099>. Acesso em 20 abr. 2010. 16 dessa forma uma peça apta a convencer o Ministério Público de que a denúncia formulada será justa. O convencimento por parte do Ministério Público, também poderá se formar mediante atividade administrativa (procedimento) ou de notícia (peças de informação) trazida pelo interessado (notitia criminis), casos em que o inquérito policial poderá ser dispensado. O inquérito policial possui as seguintes características: - Inquisitorial: o investigado não exerce propriamente o contraditório e a ampla defesa, uma vez que não está sendo acusado de nada, mas é apenas objeto de uma apuração; - Formal: o Código de Processo Penal exige certa formalidade na elaboração das peças do inquérito policial, como por exemplo, a determinação que as mesmas sejam reduzidas a escrito, datilografadas e assinadas pela autoridade policial; - Sistemática: obedecendo ao princípio da verdade real, em que se pretende a reconstrução fática da prática do ilícito penal nos autos do inquérito, as peças devem ser dispostas em uma seqüência lógica, de modo a favorecer a compreensão e visão dos fatos; - Unidirecional: o inquérito policial deve se limitar a apontar a autoria e a materialidade da infração penal, não cabe à autoridade policial emitir juízo de valor acerca dos fatos apurados. - Sigiloso: o inquérito policial não goza da publicidade da ação penal; os fatos em apuração devem permanecer em resguardo para não prejudicar a investigação, esse sigilo não alcança o advogado, conforme preceitua o art. 7º, XIV da Lei nº 8.906/94 – Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil2. - Discricionário: a autoridade, ao instaurar inquérito policial para investigar a prática de uma infração penal, não está adstrita a nenhuma fórmula prescrita pela Lei pode e deve atuar da maneira que julgar mais eficiente para a investigação, embora _____________ 2 BRASIL. Presidência da República. Lei n. 8.906 de 4 de julho de 1994. Dispões sobre o Estatuto da Advocacia e a Ordem dos Advogados do Brasil. Art. 7º: “São direitos do advogado: XIV - examinar em qualquer repartição policial, mesmo sem procuração, autos de flagrante e de inquérito, findos ou em andamento, ainda que conclusos à autoridade, podendo copiar peças e tomar apontamentos”. Disponível em: <http//:www.planalto.gov.br/leis/9099>. Acesso em 20 abr. 2010. 17 deva obedecer aos limites impostos pela Constituição Federal e também pela legislação ordinária no que diz respeito, principalmente, aos direitos fundamentais. Assim, Luiz Flávio Gomes e Fábio Scliar, trazem a seguinte conclusão: Assim, a investigação preliminar cumpre a "função de filtro processual contra acusações infundadas", embora a sua própria existência já "configure um atentado ao chamado status dignitatis do investigado", e daí decorrem duas conclusões: a primeira é que a investigação prévia através do inquérito policial é uma garantia constitucional do cidadão em face da intervenção do Estado na sua esfera privada, porque ela atua como salvaguarda do jus libertatis e do status dignitatis; a segunda é que a investigação prévia não é somente fase anterior do processo penal, porque mesmo quando não há processo a 3 investigação terá cumprido um papel na ordem jurídica. 1.3 A FASE DO PROCESSO PENAL O processo penal compreende a segunda fase da persecução penal. É o procedimento principal, de caráter jurisdicional, que se inicia com o recebimento, pelo juiz competente, da denúncia formulada pelo órgão do Ministério Público ou a queixa formulada pelo o ofendido e termina com um procedimento judicial que resolve se o cidadão acusado deverá ser condenado ou absolvido. O poder de punir é exclusivo do Estado, única entidade dotada de poder soberano e uma vez praticado um fato definido em Lei como infração penal, enseja-se o exercício do jus puniendi pelo mesmo. Ao tratarmos de ação exclusivamente privada, o Estado apenas delega ao ofendido a legitimidade para dar inicio ao processo, conferindo-lhe assim o jus persequendi in judicio, conservando consigo a exclusividade do jus puniendi. A princípio o poder de punir conferido ao Estado, caracteriza-se por ser impessoal, abstrato, ao qual todos estão sujeitos, porém, a sua concretização se dá a partir da prática criminosa, atingindo o transgressor da norma penal. _____________ 3 GOMES, Luiz Flávio e SCLIAR, Fábio. Investigação preliminar, polícia judiciária e autonomia. Disponível em :<http://www.lfg.com.br/public_html/article.php?story=20081020154145672>. Acesso em 20 abr. 2010. 18 No momento em que a infração penal é cometida, o poder impessoal e abstrato, transforma-se em uma pretensão individualizada e concreta, dirigida em especifico ao transgressor. O poder punitivo do Estado, no entanto, não se opera de forma absoluta, desprovido de limites e garantias ao acusado. Ele se desenvolve através do processo, o meio pelo qual o Estado busca a composição da lide penal, formada, de um lado, pelo interesse estatal em satisfazer sua pretensão punitiva em face da prática do delito – de certa maneira, uma resposta à sociedade atingida diretamente pelo crime - e, de outro, pelo interesse do acusado que oferecerá resistência a essa pretensão. Para o promotor Fernando Capez: A finalidade processo é propiciar a adequada solução jurisdicional do conflito de interesses entre o Estado-Administração e o infrator, através de uma seqüência de atos que compreendam a formulação da acusação, a produção de provas, o 4 exercício da defesa e o julgamento da lide . Analisado os aspectos acima expostos, o processo penal constitui, acima de tudo, garantia constitucional do acusado conforme o exposto no art. 5º, incisos LIII, LIV, LV da CF 88. Art. 5º: “Todos são iguais perante a Lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: LIII - ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente LIV - ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal; LV - aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes. _____________ 4 CAPEZ, Fernando. Curso de Processo Penal. 12 ed. ver. e atual.São Paulo: Saraiva, 2005, p. 3. 19 CAPÍTULO 2 – A EVOLUÇÃO HISTÓRICA DOS SISTEMAS PROCESSUAIS PENAIS 2.1 BREVE HISTÓRICO A história do processo penal demonstra que existem três sistemas regentes do processo penal: acusatório (público e privado), inquisitivo e misto. O sistema adotado na Antiguidade, principalmente na Índia, em Atenas e na Roma republicana, era o acusatório privado. Nesse sistema a vítima era a parte legitimada a acusar quando se tratava de crimes menos grave ou qualquer do povo quando eram crimes mais graves. Nessa época, o processo iniciava-se com a acusação, em seguida instaurava-se o inquérito (não policial), pelo próprio acusador (vítima ou o povo). Ao processo não era estipulado prazo para início ou termino, essa medição era feita por conveniência das partes. A verdade alcançada no processo era ficta, pois dependia das partes, que tinham ampla liberdade probatória, o juiz em nada interferia. Fatos incontroversos não precisavam ser provados. Assim, a confissão do réu implicava em sua condenação e colocava fim ao processo. O juiz decidia de acordo com a livre apreciação das provas, devendo fundamentar suas decisões (princípio da persuasão racional). Eram observados alguns princípios nesse sistema da época: a) Igualdade entre as partes (ou paridade de armas); b) Contraditório; c) Publicidade dos atos processuais; d) oralidade dos atos processuais (mas, eventualmente, poderia ser sigiloso e escrito); e) Imparcialidade do juiz; f) Ampla defesa era assegurada. Devido à presunção de inocência, o réu respondia ao processo sempre em liberdade. Aí está a mais importante vantagem do sistema acusatório: a garantia de direitos ao acusado. O sistema acusatório é típico de sociedades mais democráticas, pois garantia direitos ao acusado. Porém, tal tipo de processo penal, em sua fase inicial, apresentava graves problemas. A impunidade, a violência e o sentimento de vingança reinavam, pois, na maioria das vezes o acusado não tinha estrutura suficiente para realizar todos os atos inerentes 20 à acusação penal, e dessa forma não se preocupavam com a justiça, promoviam a ação penal da sua maneira. Diante do caos, o Estado agora deixa nas mãos do juiz a tarefa de realizar a acusação penal, podendo assim perquirir as provas. Nasce então, o sistema inquisitório, ferindo de plano a imparcialidade do órgão julgador. Tentou-se solucionar um problema e adquiriu-se outro. Afinal a partir de então, o individuo era acusado pelo mesmo órgão que iria julgá-lo, passando a ser mero objeto de investigação e não sujeito de direitos. As conquistas sociais no campo dos direitos e garantias cresciam, então foi exigido do Estado um primeiro passo, qual seja, afastar o juiz da persecução penal, garantindo ao acusado todos os direitos e garantias inerentes ao pleno exercício de sua defesa, inclusive a imparcialidade do órgão julgador. A titularidade do ius persequendi in iudicio, continuava sendo do Estado, porém, nas mãos de outro órgão: o Ministério Público. Afrânio Silva Jardim, deixa consignada a importância da criação do Ministério Público para o exercício da persecução penal; A trajetória do processo penal é marcante nesse particular, pois, de um sistema acusatório rígido e individualista, atingimos uma quase total publicização deste excelente sistema, graças à criação da instituição do Ministério Público.Originalmente, grosso modo, a acusação era privada. Outorgava-se ao ofendido ou a qualquer pessoa do povo a difícil e árdua tarefa de acusar publicamente aquele que tivesse praticado uma infração penal. (...) Conseguiu-se este grande salto de qualidade através da institucionalização do Ministério Público, que pode ser considerado o verdadeiro ‘ovo de Colombo’ para o processo penal que surgiu modernamente. Com o Ministério Publico, assumiu o Estado, definitivamente, a titularidade da 5 persecutio criminis in judicio, sem precisar comprometer a neutralidade judicial. Agora, a acusação continuava sendo feita pelo Estado, no entanto por um órgão distinto do que iria julgar, restabelecendo, assim, o actum trium personarum. A partir daí nasce o sistema processual penal acusatório público, que se difere do sistema acusatório privado por possui nítida separação entre o órgão acusador e o julgador. _____________ 5 RANGEL, Paulo. Investigação Criminal Direta pelo Ministério Público: Visão Crítica. 3 Ed. Revista, ampliada e atualizada. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009, p. 166. 21 Em resumo a evolução histórica do sistema processual penal teve início com o acusatório privado, passando para o inquisitivo e retornando ao acusatório, dessa vez público. 2.2 SISTEMA ACUSATÓRIO PÚBLICO Possui nítida separação entre o órgão acusador e o julgador; há liberdade de acusação, reconhecido o direito ao ofendido e a qualquer cidadão; predomina a liberdade de defesa e a isonomia entre as partes no processo; vigora a publicidade do procedimento; o contraditório está presente; existe a possibilidade de recusa do julgador; há livre sistema de produção de provas; predomina maior participação popular na justiça penal e a liberdade do réu é a regra. 6 2.3 SISTEMA INQUISITIVO É caracterizado pela concentração de poder nas mãos do julgador, que exerce, também, a função de acusador; a confissão do réu é considerada a rainha das provas; não há debates orais, predominado procedimentos exclusivamente escritos; os julgadores não estão sujeitos a recusa; o procedimento é sigiloso; há ausência de contraditório e a defesa é meramente decorativa. 7 2.4 SISTEMA MISTO _____________ 6 NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Processo Penal e Execução Penal. 5 ed. revista, atualizada. e ampliada. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008, p.116. 7 NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Processo Penal e Execução Penal. 5 ed. revista, atualizada. e ampliada. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008, p. 116. 22 Surgido após a Revolução Francesa, uniu as virtudes dos dois anteriores, caracterizando-se pela divisão do processo em duas grandes fases: a instrução preliminar, com os elementos do sistema inquisitivo, e a fase de julgamento, com a predominância do sistema acusatório. Num primeiro estagio, há procedimento secreto, escrito e sem contraditório, enquanto no segundo, presentes se fazem a oralidade, a publicidade, o contraditório, a concentração dos atos processuais, a intervenção dos juízes populares e a livre apreciação das provas. 8 2.5 SISTEMA PROCESSUAL BRASILEIRO O sistema adotado no Brasil é o acusatório, que tem como principal característica a divisão das funções inerentes à persecução penal entre os órgãos que nela atuam: autor, juiz e réu. Porém, esse sistema acusatório não é puro, pois, traz consigo uma parte inquisitória quando, por exemplo, permite que nos autos do processo conste o inquérito policial, se desenvolvendo o processo a partir das informações colhidas na fase pré-processual. Paulo Rangel se manifesta em sua obra Direito Processual Penal, dizendo: O Brasil adota um sistema acusatório que, no nosso modo de ver, não é puro em sua essência. Pois, o inquérito policial regido pelo sigilo, pela inquisitoriedade, tratando o indiciado como objeto de investigação, integra os autos do processo, e o juiz, muitas das vezes, pergunta, em audiência, se os fatos que constam do inquérito policial são verdadeiros. Inclusive, ao tomar depoimento de uma testemunha, primeiro lê o seu depoimento prestado, sem o crivo do contraditório, durante a fase do inquérito para saber se confirma ou não, e, depois, passa a fazer as perguntas que entendem necessárias. Nesse caso, observe o Leitor que o procedimento meramente informativo, inquisitivo e sigiloso dá o pontapé inicial na atividade jurisdicional á procura da verdade real. Assim, não podemos dizer, pelo menos assim pensamos, que o sistema acusatório adotado entre nós é puro. Não. Não é. Há resquícios do sistema 9 inquisitivo, porem já avançamos muito. _____________ 8 NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Processo Penal e Execução Penal. 5 ed. revista, atualizada. e ampliada. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008, p. 116. 9 RANGEL, Paulo. Investigação Criminal Direta pelo Ministério Público: Visão Crítica. 3 Ed. Revista, ampliada e atualizada. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009, p. 188. 23 CAPÍTULO 3 - O MINISTÉRIO PÚBLICO NA ORDEM JURÍDICA NACIONAL 3.1 ETIMOLOGIA E ORIGEM A etimologia do nome Ministério Público apresenta o substantivo ministério, que deriva do latim “ministerium”, “minister”, que significa função, cargo que alguém exerce (diz-se principalmente do sacerdócio): atender aos deveres do seu ministério. Ministério público, magistratura estabelecida junto a cada tribunal e relativa à execução das Leis em nome da sociedade10. A origem do Ministério Público não tem um marco claramente definido, é grande a divergência entre os autores, alguns deles chegam a afirmar que essa origem está há mais de quatro mil anos. No Egito, havia um funcionário real conhecido por magiaí, que tinha por função castigar os rebeldes, reprimir a violência, proteger os inocentes, na Grécia, haviam agentes conhecidos como thesmotetics ou desmodetas, incumbidos de fiscalizar a correta aplicação das Leis em seus respectivos territórios. Na idade média, os visigodos, tribo bárbara de origem germânica que invadiu Roma no século V, trouxeram a figura dos saions, que tinham como atribuição a acusação pública e a defesa dos interesses dos órfãos. É perceptível a identificação de diversas origens do Ministério Público, pois, em sociedades antigas diversas, bem como na idade média, encontramos sempre presentes a figura de agentes estatais responsáveis por fiscalizar as Leis, promover a acusação ou ainda, zelar pelos interesses dos cidadãos desafortunados Observe-se que ao tentar localizar origens do Ministério Público, procuramos sempre identificar a função de fiscalização. Partindo desse pressuposto de identificação, a origem mais aceita do Ministério Público deu-se, efetivamente, na França, com a criação das funções de procuradores _____________ 10 Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa on line. Disponível em: <http//:www.aurelioonline.com.br>. Acesso em 20 abr. 2010. 24 do Rei, que cuidavam exclusivamente dos interesses reais. Foi a Ordenação Francesa de 1302, editada no reinado de Felipe IV, chamado de o Belo, rei da França, o primeiro diploma legal a tratar dos Procuradores do Rei. Por volta de 1670, durante o reinado de Luís XIV, os procuradores do Rei ganharam mais autonomia e passaram a exercer a função de acusadores oficiais do Reino. A Revolução Francesa de 1789 terminou por moldar a instituição do Ministério Público tal como a conhecemos hoje, uma vez que a partir de 1792, os cidadãos que exerciam a função de procuradores do Rei passaram a contar com as garantias da independência e da inamovibilidade. Assim, passaram os mesmos a procuradores da sociedade, defendendo os interesses da coletividade e zelando pela correta aplicação das Leis. A influência francesa na formação e consolidação da instituição foi tanta que o vocábulo Parquet – usado por nós para significar o Ministério Público, é Francês e representa as tábuas de madeira que formavam o assoalho sobre o qual os procuradores do Rei, em pé, exerciam sua função perante os magistrados. 3.2 O MINISTÉRIO PÚBLICO SOB A ÓTICA DO DIREITO CONSTITUCIONAL COMPARADO Cada Estado tem um Ministério Público com funcionamento, organização, grau de sujeição ou autonomia frente ao mundo político, diverso. No que diz respeito à investigação criminal, alguns países adotam a atuação direta do Ministério Público nessa fase e outros deixam a cargo exclusivo das Polícias Judiciária, como é o caso do Ministério Público Americano. O modelo mais comum de Ministério Público é aquele vinculado ao Poder Executivo, tendo também modelos ministeriais vinculados ao Poder Judiciário ou ao Poder Legislativo, e há Ministério Público como órgão independente, seria o Ministério Público um quarto poder. 25 O modelo de Ministério Público conexo ao Poder Executivo é o mais freqüente na perspectiva do constitucionalismo contemporâneo, compreendendo o esquema de acusação como execução da política criminal do Governo, o qual 11 tem o poder de, em diferentes proporções, influir sobre os rumos daquele. São exemplos de países que possuem Ministérios Públicos vinculados ao Poder Executivo: França, Portugal e Estados Unidos da América. O Ministério Público Francês é vinculado ao Poder Executivo. Esse órgão Francês não recebeu tratamento constitucional, sendo regulado por Leis ordinárias. Vigora nesse modelo o princípio da oportunidade da ação penal. Tem como características: a dependência hierárquica e o princípio da unidade. Dependência hierárquica, pois, todos os membros do Parquet dependem do Ministro da Justiça, mantido no topo da pirâmide hierárquica, o princípio da unidade significa dizer que o Promotor de Justiça atua em representação de todo o corpo do Ministério Público. Na França a polícia judiciária é órgão subordinado ao Parquet, que é, por sua vez, o órgão responsável pela investigação criminal, e em determinadas vezes, pela sua condução. Em Portugal vige a regra do princípio da oportunidade, podendo haver acordo entre acusação e defesa. Os membros do Ministério Público português são denominados magistrados do Ministério Público, podendo praticar todos os atos necessários para uma apuração criminal consistente, ou seja, o Parquet tanto pode requisitar a diligência à polícia judiciária, como também pode realizar a diligência pessoalmente. O Ministério Público americano é instituição denominada de “braço executivo do governo”. Nos Estados Unidos da América, a Instituição tem cunho político, sendo que nesse país impera o princípio da oportunidade da ação penal, possuindo o promotor ampla discricionariedade para tipificar os delitos, podendo, inclusive, 12 barganhar com o acusado, promovendo acordos. No sistema criminal americano a investigação dos delitos é confiada à polícia judiciária e às agências federais de investigação. _____________ 11 O Ministério Público e seu posicionamento em frente aos poderes do estado:uma analise sob a ótica do direito constitucional comparado. Disponível em: <http://www.escolamp.org.br/arquivos /revista _23_01.pdf>. Acesso em 20 abr. 2010. 12 LIMA, Marcellus Polastri. Ministério Público e Persecução criminal. 3 ed. revista e atualizada. Lúmen Júris: Rio de Janeiro, 2002, p. 2. 26 Os sistemas caracterizados por um Ministério Público vinculado ao Poder Executivo vêm sendo bastante criticados em certas doutrinas, por acreditarem serem incompatíveis com o Estado Democrático de Direito, apontam inclusive que o poder executivo “usa” o Ministério Público, para se sobrepor ao Poder Judiciário. Modelos ministeriais vinculados ao Poder Legislativo são poucos, “embora este seja o que concede em maior grau a legitimidade democrática requerida pela instituição em tela no desempenho de suas funções de representantes da sociedade”.13 . Cuba e os Países Soviéticos são seguidores desse modelo. [...] o sistema dos soviéticos e de seus seguidores não é o se pode chamar de um exemplo a ser seguido, já que entre eles regia o principio da concentração de poderes a serviço de um partido único, em favor do qual se delineava o funcionamento do Legislativo, favorecendo sempre as verdadeiras instancias 14 executivas. Ministério Público vinculado ao Poder Judiciário não é comum; [...] haja vista que a aparição daquele como instituição está justamente associada à introdução do princípio acusatório, o qual requer que um órgão, ao mesmo tempo público e distinto do juiz, exerça a ação penal e sustente a acusação. 15 O Ministério Público italiano é vinculado ao Poder Judiciário. Impera nesse sistema o princípio da obrigatoriedade da ação penal. Suas atribuições são semelhantes as do Parquet brasileiro. Com relação a investigação criminal estas são conduzidas pela polícia e pelo Ministério Público, porém, sob o controle direto de um juiz especifico para esta fase. Ministério Público como órgão estatal independente é o modelo brasileiro, pois, não está inserido dentro da esfera de nenhum dos três poderes, tem como princípio a obrigatoriedade da ação penal. _____________ 13 O Ministério Público e seu posicionamento em frente aos poderes do estado:uma analise sob a ótica do direito constitucional comparado. Disponível em: <http://www.escolamp.org.br/arquivos /revista _23_01.pdf>. Acesso em 20 abr. 2010. 14 O Ministério Público e seu posicionamento em frente aos poderes do estado:uma analise sob a ótica do direito constitucional comparado. Disponível em: <http://www.escolamp.org.br/arquivos /revista _23_01.pdf>. Acesso em 20 abr. 2010. 15 O Ministério Público e seu posicionamento em frente aos poderes do estado:uma analise sob a ótica do direito constitucional comparado. Disponível em: <http://www.escolamp.org.br/arquivos /revista _23_01.pdf>. Acesso em 20 abr. 2010. 27 Com relação à fase pré-processual no Brasil, a condução das investigações cabe, em regra, às Polícias Federais e Civis. No entanto, o Ministério Público já realiza diretamente investigações criminais, disciplinadas, pelos art. 26 da Lei federal 8.625/93 (Lei Orgânica dos Ministérios Públicos Estaduais)16 que prevê a possibilidade de o Parquet requisitar diretamente informações, exames periciais e documentos, intimação e oitiva de testemunhas, etc., poderes também assegurados pela Lei complementar nº 75/93, que disciplina a atuação dos membros do Ministério Público da União17. _____________ 16 BRASIL. Presidência da República. Lei n. 8625 de 12 de fevereiro de 93. Institui a Lei Orgânica do Ministério Público. Art. 26 “No exercício de suas funções, o Ministério Público poderá: I - instaurar inquéritos civis e outras medidas e procedimentos administrativos pertinentes e, para instruí-los: a) expedir notificações para colher depoimento ou esclarecimentos e, em caso de não comparecimento injustificado, requisitar condução coercitiva, inclusive pela Polícia Civil ou Militar, ressalvadas as prerrogativas previstas em Lei; b) requisitar informações, exames periciais e documentos de autoridades federais, estaduais e municipais, bem como dos órgãos e entidades da administração direta, indireta ou fundacional, de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios; c) promover inspeções e diligências investigatórias junto às autoridades, órgãos e entidades a que se refere a alínea anterior; II - requisitar informações e documentos a entidades privadas, para instruir procedimentos ou processo em que oficie; III - requisitar à autoridade competente a instauração de sindicância ou procedimento administrativo cabível; IV - requisitar diligências investigatórias e a instauração de inquérito policial e de inquérito policial militar, observado o disposto no art. 129, inciso VIII, da Constituição Federal, podendo acompanhálos; V - praticar atos administrativos executórios, de caráter preparatório; VI - dar publicidade dos procedimentos administrativos não disciplinares que instaurar e das medidas adotadas; VII - sugerir ao Poder competente a edição de normas e a alteração da legislação em vigor, bem como a adoção de medidas propostas, destinadas à prevenção e controle da criminalidade; VIII - manifestar-se em qualquer fase dos processos, acolhendo solicitação do juiz, da parte ou por sua iniciativa, quando entender existente interesse em causa que justifique a intervenção. Disponível em: <http//: planalto.gov.br/leis/>. Acesso em 20 abr. 2010. 17 BRASIL. Presidência da República. Lei n. 8625 de 12 de fevereiro de 93. Institui a Lei Orgânica do Ministério Público. Art. 8º “Para o exercício de suas atribuições, o Ministério Público da União poderá, nos procedimentos de sua competência: I - notificar testemunhas e requisitar sua condução coercitiva, no caso de ausência injustificada; II - requisitar informações, exames, perícias e documentos de autoridades da Administração Pública direta ou indireta; III - requisitar da Administração Pública serviços temporários de seus servidores e meios materiais necessários para a realização de atividades específicas; 28 A questão do aprimoramento da investigação criminal é um debate mundial, a busca por um Ministério Público forte e cada vez mais próximo do Estado Democrático de Direito é constante. Felizmente, o Ministério Público brasileiro, alcançou com a Constituição de 1988, sua excelência. Consolidou sua autonomia e independência, e passou a servir de exemplo aos constitucionalistas contemporâneos. 3.3 O MINISTÉRIO PÚBLICO NO BRASIL Na Constituição de 1934 o Ministério Público foi inserido no capítulo “Dos órgãos de coordenação das atividades governamentais”, em coexistência com o Tribunal de Contas e com os chamados Conselhos Técnicos. Por outro lado, a Carta de 1937 não o contemplou. A Constituição de 1946 o dispôs em título próprio, desvinculado dos três poderes; a de 1967 incluiu a instituição no âmbito 18 do Poder Judiciário. A Carta de 1969 inseriu o MP no Poder Executivo. Observado o exposto, nota-se que apenas partir da Constituição de 1988, o Ministério Público tem sua importância ampliada. Isso porque, no período republicano, o MP tinha um tratamento que oscilava frequentemente, dependia sempre do momento político em que o País se encontra, ou seja, o Parquet era bastante privilegiado em períodos democráticos, tendo sua atuação limitada, e por vezes até anulada em períodos autoritários. Com a Constituição de 1988 a instituição foi inserida em capítulo próprio (“Das Funções Essenciais à Justiça”) do título “Da Organização dos Poderes”, o que por certo IV - requisitar informações e documentos a entidades privadas; V - realizar inspeções e diligências investigatórias; VI - ter livre acesso a qualquer local público ou privado, respeitadas as normas constitucionais pertinentes à inviolabilidade do domicílio; VII - expedir notificações e intimações necessárias aos procedimentos e inquéritos que instaurar; VIII - ter acesso incondicional a qualquer banco de dados de caráter público ou relativo a serviço de relevância pública; IX - requisitar o auxílio de força policial”. Disponível em: <http//: planalto.gov.br/leis/>. Acesso em 20 abr. 2010. 18 GARCIA, Emerson. Ministério Público. Organizações, Atribuições e Regime Jurídico. 12ª ed. Saraiva, 2005. 29 teve o escopo de romper a íntima ligação que havia entre a mesma e o Poder Executivo. Ainda assim, muito se discutia se o Ministério Público estava vinculado ao Poder Judiciário ou ao Poder Executivo, ou ainda se seria um quarto poder. O Parquet foi contemplado, ainda, com a autonomia financeira e administrativa, e a independência funcional dos seus integrantes, conquistando também garantias até então próprias e exclusivas dos magistrados como a vitaliciedade, a inamovibilidade e a irredutibilidade de subsídio. O constituinte originário buscou oferecer mais segurança e eficácia às atividades dos membros do Ministério Público, uma vez que, livres de pressões políticas ou de ingerências de integrantes dos outros Poderes, os mesmos passaram a ter todas as condições necessárias para o pleno exercício das suas funções, imprescindíveis em um Estado Democrático de Direito. Atualmente, o Ministério Público é um órgão governamental, com poderes amplos e responsabilidades sérias, sendo conhecido por “fiscal da aplicação da Lei”, um “advogado” da sociedade brasileira, atuando alem dos processos judiciais. O art. 127 da CF/88, traz o conceito certo dessa Instituição, “Ministério Público é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis”. O nosso ilustre Procurador de Justiça, Hugo Nigro Mazzilli, traduz a presença social do Ministério Público dizendo: Examinando-se a historia mais recente da instituição, traçadas nessas ultimas duas décadas, é possível assegurar que se criou e se desenvolveu o que se pode chamar de uma consciência nacional de Ministério Público. O ofício que a instituição exerce passou a ser o elo comum a permitir pensar-se cada vez mais no Ministério Público como instituição e nos seus agentes como órgãos independentes; passou-se a identificar-lhe um fim a realizar no meio social e não apenas a aceitá-la como um conjunto de organismos governamentais 19 estanques da União e dos Estados. _____________ 19 MAZZILLI, Hugo Nigro. Regime Jurídico do Ministério Público. São Paulo: Saraiva, 1933, p. 31 30 3.4 NATUREZA JURÍDICA As principais classificações propostas para definir a natureza jurídica da instituição são: O MP é um órgão vinculado ao Poder Executivo; O MP é um Poder Estatal, um “quarto poder”. O MP é uma instituição constitucional, ou seja, órgão independente essencial à função jurisdicional do Estado, sendo essa a mais coerente e harmônica definição realizada a partir da interpretação dos dispositivos constitucionais relacionados ao tema e, sobretudo, aos conceitos emanados do Direito Administrativo. Os órgãos independentes são aqueles previstos na Constituição Federal, integrados por agentes políticos e dispostos no topo da organização administrativa estatal, sem estarem sujeitos a nenhum tipo de controle ou subordinação por outro órgão, mas apenas de um Poder a outro. Conforme lição do Ministro Sepúlveda Pertence, “a colocação tópica e o conteúdo normativo da Seção revelam a renuncia, por parte do constituinte, de definir explicitamente a posição do Ministério Público entre os Poderes do Estado”.20 3.5 PRINCÍPIOS INSTITUCIONAIS DO MINISTÉRIO PÚBLICO O art. 127, §1º, da Constituição Federal traz expressamente os princípios institucionais do Ministério Público, quais sejam, a unidade, a indivisibilidade e a independência funcional. Os renomados professores Vicente Paulo e Marcelo Alexandrino, assim conceituam os princípios:21 _____________ 20 PAULO, Vicente; ALEXANDRINO, Marcelo. Direito Constitucional descomplicado. 3 ed., revisada e atualizada. São Paulo: Método, 2008, p.661. 21 PAULO, Vicente; ALEXANDRINO, Marcelo. Direito Constitucional descomplicado. 3 ed., revisada e atualizada. São Paulo: Método, 2008, p.662. 31 1 - unidade – a unidade do Ministério Público significa que seus membros integram um só órgão, sob única direção de um procurador-geral. 2 - indivisibilidade –os membros do Ministério Público não se vinculam aos processos em que atuam, podendo ser substituídos uns pelos outros, de acordo com as regras legais, sem nenhum prejuízo para o processo. 3 - independência funcional – os membros do Ministério Público representam a instituição, e nesse sentido, não mantêm relação de subordinação a quem quer que seja, somente à Constituição, às Leis e a própria consciência. 3.6 AS FUNÇÕES INSTITUCIONAIS DO MINISTÉRIO PÚBLICO FACE À CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 Algumas funções institucionais do Parquet arroladas no art. 129 do texto constitucional, são constantemente lembradas tanto pelos que defendem a existência da figura do “promotor investigador” como por aqueles que entendem não ser possível a investigação criminal direta pelo membro do MP. Importante ressaltar que o rol do art. 129 não é exaustivo, como claramente deflui-se do inciso IX, podendo outras competências serem outorgadas ao Ministério Público, desde que compatíveis com a missão constitucional do órgão. Assim, são funções institucionais do Ministério Público nos termos da CF de 1988: 3.6.1 Promover, privativamente, a ação penal pública, nos termos da Lei (art. 129, I, CF) 32 Antes da Constituição de 1988 havia os procedimentos judiciais ex-officio, segundo os quais cabia ao magistrado dar início à persecução penal, ou, ainda, à autoridade policial, na hipótese prevista no art. 26 do Código de Processo Penal. 22 Hoje, de acordo com o sistema acusatório no processo penal brasileiro, cabe ao Ministério Público a titularidade exclusiva da ação penal pública, ressalvada, logicamente, a possibilidade da ação penal privada subsidiária da pública. Assim sendo, o MP forma sua opinio delicti acerca da prática, em tese, de um fato definido como crime ou contravenção penal e por meio da denúncia ele dá o impulso inicial para atuação da jurisdição do Estado no caso em concreto. Ressalte-se, ainda, que caberá única e exclusivamente ao Ministério Público a decisão sobre a possibilidade ou não de se intentar a ação penal, uma vez que, nos termos do art. 28 do CPP, ainda que o juiz rejeite o pedido de arquivamento do inquérito policial realizado pelo promotor de Justiça, caberá ao Procurador-Geral de Justiça dar a última palavra sobre a questão, à qual o magistrado deve, então, atender. Importante nesse contexto entendermos que a ação penal não pode ser proposta a qualquer custo, como se fosse o Parquet obrigado a promovê-la. Deverá haver o lastro probatório mínimo para se sustentar uma denúncia. A obrigatoriedade da ação penal pública é o exercício de um poder-dever, conferido ao Ministério Público, de exigir do Estado-juiz a devida prestação jurisdicional a fim de satisfazer a pretensão acusatória estatal, restabelecendo a ordem jurídica violada. Trata-se de um múnus público constitucional conferido ao Ministério Público pela sociedade, através do exercício do poder constituinte originário.23 Surge a obrigatoriedade com a presença de um fato típico, ilícito e culpável. Se há elementos que viabilizam o exercício da ação penal, não tem o Ministério Público discricionariedade para oferecer ou não a denuncia, é um poder-dever do Parquet promover a ação penal pública. _____________ 22 BRASIL. Lei n. 3689 de 3 de outubro de 1941. Código de Processo Penal. Art. 26 “A ação penal, nas contravenções, será iniciada com o auto de prisão em flagrante ou por meio de portaria expedida pela autoridade judiciária ou policial”. Disponível em: <http//: planalto.gov.br/codigos>. Acesso em 20 abr. 2010. 23 RANGEL, Paulo. Investigação Criminal Direta pelo Ministério Público: Visão Crítica. 3 Ed. Revista, ampliada e atualizada. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009, p. 164. 33 3.6.2 Expedir notificações nos procedimentos administrativos de sua competência, requisitando informações e documentos para instruí-los, na forma da Lei complementar respectiva ( art. 129, VI, CF). Questão essencial para a defesa da possibilidade de o Ministério Público realizar, diretamente, investigações criminais, é essa função que a Constituição Federal consagrou ao Ministério Público no art. 129, VI 24. Essa artigo constitucional prevê no âmbito Ministerial, haver procedimentos investigatórios próprios, que possibilitam ao membro do Parquet, realizar investigação preliminar preparatória da ação penal, se necessário for. A Lei complementar nº 75/93, que trata das atribuições do Ministério Público da União, apresenta, em seu art.7º, caput, que “incumbe ao Ministério Público da União, sempre que necessário ao exercício das suas funções institucionais: VII - expedir notificações e intimações necessárias aos procedimentos e inquéritos que instaurar”. No mesmo sentido, a Lei 8.625/93, que traz normas gerais para a organização e funcionamento dos Ministérios Públicos Estaduais, dispõe, em seu art. 26, que “no exercício de suas funções, o Ministério Público poderá: I - instaurar inquéritos civis e outras medidas e procedimentos administrativos pertinentes e, para instruí-los: a) expedir notificações para colher depoimento ou esclarecimentos e, em caso de não comparecimento injustificado, requisitar condução coercitiva, inclusive pela Polícia Civil ou Militar, ressalvadas as prerrogativas previstas em Lei”. Diante do exposto na Constituição Federal e, principalmente, pelas Leis orgânicas dos Ministérios Públicos Federais e Estaduais, não restam dúvidas acerca da possibilidade de o Parquet expedir notificações e requisitar informações e documentos com a finalidade de instruir procedimentos administrativos de sua competência, quais sejam, os inquéritos civis. _____________ 24 BRASIL. Presidência da República. Constituição da República Federativa do Brasil. Art 129, VI: “São funções institucionais do Ministério Público: VI - expedir notificações nos procedimentos administrativos de sua competência, requisitando informações e documentos para instruí-los, na forma da Lei complementar respectiva.”. Disponível em : <http//:www.planalto.gov.br/constituicao.>. Acesso em 20 abr. 2010. 34 3.6.3 Exercer o controle externo da atividade policial, na forma da Lei complementar mencionada no artigo anterior. (art. 129, VII) Na lição do ilustre promotor de Justiça Emerson Garcia25, essa função institucional do Ministério Público não diz respeito a qualquer relação de subordinação ou hierarquia, mas sim de função correcional extraordinária exercida pelo Parquet, paralelamente à função correcional ordinária existente no âmbito interno dos órgãos policiais (no caso, as Corregedorias de Polícia). Nos termos do art. 9º da Lei complementar 75/93, também aplicado de forma subsidiária ao Ministério Público dos Estados: Art. 9º O Ministério Público da União exercerá o controle externo da atividade policial por meio de medidas judiciais e extrajudiciais podendo: I - ter livre ingresso em estabelecimentos policiais ou prisionais; II - ter acesso a quaisquer documentos relativos à atividade-fim policial; III - representar à autoridade competente pela adoção de providências para sanar a omissão indevida, ou para prevenir ou corrigir ilegalidade ou abuso de poder; IV - requisitar à autoridade competente para instauração de inquérito policial sobre a omissão ou fato ilícito ocorrido no exercício da atividade policial; V - promover a ação penal por abuso de poder não se trata de relação de subordinação ou hierarquia. Paulo Rangel nos traz sua ilustre conclusão: Destarte, o Ministério Público, se exerce o controle externo da atividade policialfim, que é a investigação criminal, com o escopo de se apurar a pratica de infração penal, claro nos parece, mais uma vez, que pode (e se necessário for, deve) realizar diretamente quaisquer diligencias investigatórias a fim de formar sua opinio delicti. A própria Lei Orgânica do Ministério Público da União, ao dispor que o Ministério Público pode “ter acesso a quaisquer documentos relativos à atividade-fim policial” (art. 9º, II, da LC 75/93) deixa consignado que 26 tal acesso pode ser feito, pessoal e diretamente, pelo Parquet. _____________ 25 GARCIA, Emerson. Ministério Público – Organização, Anotações e Regime Jurídico. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2004. 26 RANGEL, Paulo. Investigação Criminal Direta pelo Ministério Público: Visão Crítica. 3 Ed. Revista, ampliada e atualizada. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009, p. 179. 35 3.6.4 Requisitar diligências investigatórias e a instauração do inquérito policial, indicados os fundamentos jurídicos de suas manifestações processuais (art. 129, VIII, CF). Nesse ponto, a Constituição Federal de 1988 foi clara ao dispor que, em se tratando de investigação criminal, o órgão do Ministério Público deve requisitar à autoridade policial a instauração do competente inquérito. Requisitar, neste sentido, tem o significado de exigir, de pedir com autoridade. E nesses termos, o delegado de polícia (federal, no caso do Ministério Público da União e civil, no caso dos Ministérios Públicos dos Estados) deve atender à demanda sob pena de incorrer em ato de improbidade administrativa (art. 11, II da Lei 8429/9227) ou mesmo, em crime de prevaricação (art. 319 do Código Penal28). Diz o art. 47 do CPP: Art. 47 – Se o Ministério Público julgar necessário maiores esclarecimentos e documentos complementares ou novos elementos de convicção, deverá requisitá-los, diretamente, de quaisquer autoridades ou funcionários que devam ou possam fornecê-lo (sem grifos no original). _____________ 27 BRASIL. Lei 8429 de 2 de junho de 1992. Dispõe sobre as sanções aplicáveis aos agentes públicos casos de enriquecimento ilícito no exercício de mandato. Art. 11, II: “Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade, e lealdade às instituições, e notadamente: II - retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício”. Disponível em: <http//: planalto.gov.br/codigos>. Acesso em 20 abr. 2010. 28 BRASIL. Decreto Lei 2848 de 7 de dezembro de 1940. Institui o Código Penal. Art. 329: “Retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício, ou praticá-lo contra disposição expressa de Lei, para satisfazer interesse ou sentimento pessoal. Pena – detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano, e multa”. Disponível em: <http//: planalto.gov.br/ccivil03/códigos/del2848>. Acesso em 20 abr. 2010. 36 CAPITULO 4 - INVESTIGAÇÃO CRIMINAL DIRETA PELO MINISTÉRIO PÚBLICO Apresentados os conceitos pertinentes ao tema desta monografia, chega-se ao momento de analisar a questão central do trabalho – Investigação Criminal direta pelo Ministério Público: uma abordagem à luz da CF/88 Duas correntes disputam, de forma apaixonada, um debate doutrinário intenso no meio jurídico brasileiro. Cada uma delas possui notáveis defensores e argumentos consideráveis, o que certamente contribui de forma inestimável para tornar a discussão muito interessante. A primeira corrente defende dentre outros argumentos, que o Ministério Público pode realizar investigações criminais, através de procedimento administrativo próprio o PIC (procedimento investigatório criminal); a apuração das infrações penais pelo Parquet corresponderia plenamente às suas funções institucionais elencadas na Constituição Federal de 1988, que assegurou ao MP, inclusive, a titularidade da ação penal pública. Entre os defensores dessa tese estão José Frederico Marques, Júlio Fabbrini Mirabete, Hélio Tornaghi, Hugo Nigro Mazzili, bem como os ilustres representantes do Ministério Público Eugênio Pacelli de Oliveira, Marcellus Polastri Lima, Emerson Garcia, Luciano Feldens, Lênio Luiz Streck, Denilson Feitoza, Fernando Capez e Paulo Rangel. Do outro lado, estão aqueles que acreditam que a Constituição Federal de 1988 veda a investigação criminal direta pelo Ministério Público. As apurações das infrações penais e de sua autoria cabem, constitucionalmente, à polícia judiciária e, portanto, sem previsão legal expressa, o MP não teria legitimidade para realizar a investigação criminal. Entre os que defensores dessa tese estão José Afonso da Silva, Miguel Reali Júnior, Eduardo Reale, José Carlos Fragoso, Antônio Scarance Fernandes, Guilherme de Souza Nucci e Rogério Lauria Tucci. Neste sentido, passa-se a analisar alguns conceitos básicos pertinentes ao tema, passando-se aos princípios constitucionais pertinentes a investigação criminal direta pelo Parquet, os argumentos contrários e favoráveis da respectiva investigação, bem 37 como uma rápida abordagem do procedimento que regulamenta a investigação ministerial e a posição dos tribunais superiores. 4.1 CONCEITO DE INVESTIGAÇÃO CRIMINAL Investigar significa: seguir os vestígios de; pesquisar, proceder a diligências; empenhar-se em descobrir: investigar a autoria de um crime.29 A investigação criminal é um procedimento administrativo pré-processual, desempenhada por órgãos públicos, na maioria das vezes pela Polícia Judiciária. Apesar de considerada procedimento administrativo, podem ser praticados atos judiciais e jurisdicionais, como por exemplo, uma medida cautelar. A investigação criminal feita pela Polícia tem como objetivo apurar a verdade, indícios consistentes e suficientes, mas ao contrario do que muitos pensam, essa apuração visa favorecer tanto a defesa quanto a acusação. Esse procedimento investigatório pré-processual tem uma importância gigantesca, ao passo que é o alicerce da manutenção da ordem pública, pois se fadada ao insucesso, fomentará a impunidade, e consequentemente a criminalidade. Porém, se os resultados forem satisfatórios, teremos uma ação penal fundamentada em trabalho sério, em provas robustas e sem contradições, punindo quem realmente merece ser punido, sem lastro de injustiça. 4.2 HIPÓTESES DE INVESTIGAÇÃO DIRETA _____________ 29 Dicionário on line de português. Disponível em: <http://www.dicio.com.br/investigar/>. Acesso em: 20 abr. 2010. 38 A classificação das investigações na fase pré-processual realizadas pelo Ministério Público será dividida em três grupos, de acordo com o estágio de apuração dos fatos. -Investigação direta originaria: se dá quando o Ministério Público inicia a apuração de um crime por conta própria, sem envolver a polícia, mesmo que, em etapa posterior, venha requisitar o auxilio desta.30 È utilizada esta modalidade de investigação quando: - o autor do fato é alguém capaz de exercer pressões contra a apuração policial. - a noticia do crime chega diretamente ao promotor. - polícia se recusa a investigar um crime, por motivos diversos. O ilustre defensor Público Manuel Sabino, bem ilustra os tipos de pressões a que estão sujeitas as investigações criminais, quando lembra um caso ocorrido em 2004: caso envolvendo o chamado "marketeiro" pessoal do Presidente da República, o senhor Duda Mendonça. Após sua prisão por promover e participar de uma rinha de galo, dois policiais federais que participaram da ação foram ameaçados de transferência e o Delegado responsável foi afastado de sua chefia. Mais recentemente, o Delegado Federal Antônio Rayol, autor do flagrante, foi indiciado pela Polícia Federal, acusado de "concorrer para escândalo público" e "arranhar publicamente a reputação da PF". Como que por mágica, o investigador passou a ser o indiciado.31 -Investigação direta derivada: [...] o Ministério Público toma conhecimento de uma determinada infração penal através de outro tipo de procedimento decorrente de sua atuação, seja de natureza cível ou criminal.32 Tendo dessa forma duas opções: determinar a abertura de inquérito ou denunciar diretamente. -Investigação direta revisora: ocorre quando o Ministério Público procura confirmar os dados e as conclusões fornecidas pela polícia. 33 _____________ 30 Investigação Criminal pelo inadmissibilidade. Disponível em: 2010. 31 Investigação Criminal pelo inadmissibilidade. Disponível em: 2010. 32 Investigação Criminal pelo inadmissibilidade. Disponível em: 2010. Ministério Público:Uma crítica aos argumentos pela sua http://jus2.uol.com.br/Doutrina/texto.asp?id=8221. Acesso em 10 abr. Ministério Público:Uma crítica aos argumentos pela sua http://jus2.uol.com.br/Doutrina/texto.asp?id=8221. Acesso em 10 abr. Ministério Público:Uma crítica aos argumentos pela sua http://jus2.uol.com.br/Doutrina/texto.asp?id=8221. Acesso em 10 abr. 39 4.3 PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS PERTINENTES À INVESTIGACAO CRIMINAL DIRETA PELO MINISTÉRIO PÚBLICO Esta seção refere-se a dois princípios constitucionais diretamente relacionados à discussão do tema proposto: Investigação Criminal direta pelo Ministério Público: uma abordagem à luz da CF/88. Para que seja entendida a real importância dos princípios dentro do nosso ordenamento jurídico, impõe-se conceituá-los. Para Celso Antônio Bandeira de Mello: Os princípios são por definição, mandamentos nucleares de um sistema, verdadeiros alicerces dele, e ainda disposições fundamentais que se irradiam sobre diferentes normas, compondo-lhes o espírito e servindo de critério para a sua exata compreensão e inteligência, exatamente por definirem a lógica e a racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a tônica e lhe dá sentido harmônico. É o conhecimento dos princípios que preside a intelecção das diferentes partes componentes do todo unitário que é o sistema jurídico 34 positivo. 35 4.3.1 Princípio do Devido Processo Legal A Constituição Federal consagra em seu art. 5º, LIV, que, ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal. Esta é a conceituação mais simples do princípio do devido processo legal. 33 Investigação Criminal pelo Ministério Público:Uma crítica aos argumentos pela sua inadmissibilidade. Disponível em: http://jus2.uol.com.br/Doutrina/texto.asp?id=8221. Acesso em 10 abr. 2010. 34 MELLO, Celso Antônio Bandeira. Elementos de Direito Administrativo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1981. p. 230. 35 AMARAL, Júlio Ricardo de Paula. Princípios de processo civil na Constituição Federal. Jus Navigandi, Teresina, a. 4, n. 46, out. 2000. Disponível em: <http://www1.jus.com.br/doutrina>. Acesso em: 10 mai. 2010. 40 O ilustre Professor Guilherme de Souza Nucci assevera: O principio do devido processo legal é, sem duvida, o aglutinador dos inúmeros princípios processuais penais (art. 5º, LIV, CF). Constitui o horizonte a ser perseguido pelo Estado democrático de Direito, fazendo valer os direitos e garantias humanas fundamentais. Se esses forem assegurados, a persecução penal se faz sem qualquer tipo de violência ou constrangimento ilegal, representando o necessário papel dos agentes estatais na descoberta, 36 apuração e punição do criminoso. Observa-se que o principio do devido processo legal, engloba diversas, senão a maioria, das garantias do processo, implícitas em sua interpretação. Suannes depreende da garantia do devido processo legal um dos argumentos que contrariam a legitimidade dos procedimentos investigatórios criminais presididos pelo Ministério Publico. Segundo o autor, não parece razoável que, havendo um órgão destinado às investigações criminais, a polícia judiciária, o Ministério Público sobreponha-se a ele para exercer a mesma função.37 Rangel entende diferente e assegura que; [...] a atuação do Ministério Público, se for exercida através do devido processo legal em seu duplo enfoque (instrumental e substantivo), é garantia do acusado de que todos os direitos previstos na ordem jurídica constitucional lhe serão assegurados, com a certeza da imparcialidade não só do órgão julgador, mas também do órgão fiscalizador da Lei. Assim, afasta-se a idéia de que o Ministério Público é órgão acusador e compreende-se seu verdadeiro papel constitucional de instituição guardiã da ordem jurídica, do regime democrático e 38 dos interesses sociais e individuais indisponíveis (art. 127, caput, da CRFB). Percebe-se que há nítido confronto dos valores implícitos que guardam o devido processo legal. De um lado é necessário respeitar o nosso sistema processual penal, qual seja, o acusatório, e o que ele dispõe que é a divisão das funções inerentes à persecução penal entre os diversos órgãos que nela atuam: autor, juiz e réu. O autor aqui é o Ministério Público, e este estaria acumulando as funções de investigar e desencadear a ação penal. Ao mitigar-se o devido processo legal, haverá sérios riscos de se ignorar a igualdade do processo, a paridade de armas e o contraditório. _____________ 36 NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Processo Penal e Execução Penal. 5 ed. revista, atualizada. e ampliada. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008, p. 96. 37 SUANNES, Adauto S. 2004 apud CASTRO, Bruna Azevedo de. A atuação do Ministério Público nas investigações criminais à luz dos princípios constitucionais relacionados. Disponível em: <http://www2.uel.br/revistas/direitopub/pdfs/vol_02/ANO1_VOL_2_01.pdf>. Acesso em 20 abr. 2010. 38 RANGEL, Paulo. Investigação Criminal Direta pelo Ministério Público: Visão Crítica. 3 Ed. Revista, ampliada e atualizada. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009, p. 63 41 Por outro lado, ao se buscar o verdadeiro alcance do princípio do devido processo legal, conclui-se que aquele que tem sua liberdade ameaçada tem o direito de ter as investigações criminais a seu respeito feitas de forma segura e imparcial, desvinculada de qualquer vício ou pressão política superior. E nesse caso, o Parquet é órgão essencial na investigação criminal direta, uma vez que, por ser órgão responsável pela defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis, deve e pode assegurar uma persecução criminal justa. 4.3.2 Princípio do Contraditório A Constituição Federal consagra em seu art. 5º, LV, que, aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes. O contraditório é inerente ao sistema acusatório adotado por nós, e traduz o direito da outra parte de também ser ouvida face á pretensão punitiva exercida pelo Ministério Público. Na opinião de Suannes; Quando membros do Ministério Público tomam depoimentos em seus gabinetes, ainda que – e principalmente – não esteja instaurada a ação penal, afasta-se o princípio do contraditório ante a ausência da publicidade do ato que 39 deveria ser processual e não investigatório. Rangel traz sua opinião, porém, em sentido contrário, dizendo que; [...] se na fase preliminar preparatória da ação penal não há o contraditório por inexistir acusação, a colheita de provas feita, diretamente, pelo Ministério Público não ofende a Constituição, mas sim, como vamos ver mais abaixo, garante ao indiciado, ou autor, em tese, do fato, que a mesma colheita seja feita por um órgão independente, imparcial quanto ao direito material dito violado e dentro do devido processo legal, pois, como dominus litis que é o Ministério Público, se não houver justa causa para a propositura da ação penal, o _____________ 39 SUANNES, Adauto S. 2004 apud CASTRO, Bruna Azevedo de. A atuação do Ministério Público nas investigações criminais à luz dos princípios constitucionais relacionados. Disponível em: <http://www2.uel.br/revistas/direitopub/pdfs/vol_02/ANO1_VOL_2_01.pdf>. Acesso em 20 abr. 2010. 42 arquivamento é medida de justiça que deve ser adotado, tudo em conformidade com os arts. 127, caput, da CRFB c/c 43, III, do CPP. E mais: o fato de haver contraditório durante a investigação criminal levada a efeito pelo Ministério Público não significa dizer que o investigado não tem direitos previstos na Constituição. Tem e devem ser preservados, sob pena de afronta ao texto constitucional que deve ser tutelado pelo Ministério Público (art. 40 127, caput, da CRFB). 4.4 SÍNTESE DOS ARGUMENTOS FAVORÁVEIS À INVESTIGAÇÃO CRIMINAL DIRETA PELO MINISTÉRIO PÚBLICO 4.4.1 Previsão Constitucional e Infraconstitucional A corrente que defende que a investigação ministerial criminal direta pelo Ministério Público, aponta a existência de previsão constitucional e infraconstitucional, permitindo esse ato. A nossa Constituição traz no artigo 129, referente às funções institucionais do Ministério Público a atribuição do mesmo de realizar diretamente a investigação criminal. Quanto à ordem infraconstitucional prevêem o art. 26, inciso I, da Lei n. 8.625/93 (Lei Orgânica Nacional do Ministério Público)41 e o art. 8º da Lei Complementar 75/9342 _____________ 40 RANGEL, Paulo. Investigação Criminal Direta pelo Ministério Público: Visão Crítica. 3 Ed. Revista, ampliada e atualizada. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009, p. 67 e 68 41 BRASIL. Presidência da República. Lei n. 8625 de 12 de fevereiro de 93. Institui a Lei Orgânica do Ministério Público. Art. 26: “No exercício de suas funções, o Ministério Público poderá: I - instaurar inquéritos civis e outras medidas e procedimentos administrativos pertinentes e, para instruí-los: a) expedir notificações para colher depoimento ou esclarecimentos e, em caso de não comparecimento injustificado, requisitar condução coercitiva, inclusive pela Polícia Civil ou Militar, ressalvadas as prerrogativas previstas em Lei; b) requisitar informações, exames periciais e documentos de autoridades federais, estaduais e municipais, bem como dos órgãos e entidades da administração direta, indireta ou fundacional, de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios; 43 que o membro do Ministério Público pode investigar diretamente notícias de crimes e contravenções, instaurando para tanto procedimento administrativo. Isto, na realidade, trata-se de uma conseqüência lógica do princípio da exclusividade da promoção da ação penal - art. 129, inciso I da CF-88. Será feito aqui uma breve análise ao artigo 129 da Constituição Federal, expondo as razões que fazem com que esse dispositivo seja um permissivo ao Ministério Público investigar diretamente os crimes; Art. 129. São funções institucionais do Ministério Público: I - promover, privativamente, a ação penal pública, na forma da Lei; VI - expedir notificações nos procedimentos administrativos de sua competência, requisitando informações e documentos para instruí-los, na forma da Lei complementar respectiva; VII - exercer o controle externo da atividade policial, na forma da Lei complementar mencionada no artigo anterior; VIII - requisitar diligências investigatórias e a instauração de inquérito policial, indicados os fundamentos jurídicos de suas manifestações processuais; IX – exercer outras funções que lhe forem conferidas, desde que compatíveis com sua finalidade, sendo-lhe vedada a representação judicial e a consultoria jurídica de entidades públicas. O inciso I do referido artigo traz o Ministério Público como titular da ação penal pública, podendo dessa forma além de requisitar as diligências, também realizá-las, quando necessárias, pois, a ele cabe chegar à certeza de autoria e materialidade do fato, afinal, por ele será feito a denúncia, que por sua vez deverá ser justa. c) promover inspeções e diligências investigatórias junto às autoridades, órgãos e entidades a que se refere a alínea anterior; 42 BRASIL. Presidência da República. Lei n. 8625 de 12 de fevereiro de 93. Institui a Lei Orgânica do Ministério Público. Art. 8º Para o exercício de suas atribuições, o Ministério Público da União poderá, nos procedimentos de sua competência: I - notificar testemunhas e requisitar sua condução coercitiva, no caso de ausência injustificada; II - requisitar informações, exames, perícias e documentos de autoridades da Administração Pública direta ou indireta; III - requisitar da Administração Pública serviços temporários de seus servidores e meios materiais necessários para a realização de atividades específicas; IV - requisitar informações e documentos a entidades privadas; V - realizar inspeções e diligências investigatórias; VI - ter livre acesso a qualquer local público ou privado, respeitadas as normas constitucionais pertinentes à inviolabilidade do domicílio; VII - expedir notificações e intimações necessárias aos procedimentos e inquéritos que instaurar; VIII - ter acesso incondicional a qualquer banco de dados de caráter público ou relativo a serviço de relevância pública; IX - requisitar o auxílio de força policial.” Disponível em: <http//:planalto.gov.br/cccivil/8625>. Acesso em 20 abr. 2010. 44 Esse inciso é fundamentado por uma máxima que diz “Quem pode o mais pode o menos”, para explicar que, se o Ministério Público pode e deve promover a ação penal pública, pode e deve colher, direta e pessoalmente, as provas necessárias para a formação de sua convicção, a fim de propor a ação. No inciso VI, o poder de expedir notificações nos procedimentos administrativos de sua competência e de requisitar informações e documentos para instruí-los, abrange tanto a esfera cível quanto a criminal. As normas que conferem direitos não podem ter interpretação restritiva, por isso, é dever do Parquet apurar condutas lesivas mesmo que diretamente, pois, a investigação deve ser consistente, afinal, está em jogo um bem maior: a liberdade de uma pessoa. Hugo Nigro Mazilli traduz esse inciso de forma brilhante: No inc. VI do art. 129, da Constituição, cuida-se de procedimentos administrativos de atribuição do Ministério Público- e aqui também se incluem investigações destinadas à coleta direta de elementos de convicção para formar sua opinio delictis: se os procedimentos administrativos a que se refere esse inciso fossem apenas de matéria cível, teria bastado o inquérito civil de que cuida o inc. III. O inquérito civil nada mais é que um procedimento administrativo de atribuição ministerial. Mas o poder de requisitar informações e diligencias não se exaure na esfera civil; atinge também a área destinada a investigações 43 criminais. O inciso VII, atribui ao Parquet o controle externo da atividade policial, e essa atribuição é feita de forma ampla, pois, a fiscalização feita por esse órgão é sobre a atividade fim da polícia, qual seja, apurar a prática de uma infração penal. O destinatário final dessa apuração é o Parquet, por isso, se durante a fiscalização houver indícios de erro por parte da Policia, ele poderá pessoalmente checar as informações. Não se trata de um controle interna corporis como se o Ministério Público fosse corregedor dos atos administrativos da Policia, sua função é que a culpa seja formada de maneira segura. Parte do inciso VIII trata da atribuição que o MP tem de requisitar diligências investigatórias. Essa requisição é uma ordem dada a polícia, que por sua vez não pode rejeitá-la. Temos aqui mais um exemplo de inciso fundamentado na máxima “Quem _____________ 43 RANGEL, Paulo. Investigação Criminal Direta pelo Ministério Público: Visão Crítica. 3 Ed. Revista, ampliada e atualizada. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009, p. 173. 45 pode o mais pode o menos”, pois, se o Ministério Público é competente para exigir que se faça, não pode ser negado a ele o direito de fazê-lo, pessoalmente. A LC nº 75/93, art. 8º é a Lei que o inciso VIII, precisava para fundamentar a legitimidade para que o Ministério Público possa realizar investigações criminais diretas, pois, ela regulamenta as atribuições do Ministério Público da União nos procedimentos de sua competência, o que incluem, procedimentos criminais. O professor e jurista, Dr. Sérgio Demoro Hamilton, em um raro parecer citado por Paulo Rangel em uma de suas obras faz os seguintes questionamentos:44 Por que o Ministério Público pode requisitar diligências á autoridade policial (que, obviamente, não podem ser desatendidas ) e não dispõe do poder de, ele mesmo, realizá-las? (...) Por que o Ministério Público pode requisitar diretamente provas diversas (documental, pericial, etc.) mas lhe seria vedada a colheita direta da prova oral? E é o próprio mestre que responde, ao analisar os poderes conferidos explicitamente pela Constituição ao Ministério Publico (art. 129, I, c/c VIII da CRFB). ...de nada valeriam tais poderes, caso o Ministério Público não pudesse, sponte sua, promover de forma autônoma a investigação necessária quando a Policia não se apresente capaz – não importa a razão – de obter dados indispensáveis para o exercício de dever afeto à Instituição. (...) Na verdade, como de fácil compreensão, a Constituição Federal, ao conferir ao Ministério Público a faculdade de requisitar e de notificar (art.129, VI), deferelhe, ipso facto, o poder de investigar, no qual aquelas atribuições se subsumem. Os três requisitos exigidos no inciso IX do referido artigo são; 1- que a função seja definida em Lei; 2- que seja compatível com a finalidade do Parquet; 3- que não seja representação judicial ou consultoria jurídica de entidades públicas. Analisado os três requisitos exigíveis temos: 1- a função de investigar é definida dentre outras na Lei Complementar nº 75/93, art. 8, V, que diz “Para o exercício de suas atribuições, o Ministério Público da União poderá, nos procedimentos de sua competência: V - realizar inspeções e diligências investigatórias. 2- uma das finalidades institucionais do Parquet conforme menciona o art. 127 da CF é, “O Ministério Público é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais _____________ 44 RANGEL, Paulo. Investigação Criminal Direta pelo Ministério Público: Visão Crítica. 3 Ed. Revista, ampliada e atualizada. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009, p. 197 46 indisponíveis.”, ou seja, o Ministério Público possui todos os requisitos exigidos para exercer outras funções, como por exemplo, exercer a de investigar. A prerrogativa Constitucional dada ao Ministério Público para realizar diretamente as investigações criminais, é inerente ao sistema acusatório, uma vez que esse órgão ao propor, privativamente, a ação penal pública, carrega dessa forma o ônus, exclusivo, da prova, e assim, deverá ter uma convicção certa e idônea para sustentar a imputação penal. Nesse caso, o poder persecutório direto pelo Ministério Público é uma garantia constitucional, que tem por fim, resguardar o acusado de não ser processado e julgado injustamente. 4.4.2 A Polícia Judiciária não detém a exclusividade da Investigação Criminal Para melhor entendermos a corrente favorável á investigação criminal direta pelo MP, por entender não ser monopólio da polícia tal ato, iniciaremos analisando o artigo 144 da Constituição Federal, ponto controverso dessa questão. O artigo 144, 1º, I, e 4º45 atribuem às Policias Civil e Federal, o dever de investigar ilícitos penais, essa atribuição, no entanto, não exclui a de outras autoridades administrativas, assim como exposto no art. 4º, p. un. do Código de Processo Penal. No parágrafo único do referido artigo temos: _____________ 45 BRASIL. Presidência da República. Constituição da República Federativa do Brasil. Art. 144. ”A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos: (...) § 1º A polícia federal, instituída por Lei como órgão permanente, organizado e mantido pela União e estruturado em carreira, destina-se a: I - apurar infrações penais contra a ordem política e social ou em detrimento de bens, serviços e interesses da União ou de suas entidades autárquicas e empresas públicas, assim como outras infrações cuja prática tenha repercussão interestadual ou internacional e exija repressão uniforme, segundo se dispuser em Lei; § 4º - às polícias civis, dirigidas por delegados de polícia de carreira, incumbem, ressalvada a competência da União, as funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais, exceto as militares”. 47 Art. 4º A polícia judiciária será exercida pelas autoridades policiais no território de suas respectivas circunscrições e terá por fim a apuração das infrações penais e da sua autoria. Parágrafo único. A competência definida neste artigo não excluirá a de autoridades administrativas, a quem por Lei seja cometida a mesma função. Se entendermos pela exclusividade da polícia em realizar investigações criminais, estaríamos prejudicando diversos órgãos administrativos que apuram ilícitos penais, como os setores próprios da Receita Federal e do Banco Central. Uma norma jurídica não deve ser interpretada isoladamente, mas, deve-se utilizar o método sistemático, segundo o qual cada preceito é parte integrante de um corpo, analisando-se todas as regras em conjunto, a fim de que possamos entender o sentido de cada uma delas. Nesse sentido, Lênio Streek e Luciano Feldens, dizem; Logicamente, ao referir-se à “exclusividade” da Polícia Federal para exercer funções “de polícia judiciária da União”, o que fez a Constituição foi, tão somente, delimitar as atribuições entre as diversas policias (federal, rodoviária, ferroviária, civil e militar), razão pela qual observou, para cada uma delas, um 46 parágrafo dentro do mesmo art. 144. O professor e jurista José Frederico Marques expõe: Além da Policia Judiciária, outros órgãos podem realizar procedimentos preparatórios de investigação, conforme está previsto, de maneira expressa, pelo art. 4º, parágrafo único, do Código de Processo Penal. É o que se verifica, por exemplo, com as comissões parlamentares de inquérito. As investigações por elas efetuadas podem ser remetidas ao juízo competente para conhecer dos fatos delituosos ali apurados, ou ao Ministério Público, a fim 47 de ser instaurada a instância pena l . Ou seja, pelas lições acima expostas, percebemos claramente que, não há óbice a que o Ministério Público realize, diretamente, tais investigações já que há a ressalva tanto na Carta Política do País, quanto na Lei ordinária. Nesse contexto, assume especial relevância o conteúdo das Leis complementares nº 75/93 e 8.625/93, uma vez que as mesmas são apontadas como fundamentos legais que disciplinam o poder investigatório dos Ministérios Público Federal e Estadual, respectivamente. _____________ 46 STRECK, Lênio Luiz; FELDENS, Luciano. Crime e Constituição: A Legitimidade da Função Investigatória do Ministério Público. 2 Ed. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 92 / 93. 47 RANGEL, Paulo. Investigação Criminal Direta pelo Ministério Público: Visão Crítica. 3 Ed. Revista, ampliada e atualizada. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009, p. 198 48 4.4.3 Aplicabilidade da Teoria dos Poderes Implícitos A teoria dos poderes implícitos, desenvolvida pelo constitucionalismo norteamericano, fundamenta-se na idéia de que, para cada poder outorgado pela constituição a certo órgão, são implicitamente conferidos amplos poderes para a execução desse poder. Enfim, para a teoria dos poderes implícitos, a atribuição de direitos constitucionais envolve a correspondente atribuição de capacidade para o seu exercício Importa-nos essa teoria porque, segundo seus cânones, na interpretação de um poder constitucional, todos os meios ordinários e apropriados a executá-los devem ser vistos como parte desse próprio poder. Enfim, para os ideólogos da tese dos poderes implícitos, onde se pretende o fim se autorizam os meios. Toda vez que a Constituição outorga um poder, aí se incluem, implicitamente, todos os meios necessários à sua efetivação, desde que guardada uma adequação entre os meios e o fim (princípio da 48 proporcionalidade). Essas são palavras apresentadas pelos ilustres membros do Ministério Público Lênio Luiz Streck e Luciano Feldens, explicando a aplicabilidade da Teoria dos Poderes Implícitos. Tese importante de justificação da investigação direta pelo Ministério Público – a disposta no art. 129, I, da Constituição Federal de 1988. Sendo a instituição titular exclusiva da ação penal pública (atividade-fim), deve ser, também, legitimada para o exercício da investigação criminal que vai servir de base para o oferecimento da denúncia (atividade-meio). Na visão de Lênio Luiz Streck e Luciano Feldens 49: Resulta nítida a relação meio-fim exsurgente dos dispositivos legal (art. 8º, V, da LC nº 75/93, congruente à dicção do art. 26 da Lei 8.625/93) e constitucional (art. 129,I, da CRFB), a dar acolhida, portanto, à terceira – e última – das condicionantes impostas pelo art. 129, IX, da Constituição. Por fim, deve ser ressaltada a posição dos doutrinadores favoráveis à investigação direta pelo Ministério Público no sentido de que “quem pode mais, pode o menos”. Assim, ninguém pode ser compelido a alcançar um fim sem que se lhe atribua, _____________ 48 Interpretação da Constituição. Disponível em: <http://pontodosconcursos.com.br/professor. asp? menu=professores&busca=&prof=3&art=638&idpag=18>. Acesso em 20 abr. 2010. 49 STRECK, Lênio Luiz; FELDENS, Luciano. Crime e Constituição: A Legitimidade da Função Investigatória do Ministério Público. 2 Ed. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 85. 49 ao menos implicitamente, o direito ao exercício dos meios necessários para buscá-lo, utilizando-se sempre a moderação. 4.4.4 Conveniência da Investigação Criminal Direta Pelo Ministério Público Argumento bastante difundido entre os defensores da investigação criminal realizada diretamente pelo Ministério Público é que a polícia judiciária muitas vezes, é incapaz de cumprir com eficiência a apuração das infrações penais. Não por ser a Policia incompetente nas suas atribuições, pelo contrario, é inequívoco a excelência desse órgão diante de suas atribuições. Porém, a Polícia está sujeita a ingerências políticas do Poder Executivo – aos quais estão subordinados – ou mesmo infestados pela corrupção de seus agentes, os órgãos policiais tendem a realizar investigações falhas e/ou superficiais. Outro problema é o corporativismo no caso da apuração da prática de ilícitos praticados por seus membros. Importante ressaltar ao tratarmos desse ponto o fato de que a Polícia tem dificuldades na obtenção de algumas provas, devido a falta de prerrogativas constitucionais mais eficazes, temos como exemplo o acesso a autoridade policial a dados cadastrais, que só se possibilita se violado o sigilo, e a esse órgão a burocracia para se alcançar a quebra do sigilo é bem maior. Nesse sentido, as garantias de independência funcional e de inamovibilidade que os membros do Ministério Público possuem, bem como a autonomia administrativa e financeira, asseguram ao órgão maior isenção e comprometimento na investigação criminal. Os promotores e procuradores de Justiça, atuariam com mais liberdade, livre de pressões políticas, colaborando, de forma efetiva, para a plena realização da Justiça. Pelo exposto, observa-se que os defensores da investigação criminal realizada diretamente pelo Ministério Público aduzem que o Parquet tem melhores condições de proceder à apuração do ilícito penal. 50 Lembrando que, a investigação pelo Ministério Público, tem caráter subsidiário, sendo empregada apenas quando necessária, de modo que a competência da Policia não seja subtraída. Também, importante ressaltar que, quanto mais órgãos sérios e legalmente autorizados por Lei, investigando, maior o cumprimento da garantia da não violação dos direitos fundamentais individuais. 4.5 SÍNTESE DOS ARUGUMENTOS CONTRARIOS À INVESTIGACAO CRIMINAL DIRETA PELO MINISTERIO PUBLICO 4.5.1 Ausência de previsão Constitucional e Infraconstitucional Para a corrente que não vislumbra a possibilidade da investigação criminal ser realizada diretamente pelo Ministério Público, apontam não se ter previsão constitucional e infraconstitucional expressa, entendem que em nenhum artigo da nossa Carta Magna é encontrado disposição permissiva nesse sentido. Em analise ao artigo 12950 da Constituição Federal, temos o inciso I, que prevê ser privativa do Ministério Público, a função de promover a ação penal publica, concluímos que promover a ação penal não é o mesmo que investigar o crime, bem como o inciso VII, que atribui ao Ministério Público a função de exercer o controle externo da atividade policial e não de substituí-la. O inciso VI do mesmo artigo atribui ao Ministério Público poderes para expedir notificações nos procedimentos administrativos de sua competência, requisitando _____________ 50 Art. 129 da CF – São funções institucionais do Ministério Público: VI - expedir notificações nos procedimentos administrativos de sua competência, requisitando informações e documentos para instruí-los, na forma da Lei complementar respectiva;VII - exercer o controle externo da atividade policial, na forma da Lei complementar mencionada no artigo anterior;VIII - requisitar diligências investigatórias e a instauração de inquérito policial, indicados os fundamentos jurídicos de suas manifestações processuais; 51 informações e documentos para instruí-los, e esses poderes estão restritos aos inquéritos civis públicos e outros também de natureza administrativa. O inquérito criminal está disciplinado no inciso VIII do mesmo diploma, limitando ao Parquet requisitar instauração do inquérito policial e de diligencias investigatórias. Exemplo de ausência infraconstitucional é encontrada no art. 4º, caput, do Código de Processo Penal, que menciona que “a competência definida por este artigo não excluirá a de autoridades administrativas, a quem por Lei seja cometida a mesma função”, porém, para que outras autoridades possam investigar, é necessário autorização legal expressa, e não há. A Lei n. 7347/85, traz a hipótese de inquérito civil, este sim, presidido pelo Ministério Público, que deve colher elementos para apurar os ilícitos civis que envolvam interesses difusos e não há outra autoridade competente para tal, razão pela qual a Lei concedeu aos Promotores de Justiça essa atribuição, expressa na Lei Orgânica do Ministério Público, Lei n. 8625/93. Porém, investigação de caráter criminal, é competência expressamente constitucional da Polícia, afirmação fundamentada no artigo 144 da Constituição Federal. O advogado, Dr. Nélio Roberto Seidl Machado, esclarece: Nenhuma razão de ordem constitucional, ou mesmo legal, plácita a postura do Ministério Público, no passo em que pretende se ocupar da investigação criminal. Com efeito, não há preceito no texto da Carta Política que possa ensejar exegese permissa para que o Parquet assuma atribuições de natureza policial. De reto, quando assim procede, assume o órgão de acusação, na atribuição que tem, de formular o que se convencionou chamar de opinio delicti, postura que compromete sua isenção, ate mesmo na perspectiva de fiscal da Lei, porque estaria como que avaliar, sua própria conduta, com envolvimento psicológico pleno e indisfarçável, prejudicando suas atribuições, notadamente 51 as assentadas no art. 129 da Constituição Federal. Os defensores de “promotores investigativos” visualizam em Leis esparsas no nosso ordenamento jurídico permissão para o Parquet atuar diretamente na investigação criminal, entretanto, seguindo as premissas da corrente em estudo, qualquer Lei infraconstitucional que atribua a determinado órgão ou instituição a _____________ 51 RANGEL, Paulo. Investigação Criminal Direta pelo Ministério Público: Visão Crítica. 3 Ed. Revista, ampliada e atualizada. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009, p. 207 52 investigação de infrações penais contraria a Constituição Federal e, assim, é inconstitucional. A lição retirada da exposição acima é de que o Ministério Público não detém o poder de conduzir a investigação criminal. Aos membros do Ministério Público, cabe apenas requisitar à autoridade policial a realização de diligências, mas jamais como executor destas, vez que agindo desta forma, estaria afrontando os princípios esculpidos em nossa Magna Carta, o que não se pode admitir no Estado Democrático de Direito. 4.5.2 A Investigação Criminal é atividade exclusiva da Polícia Judiciária O artigo 144, da Constituição Federal, prevê: Art. 144. A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos:... § 4º - Às polícias civis, dirigidas por delegados de polícia de carreira, incumbem, ressalvada a competência da União, as funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais, exceto as militares. Analisando o artigo constitucional acima referido, concluímos que, o inquérito é policial, conduzido pela Policia Civil ou Federal, que investiga o fato e remete ao Parquet, os elementos colhidos. Obedecer ao principio do monopólio da investigação criminal pela polícia civil seria respeitar também o princípio da legalidade, que traz a obrigação de a Administração Pública só agir quando um texto de lei especifica autorize a agir. O jurista e Procurador da República, Dr. Juarez Tavares, no HC de nº 1137 – TRF, nesse sentido, diz: A ação de ‘habeas corpus’, controla não somente o direito à liberdade, senão também a validez do procedimento de que possa resultar a restrição a esse direito. A função de polícia judiciária e a apuração de infrações penais, exceto as militares, são privativas das polícias civis. 53 Ao Ministério Público cabe o monopólio da ação penal pública, mas sua atribuição não passa do poder de requisitar diligências investigatórias e a instauração de inquérito policial militar. Somente quando se cuidar de inquéritos civis é que a função do Ministério Público abrange também a instauração deles e de outras medidas e procedimentos administrativos pertinentes, aqui incluídas as diligências investigatórias. Diante de tais afirmações e do precedente invocado, entendemos que ao realizar uma investigação criminal, na sede da Procuradoria da República, fazendo requisições, intimações e tomadas de depoimentos, ou seja, tudo o que não se inclui na sua competência institucional, o órgão do Ministério Público denunciante agiu ilicitamente. Sem mais considerações, opina o Ministério Público Federal pela concessão da Ordem. Tal argumentação coloca em cheque, ainda, o disposto no art. 4º, caput, do Código de Processo Penal, principalmente no que se refere à sua conformidade com o texto constitucional. Isso porque o dispositivo prevê que a função de Polícia Judiciária não exclui a de autoridade administrativa a quem, por Lei, seja conferida a mesma função. Ocorre que, qualquer Lei infraconstitucional que atribua a determinado órgão ou instituição a investigação de infrações penais contraria o disposto no art. 144, §§1º e 4º da Constituição Federal e, assim, é inconstitucional. 4.5.3 Inaplicabilidade da Teoria dos Poderes Implícitos De acordo com os adeptos dessa tese, aqui a teoria dos poderes implícitos em favor do Ministério Público não se sustenta, pois, os poderes de investigação criminal já foram explicitamente atribuídos na Constituição Federal às Policias Civil e Federal. Ou seja, “a explicitude exclui a implicitude”. Dessa forma, só se admitiria que o poder de promover e dirigir a investigação criminal estivesse implícito na função ministerial contida no inciso I do art. 129 da CF, caso essa competência não estivesse, explícita e constitucionalmente, consignada a outros órgãos. 54 Há também aqueles que afirmam não existir necessariamente, uma relação de meio e fim entre a investigação criminal e ação penal, como é o caso de José Afonso da Silva, ilustre jurista refuta de maneira brilhante a referida questão; O fim (finalidade, objetivo) da investigação penal não é a ação penal, mas a apuração da autoria do delito, de suas causas, de suas circunstâncias. O resultado dessa apuração constituirá a instrução documental – o inquérito – (daí, tecnicamente, instrução penal preliminar) para fundamentar a ação penal e serve de base para a instrução penal definitiva. Segundo, poderes implícitos só existem no silêncio da Constituição, ou seja, quando ela não tenha conferido aos meios expressamente em favor do titular ou em favor de outra autoridade, órgão ou instituição. Se ela outorgou a quem quer que seja o que se tem como meio para atingir o fim previsto, não há falar em poderes implícitos. Como falar em poder implícito onde ele foi explicitado, expressamente estabelecido, ainda 52 que em favor de outra instituição? O ilustre constitucionalista também rejeita a tese de que o Ministério Público, sendo titular da ação penal pública, também há de ter o poder de investigação criminal, pois, afinal, “quem pode o mais, pode o menos”. O tradicional brocardo, largamente usado como regra de interpretação no direito privado, não há de ter a mínima consideração no que diz respeito ao sopesamento de competências constitucionais, uma vez que não é possível divisar o que é mais e o que é menos em termos de Constituição. Se esse prolóquio tem algum valor no campo do direito privado não sei, mas no campo do direito público, especialmente no direito constitucional, não tem nenhum valor. Não é uma parêmia a que se dá valor de regra interpretativa. O que é mais e o que é menos no campo da distribuição das competências constitucionais? Como se efetua essa medição, como fazer uma tal ponderação? Com quantificá-las? Não há sistema que o confirme. As competências são outorgadas expressamente aos diversos poderes, 53 instituições e órgãos constitucionais. Nenhuma é mais, nenhuma é menos. Pelo exposto, conclui-se que a Constituição Federal outorgou, de forma expressa, às instituições competentes, as funções de investigação e de promoção da ação penal pública. Assim, não há que se falar em poderes implícitos, porque não existe, necessariamente, uma relação de meio-fim entre uma e outra. Também não há aplicação do brocardo “quem pode o mais, pode o menos”, uma vez que, tratando-se _____________ 52 SILVA, José Afonso da Silva. Em face da Constituição Federal de 1988, o Ministério Público pode realizar e/ou presidir investigação criminal, diretamente? Revista BrasiLeira de Ciências Criminais (RBCRIM). N. 49. 2004 53 SILVA, José Afonso da Silva. Em face da Constituição Federal de 1988, o Ministério Público pode realizar e/ou presidir investigação criminal, diretamente? Revista BrasiLeira de Ciências Criminais (RBCRIM). N. 49. 2004. 55 de disposições constitucionais referentes às liberdades e garantias individuais, não é possível mensurar o que é “mais ou menos”, como aduzem os defensores da investigação ministerial. 4.5.4 Inconveniência da Investigação Criminal direta pelo Ministério Público O Ministério Público ocupa uma posição de supremacia sobre os órgãos que compõem o Sistema de Administração da Justiça e está totalmente imune à corrupção e às pressões externas. Seguir essa afirmação para justificar a capacidade investigatória do Ministério Público é um grande equívoco. Importante lembrar que uma das características do crime organizado é a colaboração das várias esferas de atuação do Poder Público: presídios, delegacias de polícia, fóruns, parlamentos e gabinetes do alto escalão dos governos federal e estadual. Assim, ainda que se considere o alto nível de comprometimento dos representantes do Ministério Público, integrantes de uma carreira notadamente bem valorizada e bem remunerada, e ainda, as relevantes funções político-institucionais desempenhadas pelos mesmos, não é possível afirmar, com certeza, que os mesmos estariam imunes à corrupção ou a qualquer tipo de influência. Neste sentido, a posição do professor Luís Roberto Barroso54, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), apresentada em parecer oferecido ao então Secretário Especial dos Direitos Humanos, Nilmário Miranda: Sem a pretensão de uma elaboração sociológica mais sofisticada, e muito menos de empreender qualquer juízo moral, impõe-se aqui uma reflexão relevante. No sistema brasileiro, é a polícia que atua na linha de fronteira entre a sociedade organizada e a criminalidade, precisamente, em razão de sua função de investigar e instaurar inquéritos criminais. Por estar à frente das operações dessa natureza, são os seus agentes os mais sujeitos a protagonizarem situações de violência e a sofrerem o contágio do crime, pela cooptação ou pela corrupção. O registro é feito, aqui, porque necessário, sem _____________ 54 BARROSO, Luis Roberto. Investigação pelo Ministério Público – Argumentos Contrários e a Favor e a Síntese Possível e Necessária. Disponível em: <http://2ccr.pgr.mpf.gov.br/documentose-publicacoes/docs_textos_interesses/investigacao_MP.pdf>. Acesso em 20 abr. 2010. 56 incidir, todavia, no equívoco grave da generalização ou da atribuição abstrata de culpas coletivas. Pois bem: não se deve ter a ilusão de que o desempenho, pelo Ministério Público, do papel que hoje cabe à polícia, manteria o Parquet imune aos mesmos riscos de arbitrariedade, abusos, violência e contágio. É certo que a fase pré-processual, assim como toda a persecução penal, deve ser estruturada em um torno de um sistema harmônico e garantista, plenamente de acordo com os ideais da Constituição Federal de 1988. E é a própria Lei maior da República que conferiu ao Ministério Público, em seu art. 129, VII, o controle externo da atividade policial. No entanto, a partir do momento que o Parquet passa a realizar atividades típicas de polícia judiciária e, assim, sujeito também ao cometimento de arbitrariedades e abusos na condução da investigação criminal, qual órgão ou instituição iria realizar o controle externo da atividade do Ministério Público? Ou partimos do pressuposto que o grau de magnitude e excelência do trabalho dos integrantes do Ministério Público, por sua importância inquestionável e principalmente, pelas inúmeras qualidades intelectuais e morais da grande maioria dos seus membros, poderia estar acima de qualquer tipo de controle? Nesse sentido, o advogado e professor Rogério Lauria Tucci55 assevera que em epítome, e, já agora, com Guilherme de Souza Nucci, não devendo existir qualquer instituição superpoderosa, permitir, ao Ministério Público, por melhor que seja a intenção de seus membros, a realização da investigação criminal isoladamente, à socapa do investigado, e sem qualquer vigilância ou fiscalização, ‘significaria quebrar a harmônica e garantista investigação de uma infração penal. Deve-se sempre ter em mente que estamos discutindo a condução de procedimentos que lidam diretamente com as liberdades e garantias individuais amplamente protegidas pela Constituição Federal de 1988, e, assim, qualquer tipo de violação ou mesmo de ameaça aos mesmos deve ser rejeitado de plano. 4.6 DO PROCEDIMENTO INVESTIGATÓRIO CRIMINAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO _____________ 55 TUCCI, Rogério Lauria. Ministério Público e Investigação Criminal. São Paulo: RT, 2004. 57 Visando a regulamentar e a uniformizar o procedimento investigatório criminal do Ministério Público, o Conselho Nacional do Ministério Público aprovou resolução nº 77/04, no âmbito do Ministério Público Federal e a resolução nº 13/06, no âmbito do Ministério Público. Conforme definido no art. 1º da Resolução nº 13/2006: O procedimento investigatório criminal é instrumento de natureza administrativa e inquisitorial, instaurado e presidido pelo membro do Ministério Público com atribuição criminal, e terá como finalidade apurar a ocorrência de infrações penais de natureza pública, servindo como preparação e embasamento para o juízo de propositura, ou não, da respectiva ação penal. O procedimento investigatório criminal pode ser instaurado de ofício, pelo Ministério Público, por qualquer meio, ainda que informal, ou mediante provocação. O Ministério Público na condução das investigações poderá fazer vistorias, e quaisquer outras diligências, realizar oitivas para colheita de informações e esclarecimentos, dentre outras elencadas no art. 6º da resolução nº 13/0656 e art. 8º da resolução nº 77/0457. 4.7 POSIÇÃO DOS TRIBUNAIS SUPERIORES (...) a jurisprudência representa a força viva do Direito, por evidenciar a maneira pela qual vem o direito a ser aplicado às relações humanas, dia a dia. Estudar a jurisprudência equivale a conhecer o Direito em sua realidade cotidiana, analisando como são os casos isolados concretamente disciplinados pelas normas jurídicas. Consequentemente, a importância imediata da jurisprudência reside no fato de apresentar ela o Direito em sua aplicação prática, em suas vestes vivenciais. 58 (...) a jurisprudência configura a interpretação judiciária do Direito vigente. _____________ 56 BRASIL. Resolução 13/06. Art 6º “Sem prejuízo de outras providencias inerentes à sua atribuição funcional e legalmente previstas, o membro do Ministério Público, na condução das investigações, poderá: I- fazer ou determinar vistorias, inspeções e quaisquer outras diligencias; VIII- realizar oitivas para colheita de informações e esclarecimentos; IX- ter acesso incondicional a qualquer banco de dados de caráter publico ou relativo a serviço de relevância pública”. 57 BRASIL. Resolução 77/04. Art. 8º: “Na condução das investigações, o órgão do Ministério Público Federal poderá, sem prejuízo de outras providências inerentes às suas atribuições funcionais previstas em Lei: IV- realizar inspeções e diligencias investigatórias (LC 75/93, art. 8º, V)”. 58 RANGEL, Paulo. Investigação Criminal Direta pelo Ministério Público: Visão Crítica. 3 Ed. Revista, ampliada e atualizada. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009, p. 214. 58 Estas são as palavras do doutrinador Paulo José da Costa Jr., destacando a importância da jurisprudência na aplicação do Direito. O polêmico tema objeto dessa pesquisa, já esteve em discussão por diversos momentos nos Tribunais Superiores. Nos primeiros julgados perante o Supremo Tribunal Federal, por volta do ano de 1990, essa Corte, era unânime em defender que o Ministério Público não tinha legitimidade para realizar investigações criminais diretas. Em março de 2009, a Suprema Corte, através da sua 2º Turma, no julgado do HC 91.661/PE posicionou-se, como veremos adiante, pela possibilidade de o Parquet realizar investigações criminais diretas e oferecer denúncia com base nos elementos de prova colhidos por ele. À guisa de exemplos colhem-se os seguintes julgados dessas Cortes Superiores: HABEAS CORPUS. TRANCAMENTO DE AÇÃO PENAL. FALTA DE JUSTA CAUSA. EXISTÊNCIA DE SUPORTE PROBTATÓRIO MÍNIMO. REEXAME DE FATOS E PROVAS. INADMISSIBILIDADE. POSSIBLIDADE DE INVESTIGAÇÃO PELO MINISTÉRIO PÚBLICO. DELITOS PRATICADOS POR POLICIAIS. ORDEM DENEGADA. 1. A presente impetração visa o trancamento de ação penal movida em face dos pacientes, sob a alegação de falta de justa causa e de ilicitude da denúncia por estar amparada em depoimentos colhidos pelo ministério público. [...] 2. É perfeitamente possível que o órgão do Ministério Público promova a colheita de determinados elementos de prova que demonstrem a existência da autoria e da materialidade de determinado delito. Tal conclusão não significa retirar da Polícia Judiciária as atribuições previstas constitucionalmente, mas apenas harmonizar as normas constitucionais (arts. 129 e 144) de modo a compatibilizá-las para permitir não apenas a correta e regular apuração dos fatos supostamente delituosos, mas também a formação da opinio delicti. 3. O art. 129, inciso I, da Constituição Federal, atribui ao Parquet a privatividade na promoção da ação penal pública. Do seu turno, o Código de Processo Penal estabelece que o inquérito policial é dispensável, já que o Ministério Público pode embasar seu pedido em peças de informação que concretizem justa causa para a denúncia. 4. Ora, é princípio basilar da hermenêutica constitucional o dos "poderes implícitos", segundo o qual, quando a Constituição Federal concede os fins, dá os meios. Se a atividade fim - promoção da ação penal pública - foi outorgada ao Parquet em foro de privatividade, não se concebe como não lhe oportunizar a colheita de prova para tanto, já que o CPP autoriza que "peças de informação" embasem a denúncia. 5. Cabe ressaltar, que, no presente caso, os delitos descritos na denúncia teriam sido praticados por policiais, o que, também, justifica a colheita dos depoimentos das vítimas pelo Ministério Público. 59 6. Ante o exposto, denego a ordem de habeas corpus. (grifo nosso) (HC 91661 / PE, Ministra Ellen Gracie, DJ 10/03/2009) (grifo nosso). A Ministra Ellen Gracie destacou que a questão de fundo do HC dizia respeito à possibilidade de o MP promover procedimento administrativo de cunho investigatório e depois ser a parte que propõe a ação penal. No caso acima exposto, os pacientes deram causa à investigação policial e processo judicial, ao prestarem depoimentos na delegacia de polícia imputando a um cabo do exército, a prática de contravenção (art. 42, da LCP), sabendo que o mesmo era inocente. Cometendo os pacientes o delito previsto no art. 339, 2º do Código Penal, estes por sua vez alegavam que cumpriam ordens de superior hierárquico. Por se tratar de crime complexo, que envolve altos escalões da sociedade, o Ministério Público Estadual colheu pessoalmente as provas e ofereceu denúncia. Em síntese os impetrantes alegam: a) falta de justa causa para a ação penal, eis que as condutas atribuídas aos pacientes teriam sido realizadas sob o cumprimento de ordem hierárquica superior; b) ilegalidade da denúncia fundada em depoimentos colhidos pelo Ministério Público, assim as provas obtidas seriam ilícitas; c) que o Promotor de Justiça que colheu os depoimentos foi o mesmo que ofereceu a denúncia; d) ausência de suporte fático e jurídico para a configuração do delito do art. 339 do Código Penal. A ordem de habeas corpus foi denegada e a fundamentação é identificada na síntese dos argumentos favoráveis à investigação criminal direta pelo Ministério Público, quais sejam, o Parquet tem poderes de colher provas para a formação de sua opinio delicti, então não cabe dizer que a prova é ilícita. Esse ato não significa retirar da Polícia Judiciária suas atribuições previstas constitucionalmente, na verdade esses dois órgãos atuando na investigação criminal visam harmonizar as normas constitucionais previstas no art. 129 e 144. Argumento forte visto acima, que fundamenta a permissão do Parquet nas investigações criminais é a teoria dos poderes implícitos segundo o qual, quando a Constituição Federal concede os fins, dá os meios. A conveniência de a investigação ter sido realizada pelo Ministério Público, uma vez que, os delitos descritos na denúncia teriam sido praticados por policiais, e envolvia “gente grande” encontra-se dentre os argumentos acima expostos. 60 Abaixo, um trecho importante do voto da relatora Min. Ellen Gracie: A denúncia pode ser fundamentada em peças de informação obtidas pelo órgão do MPF sem a necessidade do prévio inquérito policial, como já previa o Código de Processo Penal. Não há óbice a que o Ministério Público requisite esclarecimentos ou diligencie diretamente a obtenção da prova de modo a formar seu convencimento a respeito de determinado fato, aperfeiçoando a persecução penal. EMENTA: RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. MINISTÉRIO PÚBLICO. INQUÉRITO ADMINISTRATIVO. NÚCLEO DE INVESTIGAÇÃO CRIMINAL E CONTROLE EXTERNO DA ATIVIDADE POLICIAL/DF. PORTARIA. PUBLICIDADE. ATOS DE INVESTIGAÇÃO. INQUIRIÇÃO. ILEGITIMIDADE. 1. PORTARIA. PUBLICIDADE A Portaria que criou o Núcleo de Investigação Criminal e Controle Externo da Atividade Policial no âmbito do Ministério Público do Distrito Federal, no que tange a publicidade, não foi examinada no STJ. Enfrentar a matéria neste Tribunal ensejaria supressão de instância. Precedentes. 2. INQUIRIÇÃO DE AUTORIDADE ADMINISTRATIVA. ILEGITIMIDADE.A Constituição Federal dotou o Ministério Público do poder de requisitar diligências investigatórias e a instauração de inquérito policial (CF, art. 129, VIII). A norma constitucional não contemplou a possibilidade de o Parquet realizar e presidir inquérito policial. Não cabe, portanto, aos seus membros inquirir diretamente pessoas suspeitas de autoria de crime. Mas requisitar diligência nesse sentido à autoridade policial. Precedentes. O recorrente é delegado de polícia e, portanto, autoridade administrativa. Seus atos estão sujeitos aos órgãos hierárquicos próprios da Corporação, Chefia de Polícia, Corregedoria. Recurso conhecido e provido. (grifo nosso) (RHC 81326/DF, Ministro Nelson Jobim, DJ06/05/2003) (grifo nosso). O processo que deu margem ao recurso acima transcrito trata de requisição expedida pelo Ministério Público para que Delegado de Polícia comparecesse ao Núcleo de Investigação Criminal e Controle Externo da Atividade Policial a fim de ser ouvido em Procedimento Administrativo Investigatório Supletivo (PAIS), procedimento este que tem por finalidade apurar fato que, em tese, configura crime, não esclarecido. Contra essa requisição, o recorrente impetrou habeas corpus perante o Tribunal de Justiça do Distrito Federal-TJDFT, não obtendo êxito. Impetrou, assim, habeas corpus substitutivo de recurso ordinário perante o Superior Tribunal de Justiça-STJ, que o indeferiu afirmando: [...] terem-se como validos os atos investigatórios realizados pelo MP, que pode requisitar esclarecimentos ou diligências diretamente, visando à instrução de seus procedimentos administrativos, para fins de oferecimento da denúncia.” 61 Dessa decisão foi interposto recurso ordinário no Supremo Tribunal Federal, no qual a 2º Turma para modificar a decisão do STJ, que pretendia ouvir o Delegado (recorrente) no Núcleo de Investigação Criminal e Controle Externo da Atividade Policial. O STF se posicionou contra a legitimidade do Ministério Público para realizar diretamente investigação criminal. Na ementa do acórdão, foi explicitada a tese de ausência de norma constitucional que permita que o MP apure os fatos diretamente, pois, segundo o Ministro Gilson Dipp, esse ato por parte do Parquet fere o Princípio do Devido Processo Legal, afinal, à Polícia cabe investigar os supostos delitos e ao Ministério Público cabe a propositura da ação penal. Em seu voto Nelson Jobim, expõe: O Inquérito Policial é instrumento de investigação penal da Polícia Judiciária. É um procedimento administrativo destinado a subsidiar o Ministério Público na instauração da ação penal. A legitimidade histórica para a condução do Inquérito Policial e realização de diligências investigatórias, é de atribuição exclusiva da Policia. (RHC 81326 / DF). HABEAS CORPUS. PREFEITO MUNICIPAL. INVESTIGAÇÕES REALIZADAS PELO MINISTÉRIO PÚBLICO. LEGITIMIDADE DE O PARQUET PARA PROCEDER INVESTIGAÇÕES. AUSÊNCIA DE CONSTRANGIMENTO ILEGAL. INÉPCIA DA DENÚNCIA. CRIME DE AUTORIA COLETIVA. TIPICIDADE DA CONDUTA. ORDEM DENEGADA. 1. Em que pese o Ministério Público não poder presidir inquérito policial, a Constituição Federal atribui ao Parquet poderes investigatórios, em seu artigo 129, incisos VI, VIII e IX, e artigo 8º, incisos II e IV, e § 2º, da Lei Complementar n.º 75/1993. Se a Lei maior lhe atribui outras funções compatíveis com sua atribuição, conclui-se existir nítida ligação entre poderes investigatórios e persecutórios. Esse poder de modo algum exclui a Polícia Judiciária, antes a complementa na colheita de elementos para a propositura da ação, pois até mesmo um particular pode coligar elementos de provas e apresentá-los ao Ministério Público. Por outra volta, se o Parquet é o titular da ação penal, podendo requisitar a instauração de inquérito policial, por qual razão não poderia fazer o menos que seria investigar fatos? 2 [...] 3. [...] 4. Ordem denegada, ficando prejudicada a liminar anteriormente deferida (HC 2004/0135804-0, Ministro Hélio Quaglia Barbosa, DJ08/03/2006) Trata-se de um caso em que um prefeito (paciente do HC) tenha participado da prática do suposto crime contra as finanças públicas. Narra a peca acusatória que 62 houve adiantamento indevido de verbas no valor de R$ 730.000,00 (setecentos e trinta mil reais), ao Secretário de Finanças do Município de Itapema/SC, os quais foram destinados créditos em contas cuja titularidade o impetrante alega ser do município, mas, de acordo com a inicial, eram movimentadas pelo Secretário de Finanças do Município, um dos denunciados por crime em detrimento das finanças do Município de Itapema. O Parquet investigou e colheu provas suficientes para oferecer denúncia, o paciente por sua vez, pugnou pela inépcia da acusatória. O argumento utilizado pelo relator Ministro Hélio Quaglia Barbosa para justificar a possibilidade de o Ministério Público realizar diretamente investigações criminais, é a previsão constitucional e infraconstitucional, exposta no art. 129, incisos VI, VIII, IX, e artigo 8º, incisos II e IV, e § 2º, da Lei Complementar n.º 75 /1993, consubstanciado com o brocardo “quem pode o mais pode o menos”. Enfatiza, que até mesmo um particular pode coligar elementos de provas e apresentá-los ao Ministério Público, e caso esses elementos sejam suficientes, poderá o MP oferecer a denúncia. PENAL E PROCESSO PENAL - PODER INVESTIGATIVO DO MINISTÉRIO PÚBLICO - PROVAS ILÍCITAS - INOCORRÊNCIA. - A questão acerca da possibilidade do Ministério Público desenvolver atividade investigatória objetivando colher elementos de prova que subsidiem a instauração de futura ação penal, é tema incontroverso perante esta eg. Turma. Como se sabe, a Constituição Federal, em seu art. 129, I, atribui, privativamente, ao Ministério Público promover a ação penal pública. Essa atividade depende, para o seu efetivo exercício, da colheita de elementos que demonstrem a certeza da existência do crime e indícios de que o denunciado é o seu autor. Entender-se que a investigação desses fatos é atribuição exclusiva da polícia judiciária, seria incorrer-se em impropriedade, já que o titular da Ação é o Órgão Ministerial. Cabe, portanto, a este, o exame da necessidade ou não de novas colheitas de provas, uma vez que, tratando-se o inquérito de peça meramente informativa, pode o MP entendê-la dispensável na medida em que detenha informações suficientes para a propositura da ação penal. - Ora, se o inquérito é dispensável, e assim o diz expressamente o art. 39, § 5º, do CPP, e se o Ministério Público pode denunciar com base apenas nos elementos que tem, nada há que imponha a exclusividade às polícias para investigar os fatos criminosos sujeitos à ação penal pública. - A Lei Complementar n.º 75/90, em seu art. 8º, inciso IV, diz competir ao Ministério Público, para o exercício das suas atribuições institucionais, "realizar inspeções e diligências investigatórias". Compete-lhe, ainda, notificar testemunhas (inciso I), requisitar informações, exames, perícias e documentos às autoridades da Administração Pública direta e indireta (inciso II) e requisitar 63 informações e documentos a entidades privadas (inciso IV). Recurso desprovido. (grifo nosso) (RHC 14543, Ministro Jorge Scartezzini,DJ 09/03/2004) Nesse recurso em habeas corpus a alegação é de que as provas obtidas na investigação são ilícitas por terem sido colhidas diretamente pelo Ministério Público. E mais uma vez o tribunal traz como fundamentação o art. 129, I, da Constituição Federal, a fim de explicar a legitimidade de o Ministério Público realizar diretamente investigações criminais. Explica essa possibilidade se reportando à Teoria dos Poderes Implícitos, afinal, se o Ministério Público é o titular da ação penal, é obvio que para bem estruturar sua opinio delicti, se entender necessário deverá colher diretamente as provas. Encerrado a análise das jurisprudências pertinentes ao tema, passaremos à conclusão desse item. O Supremo Tribunal Federal iniciou recentemente sua inclinação favorável à investigação ministerial. No entanto, até a presente data, não houve um pronunciamento definitivo do Pleno do Supremo Tribunal Federal, tivemos apenas decisões proferidas pelas Turmas. O Superior Tribunal de Justiça, na grande maioria de seus julgados, vem se posicionando favorável à investigação criminal direta pelo Ministério Público, inclusive para pacificar a questão em nível infraconstitucional, foi adotado a sumula 234 do STJ, que diz: “A participação de membro do Ministério Público na fase investigatória criminal não acarreta o seu impedimento ou suspeição para o oferecimento da denúncia”. Analisados os recentes julgados, tanto o Supremo Tribunal Federal quanto o Superior Tribunal de Justiça se inclinam para a investigação criminal direta pelo Ministério Público. 64 CONCLUSÃO A análise dos argumentos favoráveis e contrários à investigação criminal direta pelo Ministério Público aborda aspectos muito interessantes sobre a questão. A investigação pré-processual, é a base de uma ação bem fundamentada. É nesse momento que as provas são colhidas, um erro por menor que seja nessa fase é o liame da justiça e da impunidade, por isso deve ser a investigação realizada de forma competente e minuciosa. A Constituição Federal de 1988 traz as funções do Ministério Público em seu artigo 129, e dentre elas não está explicitamente a função de investigar diretamente crimes. No entanto, interpretar os incisos I, VI, VII, VIII desse artigo constitucional, sob o enfoque da teoria dos poderes implícitos, conclui-se que o MP pode sim realizar diretamente as investigações criminais. O inciso IX, do referido artigo termina por autorizar a investigação criminal ao dispor que é função do Ministério Público “exercer outras funções que lhe forem conferidas, desde que compatíveis com sua finalidade [...]”. Ao Ministério Público foi conferida a função de investigar crimes diretamente, dentro dos limites estabelecidos na lei, e a finalidade primordial do Parquet é a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis, sendo assim, não há como negar que estão devidamente preenchidos os requisitos exigidos pelo inciso IX, do art. 129, da CF. Devido a sua finalidade primordial, que em resumo é zelar pelos direitos da sociedade, a partir do momento em que o Parquet visualiza a necessidade de atuar diretamente na fase investigatória esse é seu dever. Os defensores de a investigação criminal ser realizada diretamente pelo Ministério Público abordam um argumento bastante importante quando tratam da conveniência dessa investigação. O MP apesar não ter pessoal suficiente nem tampouco treinado para investigar, é “peça-chave” contra a impunidade, pois, tem prerrogativas que nenhum outro órgão estatal possui, podendo dessa forma e fazendo 65 jus aos seus privilégios de instituição independente, agir onde a policia está por diversas vezes impedida. O modelo processual penal que se tem hoje é o tradicionalmente elaborado, que objetiva um equilíbrio na prestação jurisdicional: a polícia investiga, o Ministério Público promove a ação, e o juiz prolata a sentença, acontece que esse modelo precisa ser revisto porque a criminalidade já não é mais a tradicional. Um Ministério Público investigador representa um avanço no nosso Estado Democrático de Direito, porém, a função investigatória deve ser ainda mais regulamentada, sanando todas as questões controversas, como por exemplo, quais tipos penais, dentro da enorme gama de infrações penais sujeitas à ação penal pública, seriam objeto do Procedimento Investigatório Criminal. As investigações criminais diretas pelo Ministério Público não devem ser regra geral, e sim circunstancial, investigando casos que a polícia realmente esteja impossibilitada de investigar. Também, o promotor que atuar na investigação não deverá ser o mesmo que apreciará as provas para possivelmente oferecer a denúncia, para não restar prejudicado o princípio da imparcialidade, pois, no momento de avaliar provas para propositura da ação penal, não poderá o Promotor tender a considerá-las suficientemente consistentes para transformar o indiciado em réu. Importante ressaltar, que o MP deverá atuar em casos que seja necessária a sua atuação, e não somente em casos de grande repercussão. Diante das reflexões sobre a investigação criminal direta pelo Ministério Público, conclui-se que o Parquet pode e deve investigar diretamente, por ter o devido amparo legal, qual seja, o da Constituição Federal, no entanto, torna-se necessária a elaboração de critérios claros e objetivos. E em uma questão não restam dúvidas: duas instituições fortes e respeitadas como são a Polícia Judiciária e Ministério Público, atuando juntas no combate a criminalidade e a impunidade, é o modelo mais adequado a atender às demandas sociais e aos contornos do Estado Democrático de Direito. 66 REFERÊNCIAS AMARAL, Júlio Ricardo de Paula. Princípios de processo civil na Constituição Federal. Jus Navigandi, Teresina, a. 4, n. 46, out. 2000. Disponível em: <http://www1.jus.com.br/doutrina>. Acesso em: 10 mai. 2010. BARROSO, Luis Roberto. 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