GARCIA, Luana
O ENSINO DE SOCIOLOGIA A SERVIÇO DA FORMAÇÃO DOS AGENTES SOCIAIS
E POLÍTICOS
Luana da Silva Garcia1
RESUMO: Faz parte da preocupação desse artigo compreender qual o papel da
educação, e em especial, da Sociologia, na construção de novos agentes sociais e
políticos. A problemática dessa discussão está amparada na seguinte questão: quais
são os momentos da trajetória escolar nos quais os alunos se deparam com questões
políticas? Pretende-se, neste espaço, desvendar se existem caminhos específicos, ou
matérias específicas incumbidas de estimular esse debate, bem como, mapear as
prováveis pontes construídas entre a academia, nesse caso a Universidade Estadual de
Londrina (UEL), e as escolas da região. O artigo contará primeiramente com uma
análise histórica da educação no Brasil, em seguida com uma análise documental, fruto
de uma pesquisa realizada no interior do projeto de extensão intitulado: Semanas de
Sociologia nas Escolas da Rede Pública.
Palavras-chave: Ensino de Sociologia, Participação Política e Agentes Sociais.
THE TEACHING OF SOCIOLOGY IN THE TRAINING OF SOCIAL AND POLITICAL
AGENTS
ABSTRACT: The concern of this article is to understand which the role of education, and
in this case of Sociology in the construction of new social and political agents. Current
investigation concentrates on knowledge that would answer the following initial question:
Which are the moments of school trajectory in which the students come across with
political issues? It is intended in this article to unmask if there’re specific ways or specific
characteristics to stimulate this debate, as well as, to map the probable constructed
bridges between the academy, in this case the State University of Londrina (SUL) and
the schools of the region. The article will count on a historical analysis of the education in
Brazil at first, after that with a documentary analysis, resulted of a research carried
through in the interior of the extra-mural project whose title is Weeks of Sociology in
Public Schools in Londrina city, Brazil.
Keywords: Sociology Teaching, Participation, Social and Political Agents.
1
Graduada em Ciências Sociais e aluna do Mestrado em Ciências Sociais – Universidade Estadual de Londrina.
E-mail: [email protected].
Revista Eletrônica de Educação. Ano IV. N o. 08, jan./jul. 2011.
GARCIA, Luana
INTRODUÇÃO
O interesse desse artigo é compreender porque alguns debates são
historicamente desestimulados, como é o caso da política e, em especial, da política
brasileira. A discussão levantada quanto à necessidade de emergir nas escolas eventos,
atividades e momentos que introduzam as questões de cunho político e social são
atuais e emergenciais, uma vez que essas discussões deveriam pautar as metas
educacionais e conferir às instituições escolares a tarefa de construir e povoar o espaço
público2, reforçando os ideais democráticos.
Essa possibilidade das instituições escolares servirem de palco para os assuntos
políticos, e serem elas capazes de estimular e fazer florescer o interesse dos alunos
nessas questões, não são propostas novas e infundadas. Pelo contrário, são medidas
que por muito tempo balizaram uma parte expressiva dos intelectuais preocupados com
a educação de qualidade, e que viam, neste processo, a possibilidade de emergir
transformações capazes de impulsionar a mudança social.
É inegável que a educação funciona como uma poderosa arma capaz de
alavancar ou travar os movimentos reivindicativos, pois ela pode estar a serviço da
mudança social, instruindo e capacitando seus alunos para comparecer criticamente nos
debates públicos, ou pode reproduzir uma lógica coercitiva e conservadora da ordem
vigente. É na intenção de combater esta última situação, inaceitável e incompreensível,
que algumas disciplinas agem, buscando estabelecer um verdadeiro diálogo com os
problemas e as soluções possíveis para uma sociedade mais justa.
A Sociologia se insere nesse contexto, como disciplina capaz de suscitar o
debate sobre justiça social, desigualdades sociais e políticas, e diversas multiplicidades
que emanam da vida em sociedade. A Sociologia no ensino médio é um instrumento
valioso para problematizar as questões que foram subtraídas das grades escolares,
2
Existem muitos projetos incumbidos de discutir e propor medidas para povoar o Espaço Público pela via escolar, o
projeto “Escola de Cidadania” que teve início em 2001 na região da Zona da Mata Mineira – Mina Gerais, está entre
estes, pois, segundo seus colaboradores: “O projeto Escola de Cidadania está estruturado a partir de 3 níveis de
concepções. O primeiro, educação para a democracia - orientado por um programa pedagógico que qualifica o cidadão
para participar dos espaços públicos da vida política; o segundo, participação ativa do cidadão - voltado para a
organização comunitária, incentivando e expandido as associações comunitárias, os conselhos de direitos, os grêmios
estudantis, associações culturais, entre outras e consolidação dos espaços legítimos de atuação das pessoas e de suas
entidades representativas; o terceiro, fortalecimento e ampliação do espaço público do Poder Legislativo, onde se
criam e se efetivam as condições de participação e controle social da gestão pública”.
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contribuindo na retirada dos alunos da condição de espectadores para a condição de
agentes atuantes e transformadores da realidade social.
A Sociologia, bem como outras matérias que dialogam com as questões sociais,
não são os únicos instrumentos que auxiliam na bagagem crítica dos alunos. Existem
uma série de projetos, semanas comemorativas etc. que colaboram na problematização
e na disseminação de várias temáticas. O projeto de extensão realizado na
Universidade Estadual de Londrina, Semanas de Sociologia3 nas escolas da rede
pública, constitui uma boa fonte capaz de estimular o debate e a participação dos alunos
nas diversas questões sociais, uma vez que, procura levar às escolas uma série de
produções atuais pensadas e realizadas com o intuito de levantar questões e despertar
o interesse nas mais variadas discussões.
Esse artigo contará, primeiramente, com as análises da educação a serviço da
democracia em Sérgio Buarque de Holanda. Depois, uma análise apreendida nas
experiências das observações/intervenções, no colégio Aloísio Aragão, e, por fim, com
uma exposição dos resultados obtidos com as palestras, em diversas escolas, em
contribuição ao projeto Semanas4. Tendo como eixo estruturante a problemática da
educação e da Sociologia na construção de novos agentes sociais e políticos, a todo
momento a questão recorrente será: são, esses alunos, desinteressados pelas questões
políticas, ou foram eles historicamente desestimulados a adentrar neste debate?
A PROBLEMÁTICA HISTÓRICA DA EDUCAÇÃO COMO MUDANÇA SOCIAL
É possível introduzir esse artigo relembrando a alusão que faz Sérgio Buarque de
Holanda à metáfora sobre um diálogo entre Antígona e Creonte, destacando que o
conflito entre os personagens gregos de Sófocles demonstrava que a principal tentativa
era a de elevar a vontade geral sobre a vontade particular, em que os cidadãos teriam
vozes capazes de mudanças e meios para desarticular as estruturas sociais que pouco
os beneficiava.
3
O projeto Semanas de Sociologia nas Escolas da Rede Pública teve início em Janeiro de 2009, e tem como um de
seus objetivos possibilitar aos alunos do ensino médio das escolas públicas estaduais, do Núcleo Regional de Ensino
de Londrina - Pr., momentos diferenciados de discussão de temas pesquisados pela sociologia.
4
Semanas é como se referem ao projeto Semanas de Sociologia nas Escolas da Rede Pública citado acima.
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Relembrar tais personagens de Sófocles, em Raízes do Brasil, parece propício
para analisarmos nossa realidade. Em grande medida, o que muito nos falta é a
construção desse coletivo, ou seja, precisaríamos antes nos livrarmos de nossos males,
herdados historicamente, para construir um ideal de coletividade e só depois de
efetuada essa construção da “vontade geral”, poderíamos utilizá-la (a maioria da
população) com o intuito de participar, das manobras políticas com peso decisivo.
Um traço marcante para analisar as dificuldades encontradas na formação da
democracia no Brasil ou, em outras palavras, a dificuldade do engajamento da
sociedade civil nos assuntos políticos, seria mapear como era vista a educação, em que
bases ela se erguia e a serviço de quem se encontrava.
No primeiro momento, Holanda destaca que a educação, analisada nos métodos
antigos, tinha como princípio fundamental a obediência inquestionável às opiniões e às
hierarquias e que seria necessário mudar significadamente esse quadro. Só diante de
jovens5 que tivessem a liberdade de discordar e questionar, seria possível edificar uma
consciência maior do seu papel na sociedade. Assim aconteceria sua formação gradual
em direção à desobediência dentro dos impulsos contestatórios da ordem estabelecida,
e os jovens evoluiriam para o cidadão propenso a pensar e articular as mudanças
sociais.
A educação ergueu-se, no Brasil, sobre uma base familiar e, por interesse dela,
reproduzia seus ideais conservadores. Devido à tradição patriarcalista, fundamentava-se
na opressão dos indivíduos. Raramente, a educação era sinônimo de liberdade. Esta só
acontecia quando, após livrar-se dos laços caseiros, os indivíduos conseguiam se livrar
também das repressões das faculdades e dos centros de ensino, comportando-se quase
que autônomos diante das instituições. Outra alternativa seria estudar longe da família
em outro país.
Esses
traços
prejudiciais
da
dominação
dos
estudantes
pelo
caráter
patrimonialista, primeiro enquanto crianças, depois como adultos, que alastravam suas
raízes até a educação, foram denominados por Holanda como o “personalismo social”,
5
Conforme Helena Wendel Abramo: “A noção geral e usual do termo juventude refere-se a uma faixa de idade, um
período da vida, em que se completa o desenvolvimento físico do indivíduo e uma série de mutações psicológicas e
sociais ocorre, quando este abandona a infância para processar a sua entrada no mundo adulto. No entanto, a noção de
juventude é socialmente variável. A definição do tempo de duração, dos conteúdos e significados sociais desses
processos modificam-se de sociedade para sociedade e, na mesma sociedade, ao longo do tempo e através das suas
divisões internas. Além disso, é somente em algumas formações sociais que a juventude se configura como um
período destacado, ou seja, aparece como uma categoria com visibilidade social”. (1994, p. 1)
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expressão que representa toda uma estrutura criada para forçar e conduzir as ações
dos jovens a se sociabilizarem de acordo com os padrões previamente estabelecidos.
Nem sempre, é certo, as nossas experiências bastavam para apagar neles o
vinco doméstico, a mentalidade criada de um meio patriarcal, tão oposto às
exigências de uma sociedade de homens livres e de inclinações cada vez mais
igualitária. Por isso mesmo Joaquim Nabuco pôde dizer que, 'em nossa política
e em nossa sociedade [...], são os órfãos, os abandonados que vencem a luta,
sobem e governam'. (HOLANDA, 2006: 158).
Estamos diante de um quadro extremamente relevante para iniciar um debate
sobre a impossibilidade de gerar, em solo brasileiro, indivíduos capazes de se lançarem
criticamente às questões políticas. Esse é um dos pontos deste trabalho, perceber,
diante das análises do livro Raízes do Brasil, quais foram os impedimentos, pequenos
traços camuflados pela história, que ainda hoje barram a participação e o interesse pela
política do país.
A Educação, depois das complexas etapas pelas quais passaram a família,
adquiriu forma e caráter de problema social. A resolução dos problemas ligados à
sociedade como um todo, saúde, habitação, alimentação e educação, ficaram a cargo
das políticas públicas, ou seja, do Estado. Segundo a Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional (LDB), em seus artigos que apresentam as políticas e os
planejamentos da educação nacional, especificamente no Art. 2º está citado que:
A educação, dever da família e do Estado, inspirada nos princípios de
liberdade e nos ideais de solidariedade humana, tem por finalidade o pleno
desenvolvimento do educando, seu preparo para o exercício da cidadania e
sua qualificação para o trabalho. (LDB. Lei 9394/96)
A educação, como foi citado acima, não está apenas nas mãos da família. A
família não é mais a única responsável pelo processo de socialização do indivíduo, bem
como, a formação desse para exercer sua cidadania, não é apenas obrigação dos pais.
O Estado, previsto por lei, agora é responsável, juntamente com a família, pela
educação dos indivíduos e suas qualificações.
Como já foi citado, a família representou papel fundamental quanto aos
empecilhos para se obter um sistema verdadeiramente democrático, em decorrência
disso as instituições de ensino também deram prosseguimento às condutas opressoras,
dominadoras e inflexíveis impostas aos indivíduos. Esta discussão dá margem para
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pensarmos que essas instituições eram formadoras de indivíduos regrados e obedientes
a toda e qualquer ordem. Indivíduos que foram forçados, mediante os castigos
psicológicos familiares e os castigos corporais 6 das escolas, a seguirem as
determinações impostas pela ordem estabelecida. (HOLANDA, 2006).
Porém, as consequências desses procedimentos serviram para formar, em
grande escala, figurantes mudos que, por muito tempo e até hoje, se calam diante das
situações em que suas vozes seriam necessárias para reivindicar melhorias para a
sociedade como um todo. Não esquecendo a conjuntura em análise, Holanda estava
discutindo as ações sofridas por uma parcela da população brasileira, que contava com
o aparato, prejudicial “muitas vezes”, para a formação do ideal de coletividade, mas que
possuíam amparo familiar e acesso às escolas.
Esses são os indivíduos que foram chamados de figurantes mudos,
caracterizados por serem subservientes às regras, devido às suas determinações
históricas. O que não devemos esquecer, mediante essa discussão, é que uma parcela
considerável da sociedade brasileira, até hoje, é analfabeta e muitos não tiveram
contato com as instituições de ensino. É certo que esse número diminuiu
gradativamente com o passar dos anos, mas não podemos desconsiderar que, se existe
um mal sobre os indivíduos que frequentavam as instituições escolares (contaminadas
por ideais repressores), existem ainda outros males piores, decorrentes do desequilíbrio
social, como a alta taxa de analfabetos privados do acesso à educação básica no Brasil.
(HOLANDA, 2006).
A alfabetização, sem acompanhamento de outros elementos da educação crítica
que a escola não passa/passou à sociedade, seria um instrumento que poderia se valer
tanto de benefícios para a possível mudança na estrutura social, quando para o
aniquilamento desses ideais. A escola, para Holanda, era uma via de mão dupla,
portanto, seria inconcebível, para ele, acreditar nesses modelos “progressistas” que
pautavam seus discursos apenas em uma necessidade de mudança, como se isso
bastasse e suprimisse todas as lacunas deixadas em nossos habitus pelos nossos
colonizadores.
6
Eram muitas as práticas traumatizantes realizadas na tentativa de atingir a autoridade máxima e a disciplina nas
instituições escolares. Algumas delas podem ser citadas: a palmatória, o castigo em cima de grãos de milho, o chapéu
com orelhas de burro, dentre outros instrumentos que atacavam ora o psicológico das crianças, ora acarretavam
violência física. Constituíam meios altamente repressivos de conter os impulsos e minar, ainda nas primeiras fases,
qualquer iniciativa contrária às normas.
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O que realmente se queria não era a seleção dos políticos, por meio de uma
aristocratização do eleitorado, mas o corolário forçoso dessa exigência: a
eliminação como força decisória daquelas “massas inconscientes” de que falou
em aparte na Câmara o Deputado Moreira de Barros. Em outras palavras,
aspirava-se ao Governo7 de muitos por muito poucos, que é, em suma, a
definição exata da palavra “oligarquia”. Os “muitos” não teriam o que fazer na
sociedade política perfeita ou ficariam reduzidos a um fator letárgico.
(HOLANDA, 2008, p. 266)
A citação de História da civilização brasileira, bem como a preocupação de
Holanda com os procedimentos que barravam a população de participar da vida política,
denunciava o que o autor chamou de “elitização da política”. Porém, o que estava posto,
frente a séculos de dominação política de uma camada dirigente, era se, nesse período,
seria democrático excluir “as massas inconscientes” (analfabetos), sendo que estes
representavam 80% da população do país. (HOLANDA, 2008: 260) A dificuldade dos
alunos/jovens se tornarem agentes sociais pode ter raízes nessas sucessivas
autoridades arbitrárias. A dominação pela família e pelo Estado descaracteriza o papel
central da educação. A educação deveria preparar esses jovens para se inserirem na
sociedade de maneira participativa, como questionadores, e não como amedrontados
pela ordem imposta.
Os ambientes repressivos, tais como a escola e a família patriarcal, foram
elucidados por Holanda para conduzir a discussão sobre as dificuldades que vieram a
encontrar os indivíduos que, formados pelas estruturas tradicionais, chegavam a ocupar
os cargos públicos com marcas e posturas altamente individuais. Essa era uma
consequência da falta de engajamento que se encontravam os dirigentes públicos que,
por não terem cultivado em nenhuma etapa do seu desenvolvimento a ideia de
coletividade social, conduziram suas ações sem distinguir o público do privado.
Portanto, para o autor, o que era necessário ser amplamente estudado e
questionado, eram os constantes obstáculos colocados à mudança social e política, que
se consolidavam na tentativa de emperrar o que o autor chamava de “forças de
renovação” da sociedade brasileira. Para isto, se fazia necessário o entendimento da
7
Sérgio Buarque de Holanda se refere, nessa citação, à lei Saraiva de 1881, que foi uma das reformas eleitorais do
país. Tal lei carregou o nome de José Antônio Saraiva, ministro do Império, responsável por iniciar a reforma eleitoral.
A Lei Saraiva ficou conhecida por instituir eleições diretas para todos os cargos do Estado: senadores, deputados,
vereadores e juízes de paz. Sendo que, o maior marco, ficou a cargo da proibição dos analfabetos em votar, assim, o
número de eleitores anteriores à Lei indicavam 12% da população como votantes (1.114.066), em 1874, e após a Lei,
decreto nº3.029, esse número se reduziu para 1,5% da população (145.296). “Desaparecia, tanto quanto possível, a
violência aberta, mas a fraude persistia sem corretivos, e mais pujante do que em outras eras”. (HOLANDA, 2008, p.
261)
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formação da educação brasileira, do patronato brasileiro, dos grandes ciclos
econômicos, do clientelismo político, que Holanda dizia desembocar no amplo processo
de “elitização da participação política”.
SOCIOLOGIA: UMA MATÉRIA EM BUSCA DA DIFICULTOSA MUDANÇA8
Após essa introdução sobre as dificuldades que enfrenta a educação no Brasil,
no que se refere à mudança social, e nos projetos que buscam inverter esse quadro,
podemos pensar nas propostas da Sociologia e, em especial, nos escritos de Florestan
Fernandes9. No capítulo intitulado “O Ensino da Sociologia na Escola Secundária
Brasileira” em seu livro A Sociologia no Brasil, o autor destaca que:
O ensino da sociologia no curso secundário representa a forma mais construtiva
de divulgação dos conhecimentos sociológicos e um meio ideal, por excelência,
para atingir as funções que a ciência precisa desempenhar na educação dos
jovens na vida moderna. (FERNANDES, 1980, p. 105)
Mediante essa passagem podemos introduzir o debate acerca do papel da
sociologia e das diversas formas que essa pode ser trabalhada no ensino médio, a fim
de estimular o pensamento crítico e dar subsídios aos alunos para adentrar nas
discussões políticas. Em primeiro momento é necessário discutir como se trabalha com
a sociologia brasileira e o pensamento brasileiro nas escolas, pois, muitas vezes, a
matéria pode se tornar desinteressante ao remeter os alunos sempre a espaços e
tempos sociais distintos da sua vivência.
Partir da vivência cotidiana dos alunos, e dos assuntos pertinentes a eles, pode
ser um dos fatores capazes de trazê-los para próximo das discussões sociológicas. A
maioria dos livros didáticos10 de sociologia que estão em circulação hoje, nas escolas da
8
Para explorar o debate da mudança social e das muitas teorias sociológicas que compõem essa discussão ver:
SZTOMPKA, Piotr. A Sociologia da Mudança Social. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira: 1998.
9
FERNANDES, Florestan. A Sociologia no Brasil. Petrópolis, Vozes: 1980.
10
O livro que serviu de base para essa discussão foi: COSTA, Cristina. Sociologia: introdução à ciência da sociedade.
São Paulo, Moderna: 1997.
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rede pública, introduz essa ciência pelos clássicos Franceses 11, Alemães12 e Ingleses13,
movimento completamente necessário, mas, que ao mesmo tempo, faz com que os
alunos não consigam visualizar a proximidade das questões discutidas por esses
pensadores com as pertinentes ao Brasil.
O necessário nesse momento introdutório da ciência é, mesmo ao abordar
autores estrangeiros, que se façam pontes constantes com as singularidades brasileiras.
Essa foi a proposta das intervenções realizadas no Colégio Aloísio Aragão. procurando
contextualizar o surgimento da ciência da sociedade em Comte, Spencer e Durkheim,
mas, a todo tempo, relembrar o quadro histórico brasileiro e como o pensamento desses
autores tiveram influência sobre nós, no modo de lidar com as questões sociais e
políticas.
No caso do Colégio Aloísio Aragão, para que os alunos debatessem no fim de
uma unidade alguns assuntos políticos referentes às circunstâncias brasileiras, foi
trabalhado os primeiros autores que se aventuraram em terreno sociológico no Brasil.
Foi necessário contextualizar as correntes teóricas que tiveram maior repercussão nos
pensadores brasileiros, e assim, dar margem às dinâmicas desenvolvidas sobre o
positivismo e o evolucionismo, ressaltando que essas deram abertura para o contexto
do surgimento da sociologia em nosso país.
Somente após a abordagem do processo histórico e do panorama da sociologia
no contexto internacional é que se tornou possível discutir a sociologia brasileira, suas
principais fases, seus principais autores, as obras que marcaram décadas e os temas
que até hoje despertam interesse nos pesquisadores sociais. Dividiu-se a Sociologia no
Brasil tendo por base a década de 30, contextualizando os autores anteriores a 1930,
marcados por assumir um caráter mais literário nas abordagens da sociedade, e os
posteriores a 30, marcados pelo maior rigor da pesquisa científica.
Alguns dos autores anteriores a 1930: Sylvio Romero (1851-1914), Manoel
Bomfim (1868-1932) e Euclides da Cunha (1866-1909); os autores da década de 30,
caracterizados por dar início às pesquisas de campo com maiores instrumentais teóricos
próprios das Ciências Sociais: Sérgio Buarque de Holanda (1902-1982), Caio Prado
11
Os principais autores Franceses desse período introdutório das ciências sociais foram: Auguste Comte (1798-1857) e
Émile Durkheim (1858-1917)
12
Entre os Alemães se destacam: Karl Marx (1818-1883) e Max Weber (1864-1920).
13
E ainda nessa primeira fase o Inglês Herbert Spencer (1820-1903).
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Junior (1907-1990) e Raymundo Faoro (1925-2003) e finalmente os posteriores a 1930
Florestan Fernandes (1920-1995) e Celso Furtado (1920-2004), dentre outros.
Após abordar esses autores e suas principais contribuições teóricas a
participação dos alunos, no que se refere a questionamentos e contribuições com
exemplos de suas próprias experiências, passou a ser constante, demonstrando que,
uma vez inseridos nas discussões e munidos dos acontecimentos históricos que
embasaram as teorias, fugiam da afirmação de que eram desinteressados dos assuntos
políticos e dos assuntos que permeiam a sociedade.
Para relembrar a problemática desse artigo a educação brasileira, e a Sociologia,
deveriam entrar nesse processo dando base para que os alunos estivessem em contato,
já no inicio da atividade escolar formal, com o pensamento político e social. A falta de
“lapidação” desses jovens e a péssima condição de instrução fazem com que o polimento
político dos alunos se prejudique e por consequência, que a evolução do processo
político sofra sérias rupturas, em resposta à falta de jeito com que esses alunos lançamse à política.
Esse quadro de desestímulo aos assuntos políticos provocado pelas instituições
escolares acarreta um processo de desinteresse dos alunos pela política e pelo
processo eleitoral, gerando assim, uma participação sem peso social relevante e
sujeitos à margem do processo político. O processo de construção social fica
sedimentado, e os alunos/jovens, desorientados, não conseguem compreender o papel
que representam na sociedade quando estes saem das escolas e são incluídos tidos
como “cidadãos14”. Mesmo sem o contato com questões políticas ex-alunos e futuros
“cidadãos” devem exercer seu papel e eleger seus representantes, nessa situação os
mesmos se veem pressionados por um processo político no qual não possuem
condições reais de participação.
Desta maneira o processo educacional, a educação brasileira, contribuem para o
surgimento de indivíduos apolíticos e desacreditados frente à participação política e
funcionam como uma verdadeira barreira para as mudanças sociais.
14
O termo cidadania é empregado neste artigo para conferir não apenas direitos civis e direitos políticos aos
indivíduos, mas também direitos sociais. Como afirma José Murilo de Carvalho: “Pensava-se que o fato de termos
reconquistado o direito de eleger nossos prefeitos, governadores e presidente da República seria garantia de liberdade,
de participação, de segurança, de desenvolvimento, de emprego, de justiça social. De liberdade, ele foi. A
manifestação do pensamento é livre, a ação política e sindical é livre. De participação também. O direito do voto nunca
foi tão difundido. Mas as coisas não caminharam tão bem em outras áreas. (2004, p. 7)
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Seria como se a própria formação dos cidadãos renegassem o âmbito político, na
medida
em
que
sua
formação
estivesse
voltada
exclusivamente
para
a
“profissionalização” e o pensamento social submetido ao técnico. Somente depois
desses processos de formação é que a questão política surgiria, ainda de maneira
precária e sem muito engajamento.
Esses alunos passam a entender ‘erroneamente’ que a política se faz em
momentos específicos, ou seja, somente nas eleições, sendo a política para eles um
movimento desconexo, no qual sua participação apenas em uma fase (fase eleitoral),
não mudará muito o cenário político-social.
Para os alunos é colocada na sua formação, desde o princípio, a necessidade de
se capacitarem para adentrar em um mercado competitivo. Desta maneira a escola
legitima essa ordem formando e apostilando os indivíduos. A possibilidade desses
indivíduos, de ao menos, ter contato com as questões políticas fica em segundo plano, à
mercê de um professor ou de um pai atento. Em síntese este processo infeliz faz com
que a política passe a ser descaracterizada e vista como aptidão, o que prejudica o
verdadeiro jogo democrático e os interesses gerais dos alunos, futuros cidadãos, frente
ao Estado.
A educação é peça fundamental no processo de aprendizagem política
e a
Sociologia possui todos os meios para balizar essas discussões com excelência. Assim,
ao pensar na mudança social e política da sociedade brasileira, nos desafios que ainda
temos frente aos velhos vícios que não conseguimos conter, na articulação dos lideres
políticos em tentar desarticular a participação popular, na desigualdade social e na
necessidade de instruir, cada vez mais, os indivíduos a ponto de torná-los capazes de
balizar as ações dos dirigentes políticos, aparecem sempre o ensino, o conhecimento e
a escola como meios legítimos para mudar este cenário.
UNIVERSIDADE E ESCOLAS: UMA VIA DE MÃO-DUPLA
A partir deste momento serão discutidos a prática sociológica e os projetos que
existem para torná-la possível. Inicialmente podemos pensar nas questões que foram
levantadas por Florestan Fernandes, já em 1980:
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Quando as sugestões práticas: 1) Quais são as funções que o ensino da
sociologia pode preencher na formação da personalidade e que razões de
ordem geral aconselham a inclusão da matéria no currículo do ensino de grau
médio? 2) A que concepção devia subordinar-se o ensino da sociologia nos
diversos graus de ensino, inclusive no secundário? A definição clara da
concepção apresenta a maior importância teórica e prática, pois dela depende a
relação a ser estabelecida entre meios e fins na educação. [...] 4) Quais são as
funções que o ensino da sociologia está em condições de preencher atualmente
na escola secundária brasileira e, em particular, em que sentido poderá
contribuir para alterar o sistema educacional brasileiro, de modo a fazer com
que a educação se torne um “instrumento consciente de progresso social” nos
diferentes meios sociais em que se integra no Brasil?
Quanto a estas problemáticas, ou como preferiu Fernandes, estas questões que
objetivavam reunir especialistas na busca de soluções, está subentendido que o ensino
de sociologia possui funções sociais, só deveríamos nos atentar para quais seriam
essas funções e em quais condições elas atuariam. É a partir dessa concepção de
“função social” que muitos projetos se sustentam, o projeto Semanas de Sociologia nas
Escolas da Rede Pública pode ser tido como exemplo.
A intenção do projeto “Semanas”, da Universidade Estadual de Londrina, é tecer
uma ponte entre a universidade e a escola, contando com o auxilio de graduandos de
licenciatura, em especial os de Ciências Sociais. Como este é um projeto de extensão,
suas práticas abrangem uma parcela significativa das escolas, localizadas no Núcleo
Regional (NRE) de Londrina, em formato de semanas temáticas.Tendo como eixo
questões pertinentes à sociologia são organizados eventos com palestras, oficinas,
teatro etc. que auxiliam nos trabalhos dos professores envolvidos.
Outro elemento muito importante a ser trabalhado, fruto das atividades realizadas
pelo projeto “Semanas”, é a troca de experiências entre os palestrantes e os alunos do
ensino médio, oportunidade (muitas vezes) única de alguns graduandos discutirem seus
temas de pesquisa, na medida em que, nas experiências obtidas nos estágios de
observação/intervenção os graduandos devem seguir os temas pré-definidos pelos
colégios. São estes momentos diferenciados capazes de aproximar, ainda mais, as
questões sociológicas dos alunos, servindo de complemento ao trabalho do professor.
Até o término deste artigo, no relatório oficial do projeto “Semanas”, estava
estimado que cerca de 2 mil pessoas, por ano, entraram em contato com as semanas
temáticas de Sociologia. Em alguns colégios o evento já se tornou uma tradição e foi,
inclusive, incorporado no calendário escolar. Constatou-se que em colégios onde o
projeto Semanas teve mais atuações o nível de participação e colaboração dos alunos
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era maior, uma vez que estes estiveram mais em contato com as questões pertinentes à
sociologia.
Para a discussão da sociologia enquanto mudança social e da contribuição desta
na formação de novos agentes sociais e políticos, o debate acerca dos projetos de
extensão que estimulam discussões voltadas à formação de uma mentalidade coletiva,
que favoreça e capacite as reflexões, é extremamente pertinente. Uma vez atuando nos
colégios, as atividades que esses projetos cumprem, muitas vezes reflexivas e
dinâmicas (contando com a participação do aluno) faz com que o mesmo saia do
anonimato e interaja nas oficinas/palestras.
No caso do Colégio Maria do Rosário Castaldi (CEEP), onde a Semana de
Sociologia e Humanidades já está na sua 4ª realização, podemos notar os avanços
obtidos pelos alunos em uma noção processual. Esse foi um dos cenários possíveis
para a discussão da temática “política” com os alunos do ensino médio, e os relatórios
colhidos apresentaram uma mudança gradual do pensamento entre a primeira semana
e a última semana do colégio. Outras escolas também fazem parte desse contexto,
como o Nilo Peçanha, onde já houve (9) semanas temáticas, Vicente Rijo (1), Francisco
Villanueva de Rolândia (3), Olavo Bilac de Ibiporã (4), Marcelino Champagnat (2), Olavo
Bilac de Cambé (1), dentre outros.
CONCLUSÃO
No interior do projeto Semanas foi possível fazer uma abordagem histórica e
destacar, na política brasileira e nas instituições escolares, suas mais importantes
etapas. Só assim é possível, juntamente com os alunos, pensarmos o período que
estamos vivendo e o processo que a escola está evidenciando, para buscar nesses
indivíduos, que compõem a escola hoje, suas opiniões frente à política e frente a essas
instituições que frequentam diariamente. As oficinas ficam sempre a cargo de possibilitar
essas interações, pois, o movimento contrário, de pensar a política e a escola sem ouvir
os cidadãos/alunos que a constroem, parece retirar dos agentes mais significativos suas
possibilidades de refletirem e se inteirarem do próprio momento em que estão inseridos.
Revista Eletrônica de Educação. Ano IV. N o. 08, jan./jul. 2011.
GARCIA, Luana
Tanto os questionários, quanto a participação dos alunos em sala, demonstrou que os
assuntos referentes às questões políticas não são renegados e rechaçados como dizem
as lideranças políticas, muito menos que existe um desinteresse nato a respeito destas
discussões. O que os alunos demonstravam era um despreparo imenso, fruto de um
esquecimento “nada casual” das ementas e programações escolares. Esta falta histórica
de estímulo às discussões políticas não descartava o interesse que estes alunos
possuíam em conhecer mais do quadro político brasileiro.
A desarticulação escolar com o processo de transformação desse aluno/cidadão
contribui para a fraqueza dos ideais democráticos, por isto, existe a necessidade de
expor e contextualizar as transformações que passaram a política brasileira e as
instituições escolares, para que os alunos compreendam a política e a escola hoje, seus
avanços e recuos, suas necessidades e desafios. Dar respaldo para que os alunos
compreendam a sociedade em que estão inseridos, os momentos marcantes da nossa
história e as lutas sociais e políticas é uma obrigação da escola e uma meta dos
projetos comprometidos com a mudança social.
O esforço desse artigo foi desmistificar a ideia de que os alunos são
desinteressados pelos assuntos políticos no Brasil. A problemática levantada foi a de
que esse desinteresse faz parte de um desestímulo histórico e proposital, ocasionado
por parte de uma elite dirigente do país 15, em detrimento da formação de pessoas mais
conscientes e capazes de adentrar, com peso, nas discussões políticas. Só assim a
escola poderia ressurgir como meio de assegurar os primórdios da mudança social,
funcionando como um verdadeiro espaço público capaz de levantar e sustentar as
verdadeiras transformações.
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15
Para ampliar essa discussão ver: FAORO, Raymundo. Os Donos do Poder. São Paulo: Globo, 2006.
Revista Eletrônica de Educação. Ano IV. N o. 08, jan./jul. 2011.
GARCIA, Luana
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Recebido em: Outubro/2011.
Aprovado em: Novembro/2011.
Revista Eletrônica de Educação. Ano IV. N o. 08, jan./jul. 2011.
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