Formas de realização do objeto direto pronominal de terceira pessoa na
produção escrita de aprendizes brasileiros de espanhol: resultados de
uma pesquisa
Adriana Martins Simões (Bolsista CAPES/ USP)
Introdução
Este artigo tem por objetivo apresentar alguns dos aspectos analisados em
nossa pesquisa realizada na graduação (TGI1), da qual se originou nossa investigação
de mestrado, e na qual nos propusemos a verificar as formas de preenchimento do
objeto direto pronominal de terceira pessoa no espanhol, no português brasileiro (PB)
e na produção escrita em espanhol de aprendizes brasileiros, tendo como ponto de
partida as diferenças de preenchimento do objeto direto pronominal de terceira pessoa
no espanhol e no PB, já constatadas em diversas pesquisas (GONZÁLEZ, 1994, 1998,
1999, 2001, 2005; YOKOTA, 2007). Entre os aspectos analisados, que foram
interpretados à luz do modelo gerativista de aquisição/ aprendizagem de língua
estrangeira (LE), em sua vertente que atribui um papel à língua materna (LM) nesse
processo (GONZÁLEZ, 1994, 1998, 2005; LICERAS, 1996, 2000, 2002, 2003),
abordaremos neste trabalho a relação que há entre as formas de preenchimento
utilizadas pelos estudantes e o nível de aprendizagem de espanhol/ LE, assim como a
relação entre essas formas e o nível de instrução escolar e faixa etária dos
aprendizes. Partimos da hipótese de que, se a aquisição/ aprendizagem da L2 é
mediada pela L1, a variação/ mudança do PB se refletiria na produção em LE.
Na primeira parte, descreveremos o preenchimento do objeto direto de
terceira pessoa no espanhol e no PB, no intuito de contrastar essa área da gramática
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em ambas línguas; na segunda parte, abordaremos questões relativas ao modelo
teórico de aquisição/ aprendizagem de LE adotado; na terceira parte, vamos expor a
análise e em seguida as considerações finais.
1. Preenchimento do objeto direto de terceira pessoa no espanhol e no PB
Diversos estudos constataram que há nas gramáticas do espanhol e do PB
uma inversa assimetria que consiste na escolha de pronomes átonos e de
preenchimento pronominal pelo espanhol e de pronomes tônicos e apagamento
pronominal pelo PB (GONZÁLEZ, 1994, 1998, 1999, 2001, 2005; YOKOTA, 2007).
Em relação ao PB, diversos estudos variacionistas e gerativistas (CYRINO,
1993, 1996; DUARTE, 1989; GALVES, 1993; NUNES, 1993) observaram que houve
uma diminuição dos clíticos e uma ampliação dos contextos de ocorrência de objeto
nulo a partir do século XIX (TARALLO, 1983 apud CYRINO, 1993) e de pronome
tônico em função acusativa a partir da segunda metade desse mesmo século. Entre os
estudos que buscam a origem dessa mudança no PB, Galves (1993) afirma que a
ampliação das ocorrências de objeto nulo e pronome tônico foi uma conseqüência da
queda dos clíticos e da mudança ocorrida em sua colocação, mudanças essas que
teriam origem no traço fraco de concordância no PB. Já Nunes (1993) propõe que o
aumento dos contextos de objeto nulo seria decorrente de uma aquisição sem os
clíticos, devido à internalização do sistema de colocação destes da esquerda para a
direita, ao contrário do português europeu. De acordo com o estudo de Cyrino (1993),
a partir da mudança na direção de cliticização fonológica, em contextos em que se
empregava o clítico neutro, passou a ocorrer o objeto nulo, e a partir daí o fenômeno
foi ampliado para outros contextos em que o antecedente era [+/-animado, -específico/
referencial], o que, segundo a autora, constitui uma mudança paramétrica em relação
ao português europeu.
2249
A mudança no sistema pronominal do PB ocasionou, do ponto de vista
sintático, uma distância nessa área da gramática de ambas línguas, distância essa
que podemos observar através das sentenças a seguir extraídas de González (2001):
(1) Vi ele ontem na rua.
(2) Lo vi a él ayer en la calle (no a ella).
(3) Lo vi ayer en la calle.
(4) *Vi [a] él ayer en la calle.
(5) A Joana viu Ø na televisão ontem.
(6) *Juana Ø vio en la televisión ayer.
(7) Juana lo vio en la televisión ayer.
Em (1) o pronome tônico atua como objeto direto no PB, enquanto no
espanhol, apenas o clítico acusativo2 pode retomar um antecedente, que pode estar no
âmbito da sentença ou no plano discursivo, uma vez que a presença do pronome
tônico só é possível em co-referência com o clítico e apenas em casos de contraste,
razão pela qual a sentença (4) é agramatical. Em (5) o objeto nulo é gramatical no PB
com esse tipo de antecedente, já no espanhol, sem considerar algumas variedades da
língua (Cf. FERNÁNDEZ-ORDÓÑEZ, 1999), o objeto nulo é possível apenas em casos
de antecedentes sem determinante e de interpretação [-específica], do contrário há a
necessidade de que o antecedente seja retomado pelo clítico. Essa necessidade, de
acordo com Fanjul (1999, p. 139), não é uma exigência do ponto de vista da gramática
normativa, já que até mesmo pessoas de baixa escolaridade produzem clíticos no
espanhol, mas uma exigência sintática e semântica da gramática da língua, pois sua
ausência produz sentenças agramaticais e, portanto, incompreensíveis, como (6),
devido ao fato de não se poder recuperar o referente.
2. O modelo teórico de aquisição/ aprendizagem de LE
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Os dados de nossa pesquisa foram interpretados à luz do modelo teórico
de aquisição/ aprendizagem de LE gerativista, em sua vertente que atribui um papel
importante à LM nesse processo (GONZÁLEZ, 1994, 1998, 1999, 2001, 2005;
LICERAS, 1996, 1997, 2000, 2002, 2003). Sendo assim, a LM seria a mediadora entre
o input e a Gramática Universal (GU) e haveria uma transferência de base cognitiva,
assim como González (Idem, ibidem) assume em seus trabalhos, que prevê diversos
fenômenos além da utilização da gramática da L1.
Nesse modelo teórico, acreditamos que a aquisição/ aprendizagem da LE
seja diferente da aquisição da LM, na medida em que nesta o estado inicial seria a GU
e ocorreria um desencadeamento da fixação de parâmetros através da interação entre
os dados da LM e a GU e a criança se utilizaria do procedimento bottom-up, o que
significa adquirir determinada língua a partir do sistema fono-prosódico. Já na
aquisição/ aprendizagem de LE, o aprendiz adulto já possui uma experiência
lingüística prévia que não lhe permitiria ser sensível aos desencadeantes que
conduzem à fixação dos parâmetros por já ter um sistema fono-prosódico sofisticado
que o levaria a acessar a LE através do procedimento top-down, ou seja, a partir de
estruturas complexas que correspondem ao sistema sintático da língua. Sendo assim,
o aprendiz realizaria reestruturações locais em porções isoladas a partir dos padrões
de sua L1, o que não resultaria em (re)fixação paramétrica.
3. Análise dos dados3
Serão abordados neste trabalho alguns dos aspectos analisados em nossa
pesquisa, sendo eles a relação que há entre as formas de preenchimento4 utilizadas
pelos estudantes e o nível de aprendizagem de espanhol/ LE, assim como a relação
entre essas formas e o nível de instrução escolar e a faixa etária dos aprendizes.
2251
No que se refere às formas de preenchimento e o nível de aprendizagem
de espanhol/ LE, observamos que os clíticos, forma de preenchimento que
corresponde à gramática do espanhol, ocorrem em grande quantidade nas produções
de todos os níveis e há um aumento de sua ocorrência conforme aumenta o nível de
aprendizagem do espanhol. Apesar de o estudante reproduzir em sua produção a
gramática do espanhol, isso, de acordo com Liceras (1996), não indica que ele tenha a
mesma representação mental de um falante nativo, uma vez que, como já se afirmou,
a aquisição/ aprendizagem de uma LE não consiste na fixação de parâmetros na GU,
mas em reestruturações locais a partir dos padrões de sua LM, o que não leva o
aprendiz a possuir a mesma representação mental de um nativo.
Quanto às formas de preenchimento que se aproximam à gramática do
PB, observamos que o objeto nulo e o pronome tônico, embora tenham uma
ocorrência bem menos expressiva que os clíticos, aparecem em todos os níveis de
aprendizagem, sobretudo o objeto nulo, que é a forma não estigmatizada. Segundo
Liceras (1996), isso representa uma variabilidade na interlíngua desses estudantes,
decorrente de regras da L2 não fixadas de maneira unívoca, sendo um indício de que
a interlíngua do aprendiz está sendo mediada por sua LM e que o acesso à GU dá-se
de maneira indireta.
Quanto ao aspecto formas de preenchimento e sua relação com o grau de
instrução do aprendiz em LM, observamos que há um aumento no uso dos clíticos
conforme cresce sua instrução formal em português, fato que revela a aprendizagem
dos clíticos por pressão da escola, já que estudos apontam que no PB o clítico está
presente apenas na fala e na escrita de pessoas escolarizadas (Cf. CORREA, 1991
apud NUNES, 1993; DUARTE, 1989). No que se refere às tendências do PB,
observamos que o objeto nulo apresenta variabilidade em todos os níveis, sendo mais
recorrente na produção dos estudantes com ensino fundamental, enquanto o pronome
tônico, variante de menor prestígio, diminui conforme aumenta o nível de instrução e
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não há nenhum registro seu na produção dos aprendizes da pós-graduação, o que
mais uma vez reflete a influência da instrução formal em LM na aquisição/
aprendizagem de uma LE, como já constatado por Yokota (2007).
Em relação à questão da faixa etária, observamos que os clíticos, que
seriam a opção de preenchimento do espanhol, aparecem em todas as faixas etárias.
Já o preenchimento por pronome tônico e o objeto nulo se concentram na produção
dos indivíduos de menor faixa etária, fato que seria um indício de que aprendizes de
menor idade teriam uma maior atuação das regras atuais e já mais consolidadas da L1
em sua produção em espanhol, e, portanto, seriam mais permeáveis às regras da LM.
Além disso, a relativamente alta incidência dos clíticos pode significar tanto a utilização
das regras do espanhol, quanto ser também um reflexo da incorporação dos clíticos no
PB por intermédio da educação escolar formal.
Restaria, agora, verificar mais detidamente que clíticos são mais
recorrentes nessas produções e associar esses resultados aos obtidos para o PB
também de modo mais detalhado, uma vez que hoje já se vê que a perda de clíticos e
a sua substituição por formas tônicas afeta mais algumas realizações que outras.
4. Considerações finais
A partir do exposto, pudemos constatar que a produção dos aprendizes
brasileiros se aproxima tanto do PB quanto do espanhol. No que se refere à
aproximação às regras do espanhol, os fatos observados nos conduzem à hipótese de
que o aumento da exposição ao input e às regras formais do espanhol promovem uma
reestruturação na interlíngua do aprendiz que o leva a produzir estruturas semelhantes
às da LE, ainda que não tenham em sua mente/ cérebro uma representação como a
de um falante nativo. Além disso, a produção de clíticos pode ser um reflexo da
instrução formal em LM. Parece confirmar essa hipótese a representação que grande
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parte dos estudantes têm do espanhol como uma língua formal, culta, já constatada
por diversas pesquisas.
Quanto à aproximação às regras do PB, confirmamos nossa hipótese
inicial de que a L2 está mediada pela L1 e os dados nos possibilitaram observar que o
acesso à GU dá-se de maneira indireta, através da LM, de modo que há uma
permeabilidade das regras do PB que atuam na produção em espanhol e que, entre
outros fatores, têm maior ou menor reflexo na interlíngua de acordo com a instrução
formal em LM desses estudantes e a sua faixa etária. Em relação à faixa etária, a
maior produção de clíticos dos estudantes de maior idade pode estar relacionada ao
fato dessa geração ter sido exposta a uma língua cujas mudanças não só estavam
talvez menos consolidadas, mas eram também mais estigmatizadas e não eram objeto
de estudos de natureza lingüística. Sendo assim, pesava mais para essa geração a
normativa do que para as gerações mais jovens, e nisso teve um grande peso os
estudos sobre o PB e sobre a língua falada.
Todas as questões apresentadas estão sendo aprofundadas em nossa
atual pesquisa, que busca indícios que possam revelar a natureza da competência do
aprendiz de espanhol/ LE. Além disso, os resultados obtidos e as hipóteses levantadas
são apenas algumas tendências que devem ser observadas em outros estudos.
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Notas
1
Trabalho de Graduação Individual apresentado em 2006 ao Departamento de Letras
Modernas da FFLCH/ USP, sob orientação da Profa. Dra. Neide T. Maia González, com o título
Preenchimento do objeto direto pronominal de terceira pessoa no espanhol, no português
brasileiro e na produção não nativa em espanhol de falantes do PB.
2
Cf. Fernández-Ordóñez (1999) para discussões sobre “leísmo”, “laísmo” e “loísmo”.
3
Os dados consistem em produções escritas em espanhol/ LE dos níveis Básico I e II e
Intermediário I e II, do curso extracurricular Español en el campus (DLM/ FFLCH/ USP).
2257
4
Embora tenhamos analisado as ocorrências de “leísmo”, “laísmo” e “loísmo”, a repetição do
SN e a ocorrência de formas clíticas do português, não nos deteremos nessas formas.
2258
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2248 Formas de realização do objeto direto pronominal de terceira