UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO
A REALIZAÇÃO DO OBJETO DIRETO
ANAFÓRICO EM PEÇAS DE
AUTORES BRASILEIROS DOS
SÉCULOS XIX E XX
Dados empíricos para observação de mudança
no Português Brasileiro
Carolina de La Vega Soledade
Fevereiro de 2011
Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Letras Vernáculas da
Universidade Federal do Rio de Janeiro como quesito para a obtenção do Título de Mestre em
Letras Vernáculas (Língua Portuguesa). Orientadora: Silvia Regina de Oliveira Cavalcante
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO
A REALIZAÇÃO DO OBJETO DIRETO ANAFÓRICO EM PEÇAS DE
AUTORES BRASILEIROS DOS SÉCULOS XIX E XX:
Dados empíricos para observação de mudança
no Português Brasileiro
CAROLINA DE LA VEGA SOLEDADE
Rio de Janeiro
Fevereiro de 2011
A REALIZAÇÃO DO OBJETO DIRETO ANAFÓRICO EM PEÇAS DE
AUTORES BRASILEIROS DOS SÉCULOS XIX E XX:
Dados empíricos para observação de mudança
no Português Brasileiro
CAROLINA DE LA VEGA SOLEDADE
Dissertação de Mestrado apresentada ao
Programa de Pós-Graduação em Letras Vernáculas
da Universidade Federal do Rio de Janeiro como
quesito para a obtenção do Título de Mestre em
Letras Vernáculas (Língua Portuguesa).
Orientadora: Silvia Regina de Oliveira Cavalcante
Rio de Janeiro
Fevereiro 2011
A realização do objeto direto anafórico em peças de autores
brasileiros dos séculos XIX e XX: dados empíricos para a
observação da mudança no português brasileiro
Carolina de La Vega Soledade
Orientadora: Profa. Dra. Silvia Regina de Oliveira Cavalcante
Dissertação de Mestrado submetida ao Programa de Pós-Graduação em Letras Vernáculas
da Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ, como parte dos requisitos necessários para a
obtenção do título de Mestre em Letras Vernáculas (Língua Portuguesa).
Examinada por:
_________________________________________________________________________
Presidente: Profa. Doutora Silvia Regina de Oliveira Cavalcante (UFRJ)
_________________________________________________________________________
Profa. Doutora Márcia Cristina de Brito Rumeu (UFMG)
_________________________________________________________________________
Profa. Doutora Maria Eugênia Lamoglia Duarte (UFRJ)
_________________________________________________________________________
Profa. Doutora Beatriz dos Santos Feres (UFF) – suplente
_________________________________________________________________________
Profa. Doutora Célia Regina dos Santos Lopes (UFRJ) – suplente
Rio de Janeiro
Fevereiro de 2011
Soledade, Carolina de La Vega
A realização do objeto direto anafórico em peças de autores brasileiros dos séculos XIX e
XX: dados empíricos para a observação da mudança no português brasileiro / Carolina de La
Vega Soledade. Rio de Janeiro: UFRJ – FL, 2011.
Xii, 120f.: il.; 31cm.
Orientador: Silvia Regina de Oliveira Cavalcante
Dissertação (mestrado) – UFRJ / Programa de Pós-Graduação em Letras Vernáculas, 2011.
Referências Bibliográficas: f. 110-112.
1. Mudança Linguística; 2. Objeto Direto Anafórico; 3. Português Brasileiro . I. Cavalcante,
Silvia Regina de Oliveira. II. Universidade Federal do Rio de Janeiro, Pós-Graduação em Letras
Vernáculas. III. Título.
SOLEDADE, Carolina de La Vega. A Realização do objeto direto anafórico em peças de autores
brasileiros dos séculos XIX e XX: dados empíricos para observação da mudança. Dissertação de
Mestrado em Língua Portuguesa. Rio de Janeiro, Faculdade de Letras / UFRJ, 2011. 116 p.
RESUMO
Diversas pesquisas já atestaram a redução do emprego do clítico de terceira pessoa na
função acusativa, que estaria sendo substituído por um SN anafórico, por um pronome lexical, por
um pronome demonstrativo neutro e, em maior escala, pelo objeto nulo. O presente trabalho
apresenta o padrão de variação nas realizações do objeto direto anafórico em um corpus
diacrônico composto por peças de teatro escritas por autores brasileiros entre os séculos XIX e XX.
O objetivo é, a partir de um quadro de variação, demonstrar empiricamente um processo de
mudança linguística já atestado no português brasileiro: a substituição do clítico acusativo de
terceira pessoa pelo objeto nulo nas realizações do objeto direto anafórico. A análise se insere no
modelo de mudança proposto por Weireinch, Labov, Herzog (1968) e a metodologia utilizada
segue os moldes da Teoria da Variação e Mudança. Os resultados mostram que, de um modo
geral, o objeto nulo se fixa como estratégia preferencial de retomada do objeto direto, salvo em
alguns contextos nos quais ainda observamos aluma resistência do clítico, como é o caso dos
antecedentes com traço [+animado] e traço [+específico/referencial]. O SN anafórico aparece
como segunda opção de retomada do objeto direto e o pronome lexical, com poucas ocorrências,
fica restrito aos contextos com antecedente [+referencial,+/- específico]. Quanto ao pronome
demonstrativo neutro, que retoma um objeto direto oracional, também foram encontradas
poucas ocorrências, indicando ter sido a primeira vaiante a ceder lugar ao objeto nulo. Ao fim do
último período analisado, as ocorrências de pronome clítico ficaram reduzidas a apenas uma,
confirmando a mudança já apontada em direção à categoria vazia no português brasileiro.
Palavras-chave:
1. Objeto direto anafórico; 2. Mudança linguística; 3. Português Brasileiro; 4. Variação
Paramétrica.
SOLEDADE, Carolina de La Vega. A Realização do objeto direto anafórico em peças de autores
brasileiros dos séculos XIX e XX: dados empíricos para observação da mudança. Dissertação de
Mestrado em Língua Portuguesa. Rio de Janeiro, Faculdade de Letras / UFRJ, 2011. 116p.
ABSTRACT
Several investigations have confirmed the decrease in the usage of the third person object
clitic in Brazilian Portuguese, which is replaced by an anaphoric NP, by a pronoun, and on a larger
scale, by an empty category. This study shows the pattern of variation in the frequency of the
anaphoric direct object in a diachronic sample composed of plays written by Brazilian authors
along the nineteenth and twentieth centuries. Our goal is to demonstrate the linguistic change
which has already been attested in Brazilian Portuguese: the replacement of the clitic by the
empty category. The analysis takes into account the model of linguistic change proposed by
Weinreich, Labov and Herzog (1968) and the methodological tools of the Variation and Change
Theory. The results show that, in general, the increase of null objects in the turn of the 20th
century. The anaphoric NP appears as the second option and the lexical pronoum, with few
instances, is restricted to contexts with [referential /-specific] referents. As for the indefinite
pronoun, few occurrences were also found, indicating that it was the first to give way to null
object. At the end of the last period of time analyzed, the rates of clitic diminush to 1%,
confirming the change has already pointed towards the null category in Brazilian Portuguese.
Key-words:
1. Null Object; 2. Linguistic change; 3. Brazilian Portuguese; 4. Parametric Variation.
AGRADECIMENTOS
Primeiramente agradeço à Silvia Regina de Oliveira Cavalcante, um exemplo a ser seguido.
Professora e orientadora que abriu para mim as portas do mundo da pesquisa e, aos poucos, foi
me ajudando a escolher o caminho que a partir de agora seguirei. Muito obrigada por tudo,
principalmente pela paciência em meus momentos de dúvida e angústia.
À minha mãe, Vilma, por ter dedicado a vida a ensinar aos filhos a importância de ser feliz
no que faz. Professora dedicada da rede municipal do Rio de Janeiro, onde também foi minha
professora, e despertou em mim o interesse tando pela discência quanto pela docência. Devo e
dedico a ela tudo o que sou e também tudo o que até hoje conquistei.
Ao meu pai, Antenor, pelo apoio e compreensão nos momentos de angústia e decisões
difíceis. Apesar de distante do mundo acadêmico, sempre demonstrou orgulho e comemorou
comigo cada conquista. Obrigada pelo incentivo incansável.
Ao meu irmão e amigo, Daniel, pelos conselhos e também pelo apoio, mesmo sem nunca
ter entendido porque desisti do curso de Engenharia e troquei o sólido mundo dos números pelo
engenhoso mundo das letras. Um exemplo inspirador de determinação e competência.
À Juliana Esposito Martins e Leonardo Lennertz Marcotulio, companheiros doutorandos
que me acolheram na instituição, me auxiliaram e contribuíram, cada um a seu modo, com meu
aprendizado na passagem pelos cursos. Também à Elaine Melo, pelas dicas e companheirismo nas
horas de trabalho.
Ao meu companheiro, parceiro, amor e amigo, Rudá Morcillo, pela paciência, pelo apoio e
pela ajuda em muitas noites de codificação de dados.
Este trabalho foi parcialmente financiado por uma bolsa do CNPq.
Índice de Tabelas
Tabela 1.1: Objeto direto anafórico na fala de indivíduos não escolarizados _________________ 8
Tabela 1.2: Realização do Objeto direto anafórico na fala de indivíduos escolarizados _________ 9
Tabela 1.3: Realização do objeto direto anafórico na fala do PE e do PB (Freire, 2000) ________ 10
Tabela 1.4: Realização do objeto direto anafórico em estudo painel segundo a escolaridade do
falante (Marafoni, 2004) ________________________________________________________ 11
Tabela 1.5: Realização do objeto direto anafórico na escrita do PE e do PB (Freire, 2005) _____ 16
Tabela 1.6: Realização do objeto direto anafórico nos dados diacrônicos de Cyrino (2007) ____ 21
Tabela 1.7: Realização do objeto direto anafórico em cartas de ilustres a Rui Barbosa (Soledade,
2010) _______________________________________________________________________ 22
Tabela 1.8: Realização do objeto direto anafórico segundo a referencialidade do antecedente nas
cartas a Rui Barbosa (Soledade, 2010) ______________________________________________ 24
Tabela 3.1: Realização do objeto direto anafórico na amostra de peças ___________________ 55
Tabela 3.2: Distribuição das variantes de acordo com a forma verbal do verbo que seleciona o
objeto direto anafórico. _________________________________________________________ 55
Tabela 3.3: Realização do objeto direto anafórico segundo a estrutura projetada pelo verbo. __ 57
Tabela 3.4: Realização do objeto direto anafórico segundo a estrutura da oração ___________ 59
Tabela 3.5: Distribuição das variantes de acordo com a função sintática do antecedente. _____ 61
Tabela 3.6: Distribuição das variantes de acordo com a posição do antecedente. ____________ 64
Tabela 3.7: Posição do objeto direto anafórico em relação ao antecedente. ________________ 65
Tabela 3.8: Distribuição das variantes de acordo com a distância do referente. _____________ 67
Tabela 3.9: Distribuição das variantes de acordo com a realização do sujeito. ______________ 68
Tabela 3.10: Distribuição das variantes de acordo com o traço semântico do antecedente. ____ 69
Tabela 3.11: Distribuição das variantes de acordo com o traço de referencialidade do
antecedente. _________________________________________________________________ 72
Tabela 3.12: Distribuição das ariantes de acordo com a forma/especificidade do antecedente. _ 73
Tabela 3.13: Distribuição das variantes ao longo do tempo. _____________________________ 76
Tabela 3.14: Realização do objeto nulo em relação à posição do antecedente. ______________ 79
Tabela 3.15: Peso relativo do preenchimento do sujeito para a realização do ON. ___________ 80
Tabela 3.16: Pesos relativos do traço de animacidade do antecedente para a realização do ON. 81
Tabela 3.17: Pesos relativos da referencialidade do antecedente para a realização do ON. ____ 82
Tabela 3.18: Pesos relativos do período de tempo (data de publicação da peça) para a realização
do ON. ______________________________________________________________________ 83
Tabela 3.19: Distribuição do objeto nulo segundo o tipo de oração. ______________________ 85
Tabela 3.20: Distribuição do objeto nulo segundo a forma/especificidade do referente. ______ 86
Índice de Gráficos
Gráfico 3.1: Distribuição das variantes ao longo do tempo na amostra analisada.____________
Gráfico 3.2: Evolução do objeto nulo ao longo do tempo na amostra analisada. _____________
Gráfico 3.3: Período de tempo vs. função do antecedente do ON. ________________________
Gráfico 3.4: Período de tempo vs. animacidade do antecedente do ON. ___________________
Gráfico 3.5: Período de tempo vs. referencialidade do antecedente do ON. ________________
Gráfico 3.6: O encaixamento da mudança: percurso do sujeito nulo (Duarte, 1993) e do objeto
nulo na amostra de peças _______________________________________________________
78
84
88
89
90
92
Sumário
INTRODUÇÃO ___________________________________________________________ 1
CAPÍTULO 1: PONTOS DE PARTIDA _________________________________________ 5
Introdução ____________________________________________________________ 5
1.1 O fenômeno do ponto de vista sincrônico________________________________ 5
1.1.1 A língua oral ______________________________________________________________________ 5
1.1.2 A língua escrita __________________________________________________________________12
1.2 O fenômeno do ponto de vista diacrônico ______________________________ 18
CAPÍTULO 2: PRESSUPOSTOS TEÓRICO-METODOLÓGICOS _____________________ 26
Introdução ___________________________________________________________ 26
2.1 Fundamentos Teóricos ______________________________________________ 26
2.1.1 A Teoria da Variação e Mudança _______________________________________________27
2.1.2 A Teoria de Princípios e Parâmetros___________________________________________30
2.1.3 A Variação Paramétrica _________________________________________________________33
2.2 Metodologia e Hipóteses de trabalho __________________________________ 35
2.2.1 A delimitação da amostra ______________________________________________________36
2.3 O envelope da variação ______________________________________________ 41
2.3.1 A variável dependente __________________________________________________________41
2.3.2 As variáveis independentes ____________________________________________________43
CAPITULO 3: ANÁLISE DOS RESULTADOS ___________________________________ 54
Introdução ___________________________________________________________ 54
3.1 Resultados gerais __________________________________________________ 54
3.1.1 Distribuição geral da variantes_________________________________________________54
3.1.2 A Forma Verbal __________________________________________________________________55
3.1.3 Transitividade e estrutura projetada pelo verbo _____________________________57
3.1.4 Contexto sintático da oração que contém o objeto direto anafórico ________59
3.1.5 Função sintática do antecedente _______________________________________________61
3.1.6 Posição do antecedente _________________________________________________________63
3.1.7 Posição da ocorrência em relação ao antecedente ___________________________64
3.1.8 Distância da ocorrência com relação à primeira menção ____________________67
3.1.9 Presença/ ausência de sujeito na oração que contém o objeto direto
anafórico _______________________________________________________________________________68
3.1.10 Traço Semântico do Antecedente_____________________________________________69
3.1.11 Referencialidade do Antecedente ____________________________________________71
3.1.12 Forma/Especificidade do Antecedente ______________________________________73
3.1.12 Tempo __________________________________________________________________________76
3.2 A variação objeto nulo vs. clítico ___________________________________ 79
3.3 Algumas observações sobre a questão da mudança linguística ________ 87
CONSIDERAÇÕES FINAIS _____________________________________________ 93
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ______________________________________ 98
INTRODUÇÃO
De acordo com nossas gramáticas normativas, que acompanham a norma lusitana,
os pronomes oblíquos átonos o, a, os, as são formas próprias do objeto direto, como se vê
em (1). No entanto, diversas pesquisas, até hoje realizadas, no âmbito da linguística,
acerca da realização do objeto direto no português brasileiro, dentre elas Duarte (1986),
Cyrino (1997), Freire (2000) Marafoni (2004), apontam que esta categoria pode ser
retomada anaforicamente através de cinco estratégias: o clítico acusativo (1), um SN
conforme (2), um pronome lexical representado por (3), um pronome demonstrativo
(neutro) (4) ou (5) um objeto nulo (entendido como o objeto direto não realizado
foneticamente).
(1)
É preciso acompanhá-las. (Coelho Netto, OS, I, 45, apud Cunha e Cintra, 2007: 292)
(2)
Então o meu filho ficou morando [no apartamento]i, mas ele reclamava muito do
barulho, e a gente foi na onda dele de vender esse apartamentoi. (Duarte, 1989:
20)
(3)
Não dá muito trabalho não! Aqui o cara colhe ... um cara bom pega uns seis sete
quilos de [cravo]i. [...] Você colhe elei, ele tem [aqueles dente]j, aqueles cacho,
você quebra elesj sem folha, prá casa, chega em casa, você destala elei, tira o talo,
[...] e pega elei e bota øi no só. (Figueiredo Silva, 2004: 123)
(4)
No cinema, a ação vai e volta. No teatro, você não pode fazer isso. (Duarte,
1989:20)
(5)
A garota não sabe sequer ler, recebe [carta de colega]i, a mãe tem que lê øi pra
ela. (Marafoni, 2010: 19)
Vale ressaltar que o pronome lexical aparece em Cunha e Cintra (1985: 280)
compondo uma uma seção intitulada “equívocos e incorreções”, onde, a respeito do
emprego dos pronomes retos, o autor afirma ser frequente na fala vulgar (grifo nosso) o
uso do pronome ele(s), ela(s) como objeto direto. Constata-se a partir de então que, tanto
na escrita quanto na fala do português brasileiro (PB), a realidade de uso da língua, no
tocante ao fenômeno do objeto nulo, é distinta do que prescreve a norma da gramática,
bem como da norma do português europeu (PE), uma vez que aquela é espelho desta.
A maioria dos trabalhos acerca das realizações do objeto direto anafórico na língua
oral, como os de Marafoni (2004) e Duarte (1986), nos trazem uma hierarquia geral de
1
realização na qual o objeto nulo aparece como a estratégia preferencial, seguido do SN
anafórico, do pronome clítico e em último lugar do pronome nominativo. A exceção está
no trabalho de Figueiredo Silva (2004), que observa o fenômeno na fala de analfabetos e
encontra uma porcentagem maior de pronomes nominativos e nenhuma ocorrência de
clítico, confirmando o fato de esta já ser, no português brasileiro, uma estratégia
aprendida através da escolarização, logo, não mais fazendo parte do que se adquire em
língua materna. De fato, os trabalhos de língua escrita, a exemplo de Averburg (2000),
apontam um índice um pouco maior de uso do clítico, principalmente na escrita dos
informantes com mais alto grau de escolaridade. Cyrino (1997) ao traçar a diacronia do
objeto nulo deixa claro que ele sempre foi possível no PB, no entanto, somente em
determinados contextos: primeiramente com antecedente proposicional, em seguida,
predicativo. Só a partir do século XX é que começa a crescer o objeto nulo com traço [humano, -específico], depois com o traço [-humano, +específico] e por último com o traço
[+humano]. Kato, Duarte, Cyrino e Berlinck (2006), analisando a virada do século,
encontraram já no século XIX objetos nulos nos mesmos moldes que aparece no século XX
([+específico, -humano]), portanto, já característico do PB. Esse teria sido o ponto que
impulsionou a realização desta pesquisa.
O objetivo deste trabalho é descrever e analisar as realizações do objeto direto
anafórico em um corpus diacrônico composto por peças teatrais escritas a partir da
metade do século XIX até o fim do século XX (mais especificamente de 1845 até 1992) a
fim de verificar o comportamento desta variável em momentos distintos na linha do
tempo e tentar capturar uma mudança em direção à categoria vazia. Constatada a
mudança, buscarei estabelecer o percurso de implementação do objeto nulo, que
emergiu no PB como principal alternativa de retomada do objeto direto.
As hipóteses de que parto e que busco confirmar com este trabalho são (a) a de
que o português brasileiro e o português europeu apresentam uma distribuição diferente
no tocante à retomada do objeto direto: o PB apresenta, no fim do século XX, alto índice
de objetos nulos e baixíssimo índice de clíticos, mantendo-se estáveis as outras
estratégias anunciadas; (b) este quadro é resultado de uma mudança linguística que teria
ocorrido nesse período de tempo; (c) o aumento de objetos nulos está intimamente
relacionado à diminuição de clíticos que, por sua vez, é consequência de uma
2
reorganização do sistema pronominal; (d) no fim do século XX, o objeto nulo não
apresenta restrições no PB, expandindo-se aos mais diversos contextos; (e) o contexto de
antecedente [+específico,+animado] como um ambiente de resistência do clítico
confirmando que uma mudança em direção a uma categoria vazia se inicia pelos
contextos [-referenciais,+genéricos]; (f) o SN enraíza como mais uma estratégia de
substituição do objeto direto e (g) se apresenta mais expressiva do que o pronome
nominativo.
O quadro teórico-metodológico que norteia esta pesquisa é a sociolinguística
laboviana sociolinguística variacionista, ou Teoria da Variação e Mudança (Weinreich,
Labov e Herzog, 1968). Basicamente, da Teoria da Variação e Mudança provém a idéia de
que toda língua natural está suscetível a mudanças e que esta, encaixada em outras
alterações no sistema linguístico, passa, antes, por um estado de variação (que pode ser
sistematizado visto que, para usar o termo de WLH (1968), é uma variação ordenada. Da
Teoria de Princípios e Parâmetros, entende-se que toda língua possui princípios rígidos e
parâmetros abertos e variáveis que podem ser marcados positiva ou negativamente a
depender dos dados a que o falante é exposto no momento de aquisição. Interessa-nos
aqui o Parâmetro do Objeto Nulo, que prevê para as línguas com marcação positiva, a
possibilidade de deixar o objeto direto anafórico sem representação fonológica.
Os resultados esperados para que se confirmem as hipóteses acima são (a)
encontrar uma hierarquia geral de distribuição das variantes na qual o objeto nulo é a
estratégia preferencial (b) constatar que as outras variantes supracitadas mantêm-se
estáveis no decorrer do tempo, (c) confirmar e capturar a mudança em direção ao objeto
nulo através do seu percurso de implementação, que (d) obedece a uma hierarquia de
referencialidade, (e) detectar os fatores condicionantes atuantes na mudança, bem como
(f) a falta de restrições a esta variante no PB.
O trabalho está organizado da seguinte forma: o capítulo 1 traz uma revisão das
pesquisas já realizadas contextualizando o objeto direto anafórico na literatura. No
capítulo 2, discorro sobre os pressupostos teóricos que são o norte desta pesquisa e
descrevo a metodologia de análise. O capítulo 3 reserva-se à análise dos dados e
resultados encontrados cabendo aqui a confirmação ou não das hipóteses das quais
3
partiu este trabalho. Por fim, nas considerações finais, finalizo o trabalho apresentando as
conclusões que pude extrair das análises procedidas.
4
CAPÍTULO 1: PONTOS DE PARTIDA
Introdução
Muitas pesquisas, sob diferentes perspectivas teóricas, já retrataram, direta ou
indiretamente as estratégias de substituição do clítico acusativo. Este capítulo se destina a
uma revisão das pesquisas já feitas sobre as realizações do objeto direto anafórico de
terceira pessoa, fenômeno variável e objeto de estudo desta dissertação. Serão
apresentados neste capítulo resultados que, de algum modo, foram considerados
relevantes para o empreendimento desta pesquisa. Primeiramente, na subseção que
segue, apresento alguns resultados de pesquisas e análises realizadas por outros
pesquisadores em trabalhos acadêmicos sobre o PB e que serviram de ponto de partida
para esta pesquisa. Inicio esta revisão com trabalhos que abordam as sincronias atuais na
fala e na escrita, em seguida, faço uma revisão do fenômeno no âmbito da perspectiva
diacrônica e em sincronias passadas.
1.1 O fenômeno do ponto de vista sincrônico
1.1.1 A língua oral
Pode-se dizer que, entre os estudiosos de sintaxe no âmbito da gramática gerativa,
Raposo (1986) foi um dos primeiros a observar a ocorrência de objetos nulos no
português, mais especificamente no português europeu. O autor atribuiu ao fenômeno o
status de variável, um vestígio do movimento de uma categoria vazia para a posição de
COMP, e seu principal argumento reside no fato de as sentenças (1) e (2) abaixo, por
exemplo, não serem possíveis, visto que apresentam estrutura de ilha para movimento.
(1)
*Eu informei à polícia da possibilidade de o Manuel ter guardado ø no cofre da
sala de jantar. (falando sobre jóias)
(2)
*O rapaz que trouxe ø mesmo agora da pastelaria era o teu afilhado. (falando
sobre pastéis)
Sendo as sentenças acima consideradas possíveis no português brasileiro, Galves
(1998) propõe que o objeto nulo é pro.
5
Outros trabalhos, de caráter variacionista, surgiram com o intuito de explorar um
fenômeno sintático que aparentemente diferencia as gramáticas do português brasileiro e
do português europeu. Dentre esses trabalhos, o que serve de ponto de partida para esta
pesquisa é o de Duarte (1986), que por sua vez, foi impulsionado pela dissertação de
mestrado de Omena (1978), pela dissertação de Pereira (1981) e pela tese de
doutoramento de Tarallo (1983). Segundo Duarte (1986), o trabalho de Omena, que trata
diretamente das formas variantes do pronome de terceira pessoa em função acusativa na
fala de informantes não alfabetizados, levanta importantes condicionamentos linguísticos
de natureza sintática e semântica. Deve ser destacado também que não foi encontrada,
na na fala dos analfabetos, nenhuma ocorrência de pronome clítico.
Com o objetivo de dar continuidade aos estudos citados acima, Duarte acrescenta
a este cenário fatores de ordem social e estilística. Em sua dissertação, a autora faz uso de
um corpus composto por gravações de fala natural de 50 informantes paulistanos (cerca
de 40 horas de gravação) e de 8 horas de gravação de fala provenientes da televisão. Para
o controle dos fatores sociais, ou extralinguísticos, que possivelmente influenciariam o
apagamento do objeto já observado por Omena (1978), foram levados em conta o nível
de escolaridade1 (1º grau completo ou incompleto, 2º e 3º graus) e a faixa etária dos
informantes (de 20 a 23 anos, de 34 a 46 anos e acima de 46 anos). Com 3 níveis de
escolaridade e 3 faixas etárias, foram obtidos nove grupos de informantes, ou células,
cada grupo contando com 5 informantes. A fim de observar o fenômeno em uma geração
de fala mais jovem, foi acrescentado mais um grupo com 5 informantes tendo entre 15 e
17 anos e cursando a 8ª série do primeiro grau, totalizando os 50 informantes.
O fator estilístico foi observado através dos diferentes graus de formalidade
provenientes da comparação entre os dados de gravação televisiva. Foram analisadas 4
horas de gravação de episódios de novela e 4 horas de entrevistas, possibilitando a
observação de dois graus distintos de formalidade de fala que atinge e influencia todo o
território do país.
As variantes observadas para a variável objeto direto anafórico foram as seguintes:
1
Os resultados de Omena (1978, apud Duarte, 1986) demonstram que o clítico acusativo não está presente
na competência linguística do falante não escolarizado da área do Rio de janeiro, sendo mais produtivo o
apagamento do objeto (76%) em oposição ao emprego do pronome lexical (24%).
6
o clítico acusativo, o pronome lexical, a categoria vazia (ou objeto nulo), o SN anafórico e
o pronome demonstrativo isso. A fim de complementar e testar os resultados da fala,
Duarte (1986) fez uso ainda de um teste de percepção e de produção com os informantes,
através dos quais foi possível observar a reação dos falantes diante das variantes
analisadas.
Os condicionamentos linguísticos examinados são relativos aos níveis morfológico,
sintático e semântico, e nesta ordem os apresento resumidamente. No nível morfológico
foi observado que o objeto nulo supera todas as outras variantes em todas as formas
verbais, à exceção das construções com gerúndio, que privilegiam o uso de SNs
anafóricos. No nível sintático, o quadro é semelhante demonstrando a supremacia da
categoria vazia. Somente nas construções mais complexas, o objeto anafórico é realizado
sob a forma de pronome lexical, quando este é um SN. É este o caso já mencionado e
chamado pelos gramáticos tradicionais de “dupla função”, onde o objeto se confunde com
o que na verdade, é o sujeito de uma oração infinitiva. Quanto aos condicionamentos
semânticos, observou-se que o traço [-animado] favorece o apagamento do objeto em
qualquer que seja a categoria sintática.
Cade aqui ressaltar a importância de terem sido considerados os SNs anafóricos. A
pesquisadora observou que, aparentemente, os SNs anafóricos parecem obedecer aos
mesmos condicionamentos sintáticos, o que pode indicar uma variante em ascensão. Nas
construções com gerúndio, por exemplo, os SNs anafóricos mostraram-se salientes. Logo,
podemos afirmar que é uma forma que se destaca entre as outras em contextos onde o
objeto nulo seria o mais esperado.
Considerando os condicionamentos sociais, escolaridade e faixa etária, chamou
atenção a total ausência de clíticos na fala dos mais jovens, sendo a variável ascendente
nos demais grupos, não na mesma proporção, de acordo com o aumento do nível de
escolaridade. Mais uma vez, os uso de SNs anafóricos nos níveis mais altos de faixa etária
e escolaridade, chegou a superar o uso do clítico. Ainda assim, o apagamento do objeto
foi a estratégia preferencial por todos os grupos.
Os dados extraídos das novelas e entrevistas de TV confirmaram a preferência pelo
objeto nulo e o baixo percentual de clíticos constatados na fala natural. No entanto, mais
7
uma vez, o SN anafórico aparece saliente, chegando a ultrapassar, nas entrevistas de TV
(40,3%), a soma dos percentuais de fala natural (14,6%) e de novelas (16,2%), se
apresentando como concorrente do objeto nulo (47,2%). O pronome lexical parece ser
mesmo uma variante estigmatizada no contexto televisivo, pois apresentou porcentagem
mínima na fala de entrevistas (1,1%). Por fim, os testes de percepção e produção
mostraram o que já se esperava: que o uso do objeto nulo é aceito em todos os contextos
com certa naturalidade, exceto em casos de traço semântico [+animado], onde a
preferência também não é pelo clítico, mas pelos SNs anafóricos, principalmente nos
níveis mais altos de escolaridade.
Seguindo o percurso iniciado pelos trabalhos já citados aqui, outros pesquisadores,
em diferentes partes do Brasil, e sob diferentes perspectivas, analisaram dados sobre o
fenômeno na busca de uma visão mais abrangente do que se observou inicialmente: a
diminuição do uso do clítico, que é uma variante advinda da escolarização, e o aumento
da categoria vazia para representação do objeto direto anafórico de terceira pessoa. Nas
tabelas a seguir são apresentados os resultados de alguns destes trabalhos, primeiro com
falantes não-escolarizados e em seguida com falantes com 2 ou 3 níveis de escolarização.
Tabela 1.1: Objeto direto anafórico na fala de indivíduos não escolarizados
Pesquisas
OMENA
1978 – RJ
PARÁ
1997 – RJ
F. SILVA
2004 - BA
Instrução
Analfabetos
Analfabetos
Analfabetos
0%
0%
0%
_
24%
16%
Obj. Nulo
76%
63%
72%
Pronome
24%
14%
12%
Total
100%
100%
100%
Clítico
SN
Temos acima, além dos resultados de Omena (1978), os resultados de Pará (1997)
oriundos da fala de pescadores do Norte Fluminense e os de Figueiredo Silva (2004)
baseados no uso observado em quatro localidades do interior da Bahia, comunidades
quilombolas, que viveram em relativo isolamento. O que havia sido observado por Omena
(1978) e Duarte (1986) foi confirmado nas outras pesquisas com analfabetos, cuja
relevância está no fato de, mesmo estando os informantes afastados dos grandes centros
8
(o trabalho de Figueiredo Silva busca no português afro-brasileiro uma possibilidade de
vestígio de uma crioulização que teria formado a variedade do português falado no
Brasil), os resultados se assemelharam aos encontrados também nas outras áreas do
território brasileiro.
A tabela mostra, logo na primeira linha, a completa ausência do clítico, estratégia
considerada padrão, entre os dados dos três pesquisadores. O SN, variante destacada por
Duarte (1986), não foi observada por Omena (1978), e nos trabalhos de Pará (1997) e
Figueiredo Silva (2004), esta variante aparece na segunda posição. A variante com índices
notavelmente mais robustos, em todas as pesquisas, foi o objeto nulo alcançando 76%
nos resultados de Omena (1978), 63% nos resultados de Pará (1997) e 72% em Figueiredo
Silva (2004). O pronome lexical, como era de se esperar na fala de analfabetos,
apresentou índices consideráveis de ocorrências nas três pesquisas. Abaixo, seguimos
apresentando resultados de pesquisas cujos informantes apresentam dois ou três níveis
de escolaridade.
Tabela 1.2: Realização do Objeto direto anafórico na fala de indivíduos escolarizados
Pesquisas
DUARTE
1986 - SP
MALVAR
1992 – DF
LUÍZE
1997 - SC
AVERBURG
1998 - RJ
FREIRE
2000 - RJ
BALTOR
2003 - PB
Instrução
3 níveis
2 níveis
3 níveis
3 níveis
NURC
2 níveis
Clítico
5%
1%
1%
1%
3%
4%
Pronome
15%
25%
9%
15%
4%
28%
SN
17%
28%
36%
41%
34%
22%
Obj. Nulo
63%
46%
54%
43%
59%
46%
Total
100%
100%
100%
100%
100%
100%
Na tabela 1.2, temos os resultados de Duarte (1986) para a fala dos paulistanos,
Malvar (1992) para a fala culta do Distrito Federal, Luíze (1997) para a de Santa Catarina,
Averburg (1998) e Freire (2000) para a fala culta carioca e Baltor (2003) para a fala culta
da Paraíba. Temos um quadro não muito diferente do já apresentado na tabela 1. O uso
do clítico se apresenta reduzido (5% em Duarte (1986), 1% em Malvar (1992), Luize (1997)
e Averburg (1998), 3% em Freire (2000) e 4% em Baltor (2004)) em comparação às outras
estratégias, e a preferência é, sem dúvida, pelo objeto nulo (sempre com mais de 50% das
ocorrências). Um concorrente em potencial, como bem observou Duarte (1986) são os
9
SNs anafóricos, que se tornaram estratégias alternativas ao uso do clítico e mais se
aproximam do percentual de objetos nulos com percentuais de 17%, 28%, 36%, 41%, 34%
e 22% respectivamente. Quanto ao pronome lexical, que, de fato, não é recomendado
pelos gramáticos tradicionais, os índices foram mais altos do que os encontrados para o
uso do clítico, estratégia recomendada pelas gramaticas prescritivas. Foram encontrados
15%, 25%, 9%, 15%, 4% e 28% de ocorrências desta variante nos trabalhos supracitados.
O que se deve observar nos resultados que constam nas tabelas 1.1 e 1.2 é a
preferência pela categoria vazia em todas as pesquisas, a mínima ocorrência de clíticos na
fala de escolarizados e a total ausência na fala dos analfabetos. Fica confirmada a
liberdade do objeto nulo no português brasileiro.
Destaco, dentre os citados acima, Freire (2000), que analisa na fala de
universitários brasileiros e portugueses as estratégias de substituição do clítico de terceira
pessoa nas funções acusativa, dativa e reflexiva. Nesta revisão, aludo somente aos dados
relativos à função acusativa. Segue uma tabela que demonstra claramente a distribuição
das variantes.
Tabela 1.3: Realização do objeto direto anafórico na fala do PE e do PB (Freire, 2000)
VARIANTE
Clítico
Pron. lexical
SN anafórico
Objeto Nulo
Total
Variedade
Nº
%
Nº
%
Nº
%
Nº
%
Nº
%
PB
4
3
5
4
40
34
68
59
117
100
PE
48
44
-
-
27
25
34
31
109
100
Em relação ao PB, os números acima, além de ratificarem os resultados anteriores
sobre o pouco uso de clíticos (3%) e a preferência pela categoria vazia (59%), demonstram
o alto percentual de ocorrência de SNs anafóricos (34%), trazendo à luz mais dados
empíricos em favor da implementação do objeto nulo e dos SNs, visto não apresentarem
sinal de rejeição por falantes universitários, como ocorre com o pronome lexical (com
apenas 4% de ocorrências). O baixo percentual de clíticos é atribuído ao fato de não
fazerem parte dos dados input na aquisição da “língua materna”, sendo aprendido como
segunda língua, na escola. Freire (2000) atenta ao fato de que a perda do clítico pode
estar propiciando a implementação das duas formas em ascensão.
10
Quanto ao PE, o clítico aparece como forma preferencial (48%); no entanto, os
dados mostram que a categoria vazia (31%) e os SNs (25%) também estão presentes na
fala dos universitários. Um exame mais cuidadoso das variantes, observando a estrutura
do antecedente do objeto, revela que o clítico no PB está restrito aos objetos cujo
antecedente é um SN e o objeto nulo é a preferência de retomada de qualquer
antecedente. Já no PE, na retomada de todos os tipos de estrutura podemos nos deparar
com a presença do clítico. No entanto, com antecedente predicativo ou oracional o objeto
nulo aparece com maior percentual (67 % e 70%).
Mais adiante, considerando a linha do tempo Marafoni (2004) em um estudo em
tempo real de curta duração da fala popular carioca, observou as realizações do objeto
direto anfórico buscando observar a mudança na marcação do Parâmetro do Objeto Nulo.
Ela monitorou a fala dos mesmos informantes na década de 80 e posteriormente, no ano
2000 sendo consideradas as mesmas variantes das pesquisas aqui citadas. Os dados gerais
obtidos neste estudo mostram que, no conjunto, a hierarquia encontrada em Duarte
(1986) e nos outros trabalhos aqui resumidos foi mantida: o objeto nulo como estratégia
preferencial (67,3%), seguido do uso do SN anafórico (19%). O pronome lexical teve 13%
das ocorrências e o clítico apresentou percentual menor que 1%, sendo as três únicas
ocorrências da década de 80 provenientes de informantes de faixa etária mais elevada.
O diferencial dos resultados levantados por Marafoni (2004) está no fato de, no
segundo contato, dois informantes terem aumentado o nível de escolaridade, o que
resultou na quebra da hierarquia até então observada. Abaixo reproduzimos uma tabela
que apresenta o fenômeno relacionado à manutenção ou não do grau de escolaridade.
Tabela 1.4: Realização do objeto direto anafórico em estudo painel segundo a escolaridade do falante
(Marafoni, 2004)
Objeto Nulo
SN anafórico
Pron. Lexical
Clítico
Total
Mudaram
Escolaridade
353 (73,7%)
46 (9,6%)
72 (15%)
08 (1,7%)
479 (100%)
Mantiveram
Escolaridade
659 (64,2%)
240 (23,4%)
124 (12,1%)
03 (0,3%)
1026 (100%)
Total
1012 (67,3%)
286 (19,0%)
196 (13,0%)
11 (0,7%)
1505 (100%)
A Tabela 1.4 surpreende por apresentar quebra da hierarquia entre as variantes
11
nos dados de indivíduos que elevaram o nível de escolaridade passando o uso de
pronome lexical para segunda estratégia de preferência (15%) e empurrando o SN
anafórico para o terceiro lugar (9,6%). O mesmo não aconteceu com aqueles que
mantiveram o nível, que mantiveram a regularidade na representação da variável aqui
descrita.
A pesquisadora apresenta duas possíveis explicações para esses falantes
demonstrarem preferência pelo pronome lexical e pelo objeto nulo em detrimento do uso
do SN: os informantes representantes do grupo que elevou o nível de escolaridade
pertenciam à faixa etária mais jovem no primeiro momento (década de 80). O fato de ter
aumentado o número percentual de falantes, ao contrário do que pode parecer,
demonstra que mantiveram seu comportamento linguístico no segundo período
analisado. Outra explicação, pode estar relacionada ao fato de essa variante aparecer
preferencialmente em estruturas complexas com a função real de sujeito (e não uma
suposta dupla função, defendida pelos tradicionalistas).
Marafoni (2004), além de confirmar os condicionamentos estruturais das outras
pequisas, chama atenção para a implementação do objeto nulo em ambientes que ainda
se mostram mais resistentes a esta variante, como antecedente exercendo função
diferente da sua (alcançando 27%) e traço semântico [+animado] do referente (52%).
Nesta seção foi feita uma retomada dos principais resultados de estudos
variacionistas de caráter sincrônico que focavam a representação do objeto direto
anafórico na modalidade falada da língua e que serão relevantes para o presente estudo.
1.1.2 A língua escrita
Seguindo a mesma linha de trabalho e tendo sido constatada na fala a preferência
pelo uso do objeto nulo, Cyrino (2001) analisa o objeto nulo em um corpus constituído
por anúncios de revistas portuguesas (VISÃO, que se equipara à brasileira VEJA, QUO,
ADOLESCENTES e PAIS & FILHOS) e brasileiras (VEJA, CLÁUDIA, DOMINGO e VEJA RIO, as
duas últimas são revistas de variedades que vêm encartadas na revista VEJA e no JORNAL
DO BRASIL). A autora chama a atenção para a grande diferença de ocorrência de objetos
nulos entre o PB (76% - 19 dados) e o PE (3% - 1 dado) sendo que no PE, o único objeto
12
nulo encontrado, está na sentença (3), com verbo no imperativo2, reproduzida abaixo. A
autora destaca também que, em PB, estruturas com verbo no imperativo não tendem a
apresentar o objeto preenchido, o que é o comum no PE conforme o exemplo (4)
transcrito abaixo:
(3)
Preencha os seus dados, cole [o cupão]i num postal dos CTT e envie øi para a
promoção QUO/NIVEA FOR MEN, Rua Filipe Folque 40 - 2o , 1069-124 Lisboa. (PE)
(4)
Envie [o seu Donativo]i em Cheque ou Vale Postal A/C Federação Portuguesa de
Desporto para Deficientes. Largo Cristóvão Aires, 1 A-B, 1700-126 Lisboa. Ou
deposite-oi no Banco BPI, S.A. (PE)
Para o PB foram encontrados objetos nulos como no exemplo (5) abaixo, que não
se encontra no PE:
(5)
[Lentes de contato]i: AGORA, VOCÊ PODE ESQUECER øi. NIGHT & DAY da Vision é a
maior inovação em lentes de contato de uso contínuo para miopia dos últimos
tempos! As únicas que VOCÊ usa por 30 noites e dias sem precisar tirar ø i nem
para dormir. (PB)
Também característico do PB, a autora aponta objeto nulo em 2a. coordenada,
que, segundo Kato (1993), não ocorre em PE, como mostra o exemplo (6). Não houve
nenhum exemplo de objeto nulo em coordenadas com verbos que não estivessem no
modo imperativo:
(6)
No Dia dos Namorados, Baileys começa [a história]i. A sua imaginação termina øi.
(PE)
Quanto ao objeto proposicional, no PE, não foi encontrado nenhum objeto nulo.
Todos são preenchidos pelo clítico neutro, como no exemplo (7) abaixo. Em contrapartida,
no PB, a autora se deparou somente com exemplos como (8).
(7)
Está provado que [Colgate Total é o primeiro e único dentifricio que protege acima
e abaixo da linha da gengiva]i, criando um escudo protector durante, pelo menos,
12 horas. E não importa quanto tenha comido ou bebido. Os testes clínico
comprovam-noi de forma evidente. (PE)
2
Kato (1993, apud Cyrino 2001) também propõe o exopro, um objeto nulo em contextos especiais de
comandos, ou receitas, que é o caso do verbo no imperativo, podendo ocorrer em outras línguas, como no
inglês: Send ø by mail.
13
(8)
Temos que admitir øi as coisas estão cada vez melhores. (PB)
Passando à observação do traço de animacidade, sempre relevante ao se estudar o
objeto direto anafórico como bem demonstram as análises apresentadas até o presente
momento, no PB, dos 24 antecedentes inanimados, 19 foram objeto nulo e os 5 restantes
dividiram-se entre 2 exemplos preenchidos por clíticos, 1 com repetição de SN e 2 com
pronome demonstrativo. A única ocorrência de antecedente animado (9) foi um caso de
preenchimento com clítico, ratificando a preferência deste pelos antecedentes com traço
[+animado]. Para o PE, foram computados 21 antecedentes inanimados, sendo somente
um objeto nulo, exatamente o exemplo com imperativo. Como era de se esperar, todas as
ocorrências com antecedente animado apresentaram-se preenchidas por clítico.
(9)
No segundo Grau, [o aluno]i começa a ser preparado para ingressar no mercado de
trabalho. Palestras sobre orientação vocacional, ministradas por professores
gabaritados e atuantes na área, ajudam a sintonizá-lo com o futuro, ou seja, com
sua vida profissional.
Cyrino (2003) busca responder a pergunta: a queda dos clíticos ocasiona o
aparecimento do objeto nulo? A pesquisadora pretende mostrar que a queda de clíticos
no PB e a ocorrência de objetos nulos são fatos independentes, sendo ambos os
fenômenos conseqüências de um princípio mais geral, uma espécie de princípio "Evite
Pronome"3, que estaria agindo na posição de objeto4. Os clíticos acusativos que estão
desaparecendo no PB são os clíticos de 3ª pessoa, e o objeto nulo sempre ocorre em
substituição a esses clíticos, já que não é possível de se dizer o mesmo dos clíticos
acusativos referentes às outras pessoas, o que faz das sentenças (10) e (11) abaixo
agramaticais em PB:
(10)
*Se [você]i quiser, eu encontro øi na padaria.
(11)
*[Eu]i telefonei para a Maria e ela encontrou øi no cinema.
3
De acordo com Duarte (2000), o crescente preenchimento da posição de sujeito no PB é conseqüência da
perda do princípio "Evite Pronome" explicitado em Chomsky (1981:65), de acordo com o qual, no caso do
sujeito, o pronome pode ser "evitado" porque há, nas línguas pro-drop, outro meio de recuperar a sua
referência, ou seja, através da "morfologia verbal rica".
4
No caso do objeto, os clíticos de 3ªpessoa podem ser "evitados" no PB por ocupar uma posição baixa na
hierarquia de referencialidade (cf. Cyrino, 2003).
14
O princípio "Evite Pronome" seria aplicado a elementos mais baixos na hierarquia
de referencialidade. No caso da posição de objeto, isto aconteceria, especificamente, com
antecedentes [-animado]. De acordo com Cyrino, Duarte e Kato (2000), ocupam a posição
mais alta na hierarquia os argumentos [+N,+humano], ficando na posição mais baixa os
não-argumentos e as proposições. Quantos aos pronomes, o falante (=eu) e o ouvinte
(=você), sendo inerentemente humanos estão na posição mais alta da hierarquia e o
pronome de 3ª pessoa que se refere a uma proposição (o clítico “neutro”) ocuparia a
posição mais baixa, estando a entidade [-humano] no meio. Os traços [+/- específico]
interagem com todos esses traços. Desse modo, o estatuto referencial do antecedente
configura um dos fatores relevantes para uma língua que tem uma opção interna para
categorias vazias ou preenchidas. Veja o esquema abaixo que representa a escala de
referencialidade:
HIERARQUIA REFERENCIAL
Não-argumentos
proposições
[-humano]
3ªp.
[+humano]
3ª p. 2ªp. 1ªp.
[-específico] [+específico]
[-referencial+ ← --------------------------------------------------------------- → *+referencial+
Nota-se pelo esquema que os não argumentos e as proposições, seguidos do
pronome de terceira pessoa, se encontram em lado oposto ao traço [+humano], sendo
estes os [+específicos], logo, mais resistentes à categoria vazia. De acordo com essa
hierarquia, em um processo de apagamento de pronome, quando o antecedente é [animado] e [-específico], ocupando uma posição muito baixa na hierarquia da
referencialidade, temos uma tendência ao objeto nulo, o que está plenamente de acordo
com os resultados de Omena (1978) e Duarte (1986) entre outros.
Ainda no âmbito da escrita e considerando a aplicabilidade da hierarquia de
referencialidade, Freire (2005) faz um estudo comparativo dos clíticos acusativo e dativo
na escrita brasileira e lusitana analisando um corpus composto por duas amostras, uma
para o português brasileiro e outra para o português europeu, com textos de jornais e de
revistas brasileiros e portugueses segundo um continuum de maior ou menor
15
formalidade. O autor pretende investigar a realização do acusativo e do dativo anafóricos
de terceira pessoa na escrita a partir de um contínuo oralidade-letramento, a fim de
capturar a tendência de uso dessas formas dentro da modalidade escrita do PB e do PE e
observar até que ponto as mudanças apontadas sobre os clíticos de terceira pessoa na
modalidade oral se encontram implementadas na escrita, além de relacionar as
estratégias de substituição do clítico ao modo de aquisição da escrita do letrado brasileiro.
A tabela abaixo ilustra os resultados encontrados para as duas variedades:
Tabela 1.5: Realização do objeto direto anafórico na escrita do PE e do PB (Freire, 2005)
Variedades
Clítico
Pron. lexical
SN anafórico
Objeto nulo
PB
189/406
47%
32/406
8,00%
58/406
14%
127/406
31%
PE
282/366
77%
-
-
40/366
11%
44/366
12,00%
A distribuição dos dados representada pelos números acima não deixa dúvidas
quanto à influência da escrita representada pelo elevado percentual de clíticos, inclusive
no PB (47%). No PE, como era de se esperar devido à já conhecida preferência pelo clítico,
foi registrado percentual de (77%) de clíticos. Portanto, na modalidade escrita das duas
gramáticas, o clítico é a estratégia mais usada. O pronome lexical não apareceu no PE, o
que também era esperado e computou apenas 8% dos dados do PB; o SN anafórico,
também não muito expressivo, foi a terceira opção com percentuais de 15% para o
português brasileiro e 11% para o português europeu. O objeto nulo seguiu o clítico com
percentual de 31% na amostra do PB e 12% na amostra do PE. Note-se que a influência da
escrita fez decrescer o percentual de objetos nulos que, nas pesquisas realizadas a partir
de dados de fala, era sempre superior a 50%. O interessante de se observar nas pesquisas
de Freire (2000) e Freire (2005) é o fato de o percentual de 47% de clíticos na escrita do
PB estar relativamente próximo ao encontrado para a fala lusitana em Freire (2000), que
foi de 44%. O índice de 47% de clíticos, ainda que alto, pode nos causar uma falsa
impressão escondendo a emergência das outras variantes. No entanto, se somarmos os
percentuais de SNs (14%), pronome lexical (8%) e de objeto nulo (31%), a diferença com
relação ao clítico cai para apenas 6% indicando as variantes citadas como estratégias
alternativas ao objeto nulo.
Com relação às condições de oralidade e letramento, um dos focos da pesquisa de
16
Freire, no português europeu, o clítico apareceu robusto em todos os pontos do
continuum oralidade-letramento e em qualquer contexto. Em contrapartida, para o
português brasileiro o traço de [+ letramento] foi o que se mostrou mais favorável ao
clítico, e preferencialmente em contexto de ênclise ao infinitivo. Este foi o único contexto
no qual Freire (2000) encontrou o pronome acusativo na fala, o que, segundo o autor,
indica ser essa a estrutura que mais favorece a recuperação do clítico acusativo através do
processo de letramento. Conforme demonstra a tabela 5, confirmou-se, no PB, a
implementação das variantes alternativas ao uso do pronome acusativo na escrita, visto
que, somadas, representam mais da metade do total de dados, sendo o objeto nulo a
variante mais expressiva. Quanto ao traço semântico do antecedente do acusativo
anafórico constatou-se o previsto pela hierarquia referencial proposta por Cyrino, Duarte
e Kato (2000). Os percentuais retrataram maior incidência de objeto nulo com
antecedentes menos referenciais e o contrário, ou seja, menor incidência com os mais
referenciais, sobretudo com aqueles com traço [+ animado], revelando-os como um dos
contextos que mais favorecem a manutenção do clítico na escrita. De um modo geral, a
pesquisa de Freire (2005) contribui para os estudos acerca do clítico e do objeto nulo ao
colocar em foco, analisando a diferença de freqüência e de comportamento dos clíticos
acusativo e dativo na escrita do PB e do PE, a natureza da escrita do adulto letrado
brasileiro e a maneira como esse conhecimento é obtido.
Voltando à discussão sobre o estatuto do objeto nulo, o autor conclui que há
indícios de que os clíticos acusativo e dativo não possuem o mesmo estatuto nas duas
variedades, visto que no PB fica explícita a influência da ação escolar na escolha da
variedade considerada padrão. São fornecidos argumentos em favor da hipótese de
Galves (1993, 2001, apud Freire, 2005) sobre o enfraquecimento da concordância no PB.
Nessa perspectiva, os clíticos de terceira pessoa, tão ausentes na fala são recuperados na
escrita, porém, com muitas restrições estruturais. O contrário observa-se no PE, onde
esses clíticos são amplamente empregados nas duas modalidades, escrita e oral, o que, de
acordo com a hipótese da autora, comprova o sistema de concordância rica do PE.
Cabe também citar a análise da escrita escolar feita por Averburg (2000). A autora
analisa textos produzidos por estudantes do ensino fundamental e médio e observa que
conforme aumenta o nível de escolaridade, cresce o uso do clítico acusativo e diminui o
17
emprego do pronome pessoal do caso reto em função acusativa. Este resultado leva a
entender que o processo de escolarização leva o aluno a utilizar o clítico e rejeitar o
pronome nominativo em função acusativa. Quanto ao objeto nulo, aparece como a
variante mais utilizada até o ensino médio, cedendo espaço ao clítico ao SN anafórico
quando o estudante alcança o nível universitário. A relevância desta pesquisa está na
confirmação do papel da escola no resgate do pronome clítico acusativo de terceira
pessoa.
1.2 O fenômeno do ponto de vista diacrônico
Buscando uma visão mais abrangente sobre o objeto nulo, Cyrino (1997) inicia
uma longa empreitada que vai do século XVI, da chegada da língua portuguesa no Brasil,
até o século XX, quando, segundo os estudiosos da norma como Pagotto (1998) já se
encontra fixada uma norma brasileira. A autora, calcada em diversas pesquisas como a de
Duarte (1986), que atenta para a substituição do clítico acusativo de terceira pessoa pelo
objeto nulo, investiga a mudança pela qual passa a marcação do Parâmetro do Objeto
Nulo a partir de dados encontrados em corpus composto por duas amostras: uma
composta por peças teatrais populares (escritas entre os séculos XVIII e XX) e outro
composto por poesias satíricas, modinhas e comédias escritas por autores populares
entre os séculos XVI e XVII. A não homogeneidade no gênero dos textos deveu-se à
dificuldade de se encontrar peças teatrais escritas nos primeiros séculos analisados.
Esta pesquisa traz à tona os diversos processos que estão envolvidos na questão
do objeto nulo, a saber: a diminuição da frequência do clítico acusativo de terceira pessoa
paralela ao aumento de ocorrências de objeto nulo; o surgimento, no século XIX, do
pronome lexical; uma mudança no paradigma pronominal do PB e a elipse de VP, um
processo que pode ser confundido com o objeto nulo (cf. Raposo, 1986; Kato, 1991;
Huang, 1991).
O resultado da análise diacrônica dos dados aponta que o português que chegou
ao Brasil já apresentava a elipse sentencial, analisada na proposta da autora como
estrutura de reconstrução de DP/NP em FL. Segundo Cyrino (1997: 199):
18
“a emergência do objeto nulo no PB, isto é, a mudança diacrônica, ocorreu
quando a possibilidade da ocorrência do processo de 'reconstrução' em FL e
'inaudibilia' em FF, isto é, elipse, se estendeu para objetos cujo antecedente
era [-animado].”
Esta pesquisa elucida a relação entre o clítico acusativo de terceira pessoa e o
objeto nulo: no século XVI, já ocorria variação entre o clítico neutro “o” e a elipse de
objetos sentenciais; porém, diante dessas duas estratégias o falante preferia o clítico
neutro. Uma mudança fonológica na direção da cliticização teria ocorrido no PB, no século
XVII, que teria impossibilitado a ocorrência de objetos nulos em certos contextos. Vale
ressaltar que esta mesma mudança não teria ocorrido no PE. Em decorrência dessa
mudança, diminui o número de clíticos neutros, já que o falante tem à sua disposição a
elipse sentencial. A autora entende que o falante, a fim de evitar os contextos em que o
clítico não era permitido, prefere a opção não realizada, já que estaria dizendo a mesma
coisa com ou sem o clítico. No século seguinte, a autora constata um aumento nas
ocorrências de elipse sentencial configurando uma mudança na evidência positiva, que
passa a tender para a elipse do objeto. No século XIX, a partir de mais um aumento da
opção não realizada em comparação ao clítico, conclui-se que, como resultado de
"reconstrução em FL", a criança produz objetos nulos específicos com antecedente [animado] da mesma forma que produz elipses sentenciais (que seriam também, como já
aludido acima, um caso de reconstrução em FL). Como mais uma opção de realização,
surge na amostra de Cyrino (1997), neste mesmo século, o pronome tônico (ou pronome
lexical).
Segundo Cyrino (1997), o percurso de implementação do objeto nulo foi
licenciado, inicialmente, pelos contextos predicativos/oracionais, desde o século XVI,
sendo
posteriormente
atingido
o
antecedente
[-animado].
O
antecedente
[+animado]/[+humano] ofereceu resistência ao objeto nulo. Ainda que a hierarquia de
referencialidade proposta por Cyrino, Duarte e Kato (2000) não tenha sido considerada na
pesquisa de Cyrino (1997), os contextos de implementação se encaixam perfeitamente no
padrão da hierarquia: os primeiros aceitarem o objeto nulo são os menos referenciais e os
últimos os correspondentes ao mais referenciais.
Kato, Duarte, Cyrino e Berlinck (2006), retomando Cyrino (1997) e Duarte (1993),
19
que analisaram corpus composto por peças, além de confirmarem em suas análises a
aplicabilidade da hierarquia de referencialidade na implementação da mudança em
relação a categoria vazia, corroboram os resultados dos trabalhos supracitados. Segundo
as autoras, a mudança atinge primeiramente a posição nula cujo antecedente é
proposicional, seguindo-se ao antecedente predicativo, como no exemplo e, finalmente, o
objeto nulo com um SN [-específico] como antecedente. O mais interessante desse
trabalho reside no fato de terem sido encontrados, no século XIX, número elevado de
objetos nulos com antecedente [+específico, -humano], reproduzido em (12) um tipo
característico do século XIX segundo os dados de Cyrino (1997).
(12)
Uma agência me indicou um [sobrado]i na Praia Fermosa, por cima de um
açougue, mas o dono não quis alugá øi. (1891)
No século XX, o maior número de objetos nulos recai sobre o antecedente
[-humano]. Quando o antecedente é [+humano], o pronome tônico é o mais cotado para
substituir o clítico. Kato, Duarte, Cyrino e Berlinck (2006), além de relacionar, com base
em Tarallo (1993), as mudanças ocorridas na virada do século, trazem, mais
especificamente sobre o objeto nulo e o sujeito preenchido um exemplo empírico de
aplicação da escala de referencialidade em um contexto de mudança.
Para dar continuidade às investigações acerca do fenômeno do objeto nulo, Cyrino
e Reich (2002) observam o fenômeno em anúncios de jornais do século XIX. Neste artigo,
os autores procuram elucidar, a partir da integração de perspectivas sintáticas, fonológicas
e variacionistas, um fenômeno que carateriza o Português Brasileiro dentro das línguas
românicas: a ausência de pronomes clíticos acusativos de terceira pessoa. Mais
especificamente, buscam explicar a mudança no PB em relação à queda dos clíticos, que é
atribuída a uma mudança fonológica ocasionada pelo contato plurilíngue, tendo este
ocasionado uma mudança no ritmo do PB, e ao surgimento do objeto nulo. Numa
perspectiva gerativa, para qual a mudança linguística ocorre na aquisição da linguagem, o
objeto nulo é fruto de uma reanálise diacrônica que possibilita à criança a aquisição de
um ritmo específico para o PB que permite a queda, ou a não expressão, do clítico de 3ª
pessoa. Cabe lembrar que Cyrino (2003) salienta o fato de o objeto nulo estar ligado
especificamente à queda dos clíticos de terceira pessoa, visto serem estes os que estão
20
desaparecendo no PB. Os autores também apontam como consequência desta mudança
rítmica o aumento na ocorrência do pronome lexical de 3a. pessoa (ele/ela) na posição de
objeto.
Cyrino (2007) analisa cartas de leitores publicadas na imprensa de vários estados
brasileiros (Bahia, Minas Gerais, Rio de janeiro, São Paulo e Paraná) no século XIX. A
autora dividiu os dados em três fases: 1ª fase - 1808 a 1840; 2ª fase - 1841 a 1870 e 3ª
fase - 1871 a 1900. Em todos os estados foram encontrados objetos nulos, sendo esta
variante mais expressiva no estado de São Paulo, e menos na Bahia. Observando os dados
de todos os estados na linha do tempo, não houve aumento nas ocorrências de objeto
nulo, sendo os percentuais de 13%, 14% e 16% respectivamente para a 1ª, 2ª e 3ª fase. A
distribuição dos objetos de Cyrino (2007) se assemelha à de Duarte (1986), é claro que
este com maior incidência de objetos nulos, por tratar-se de fatos de língua oral do século
XX.
O traço de animacidade seguiu a tendência das outras pesquisas e o objeto nulo é
predominantemente de traço [-animado] (em um total de 67 objetos nulos, 60 são
inanimados). Observando o tipo de objeto nulo, a autora comprovou o que propusera em
Cyrino (1997). O contexto proposicional foi um dos primeiros a licenciar o objeto nulo no
PB. A tabela 6 reproduzida abaixo descreve a ocorrência ou a ausência de clíticos e proforma.
Tabela 1.6: Realização do objeto direto anafórico nos dados diacrônicos de Cyrino (2007)
Tipo de ocorrência
Ausência
Presença
Total
N
%
N
%
N
%
Clítico “o” neutro
24
41
35
59
59
100
Outro clítico acusativo
38
10
331
90
369
100
Pro-forma “fazer+o”
3
10
28
90
31
100
A partir desses dados nota-se que os percentuais de presença (59%) e ausência
(41%) do clítico neutro são bastante próximos, corroborando o encontrado em Cyrino
(1997) que aponta ser o antecedente proposicional, juntamente com o predicativo, os
que, desde o século XVI, apresentam variação entre o uso do clítico e do objeto nulo,
passando este último a generalizar-se na variedade brasileira a partir do século XIX, e
21
aquele já pouco ocorrendo neste mesmo século. De acordo com a mesma pesquisa, este
tipo de objeto já não faz mais parte da intuição do falante, e por essa razão, raramente
ocorre na língua escrita. Os números acima mostram que, no século XIX, o objeto nulo já
estava disponível na língua, dada a variação demonstrada na Tabela 1.6. Este fato se
encaixa na hierarquia de referencialidade mencionada acima, visto que os antecedentes
proposicionais ocupariam a posição mais baixa na escala de referencialidade, logo, seriam
os mais suscetíveis à mudança em direção a uma categoria vazia, neste caso, o objeto
direto. A autora apresenta evidências de que devam ser aprofundados os estudos da
ocorrência de objetos nulos como sendo uma consequência da queda do clítico neutro
“o”. Fica claro que ainda faltam respostas para a elucidação do fenômeno do objeto nulo,
principalmente devido aos recorrentes casos de antecedente [+animado], que não raro
aparecem nas pesquisas5, apesar da aparente restrição que este contexto apresenta para
o objeto nulo. Um olhar mais atento para este ponto, nos leva a observar que os
antecedentes com traço [+animado] exercem a função de sujeito, também um contexto
de aparente restrição ao objeto nulo. Por fim, é destacada a necessidade de investigação
acerca dos requisitos que licenciam o objeto nulo, além de mais dados diacrônicos para
que as pesquisas avancem no entendimento desta característica do português brasileiro: a
ausência de clíticos acusativos de terceira pessoa e a ocorrência aparentemente livre de
objetos nulos.
Seguindo com a apresentação de análises do fenômeno em cartas, temos agora os
resultados de Soledade (2010) acerca da variação nas realizações do objeto direto em
representação anafórica. Foi analisado um corpus composto por cartas escritas por
personalidades consideradas ilustres e enviadas a Rui Barbosa durante a segunda metade
do século XIX. A Tabela 1.7 abaixo ilustra a distribuição das variantes.
Tabela 1.7: Realização do objeto direto anafórico em cartas de ilustres a Rui Barbosa (Soledade, 2010)
Estratégias
Clítico
SN
Pronome demonstrativo Objeto Nulo
Oco. Total (%)
40/84 (48%)
5/84 (6%)
7/85 (8%)
32/84 (38%)
5
Cyrino (2002) encontra um alto percentual de objetos nulos neste contexto, mas justifica com o fato de os
anúncios de jornais que foram analisados serem, em grande parte, referentes a escravos fugidos, portanto,
com antecedente [+animado/+específico].
22
Como se pode observar, de modo geral, o clítico ainda é a opção preferida como
retomada do objeto direto na escrita de ilustres tendo sido computadas 40 ocorrências
registrando 48% dos dados. No entanto, o objeto nulo não aparece tímido, registrando 32
ocorrências de um total de 84 dados (38%), ao contrário do que demonstram os números
correspondentes às outras variantes.
A respeito da restrição apontada por Raposo (1986) sobre as ilhas, de fato não
foram registradas ocorrências da variante em orações completivas de nome e relativas;
todavia, a variante objeto nulo está presente em 35% das orações adjuntas conforme
demonstra o exemplo (13) que representa uma elipse do clítico neutro (a que Cyrino,
1997 já classificou como objeto nulo) em uma oração adjunta. Estes resultados nos levam
a inferir que os contextos de ilhas sintáticas não oferecem resistência ao ON no PB.
(13)
Não vão [os regulamentos]i pois ainda não existem impressos aqui e porque não
fazes grande empenho em tel-os, mas logo que aparecer encomendarei øi a meu
mano Pedro para te enviar øi. (carta 13, Salvador Antonio Moniz)
Ainda no âmbito da sintaxe, um outro fator que se faz relevante e licencia o objeto
nulo é a função sintática do antecedente retomado. Os primeiros trabalhos que
observaram a substituição do clítico acusativo pelo objeto nulo (Duarte, 1986; Cyrino,
1997, entre outros) apontaram o antecedente com a mesma função como um contexto
favorecedor da categoria vazia. Marafoni (2004) observou que essa estratégia ganha
espaço no PB oral mesmo quando seu antecedente exerce função sintática diferente da
de objeto direto. No entanto, segundo Kato e Raposo (2001) o objeto nulo no português
sofre restrições quando o antecedente se encontra em uma posição argumental com
função de sujeito. Soledade (2010), constatou que, de fato, a função do antecedente
igual, ou seja, de objeto direto, é favorecedora da categoria vazia, conforme o exemplo
(14), correspondendo a 55% das ocorrências. A função de predicativo demonstrada em
(15), apresentou alto índice de ocorrência desta variante (67%), mais uma vez,
corroborando Cyrino (1997). Quanto à função de sujeito, a porcentagem de clíticos é
bastante superior à de objeto nulo (73% e 20%), mas os casos registrados nos apontam
que a função de sujeito não oferece resistência ao objeto nulo, contrariando Kato e
Raposo (2001). O exemplo (16) traz os dois casos: o antecedente os regulamentos é
23
retomado primeiro pelo clítico os, e, em seguida, duas vezes por objeto nulo.
(14)
Se Você tem [a relação dos titulos]i sera muito bom que me mandes øi já ou ao
Carlito… (Carta 9, Carlos)
(15)
A escala móvel ficou sendo [uma burla]i, como ficou sendo øi até agora a
construcção das fabricas do 1° e 2° distrícos,... (Carta 1, Antonio Limpo de Abreu)
(16)
Não vão [os regulamentos]i pois ainda não existem impressos aqui e porque não
fazes grande empenho em tel-osi, mas logo que aparecer encomendarei øi a meu
mano Pedro para te enviar øi. (Carta 13, Salvador Antonio Moniz)
Quanto à animacidade, o traço [-animado] foi o favorecedor da variante nula,
computando 81% das ocorrências. Ainda assim, superando as expectativas, são
registradas 6 (19%) ocorrências de ON retomando antecedente [+animado] conforme
(17).
(17)
“sobre o tal credito que desejavas do M. mandei dias depois que recebi tua única
carta [uma pessoa] i a elle lhe fallar nisso, promptamente disse que sim e que me
mandaria resposta, tendo-se demorado, mandei øi novamente lá, isto tantas veses
sem obter resposta e até hoje nada...” (Carta 5, Carlos)
Por fim, sobre o traço de referencialidade do antecedente levando em
consideração a escala de referencialidade proposta por Cyrino, Duarte e Kato (2000),
Soledade (2010) encontrou os seguintes percentuais:
Tabela 1.8: Realização do objeto direto anafórico segundo a referencialidade do antecedente nas cartas a
Rui Barbosa (Soledade, 2010)
Clítico
SN
Pron. dem.
Objeto nulo
Total
[+específico/+ referencial]
23 (64%)
4 (11%)
0 (0%)
9 (25%)
36
[-específico/+ referencial]
7 (41%)
0 (0%)
0 (0%)
10 (59%)
17
[+genérico]
6 (69%)
1 (8%)
0 (0%)
6 (23%)
13
[Proposição]
1 (6%)
0 (0%)
7 (39%)
10 (56%)
18
40 (48%)
5 (6%)
7 (8%)
32 (38%)
84
Total
Já na primeira linha da tabela verifica-se a validade da aplicação da escala de
referencialidade na medida em
que
os antecedentes
mais específicos são
preferencialmente retomados por clíticos (23 - 64%) com apenas a quarta parte das
ocorrências correspondendo ao objeto nulo (9 - 25%). Na última linha, representando o
24
extremo oposto da escala, observamos que a categoria vazia (10 - 56%) concorre com o
uso do pronome demonstrativo neutro isso (7 - 39%), o que pode indicar ainda a
preferência à realização fonológica da variável em questão.
Mais uma vez, observa-se que estamos diante de um fenômeno que ainda
desperta interesse nos pesquisadores por estar sempre trazendo novas evidências, à luz
das quais vão sendo delineados os processos linguísticos que definem o estatuto do
objeto nulo no português brasileiro.
Em seguida, no próximo capítulo serão abordados os pressupostos teóricos e
metodológicos que nortearam o presente trabalho.
25
CAPÍTULO 2: PRESSUPOSTOS TEÓRICO-METODOLÓGICOS
Introdução
O presente trabalho tem como objetivo apresentar em um corpus diacrônico o
quadro de variação e posterior mudança nas realizações do objeto direto anafórico. Para o
preenchimento desta categoria, a gramática tradicional recomenda o clítico acusativo; no
entanto, como vimos no capítulo anterior, já se observa no português brasileiro o objeto
nulo como estratégia preferencial para o preenchimento do objeto direto anafórico.
Pretendo demonstrar, empiricamente, a queda de uso do clítico acusativo observada
inicialmente por Omena (1978) na fala dos mobralenses e por Duarte (1986) na fala culta
ocorrendo concomitante ao aumento de objetos nulos, com fins a uma visualização de
mudança linguística nos termos de Weinreich, Labov e Herzog (1968). Para tal, faz-se
necessário explicitar os fundamentos teóricos que nortearam esta pesquisa juntamente
com a metodologia de análise adotada e as hipóteses levantadas. Na seção 2.1, apresento
os fundamentos teóricos e em seguida, na seção 2.2, apresento a metodologia e as
hipóteses de trabalho. Os resultados obtidos aqui serão comparados com os de Cyrino
(1997), já que a autora traça a diacronia do objeto nulo em peças teatrais e é a
emergência desta mesma categoria que eu pretendo demonstrar aqui.
2.1 Fundamentos Teóricos
Os pontos de partida deste trabalho, citados no capítulo anterior, seguiram o
modelo de análise da Teoria da Variação e Mudança associados a alguns pressupostos
teóricos da Gramática Gerativa, mais especificamente, da Teoria de Princípios e
Parâmetros. Neste mesmo quadro teórico, conhecido como Sociolinguística Paramétrica,
ou variação paramétrica, está inserida esta pesquisa. A seguir, discorro sobre os
pressupostos da Teoria da Variação e Mudança e do modelo de princípios de Parâmetros
para em seguida explicitar as relações entre esses modelos, que no passado, eram tidos
como incompatíveis.
26
2.1.1 A Teoria da Variação e Mudança
Um dos postulados da Sociolinguística variacionista (ou Sociolinguística laboviana),
reside no fato de um indivíduo poder optar entre formas diferentes para dizer a mesma
coisa em um mesmo contexto, o que significa que um fenômeno pode apresentar
variação nas suas formas de realização. Essa variação não é aleatória, ou livre, ao
contrário, postula-se que ela está condicionada à influência de fatores de ordem
estrutural e social (ou linguísticos e extralinguísticos) envolvidos diretamente no contexto
situacional do ato comunicativo. Desse modo, postula-se a coexistência de variantes mais
ou menos prováveis que outras influenciadas por fatores internos e externos ao sistema
linguístico. A análise quantitativa destes fatores condicionantes possibilita ao linguista
buscar o modo como se organiza esta variação, conferindo-lhe estrutura e ordenação. A
importância dos fatores sociais está no fato de serem eles os avaliadores do status de uma
determinada variante dentro da comunidade lingüística: se é padrão ou não-padrão,
estigmatizada ou de prestígio, conservadora ou inovadora.
O modelo sociolinguístico de análise proposto por William Labov, também
rotulado de sociolinguística quantitativa, opera com tratamento estatístico de dados e
preocupa-se com a sistematização de uma situação de variação, ou de heterogeneidade, o
aparente caos linguístico conforme diz Tarallo (1985), que na verdade, nada mais é do que
uma situação de variação onde observamos a competição de duas ou mais formas
variantes para a realização de uma variável. Neste trabalho, a variável é a forma de
realização do objeto direto anafórico e as variantes concorrentes para a sua realização
são: o clítico acusativo, o SN anafórico, o pronome lexical, o pronome demonstrativo
neutro e o objeto nulo, entendido como a não realização fonética do objeto direto
anafórico.
Neste contexto, qualquer fenômeno em variação na língua pode ser sistematizado,
e a estruturação da variação deve ser apreendida. Note-se que não estamos mais diante
da concepção estruturalista de língua como sistema homogêneo; inicia-se agora o
interesse científico sobre o que é variável, antes, na Lingüística Estrutural, considerado
assistemático e individual. Para proceder à sistematização de um fenômeno em variação,
Tarallo (1985: 10-11) estabelece cinco passos a serem seguidos pelo pesquisador, cujos
27
resultados propiciarão a formulação de regras gramaticais que estabeleçam o padrão da
variável analisada. Seguem os passos prescritos pelo autor:
1.
“levantamento exaustivo” de dados de língua falada que reflitam mais fielmente
o vernáculo da comunidade;
2.
“descrição detalhada” da variável acompanhada de um perfil completo das
variantes que a acompanham;
3.
“análise dos possíveis fatores, linguísticos e sociais, condicionadores” que
favorecem uma ou outra variante;
4.
“encaixamento da variável no sistema linguístico e social da comunidade”;
5.
“projeção histórica da variável no sistema sociolinguístico da comunidade”.
Este último passo envolve a relação entre variação e mudança linguística,
primordial para este trabalho, que, segundo o autor dando sequência ao item 5, fica
estabelecida da seguinte maneira:
“a variação não implica necessariamente mudança linguística (ou seja, a
relação de contemporização entre as variantes). A mudança, ao contrário,
pressupõe a evidência de estado de variação anterior, com resolução de
morte para uma das variantes.” (Tarallo, 1985:11)
De acordo com Labov (1982) uma teoria que investigue a mudança deve ser capaz
de determinar o início, a velocidade, a direção e o término de cada mudança. Na mesma
direção, Tarallo (1985: 64) ressalta que “a estrutura de uma língua somente será
totalmente entendida à medida que se compreendam efetivamente os processos
históricos de sua configuração”. O autor também chama a atenção para o princípio da
uniformidade, segundo o qual “as forças que atuam no momento sincrônico presente são
(ou deveriam ser) as mesmas que atuaram no passado, e vice-versa. Portanto uma teoria
da mudança linguística deve guiar-se por uma articulação teórica e metodológica entre
presente-passado e presente.”
Logo, como os estudos referidos no capítulo 1 indicam que já foi constatada a
substituição do clítico acusativo pelo objeto nulo na realização do objeto direto anafórico
28
em diferentes partes do Brasil e em diferentes níveis sociais, e entendendo que toda
mudança pressupõe um estado de variação anterior, encontra-se aí a motivação para este
trabalho: demonstrar, em caráter diacrônico e a partir de um quadro de variação nas
realizações do objeto direto anafórico, a mudança já atestada em direção à categoria
vazia.
Para capturar a mudança no instante em que ela ocorre, ou seja, não somente
comparando as diferenças entre duas sincronias, em 1968 Weinreich, Labov e Herzog
publicam Empirical Foudations for a Theory of Language Change (WH&L, 1968), texto que
traz as bases empíricas para uma teorização orientada para a mudança. São delineados
cinco problemas que envolvem a instalação de uma nova variante: o problema das
restrições (constraints problem), o problema da transição (transition problem), o
problema do encaixamento (embedding problem), o problema da avaliação (evaluation
problem) e o problema da implementação (actuation problem).
Resumidamente, com o auxílio de Lucchesi (2004), o primeiro refere-se ao
estabelecimento das condições que favorecem ou restringem as mudanças, e, por
conseguinte, qual o conjunto de mudanças possíveis. O segundo, o problema da transição,
investiga o percurso histórico através do qual cada mudança se realiza, questionando se
ela é gradual, ou seja, se é estabelecida através de um continuum variação-mudança ou
através da sucessão de estágios discretos de língua de um modo mais abrupto. Os estudos
de caráter variacionista nos direcionam para uma interpretação da mudança como um
continuum no qual uma mudança é inevitavelmente resultado de um momento variação
entre formas, tendo uma se sobreposto à outra no tocante ao uso. O problema do
encaixamento considera o fato de que uma mudança só ocorre se possibilitada, ou
melhor, se encaixada no sistema lingüístico como um todo. Segundo WLH (1968), é
“natural que uma mudança linguística deixe certos vestígios ou “efeitos colaterais” – a que
eles se referem como “encaixamento de mudança” – que atestem um novo traço de fato
se instalando no sistema”. O problema da avaliação se opõe à idéia de que o indivíduo
aceita de modo passivo
qualquer tentativa de reestruturação da língua e alude à
avaliação consciente do falante acerca do valor de determinada variante inovadora ou
conservadora de uma variável lingüística. Esta avaliação interfere diretamente no percurso
histórico de estruturação da mudança. Por fim, o problema da implementação questiona
29
por que uma mudança ocorreu em determinado momento do sistema e não em outro, ou
seja, busca-se desvendar por que, quando e onde determinada mudança ocorreu. A
Sociolinguística variacionista coloca em foco, principalmente, além da questão da
propagação da mudança, o encaixamento desta no contexto social de uma comunidade.
Neste trabalho, serão focalizados o problema das restrições, a partir do qual
pretendemos observar os fatores linguísticos que possibilitaram a mudança; o problema
da transição através da observação dos estágios de mudança no decorrer dos períodos
analisados. O problema do encaixamento será vislumbrado através da relação entre o
aumento na frequência do objeto nulo e a queda de frequência de uso do clítico; e quanto
ao problema da implementação, serão destacados os contextos que vão cedendo mais
prontamente à nova variante; também é nosso objetivo traçar o percurso de transição da
mudança no decorrer do tempo na amostra analisada.
2.1.2 A Teoria de Princípios e Parâmetros
A teoria gerativa considera a linguagem como uma capacidade inata do ser
humano, ou seja, algo relacionado à herança genética de todo indivíduo, portanto, uma
faculdade. Postula-se a existência de uma Gramática Universal (GU), um estágio inicial da
gramática comum à mente de todo indivíduo recém-nascido que lhe possibilita construir
sua gramática fixando os valores dos parâmetros de acordo com os dados (input) a que
será exposto. A depender desses dados, cada indivíduo adquire sua gramática. O
desenvolvimento da GU em interação com o meio social de aquisição da linguagem vai
determinar a existência de uma gramática particular a cada indivíduo. Neste quadro, é
proposta uma distinção entre Língua-I e Língua-E, sendo esta o conjunto de todos os
enunciados possíveis de serem produzidos por uma comunidade de fala e aquela
entendida como o saber individual, inerente a cada indivíduo.
Neste contexto, Noam Chomsky (1981) propõe a Teoria de Princípios e
Parâmetros. De acordo com esta proposta, a GU é constituída por dois princípios básicos:
primeiramente, todas as línguas apresentam certas características que são rígidas,
universais e invariáveis, os chamados “princípios”. Também apresentam “parâmetros”,
responsáveis pelas diferenças (variações) entre as línguas, que são mais abertos, podendo
30
ser a eles atribuídos valores [+] ou [-] a depender do sistema linguístico. Por exemplo, é
um princípio que todas as línguas tem um sujeito nas orações, no entanto, sua forma de
realização é uma questão de valor do parâmetro: algumas línguas, como o espanhol e o
italiano, admitem o sujeito referencial nulo, ou seja, marcam positivamente o parâmetro
do sujeito nulo, enquanto outras, como o inglês e o francês, não admitem o sujeito nulo,
logo, apresentam marcação negativa para o parâmetro do sujeito nulo. O mesmo ocorre
com o objeto direto; se é um princípio que o verbo transitivo direto sempre projeta um
objeto direto, a forma de realização dessa categoria, se nula ou fonologicamente
expressa, configura um caso de parâmetro. Estes são os responsáveis pelas diferentes
línguas humanas6.
Deste modo, se uma comunidade fixa pelo menos um parâmetro de maneira
distinta de outra, tem-se gramáticas distintas que poderão conforme Galves (1998)
produzir enunciados diferentes (ou impossíveis com a mesma interpretação em uma
língua e outra), enunciados possíveis nas duas línguas porém com frequências diferentes,
ou ainda enunciados também possíveis nas duas línguas mas com extensões diferentes
nas restrições que agem sobre eles. A partir dessa concepção, quando ocorre mudança,
pressupõe-se que ocorreu alteração no valor de algum parâmetro, ainda que somente na
extensão de uso do fenômeno, com é o caso do parâmetro do sujeito nulo e do objeto
nulo, que são apontamentos fortes favoráveis à distinção entre o português brasileiro (PB)
e o português europeu (PE) enquanto gramáticas de uso principalmente porque
caminham na direção contrária aqui e lá. Enquanto o PB representa plenamente o sujeito
referencial, o PE é favorável ao apagamento; enquanto o PB aceita livremente o objeto
nulo, o PE opta preferencialmente pelo preenchimento desta posição com clítico
acusativo (cf. Freire, 2000).
Para comprovar a hipótese de que PE e PB configuram duas gramáticas distintas,
ou duas Línguas-I distintas, Galves (1998) lança mão de estruturas que caracterizam a
6
Não se pode afirmar que cada língua histórica corresponda a um parâmetro, pois o próprio PB apresenta
parâmetros iguais ao do PE, no entanto, com extensões de uso distintas. Por exemplo, línguas com
marcação positiva para o parâmetro do sujeito nulo (ou seja, que apresentam resistência ao preenchimento
da posição do sujeito anafórico) são chamadas línguas pro-drop, como é o caso do PE. Em contrapartida, por
apresentar registros de ocorrência de sujeito preenchido em diversos casos em que não ocorre em outras
línguas com avaliação [+] para o parâmetro pro-drop (ou parâmetro do sujeito nulo) o PB já é classificado
como uma língua parcialmente pro-drop.
31
gramática do PB. Entre elas, interessam-nos aqui as que se referem ao parâmetro do
objeto nulo, que como dito acima, é um fator importante na distinção entre as duas
gramáticas do português. A autora aponta a três aspectos que são relevantes para a
caracterização do PB no tocante à realização do objeto direto. Destaco aqui (a) sintaxe
pronominal, (b) a frequência de determinadas propriedades gramaticais.
(a) Acerca da sintaxe pronominal, interessa-nos ressaltar o uso dos pronomes
tônicos você/ele na posição de objeto sem duplicação do clítico ou preposição, ao
contrário do PE. Vejamos os exemplos de Galves (op.cit) em (1), (2) e (3):
(1)
Vi ele ontem na rua. (PB)
(2)
Vi-o a ele ontem na rua. (PE)
O pronome do exemplo (1) é interpretado como tópico discursivo, ou seja, faz
referência à pessoa ou coisa de que se fala e em (2) o pronome preposicionado comportase como foco contrastivo conforme demonstra (3).
(3)
Vi-o a ele na rua ontem, mas não a ela.
Em outras palavras, isto quer dizer que no PB o pronome tônico objeto apresenta
um comportamento análogo ao clítico no PE podendo retomar referentes animados e
inanimados, diferentemente do que se observa no PE e em outras línguas românicas
como o francês, o espanhol e o italiano, nas quais o pronome tônico pode ter apenas uma
pessoa como referente.
(b)
Com relação à frequência de algumas propriedades, a autora alude ao fato
de ambas aceitarem o objeto nulo, no entanto, a frequência com que esta estrutura
aparece nas duas variedades é sensivelmente diferente. O objeto nulo retratado em (4) é
mais frequente no PB, onde a categoria vazia tem o mesmo comportamento de um
pronome, não sofrendo, pois, restrição a certos contextos sintáticos.
(4)
Joana viu [ø] na televisão ontem.
O estudo de Freire (2000), ao analisar a fala culta do PB e do PE, mostra a
32
possibilidade de o objeto nulo aparecer nas duas variedades, ainda que com frequências
distintas (59% e 31% respectivamente). Raposo (1986) aponta os contextos de ilha
sintática7 como restrições ao objeto nulo no PE. Observemos os exemplos do autor em (5)
e (6):
(5)
(falando de pastéis) O rapaz que trouxe [ø] da pastelaria era o teu afilhado. (PB)
(6)
(falando de pastéis) *O rapaz que trouxe [ø] da pastelaria era o teu afilhado. (PE)
A frase (5) é completamente aceita no PB, ao passo que em PE, conforme (6) é
considerada agramatical. De acordo com Galves, isso se deve ao fato de as duas categorias
vazias terem naturezas distintas nas gramáticas em questão, apresentando no PB, como
citado acima, características de um pronome, podendo parecer inclusive em ilhas
sintáticas sem sofrer restrições, enquanto no PE, a categoria vazia recebe, devo às
restrições apontadas por Raposo (1986), o estatuto de variável.
2.1.3 A Variação Paramétrica
Conforme mencionado anteriormente, a variação paramétrica alia pressupostos da
Teoria da Variação e Mudança e da Teoria de princípios e Parâmetros. A união destes
pressupostos têm sido bastante enriquecedora nos estudos de variação linguística e
reforça a importância da inter-relação entre uma teoria da mudança e uma teoria da
linguagem. Fernando Tarallo, em 1987, propõe a sociolingüística paramétrica destacando
a compatibilidade entre o modelo laboviano e a teoria de Princípios e Parâmetros de
Chomsky (1981) através da noção de complementaridade, a partir da qual uma teoria
supriria as lacunas da outra. No caso em questão, busca-se na Sociolingüística a
importância dos contextos sociais na variação lingüística e, complementarmente, se busca
na teoria gerativa a descrição de fatos estruturais/gramaticais. Os resultados de análises
variacionistas serviriam à observação de valores paramétricos já fixados ou contribuiriam
para descobrir a marcação de novos valores. Isso não significa que uma teoria esteja a
“tapar os buracos da outra”; antes, as duas teorias apresentam lacunas que os
pressupostos da outra podem auxiliar a completar sem que nenhuma perca sua
7
São consideradas ilhas sintáticas as orações relativas, adverbiais e completivas nominais por não ser
possível extrair dela um constituinte.
33
identidade e sua proposta, permanecendo ilesa como antes da compatibilização.
Borges (2004) aponta a incomensurabilidade referindo-se a “propriedades
estruturais que impedem a coexistência da gramática gerativa e da Sociolingüística” como,
por exemplo, os dados utilizados, o conceito de vernáculo, o conceito de língua, etc. A
Sociolinguística quantitativa atribui a implementação e a propagação da mudança a
fatores sociais, enquanto o modelo paramétrico preocupa-se com a origem da mudança e
a influência de fatores estritamente gramaticais. Ainda assim, em razão da teoria de
Princípios e Parâmetros de Chomsky (1981) aliada às decorrentes preocupações com a
aquisição e a mudança lingüística, bem como do interesse pela análise diacrônica, que
exige o trabalho quantitativo com dados reais, outra corrente de estudiosos entende ser
bastante profícua a associação
entre os modelos considerados conflitantes,
principalmente no tocante a alguns dos princípios estabelecidos pela Teoria da Variação e
Mudança: princípio das restrições; do encaixamento e da implementação.
Neste trabalho, a associação destes pressupostos se faz importante porque nos
permite verificar o encaixamento de uma mudança a partir das propriedades do
Parâmetro do Objeto Nulo. Nesses termos, esta pesquisa centra-se na variação das formas
de realização do objeto direto e sua possível relação com outros fenômenos de mudança
no nosso quadro pronominal que afetam a representação do sujeito e objeto
pronominais, além da ordem dos constituintes (Cf. Tarallo, 1983; Duarte, 1989; Cyrino,
1994). A partir desta perspectiva, pretende-se observar a variação e a mudança na
realização do objeto levando em consideração o problema dos condicionamentos
(constraints), do encaixamento (embedding) e o da implementação (actuation problem)
em uma amostra constituída de peças teatrais escritas entre 1845 e 1992 e representadas
no Rio de Janeiro buscando um tratamento empírico para a descrição de uma mudança
linguística já atestada em outras pesquisas. Isto posto, esta pesquisa foi desenvolvida
obedecendo ao quadro teórico-metodológico da sociolinguística paramétrica tanto no
levantamento e na codificação de dados quanto na formulação de hipóteses de trabalho.
34
2.2 Metodologia e Hipóteses de trabalho
A análise de materiais históricos em um recorte temporal específico. Neste caso
cito como exemplo textos literários do gênero dramático, que podem evidenciar a tensão
entre uma gramática inovadora e outra conservadora. A mudança é concebida como um
conjunto de processos lentos e graduais, cujo completamento se dá após um período, por
vezes bastante longo, de variação entre formas linguísticas alternantes. Em outros termos,
pode ser observada a diminuição da frequência de uma estrutura gramatical e aumento
da frequência de outra.
Considerando que a mudança nasce na e da variação, e que esta é característica da
língua falada, cabe ao historiador da língua selecionar entre os documentos históricos
disponíveis aqueles que mais refletem a linguagem distensa, livre das pressões normativas
– o vernáculo (tal como definido por Labov, 1972) – da época ou do recorte temporal
escolhido para análise a fim de garantir a representatividade da amostra.
A metodologia de análise dos dados aqui empreendida está calcada na linha
variacionista, conforme o modelo de Teoria de Variação e Mudança (WLH, 1968).
Resumidamente, escolhe-se uma variável dependente (sobre a qual se deseja depreender
a mudança, aqui a realização do objeto direto anafórico) e em seguida são determinadas
as variáveis independentes linguísticas e extralinguísticas, se for o caso (aquelas que
possivelmente exercem influência sobre a varável dependente). Os dados coletados das
peças foram organizados/classificados de acordo com variáveis independentes que
contemplem os contextos de variação e os contextos de não-variação já apontados pelos
trabalhos citados. Em seguida, foram submetidos à análise estatística do Programa
GoldVarb para que fossem obtidos os percentuais de frequência das variantes. No âmbito
da mudança diacrônica, segundo Tarallo (1985), assume extrema importância o
tratamento quantitativo, já que através da variação de frequência das variantes no tempo
é observada a dinâmica da mudança.
As hipóteses que orientam esta pesquisa, baseadas na mudança do paradigma
pronominal sofrida pelo português brasileiro, são (a) depreender estatisticamente o
decréscimo e o acréscimo das frequências de clítico acusativo e objeto nulo,
respectivamente, concluindo assim que aquele já não mais faz parte da gramática do PB
35
no século XX, (b) o aparecimento do SN anafórico como mais uma variante possível para a
realização do fenômeno, (c) confirmar que o pronome lexical não configura uma variante
de frequência robusta, aparecendo em poucos casos e somente a partir de um
determinado período e (d) confirmar a passagem do século XIX para o XX como um
recorte temporal valioso aos que buscam descrever os caminhos percorridos pelo
português a partir do momento em que se discute a constituição de uma norma culta no
Brasil e o estabelecimento paralelo do português brasileiro (cf. Pagotto, 1998). Neste
trabalho, pretendo demonstrar que a gramática do português brasileiro segue um
caminho contrário ao da matriz européia no tocante à expressão do objeto direto
anafórico. Enquanto lá o clítico é a estratégia preferencial, aqui, ele desaparece
gradativamente da gramática dos falantes.
Nas subseções que seguem, apresento e justifico o corpus escolhido para, a partir
da variação entre as formas, comprovar empiricamente a ascensão do objeto nulo e a
consequente queda do clítico.
2.2.1 A delimitação da amostra
Para a análise de variação e mudança diacrônica, foram selecionados os seguintes
textos: (à esquerda do nome da peça, o ano de sua publicação, e à direita, o nome do
autor).
· 1845 - O Noviço, Martins Pena
· 1860 - Luxo e vaidade, Joaquim Manuel de Macedo
· 1883 - Caiu o ministério!, França Junior
· 1918 - O simpático Jeremias, Gastão Tojeiro
· 1937 - O hóspede do quarto nº 2, Armando Gonzaga
· 1955 - Um elefante no caos, Millôr Fernandes
· 1975 - A mulher integral, Carlos Eduardo Novaes
· 1992 - No coração do Brasil, Miguel Falabella
Como se pode observar, a amostra é composta por oito peças, cada uma escrita
36
por um autor. Este corpus foi escolhido também por já ter sido utilizado por Duarte (1993)
para a observação da trajetória da mudança linguística na representação do sujeito
pronominal e da fixação da ordem sujeito verbo (SV) na sintaxe da gramática brasileira.
Para a observação do padrão de realização do objeto direto anafórico, substituí a peça
“Como se fazia um deputado” pela peça “Caiu o ministério!” ambas escritas por França
Junior.
Como o trabalho a que este corpus se serve tem o objetivo de demonstrar com
dados empíricos um fenômeno que já foi atestado e demonstrado no capítulo 1, em cada
período foi considerado apenas um autor que tenha desenvolvido suas atividades
literárias no Rio de janeiro. Assim, os resultados servirão para “indicar uma tendência de
uso de cada época, dada a popularidade dos textos analisados” (cf. Duarte, 1993: 108).
Ainda que se trate de um corpus aparentemente pequeno, o fenômeno que será
observado apresenta bastante recorrência nos textos, somando um total de 809 dados
(809 ocorrências de objeto direto anafórico) mostrando-se adequado ao fenômeno que se
pretende estudar.
O primeiro passo, que deve custar ao pesquisador o estabelecimento de critérios
bastante acurados sob pena de invalidar os resultados da pesquisa, é a escolha dos textos
a compor o corpus, já que esta é sua base de dados. Considerando o gênero dramático,
foram priorizadas peças de caráter popular que retratassem a atualidade em que foram
escritos, ignorando aqueles ambientados em ouras épocas históricas. Importou também a
escolha da ambientação, que deve possibilitar a convivência de tipos populares, e de
faixas etárias variadas, como estabelecimentos comerciais, pensões, cinemas, etc.
Quanto à temática, foram selecionados textos que não tratam de questões
polêmicas e específicas tais como política e religião. A opção pelas comédias de costumes,
introduzida no teatro brasileiro por Martins Pena, se deve à diversidade de
temas/assuntos abordados pelos personagens visando ao retrato dos costumes e das
instituições da sociedade brasileira, neste caso, especificamente a comunidade carioca.
Com relação à variedade de registros, a comédia possibilita com mais liberdade a inserção
das variedades não-padrão da língua, ou seja, faz um relato linguístico considerável do
conjunto da fala comum da época.
37
A extensão do texto ou a quantidade de textos representativos de determinada
sincronia vai depender da frequência de ocorrência das variantes, bem como da
disponibilidade de dados necessários ao pesquisador. A quantidade de textos por período
deve ser responsável pela simetria quantitativa dos dados (ou seja, para que se disponha
de aproximadamente a mesma quantidade de dados para cada sincronia), sempre
buscando garantir a representabilidade8 e a produtividade da amostra.
Tarallo (1993) aponta a virada do século XIX para o XX como o período em que
emerge uma gramática brasileira com traços sintáticos que possibilitam a descrição de um
sistema distinto do registrado no português europeu. A partir da análise de quatro
mudanças sintáticas já atestadas no PB, a saber: a reorganização do sistema pronominal
(que teve como principais consequências implementação de objetos nulos e o aumento
na frequência de sujeitos lexicais); a mudança nas estratégias de relativização; a
reorganização dos padrões sentenciais básicos, a partir do qual a gramática do PB se
caracteriza por uma ordem SVO rígida; e, por fim, os padrões sentenciais em perguntas e
respostas, Tarallo (1993) propõe-se a delinear as bases linguísticas em torno das quais
estaria centrada a discussão acerca de uma possível gramática brasileira que, a partir do
século XIX, já apresentava expressivas diferenças estruturais com relação à gramática do
PE.
De acordo com Pagotto (1998), sobre a periodização da língua portuguesa no
Brasil, a norma culta se fixou aqui na primeira metade do século XX espelhando-se na
norma culta vigente em Portugal já bastante distanciada dos padrões brasileiros. Ainda
neste período, ao observamos o padrão de colocação pronominal em corpora também
escritos (Pagotto e Duarte, 2005), notamos uma variação entre próclise e ênclise, que não
é natural da gramática do PB, mas pode ser reflexo da busca de um padrão normativo,
fruto de um intenso trabalho discursivo que ocorre no Brasil ao longo do século XIX
(Pagotto, 1998). Desse modo, a análise das realizações do objeto direto anafórico em
peças escritas entre os séculos XIX e XX nos permite observar a emergência da gramática
8
Um corpus representativo deve, em primeira ordem, possibilitar uma coleta de dados de acordo com as
condições estabelecidas pelo aporte teórico-metodológico escolhido (o conceito de língua, o tipo de
registro – falado ou escrito –, o número de falantes/autores necessários, etc.), além de ser relevante
para os objetivos da pesquisa. No caso das peças, devem apresentar ou representar as tendências de
usos linguísticos da época que se quer caracterizar. Mais sobre critérios de montagem e
representatividade de corpus, ver Sardinha (2000).
38
brasileira, nos contextos onde em PE não se admite o objeto nulo, e também a influência
do laborioso discurso de formação da norma culta no Brasil.
A busca por fontes para o estudo da variação e da mudança em diferentes épocas
ainda é um desafio com o qual o historiador da língua se depara por trabalhar,
inevitavelmente, com registros escritos de épocas passadas. E levando em conta essas
dificuldades
torna-se,
então,
preocupação
primeira
do
pesquisador,
avaliar
cuidadosamente os dados que a história nos legou. Essa avaliação dependerá, assim como
a metodologia de análise, da perspectiva teórica adotada.
Para um estudo sincrônico, dispomos, além das gravações de fala espontânea, de
alguns testes empíricos, tais como os testes de aceitabilidade e gramaticalidade com
informantes, sobre os critérios de boa formação de uma determinada construção na
gramática de uma língua, ou de testes experimentais que permitem o controle direto das
variáveis envolvidas no desempenho linguístico. No entanto, no estudo de épocas
pretéritas não está mais ao alcance do pesquisador a realização destes tipos de testes.
Uma questão que se deve considerar é a impossibilidade de captarmos, em
materiais históricos, a evidência negativa em relação aos critérios de boa formação de
formas lingüísticas geradas pela gramática de uma língua. O acesso a somente evidências
positivas registradas em materiais históricos nos leva a um impasse que pode ser
solucionado se assumirmos que se uma dada construção não for encontrada é porque,
muito provavelmente, essa não pertence àquele estado de gramática refletido nos textos.
Seguindo o panorama de pesquisa proposto por WLH (1968) para o estudo da
mudança linguística, a observação e análise de dados extraídos de textos históricos
viabiliza o estudo dos problemas de transição e de implementação, ou, de como e em que
contextos as línguas particulares mudam no tempo. Os padrões atestados nos textos
históricos são evidências empíricas que devem ser interpretadas, com o respaldo de
alguma ciência da linguagem, visando captar e explicar um determinado processo de
mudança gramatical.
Em favor do texto dramático, Berlinck, Barbosa e Marine (2009) atestam que,
ainda que sendo um texto produzido, o texto dramático mantém uma relação indireta
com o uso da linguagem em situações concretas de enunciação; logo, há que se
39
considerar que, a depender da escolha da peça, que por sua vez vai depender dos
objetivos da pesquisa, temos em mãos um texto que pretende e busca a “representação”
do diálogo, ou seja, de manifestações da fala “não-monitoradas” em situações de
interação comunicativa. Mais do que uma linguagem oral, coloquial, distensa, o que
licencia a linguagem teatral para a depreensão de estágios anteriores da língua é o seu
caráter verossímil, semelhante à verdade da língua em uso, semelhante à verdade do
valor social a ela atribuído em determinada época. Estamos diante de um gênero textual
que licencia e promove o aparecimento da língua vernacular. É claro que esse gênero de
discurso, ou melhor, o texto da peça teatral torna-se objeto de estudo diacrônico
primeiramente pela falta de registro na fala, com a expectativa de que o registro
linguístico na escrita reflita o que seria a língua falada, à época da produção das peças. O
linguista deve ter em mente que se trata de um texto que, embora representativo da
língua oral, quando transposto para a escrita sofre adaptações e ajustes que a língua em
sua modalidade escrita. Duarte (1993: 122), também acerca da utilização da língua escrita
representando a língua oral, faz a seguinte ressalva:
A comparação entre língua escrita e língua oral apresentada (…) serve para
mostrar que, num estudo diacrônico que busque investigar a língua
coloquial, é preciso ter em mente a relativa distância entre ambas. Por mais
que, em certos gêneros literários o autor procure reproduzir a linguagem do
seu tempo – como deve ocorrer em peças de teatro popular – a escrita é
mais conservadora.
Inseridos na mesma perspectiva teórica e de análise apresentada no decorrer
deste capítulo, muitas pesquisas de caráter histórico têm dado destaque a este gênero
nos estudos que se ocupam da depreensão dos processos de mudança em padrões
gramaticais que caracterizam a distinção entre o PB e o PE (sobre o sujeito, Duarte, 1993,
1995; sobre o objeto direto Cyrino, 1997; também sobre a posição do sujeito Berlinck,
1999; Kato, Duarte e Cyrino e Berlinck, 2006, entre outros).
Ainda com relação às possibilidades de análises viabilizadas pelo estudo das peças
de teatro, Berlinck, Barbosa e Marine (2009) demonstram que podem ser feitas não
somente análises intralinguísticas como também inseri-las em um contexto social. As
autoras exemplificam em uma breve discussão acerca dos resultados de realização do
40
objeto direto anafórico em comédias brasileiras do século XIX obtidos por Cyrino (1993) e
da análise da ordem sujeito-verbo em três comédias de José de Alencar (Berlinck, 1999)
como o gênero dramático pode fornecer subsídios para o estabelecimento de papéis
sociais relacionados ao uso linguístico. De fato, por ser um gênero plurilíngue construído
para representar várias vozes, a linguagem pode ser um fator definidor dos personagens
possibilitando uma relação entre características não-linguísticas de cada personagem
(faixa etária, sexo, escolaridade, etc.) e a expressão variável de aspectos gramaticais.
O controle do ano de nascimento dos autores, quando pode ser recuperado,
associada à observação da produção/publicação da peça pode fornecer ao linguista
valiosas informações acerca das propriedades gramaticais refletidas nos materiais
históricos, já que a teoria gerativa advoga que a mudança se realiza na aquisição da
linguagem. Mais especificamente, o autor deste ou de séculos passados, pertence a uma
comunidade linguística heterogênea e tem em sua gramática (ou em suas gramáticas)
traços linguísticos em comum com essa comunidade. Deste modo, quando observado o
período de nascimento do autor, possibilita-se a identificação de uma geração de
“falantes” que “compartilham” propriedades de uma determinada gramática.
Para concluir esta questão, reproduzo as palavras de Galves (2007: 514) “...os
textos que compõem a matéria prima da lingüística histórica são amostras da LínguaExterna da sua época.”
2.3 O envelope da variação
Nesta seção, apresentamos as variantes e os grupos de fatores analisados
seguindo a metodologia empregada nos estudos variacionistas. Os dados foram
codificados e submetidos ao Programa GoldVarb de análises estatísticas.
Como variável dependente temos as variantes do objeto direto anafórico: clítico,
pronome lexical, SN anafórico, pronome demonstrativo e objeto nulo.
2.3.1 A variável dependente
Estamos considerando para análise cinco variantes do objeto direto anafórico: (A)
41
clítico (7) e (8); (B) pronome lexical (9); (C) SN anafórico: foram considerados como SN
anafóricos: (i) lexemas com núcleo idêntico ao do SN antecedente, com ou sem mudança
de determinante (10); (ii) expressões sinônimas ou quase sinônimas (11)-(13); (iii) nomes
genéricos (coisa, trambolho, fato...) (14); (D) demonstrativo isso (15); e, por fim, (E) objeto
nulo (16) e (17):
(7)
No fundo [a fortuna]i é para quem sabe adquiri-lai. (O Noviço, 1845 - Martins
Pena)
(8)
Já se vê que [esse homem] i é grosseiro. Certamente, que não tenho a fortuna de oi
conhecer. (Luxo e Vaidade, 1860 – Joaquim Manuel de Macedo)
(9)
Neiva: E o pai, te dá alguma coisa?
Dolores: Só desgosto! Eu bem que fui no quartel, pra ver se o comandante
enquadrava [ele], mas não deu em nada. (No Coração do Brasil,1992 - Miguel
Falabella)
(10)
Jeremias: Só lhe suplico deixar-me usar [este monóculo]i,...Jamais me separarei
deste cristalino disco de penetrante visualidade na alma humana.
Madalena: Está bem. Consentirei que use o monóculoi. (O Simpático Jeremias,
1918 - Gastão Tojeiro)
(11)
A filha, antes de sair para a igreja, teve a idéia de ir procurar [a mãe] i. Correu até o
muro, o véu de renda batido pelo vento, tentando encontrar a mãe adoradai. E pra
seu horror, viu a pobre mulheri do outro lado do arame farpado. (No Coração do
Brasil,1992 - Miguel Falabella)
(12)
Ela sim! Por causa dela já não durmo, já não como, já não bebo. Vi-a pela primeira
vez, há uma semana, no Castelões. Comia [uma empada]i! Com que graça ela
segurava a apetitosa iguariai entre o fura-bolo e o mata-piolho, assim, olhe. Vê-la e
perder a cabeça foi obra de um momento. (Caiu o Ministério!, 1883 – França
Junior)
(13)
Elisa: É…é…é para matar pulgas e percevejos nas camas dos hóspedes.
Cristóvão: Ora essa! Também serve para matar [esses inocentes animaizinhos]. (O
Simpático Jeremias, 1918 - Gastão Tojeiro)
(14)
Mas não vale a pena mandar vir vestidos da Europa. Chegam por um dinheirão, e
aqui não apreciam [essas coisas]. (Caiu o Ministério!, 1883 – França Junior)
(15)
As grandes vitórias humanas são simples produtos do acaso. Os triunfadores que
não são totalmente imbecis, no íntimo, reconhecem issoi... (O Hóspede do Quarto
n˚ 2, 1937 – Armando Gonzaga)
(16)
…vá, vá seu crápula, e não me apareça mais aqui, vá logo, aproveite e lhe entregue
[esses livros]i e diga a ela que é para enfiar øi...ela sabe onde. (A Mulher Integral,
1975 – Carlos Eduardo Novaes)
(17)
Eu vou botar outro anúncio no jornal. Papel, lápis, mesa. Escrevo [o anúncio] i.
42
Como escrevo øi (Um Elefante no Caos, 1955 – Millôr Fernandes)
2.3.2 As variáveis independentes
Estabelecidas as forma de representação do objeto direto anafórico como variável
dependente, serão apresentados agora os fatores de natureza morfológica, sintática e
semântica que foram selecionados, a partir de resultados dos trabalhos citados no
Capítulo 1, para o controle das variáveis dependentes e testes das hipóteses levantadas. O
controle dessas variáveis nos possibilita um olhar qualitativo, além de quantitativo, pela
possibilidade de observarmos os fatores que propiciaram a implementação de uma
mudança já atestada no português brasileiro falado desde Duarte (1986): a substituição
do clítico em função acusativa pelo objeto direto nulo.
(1) Forma (tempo/modo) do verbo que seleciona o objeto direto anafórico
A pesquisa de Duarte (1986) já aponta a preferência pelo objeto nulo como forma
de representação do objeto direto anafórico em todas as formas verbais sendo as formas
simples do presente e do passado, e principalmente as formas verbais compostas com
infinitivo as que ainda abrigam o clítico acusativo. Indo mais além, os resultados de Freire
(2000) apontam na fala culta do PB a ênclise ao infinitivo como o único contexto de
ocorrência desta variante considerada a padrão. Espera-se encontrar, nos últimos
períodos analisados, poucas ocorrências de clíticos e confirmar estes contextos de
resistência da variante. Estamos controlando as seguintes variáveis: a) Indicativo (exe. 18);
b) Subjuntivo/Imperativo (19-20); c) Infinitivo simples (21); d) complexo verbal com
infinitivo (22); e) complexo verbal com gerúndio (23); f) complexo verbal com particípio
(24).
(18)
O Sr. Ambrósio tomou conta dos [nossos bens]i, vendeu-osi e partiu para
Montevidéu. (O Noviço, 1845 - Martins Pena)
(19)
Já reparou que [a D.Irene]i não elogia mais os militares? Também, coitada. Se a
gente não ajudasse øi, tinha dia que ela nem comia. (No Coração do Brasil,1992 Miguel Falabella)
(20)
Eis aí [a sua letra]i. Está me queimando o dedos: hei-la. E pois que não a vem
receber, apanha-ai no chão. (Luxo e Vaidade, 1860 – Joaquim Manuel de Macedo)
43
(21)
Podias ter decidido [o negócio]i perfeitamente sem levá-loi às Câmaras. (Caiu o
Ministério!, 1883 – França Junior)
(22)
É sobre [o melão]i?...está aqui, seu bobo, inteirinho, você acha que eu iria comêloi? (A Mulher Integral, 1975 – Carlos Eduardo Novaes)
(23)
[O curso]i repetiu o sucesso dos livros, atravessou as fronteiras e agora estamos
lançando-oi aqui no Brasil. (A Mulher Integral, 1975 – Carlos Eduardo Novaes)
(24)
[Rosa]i me falou muito bem do senhor, embora dissesse que o senhor ai tinha
expulso de casa. É natural, o senhor a criou tão bem, tão burguesmente,
tão...ricamente... (Um Elefante no Caos, 1955 – Millôr Fernandes)
(2) Transitividade Verbal e Estrutura Projetada pelo Verbo
A análise da regência verbal e da estrutura projetada pelo verbo nos mostra as estruturas
sintáticas que favorecem a ocorrência de cada variante. Nas estruturas simples SVO, tanto
Duarte (1989) quanto Freire (2000) e Marafoni (2004) demonstram a preferência pela
categoria vazia quando o antecedente é um SN e o uso do demonstrativo anafórico isso
concorrendo com o objeto nulo nos casos de antecedente sentencial. O que também se
pretende verificar com a análise desta variável independente são os contextos em que o
objeto direto anafórico é preferencialmente realizado pelo pronome lexical (o pronome
sujeito). De acordo com Duarte (1986) seria o caso das construções sintáticas mais
complexas com predicativo e objeto constituindo uma mini-oração (small-clause) e das
construções complexas com reduzidas de infinitivo e de gerúndio. Esse grupo controla as
seguintes construções: a) Verbo + Objeto Direto (SN) (25); b) Verbo + Objeto Direto (SN) +
Oblíquo/Complemento Circunstancial (Verbos transitivos de três lugares) (26); c) Verbo +
Objeto Direto + Objeto Indireto (Verbos ditransitivos) (27); d) Verbo + Objeto Direto (SN)
+ Predicativo do objeto (Verbos transitivos predicativos) (28); e) Verbo + Objeto Direto [SU
acc + Vinf.] (29); f) V(cópula) + Predicativo do Sujeito (Verbos copulativos) (30); g) Verbo +
Objeto Direto (Sentença) (31); h) Verbo + Objeto Direto + Oblíquo (Sentença) (32) e (33).
(25)
A desgraça feriu [meus pais]i, um crime vergonhoso está a ponto de de desonralosi...oh! não há que hesitar...é preciso que eu me sacrifique para salvá-los. (Luxo e
Vaidade, 1860 – Joaquim Manuel de Macedo)
(26)
Armando: Cristina, vc viu [minha carteira]i?
Cristina: Não. Você não deixou øi lá dentro? (A Mulher Integral, 1975 – Carlos
Eduardo Novaes)
(27)
Sendo eu conhecedor [dos sítios mais belos e pitorescos da cidade] i, não podia
deixar de mostrar-lhosi... (O Simpático Jeremias, 1918 - Gastão Tojeiro)
44
(28)
Menina, muito cuidado com [o senhor seu primo]i. Não se fie nele; julgo øi capaz
de tudo. (O Noviço, 1845 - Martins Pena)
(29)
Paulo, Paulo, estão atirando n[o homem que saiu daqui]i. Ele vem correndo pela
escada. É melhor fechar a porta! Não deixa elei entrar! Vão matá-lo aqui dentro.
(Um Elefante no Caos, 1955 – Millôr Fernandes)
(30)
Frederico: E nós faremos tudo por tornarmos [dignos dela] i.
Maurício: Desde muito que oi são, eu respondo pelo reconhecimento de
Anastácio. (Luxo e Vaidade, 1860 – Joaquim Manuel de Macedo)
(31)
Se você preferir amaremos de pé, de bruços, de joelhos, como você quiser ø i. (A
Mulher Integral, 1975 – Carlos Eduardo Novaes)
(32)
Isso não sei. [O Candinho]i estará no Rio apenas de passagem. Amanhã, de
madrugada, seguirá de avião para o Rio Grande do Sul. Em todo o caso, vou ver se
oi convenço de ficar no Rio alguns dias. (O Hóspede do Quarto n˚ 2, 1937 –
Armando Gonzaga)
(33)
[As pessoas]i nascem só e morrem só. O casamento, pelo menos esse casamento
pequeno burguês obriga as pessoasi a violentarem permanentemente suas
individualidades. (A Mulher Integral, 1975 – Carlos Eduardo Novaes)
(3) Tipo Sintático da Oração em que ocorre o objeto direto anafórico
Esta variável se ocupa do tipo de oração que possibilita a ocorrência do objeto
nulo no português brasileiro. Raposo (1986) inicialmente constatou que o objeto nulo, no
PE, obedeceria às restrições de “ilhas sintáticas”, contextos dos quais não se pode extrair
um constituinte e movê-lo para uma posição periférica da sentença. Os trabalhos de
Cyrino (1993, 1997) e Galves (1998) corroborados pelos de Freire (2005) e Marafoni
(2004), centrados no português falado, apontam que o objeto nulo não sofre a mesma
restrição no PB, visto que pode ocorrer livremente em qualquer contexto sintático. Para
testar a aplicabilidade dessas descrições e confirmar a livre ocorrência do objeto nulo no
PB observei a interferência do contexto sintático na representação do acusativo anafórico
de terceira pessoa no decorrer dos períodos. Os tipos considerados foram: a) Raiz
(matriz/simples/primeira, em coordenação) (34); b) Coordenada (segunda coordenada)
(35); c) Completiva de verbo com função de sujeito (36); d) Completiva de verbo com
função de objeto (37); e) Completiva de nome (38); f) Relativa (39); g) Adjunta (40):
(34)
Se é [o Major Tiburcio Mimoso]i, conheço-oi muito. (O Hóspede do Quarto n˚ 2,
1937 – Armando Gonzaga)
45
(35)
Eu, que quisera viver com uma espada à cinta e à frente do [meu batalhão]i,
conduzi-loi ao inimigo através da metralha, bradando... (O Noviço, 1845 - Martins
Pena)
(36)
O senhor gosta da [filha do americano]i e ela se mostra esquiva? É fácil dominálai... (O Simpático Jeremias, 1918 - Gastão Tojeiro)
(37)
O senhor tem toda razão. Olha - ainda noutro dia [um conhecido meu]i descobriu
que a mulher oi traía. (Um Elefante no Caos, 1955 – Millôr Fernandes)
(38)
Dorotéa: O Candinho é também muito simpático.
Leocádio: Terei muito prazer em conhecê-[lo]. (O Hóspede do Quarto n˚ 2, 1937 –
Armando Gonzaga)
(39)
Aquilo não é [uma jazida]i, é um tesouro. Não há dinheiro que ai pague. (O
Simpático
Jeremias, 1918 - Gastão Tojeiro)
(40)
Eu não pinto [o cabelo]i. Eu uso um pouco de camomila para clarear øi.
(4) Função do Antecedente
Os resultados dos trabalhos já citados apontam a função sintática do antecedente
como condicionamento forte para a realização do objeto nulo no PB, sendo o objeto
direto nulo favorecido quando seu referente é oracional, predicativo ou exerce a mesma
função de objeto direto. Marafoni (2004) observou que essa estratégia ganha espaço no
PB oral mesmo quando seu antecedente exerce função sintática diferente da de objeto
direto. Em estudo posterior, Marafoni (2010) observou que somente um antecedente com
função diferente da de objeto direto inibe consideravelmente a ocorência do objeto nulo
no PE oral. No entanto, segundo Kato e Raposo (2001) o objeto nulo no português sofre
restrições quando o antecedente se encontra em uma posição argumental com função de
sujeito. A hipótese a ser testada por este grupo de fator é a de que, corroborando Freire
(2005), o PB não sofreria essa restrição. As funções consideradas foram: a) Função de
objeto (41); b) Função de sujeito (42); c) Função de adjunto (43); d) Função de
Complemento nominal (44); e) Função de Predicativo (45); f) Tópico estrutural/discursivo
(46) e (47):
(41)
A sua primeira experiência, Cristina é despertar [o seu corpo]i para levá-loi a um
grande desempenho. (A Mulher Integral, 1975 – Carlos Eduardo Novaes)
(42)
Não me foi possível vir mais cedo. Estive à espera que [o homem] i se levantasse
para eu levá-loi ao tabelião. (O Simpático Jeremias, 1918 - Gastão Tojeiro)
(43)
Não é precisamente isso, mas eu fui tão bem recebido n[esta casa]i que me
46
sentiria acanhado em deixá-lai, assim sem mais nem menos. (O Hóspede do
Quarto n˚ 2, 1937 – Armando Gonzaga)
(44)
Eu senti imensamente a morte [do pobre rapaz], porque oi achava muito
simpático. (O Hóspede do Quarto n˚ 2, 1937 – Armando Gonzaga)
(45)
Félix: Ela é [amante desse bestalhão]i do secretário americano?
Jeremias: Não afirmo que øi seja ;mas eu não afirmando que é øi , não quer dizer
que não øi seja. (O Simpático Jeremias, 1918 - Gastão Tojeiro)
(46)
[Essa foto]i, nunca hei de esquecer øi: a moça muito jovem,... (No Coração do
Brasil,1992 - Miguel Falabella)
(47)
(falando sobre aborto...)
Margareth: Eu acho tão perigoso fazer essas coisasi em casa. Você devia ir ao
médico.
Dolores: Me disseram que tem um, em Botafogo, que faz øi, mas custa uma nota
preta. E esse chá, se você toma bem quente, e depois anda de montanha russa, É
batata! Pior, minha filha, é fazer com talo de mamona! E tem muitas que fazem!
(5) Posição do Antecedente
Raposo (1986) já havia chamado atenção para a possibilidade de ocorrência do
objeto nulo com antecedente em função de tópico no PE. Além da observar a
possibilidade de ocorrência de pronomes resumptivos em contextos de topicalização, a
hipótese que pretendo confirmar com a análise deste fator é o favorecimento ao objeto
nulo por um antecedente em função de tópico (estrutural ou discursivo). Assim, com esse
grupo estão sendo controladas duas possibilidades: a) posição argumental (na mesma
sentença ou em estruturas paralelas) (48) e b) posição não-argumental (tópico estrutural
ou tópico discursivo) (49). Foram consideradas como não argumentais as estruturas de
topicalização e como tópicos discursivos os antecedentes distantes, estando já fora do
discurso (termos das orações adjacentes foram considerados como dentro da mesma
sequência).
(48)
Quanto aos seus antecedentes, precisamos saber se a senhora nunca tentou
esfaquear [seu marido]i, queimá-loi com ferro elétrico, jogá-lo pela janela... (A
Mulher Integral, 1975 – Carlos Eduardo Novaes)
(49)
(falando sobre aborto...)
Me disseram que tem um, em Botafogo, que faz øi, mas custa uma nota preta. E
esse chá, se você toma bem quente, e depois anda de montanha russa, é batata!
Pior, minha filha, é fazer øi com talo de mamona! E tem muitas que fazem øi! (No
47
Coração do Brasil,1992 - Miguel Falabella)
(6) Posição da ocorrência em relação ao antecedente
Com este fator, pretendo observar a relação entre as estruturas sintáticas que
contêm a retomada do objeto e o seu antecedente. Assim como Figueiredo Silva (2004), a
hipótese é que quanto maior for a distância com relação ao antecedente, maior a
possibilidade de estratégias lexicalizadas. São essas as possibilidades: a) Antecedente na
oração imediatamente anterior (coordenada sindética) (50); b) Antecedente na oração
imediatamente anterior (coordenada assindética) (51); c) Antecedente na oração
imediatamente anterior (subordinada) (52); d) Antecedente no período imediatamente
anterior (53); e) Antecedente no turno anterior (54); f) Antecedente na subordinada
anteposta (55);
(50)
E depois, como come, santo Deus! Segura n[a faca]i assim, olhe, e mete-ai na boca
até o cabo, toda atulhada de comida. (Caiu o Ministério!, 1883 – França Junior)
(51)
Eu vou aproveitar o dia de folga, vou dar uma massagem n[o cabelo] i, enrolar øi,
passar uns cremes no corpo, fazer a unha. Vou me tratar! (No Coração do
Brasil,1992 - Miguel Falabella)
(52)
Vimos [a rosa]i apenas alguns momentos, e quando votamos a contemplá-lai, tinha
já desaparecido! (Luxo e Vaidade, 1860 – Joaquim Manuel de Macedo)
(53)
…Devolvo *teus brincos+i como prova da sinceridade de meu amor. Você esqueceu
elesi comigo e nem sequer pensei em me desfazer deles pra melhorar minha
lamentável situação econômica. (Um Elefante no Caos, 1955 – Millôr Fernandes)
(54)
Florência: Não, não quero [demandas]i.
Ambrósio: É o que eu também digo, mas como preveni-lasi? (O Noviço, 1845 Martins Pena)
(55)
E assim passaram-me os dias, os meses, os anos, até que meu excelso mestre, não
podendo entregar [a alma]i aos credores, entregou-ai ao criador. (O Simpático
Jeremias, 1918 - Gastão Tojeiro)
(7) Distância em relação a primeira menção
Com a análise deste grupo de fator pretendo observar a distância entre a primeira
menção do referente e o seu objeto direto anafórico. A hipótese a ser confirmada é de
que o maior afastamento licencia ou favorece a uma estratégia lexicalizada. Exemplifico
48
em (56) a primeira referência, em (57) a segunda referência após a primeira menção, e
assim por diante até a quinta referência.
(56)
Sim senhor. Diga ao [Senhor Senador]i que hei de fazer todo o possível por serviloi. Vá descansado. (Caiu o Ministério!, 1883 – França Junior)
(primeira menção: Senhor Senador; primeira referência: lo)
(57)
Mas não vale a pena mandar vir [vestidos]i da Europa. Chegam por um dinheirão, e
aqui não apreciam essas coisasi. (Caiu o Ministério!, 1883 – França Junior)
(1ª menção: vestidos; 1ªreferência: (Eles) Chegam por um dinheirão; 2ª referência:
essas coisas).
(58)
Florência: Então, que te parece [teu primo Carlos]i? É a terceira fugida que faz. Isto
assim não é bonito.
Emília: E para que oi prendem?
Florência: Prendem-noi porque ele foge. (O Noviço, 1845 – Martins Pena)
(1ª menção: teu primo Carlos; 1ª referência: É a terceira fugida que (ele) faz.; 2ª
referência: para que o prendem?; 3ª referência: Prendem-no porque ele foge)
(59)
Preciso, e quanto antes, que eu fale com [esta mulher]i. … ela, não há dúvida...
Mas como soube que eu estava aqui? Quem lhe disse? Quem ai trouxe? (O
Noviço, 1845 – Martins pena)
(1ª menção: esta mulher; 1ª referência: ela, não há dúvida...; 2ª referência: Mas
como (ela) soube...; 3ª referência: Quem lhe disse?; 4ª referência: Quem a
trouxe?)
(60)
Florência: Então, que te parece [teu primo Carlos]i? É a terceira fugida que faz. Isto
assim não é bonito.
Emília: E para que oi prendem?
Florência: Prendem-noi porque ele foge.
Emília: E ele foge porque oi prendem. (O Noviço, 1845 – Martins Pena)
(1ª menção: teu primo Carlos; 1ª referência: É a terceira fugida que (ele) faz.; 2ª
referência: para que o prendem?; 3ª referência: Prendem-no; 4ª referência:
porque ele foge; 5ª referência: E ele foge; 6ª referência: porque o prendem.)
(8) Realização do Sujeito na Oração que contém o objeto direto anafórico
Tarallo (1993), também analisando um corpus diacrônico, aponta a preferência por
sujeitos plenos e objetos nulos como característica da gramática do PB em oposição à
gramática do PE, que demonstra preferência pelos sujeitos nulos e objetos diretos
lexicalizados. Segundo Galves (1998), as duas gramáticas aceitam tanto o sujeito nulo
49
quanto o objeto nulo, entretanto, a freqüência com que ambos ocorrem nas duas
variedades difere consideravelmente. Deste modo, a análise deste fator pode revelar uma
relação entre esses dois fatos linguísticos pertencentes a parâmetros diferentes da língua.
Foram observados os sujeitos dos tipos: a) Preenchido (com SN ou pronome pleno) (61) e
(62) e b) Não preenchido (sujeito nulo) (63):
(61)
Mas como lhe dizia, [o meu sobrinho]i cá não apareceu, desde o dia que o padremestre oi levou preso eu ainda não oi vi. (O Noviço, 1845 - Martins Pena)
(62)
Ele pede [um bombom]i. No que você entrega o bombomi, o amor brota entre
vocês. (No Coração do Brasil,1992 - Miguel Falabella)
(63)
É um rapaz muito hábil. O senhor não imagina que [discurso]i tinha ele preparado.
Ontem recitou-mo todo. Ø Sabia-oi na ponta da língua. (Caiu o Ministério!, 1883 –
França Junior)
(9) Traço Semântico do Antecedente
Duarte (1986) confirma os resultados de Omena (1978) e aponta o estatuto
proposicional ou oracional do antecedente como sendo favorecedor da variante objeto
nulo na fala paulistana na década de 80, seguido pelo traço [- animado] do antecedente; o
traço [+ animado] do antecedente corresponde a um fator de resistência à categoria vazia
na retomada do objeto direto. Cyrino (1993, 1997), em seus estudos diacrônicos, destaca
que os contextos oracionais e predicativos, desde o século XVI apresentam variação entre
o uso do clítico e do objeto nulo, passando este último a generalizar-se na variedade
brasileira, a partir do século XIX. Marafoni (2004) observa entre a década de 80 e o ano
2000, em um estudo de painel9, que a restrição ao uso de objeto nulo com antecedente
[+ animado] vai aos poucos enfraquecendo. O que se pretende com este grupo é observar,
no decorrer dos períodos aqui analisados, a implementação do objeto nulo e o possível
enfraquecimento da restrição ao objeto nulo em contextos de antecedente [+ animado] a
partir de uma diferenciação entre os traços [+ animado] e [+ humano] do antecedente.
Por extensão, investigar o grau de interferência do tipo de antecedente do acusativo
9
Nos termos de Labov (1994), um estudo de painel corresponde a um estudo em tempo real de curta
duração. Uma comunidade de fala é observada em dois momentos distintos da linha do tempo. Para um
estudo de painel, neste segundo momento de observação devem ser controlados os mesmos falantes;
para um estudo de tendências, tem-se duas amostras da mesma comunidade de fala colhidas em
momentos diferentes e com falantes diferentes.
50
anafórico de terceira pessoa na escolha das variantes candidatas à sua realização. Seguem
exemplos para os contextos: a) Traço [+animado] do Antecedente (64); b) Traço
[-animado] do Antecedente (65); c) Traço [+humano] do Antecedente (66); d)
Antecedente "sentencial", demonstrativo neutro ou predicativo (67) e (68):
(64)
[Uma aranha enorme]i me atacou. Quebrei a vassoura esmagando elai. (A Mulher
Integral, 1975 – Carlos Eduardo Novaes)
(65)
Daí em diante, todos os dias, depois de fazer limpeza na sórdida baiuca que
habitávamos, punha-me a ouvir [suas lições]i, só asi interrompendo para
despachar os credores do excelso mestre,... (O Simpático Jeremias, 1918 - Gastão
Tojeiro)
(66)
Se é [o Major Tiburcio Mimoso]i, conheço-oi muito. (O Hóspede do Quarto n˚ 2,
1937 – Armando Gonzaga)
(67)
Tu não disse que ia [tirar a letra]i? Eu não sei se vou conseguir øi de uma vez só.
(No Coração do Brasil,1992 - Miguel Falabella)
(68)
Félix: Ela é [amante]i desse bestalhão do secretário americano?
Jeremias: Não afirmo que seja øi; mas eu não afirmando que é øi, não quer dizer
que não oi seja. (O Simpático Jeremias, 1918 - Gastão Tojeiro)
(10) Referencialidade do Antecedente
Cyrino (1997) aponta o traço [-específico/referencial] como um dos responsáveis
pela implementação do objeto nulo no PB. De acordo com Cyrino, Duarte e Kato (2000)
um processo de mudança em direção a uma categoria vazia (um pronome nulo)
começaria pelos itens menos referenciais. As autoras propõem, então, uma hierarquia de
referencialidade, onde argumentos [+humano] ocupam o extremo mais alto da hierarquia
referencial e os não-argumentos no extremo mais baixo. Entre os extremos estão os
argumentos de traço [- humano] e as proposições. Kato, Duarte, Cyrino e Berlinck (2006)
afirmam que já no século XIX podemos observar o objeto nulo com antecedente
[+específico, -humano]. Este grupo de fatores foi estabelecido com o propósito de
observar a aplicação desta escala de referencialidade no que tange às ocorrências do
objeto nulo na virada do século e confirmar os resultados citados. Neste grupo, são
controladas as seguintes variáveis: a) Antecedente [+ específico/ + referencial] (69); b)
Antecedente [- específico/ + referencial] (70); c) Antecedente [SN's indefinidos/genéricos]
(71); d) Antecedente [proposicional] (72):
51
(69)
…*esse navio+i já partiu, ó, há muito tempo e a tonta da Margareth tá até hoje
esperando øi no cais. (No Coração do Brasil,1992 - Miguel Falabella)
(70)
E depois, como come, santo Deus! Segura na [faca] i assim, olhe, e mete-ai na boca
até o cabo, toda atulhada de comida. (Caiu o Ministério!, 1883 – França Junior)
(71)
Eu, quando tava grávida, só queria comer [jiló]i. Comia øi até não me aguentar
mais. (No Coração do Brasil,1992 - Miguel Falabella)
(72)
Eu sabia que o senhor era filho do major, porque o senhor me disse ø i. (O hóspede
do quarto n˚ 2, 1937 – Armando Gonzaga)
(11) Forma/Especificidade do Antecedente
Este grupo ilustra a forma e a especificidade do termo retomado pelo objeto direto
anafórico. Os nomes [SN's] foram classificados como nomes contáveis no plural com ou
sem determinante, nomes contáveis no singular com ou sem determinante ou ainda em
nomes não contáveis com ou sem determinante, como veremos nos exemplos a seguir. A
hipótese para este grupo de fator é que antecedentes não-contáveis e contáveis no
singular sem um determinante (quantificador, artigo, etc.) sejam favoráveis ao objeto
nulo. Estamos controlando as seguintes variáveis: a) Nomes contáveis no plural com
determinante (73); b) Nomes contáveis no plural sem determinante (74); c) Nomes
contáveis no singular com determinante (75); d) Nomes contáveis no singular sem
determinante (76); e) Nomes não contáveis com determinante (77); f) Nomes não
contáveis sem determinante (78):
(73)
O Sr. Ambrósio tomou conta dos [nossos bens]i, vendeu-osi e partiu para
Montevidéu... (O Noviço, 1845 - Martins Pena)
(74)
Meu tio, o que vossa mercê praticou hoje comigo chama-se uma traição: foi
provocar-me a um passeio no Jardim Botânico, sabendo que vinham aqui
[pessoas]i que me olham com o mais insultuoso desprezo, e obriga-me, para não
encontrá-lasi, a correr a medo para as alamedas mais solitárias e afastadas, como
se eu fora... (Luxo e Vaidade, 1860 – Joaquim Manuel de Macedo)
(75)
Pois não, são frescos, sobretudo o Zebedeu. No outro dia, à mesa do jantar,
mamãe disse-lhe: _Vá buscar lá dentro [uma garrafa de vinho do Porto] i, mas tome
cuidado, não ai sacuda. Quando chegou com a garrafa, mamãe perguntou-lhe:
_sacudiu? _não senhora, diz ele, mas vou sacudir agora... (Caiu o Ministério!, 1883
– França Junior)
(76)
Todas a pessoas pogonóforas, isto é, com [barba]i na cara, que não pertencerem
ao Partido Terrorista, devem raspá-lai imediatamente para evitar equívocos fatais.
(Um Elefante no Caos,1955 – Millôr Fernandes)
52
(77)
Que seria [este dinheiro]i nas mãos de uma criatura fraca de ânimo que não
tivesse o discernimento preciso para desviá-loi das más aplicações? (O Simpático
Jeremias, 1918 - Gastão Tojeiro)
(78)
D. Irene: Eu tenho [vergonha]i de sair na rua com você.
Holly: Então engole a vergonhai porque não tem outro, não! (No Coração do
Brasil,1992 - Miguel Falabella)
(13) Data de Publicação da Peça
Neste trabalho, controlamos o tempo a partir da data de publicação da peça que
vai desde a metade do século XIX até fins do século XX. Esperamos encontrar um número
reduzido de clíticos na peça do último período, confirmando seu enfraquecimento na
gramática do PB e evidenciando a mudança sintática em favor do objeto nulo. Seguem
elencadas as peças, seguida da sua data de publicação, e em seguida o autor:
O Noviço -1845 - Martins Pena
Luxo e vaidade - 1860 - Joaquim Manuel de Macedo
Caiu o ministério! - 1883 - França Junior
O simpático Jeremias - 1918 - Gastão Tojeiro
O hóspede do quarto nº 2 - 1937 - Armando Gonzaga
Um elefante no caos -1955 - Millôr Fernandes
A mulher integral - 1975 - Carlos Eduardo Novaes
No coração do Brasil - 1992 - Miguel Falabella
53
CAPITULO 3: ANÁLISE DOS RESULTADOS
Introdução
Neste capítulo apresento os resultados obtidos para cada um dos grupos de
fatores analisados. Inicialmente, na seção que segue, os resultados serão apresentados
considerando as cinco variantes apresentadas no capítulo anterior, clítico acusativo,
pronome lexical, SN anafórico, objeto nulo e pronome demonstrativo, relacionando-os
aos dos trabalhos já comentados para verificar se as hipóteses levantadas se confirmam.
Em seguida, interpreto os resultados considerando as variantes que entram em
competição na linha do tempo para então verificar de que modo os fatores analisados
atuaram na mudança em direção à categoria vazia. Por fim, faço algumas observações
acerca do que os resultados aqui encontrados nos dizem sobre os cinco problemas da
mudança linguística propostos por WLH (1968).
3.1 Resultados gerais
Nesta seção apresento os resultados gerais focalizando os fatores linguísticos
condicionadores das variantes, tendo em vista principalmente os resultados encontrados
por Marafoni (2004; 2010) para a diferença entre PB e PE. Desse modo, buscamos aqui
mostrar como se configuram os condicionamentos estruturais para uma determinada
forma, sem considerar o fator tempo.
3.1.1 Distribuição geral da variantes
A tabela 3.1 a segui traz a distribuição das cinco variantes estudadas. A análise dos
valores apresentados na tabela mostra que, apesar de a porcentagem de clíticos (48,0%)
ainda ser a maior dentre as variantes, se somarmos os valores absolutos de
preenchimento do objeto direto anafórico através de pronome lexical (1,0%), SN (8,5%) e
objetos nulos (39,6%) chegaríamos a um resultado bem próximo ao número de clíticos
(49,1%), o que pode indicar que o fenômeno encontra-se em variação. O SN anafórico
aparece como a terceira opção de retomada com 8,5% e em seguida, o pronome lexical
com apenas 1,0%.
54
Tabela 3.1: Realização do objeto direto anafórico na amostra de peças
Clítico
Objeto Nulo
SN
Dem. Isso
388 – 48%
320 – 39,6%
69 – 8,5
24 – 3%
Pron. Lexical
Total
8 – 1%
809 – 100%
3.1.2 A Forma Verbal
A Tabela 3.2 nos mostra a distribuição das variantes de acordo com a forma verbal
que seleciona o objeto direto anafórico.
Tabela 3.2: Distribuição das variantes de acordo com a forma verbal do verbo que seleciona o objeto
direto anafórico.
Clítico
Forma verbal
SN
Pron. dem.
Pron. lex.
ON
Total
N
%
N
%
N
%
N
%
N
%
N
%
Indicativo
175
41,3
37
8,7
11
2,6
5
1,2
196
46,2
424
100
Subjuntivo/ Imp.
49
54,4
4%
4,4
6
6,7
1
1,1
30
33,3
90
100
Infinitivo
97
58,4
15
9,0
3
1,8
1
1,1
51
30,7
166
100
Gerúndio
8
88,9
0
0,0
1
11,1
0
0,0
0
0,0
9
100
Loc. particípio
5
35,7
2
14,3
1
7,1
0
0,0
6
42,9
14
100
Loc. c/ gerúndio
5
31,2
1
6,2
0
0,0
1
6,2
9
56,2
16
100
Loc. c/ infinitivo
49
54,4
10
11,1
2
2,2
1
1,1
28
31,1
90
100
Total
388
48,0
69
8,5
24
3,0
8
1,0
320
39,6
809
100
A hipótese para este grupo de fator era encontrar nas formas simples e compostas
com infinitivo um contexto de resistência de uso dos clíticos, segundo de Duarte (1986) e
Freire (2000) que apontam a ênclise ao infinitivo como o único contexto de ocorrência
desta variante. Os números da tabela corroboram as pesquisas na medida em que temos
nas construções simples e compostas com infinitivo respectivamente 58,4% e 54,4% de
preenchimento com clíticos, conforme demonstram os exemplos (1), (2) e (3).
(1)
Não que [a vida de frade]i seja má; boa ela é para quem ai sabe gozar e que para
ela nasceu (O Noviço, 1845 – Martins Pena)
(2)
…creio que vocês por hora se contentam com estas alturas. Ah! Gil Brás de
Santilhana!... mas... que [ideia]i! não ai devo perder... meus fidalgos; até logo!
(Luxo e Vaidade, 1860 – Joaquim Manuel de Macedo)
(3)
De qualquer maneira, eu não teria coragem de tomar [um compromisso]i, sabendo
55
antecipadamente que não poderia resolvê-loi. (O Hóspede do quarto n˚2, 1937 –
Armando Gonzaga)
Com relação às outras formas verbais analisadas, somente nas formas de
Subjuntivo/Imperativo encontramos maior número de casos de clíticos (54%) do que de
ON (33,3%) conforme (4) e (5). No entanto, merece observação o fato de que se trata de
uma diferença pequena no valor absoluto das ocorrências (temos 49 dados de retomada
por clítico e 30 dados de categoria vazia, portanto, apenas 11 dados de diferença).
(4)
Fiquem os senhores aqui do lado da porta, muito calados; eu chamarei [o
sobrinho]. Assim que ele sair, não lhe dêem tempo de fugir; lancem-se de
improviso sobre ele e levem-noi a força. (O Noviço, 1845 – Martins Pena)
(5)
Deve ser [o Honorato]i. Mande øi entrar. (O Hóspede do quarto n˚2, 1937 –
Armando Gonzaga)
Quanto ao caso de gerúndio simples, o alto valor da porcentagem (88,9%) pode
trazer a falsa impressão de ser um contexto favorecedor de clíticos, no entanto, também
merece destaque o fato de terem sido encontradas apenas 8 ocorrências, uma das quais
exemplifico em (6), dentro de um total de 809 dados.
(6)
Ora…eu não conhecia *meu padrinho+i, vendo-oi correr atrás de mim para me
abraçar... (Luxo e Vaidade, 1860 – Joaquim Manuel de Macedo)
O SN anafórico aparece distribuído nos contextos de verbos no Indicativo (8,7%),
Infinitivo simples (9,0%) e em locuções com infinitivo (11,1%) conforme (7), (8) e (9). O
pronome lexical aparece concentrado nas formas verbais do Indicativo (10), assim como o
pronome demonstrativo isso (11).
(7)
E até para os que apenas são honestos, em parte. Para você, por exemplo, ser
honesto é pagar [as suas contas]i em dia. Mas por que paga você as suas contasi
em dia? (O Hóspede do quarto n˚2, 1937 – Armando Gonzaga)
(8)
Hortênsia: Deveras que nunca vi [rosa]i mais bela, nem mais perfeita.
Fabiana: Mas de quem seria a mão cruel que se atreveu a roubar aquela princesai
do jardim?... (Luxo e Vaidade, 1860 – Joaquim Manuel de Macedo)
(9)
Ora, mamãe, é muito [dinheiro]i. Ainda mais com a situação de reviravolta no
país, você nunca vai receber esse dinheiroi. É dinheiro demais! Eles não pagam!
56
(Um Elefante no Caos, 1955 – Millor Fernandes)
(10)
Neiva: E [o pai]i, te dá alguma coisa?
Dolores: Só desgosto! Eu bem que fui no quartel, pra ver se o comandante
enquadrava elei, mas não deu em nada. (No Coração do Brasil, 1992 – Miguel
Falabella)
(11)
…As grandes vitórias humanas são simples produtos do acaso. Os triunfadores que
não são totalmente imbecis, no íntimo, reconhecem issoi... (O Hóspede do quarto
n˚2, 1937 – Armando Gonzaga)
3.1.3 Transitividade e estrutura projetada pelo verbo
Passemos agora ao exame da transitividade verbal e da estrutura projetada pelo
predicador com a observação do comportamento das variantes de acordo com cada
contexto segundo a Tabela 3.3, a seguir.
Tabela 3.3: Realização do objeto direto anafórico segundo a estrutura projetada pelo verbo.
Clítico
SN
Dem.
Pron lexical
ON
Total
N
%
N
%
N
%
N
%
N
%
N
%
OD(SN)
256
54,7
53
11,3
3
0
5
1,1
151
32,3
468
100
OD(SN) + Obl/Circ.
46
67,6
8
11,8
0
0
1
1,5
13
19,1
68
100
OD(SN) + OI(SN)
22
31,9
7
10,1
6
8,7
1
1,4
33
47,8
69
100
OD(SN) + Pred. do obj
14
66,7
0
0
0
0
0
0
7
33,3
21
100
OD[SUacc + Vinf.]
6
66,7
0
0
0
0
1
11,1
2
22,2
9
100
Cópula + Pred. Suj.
3
25
0
0
0
0
0
0
9
75
12
100
OD(S)
22
15,6
0
0
15
10
0
0
104
73,8
141
100
OD + Obl(S)
19
90,5
1
4,8
0
0
0
0
1
4,8
21
100
Total
388
48,0
69
8,5
24
3,0
8
1,0
320
39,6
809
100
Os resultados encontrados apresentam para construções simples do tipo SVO
(primeira, segunda e terceira linha) maior número de ocorrências de clíticos do que de
objetos nulos. Somente com os verbos bitransitivos exemplificados em (12) e (13), ou
seja, que selecionam dois argumentos internos, temos maior porcentagem de objetos
nulos (47,8%) do que de clíticos (31,9%). Os verbos predicativos transitivos
(correspondentes à quarta linha da tabela) também favorecem à seleção da variante
57
padrão conforme (14) computando 67% das ocorrências.
(12)
Aliás, hoje eu vou sair com uma subversiva ótima. Quer ir? Ela tem [uma amiga]i,
eu lhe apresento øi. (A Mulher integral, 1975 - Carlos Eduardo Novaes)
(13)
...E tem [o quarto de empregada]i, lá fora. Eu lhe mostro øi. (Um Elefante no Caos,
1955 – Millor Fernandes)
(14)
No fundo [a fortuna]i é para quem sabe adquiri-la. Pintam-nai cega. (O Noviço,
1845 – Martins Pena)
Os verbos cópula e os transitivos que selecionam obrigatoriamente uma oração,
como exemplificados em (15) e (16), são os que apresentam maior porcentagem de
ocorrência de objeto nulo. Isso se deve ao fato já apontado na diacronia de Cyrino (1997)
de serem os predicativos e sentenciais os primeiros contextos a abrigarem o objeto nulo.
(15)
Há oito anos, era eu pobre e miserável, e hoje sou [rico], e mais ainda serei øi. (O
Noviço, 1845 – Martins Pena)
(16)
Pai, que me escutas comovido. Mãe, que me olhas espantada, respondei: quem
precipitou essa infeliz na vergonha da corrupção?... Dizei øi ! (Luxo e Vaidade, 1860
– Joaquim Manuel de Macedo)
O demonstrativo isso (17) aparece como concorrente do clítico (18) em estruturas
que retomam antecedentes sentenciais correspondendo a 10% das ocorrências contra
15,6% de clíticos.
(17)
D. Barbara: [Está em casa com toda certeza; mas negou-se]i.
Coelho: Istoi sei eu; e por isso é que entrei. (Caiu o Ministério!, 1883 – França
Junior)
(18)
Fabiana: ... [o que lhe importa saber é que Dona Leonina o ama
apaixonadamente]i.
Pereira: Vossa Excelência oi assegura com toda a certeza? (Luxo e Vaidade, 1860 –
Joaquim Manuel de Macedo)
Quanto ao pronome lexical, os dados aqui corroboram, em parte, os de Duarte
(1986) que aponta os contextos de construções sintáticas mais complexas com predicativo
e objeto constituindo uma mini-oração (semi-clause) e das construções complexas com
reduzidas de infinitivo e de gerúndio como favorecedores desta variante. Não foi
58
encontrado pronome lexical em mini-oração e apenas uma ocorrência de construções
complexas com infinitivo ou gerúndio (19). Na verdade, o pronome lexical pouco aparece
na amostra, somente 8 vezes. As 6 ocorrências restantes aparecem em estruturas simples,
como (20) e (21), o que também corrobora Duarte (1986) confirmando não ser esta uma
escolha comum.
(19)
Paulo, Paulo, estão atirando n[o homem que saiu daqui]i. Ele vem correndo pela
escada. É melhor fechar a porta! Não deixa ele i entrar! Vão matá-lo aqui dentro.
(Um Elefante no Caos, 1955 – Millor Fernandes)
(20)
Paulo: Ah, mãe, você está enganada a respeito [desta moça] i. Ela...
Maria: Você já conhecia ela i? (Um Elefante no Caos, 1955 – Millor Fernandes)
(21)
...Devolvo [teus brincos] i como prova da sinceridade de meu amor. Você esqueceu
eles i comigo e nem sequer pensei em me desfazer deles pra melhorar minha
lamentável situação econômica. (Um Elefante no Caos, 1955 – Millor Fernandes)
3.1.4 Contexto sintático da oração que contém o objeto direto anafórico
A tabela 3.4 descreve a distribuição das variantes de acordo com o contexto
sintático da oração que contém o objeto direto anafórico.
Tabela 3.4: Realização do objeto direto anafórico segundo a estrutura da oração
Clítico
SN
Dem.
Pron. lex.
ON
Total
N
%
N
%
N
%
N
%
N
%
N
%
Raiz
144
39,3
31
8,5
18
4,9
5
1,4
168
45,9
366
100
Coordenada (segunda)
87
53,7
10
6,2
0
0
0
0
65
40,1
162
100
Compl. função de sujeito
12
66,7
0
0
0
0
0
0
6
33,3
18
100
Compl. função de objeto
51
52,6
13
13,4
3
3,1
1
1,0
29
29,9
97
100
Completiva de nome
13
56,5
2
8,7
1
43
0
0
7
30,4
23
100
Relativa
22
73,3
2
6,7
1
3,3
0
0
5
16,7
30
100
Adjunta
59
52,2
11
9,7
1
0,9
2
1,8
40
35,4
113
100
Total
388
48,0
69
8,5
24
3,0
8-
1,0
320
39,6
809
100
59
Os resultados encontrados para este contexto confirmam a hipótese de que no PB
o objeto nulo não sofreria restrições aos contextos de ilha sintática, ao contrário do que
afirmou Raposo (1986). Em todos os contextos sintáticos temos casos de ON. Seguem os
exemplos (22), (23) e (24) trazendo o objeto nulo em contextos de “ilhas” (orações
relativas, adjuntas e completivas nominais):
(22)
As mulheres perdem [a virgindade]i nas mais diferentes circunstâncias. Tem uma
aluna nossa que perdeu øi dentro de um desses tubulhões do emissário
submarino. (A Mulher Integral, 1975 - Carlos Eduardo Novaes)
(23)
Já reparou que [a D. Irene]i não elogia mais os militares?
Margareth: Também, coitada. Se a gente não ajudasse øi, tinha dia que ela nem
comia. (No Coração do Brasil, 1992 – Miguel Falabella)
(24)
Oh, muito obrigado! Por acaso...eu tinha trazido aqui...[uma lembrancinha] i... Se
me der a licença de aceitar øi ... (Um Elefante no Caos, 1955 – Millor Fernandes)
As orações raiz (matriz/simples/primeira, em coordenação), e as orações
coordenadas (segundas no período coordenado) são os contextos nos quais observamos
maior porcentagem de objetos nulos (45,9%) e (40,1%), como em (25) e (26).
(25)
Julia: Ele precisa reafirmar constantemente [suas qualidades de garanhão]i.
Alice: E não pode reafirmar øi com a própria mulher? (A Mulher Integral, 1975 Carlos Eduardo Novaes)
(26)
…*esse navio]i já partiu, ó, há muito tempo e a tonta da Margareth tá até hoje
esperando øi no cais. (No Coração do Brasil, 1992 – Miguel Falabella)
Os SN's anafóricos estão distribuídos nas orações raiz (matriz/simples/primeira,
em coordenação) (8,5%), nas completivas de verbo com função de objeto (13,4%) e nas
adjuntas (9,7%). Os exemplos estão em (27), (28) e (29):
(27)
Carlos: ...e lhe dou [a escritura]i.
Ambrósio: Caro sobrinho! E, para mostrar o meu desinteresse, rasgo essa
escriturai. (O Noviço, 1845 – Martins Pena)
(28)
Jeremias: Só lhe suplico deixar-me usar [este monóculo]i,...Jamais me separarei
deste cristalino disco de penetrante visualidade na alma humana.
Madalena: Está bem. Consentirei que use o monóculoi. (O Hóspede do Quarto n˚2,
1937 – Amando Gonzaga)
60
(29)
Ventura: ...Tive um tia que também se chamava Felicidade. Infeliz senhora! Morreu
depois de ter comido [uma perna de frango]i...
Felicidade: Envenenada?
Ventura: Não. Depois de ter comido [a maldita perna de frango]i, saiu para visitar
uma amiga. (O Hóspede do quarto n˚2, 1937 – Armando Gonzaga)
Quanto ao pronome lexical e o demonstrativo isso, ambos são mais frequentes em
orações raiz (matriz/simples/primeira, em coordenação) conforme (30) e (31):
(30)
…Devolvo *teus brincos+i como prova da sinceridade de meu amor. Você esqueceu
elesi comigo e nem sequer pensei em me desfazer deles pra melhorar minha
lamentável situação econômica. (Um Elefante no Caos, 1955 – Millor Fernandes)
(31)
É necessário arranjar um pretexto plausível, uma maneira digna... Olha, ó
Jeremias, entrego à sua sabedoria a solução desse caso. Consiga-me issoi e terá
uma recompensa de encher o olho. (O Simpático Jeremias, 1918 – Gastão Tojeiro)
3.1.5 Função sintática do antecedente
Estes resultados descrevem a realização das variantes de acordo com a função
sintática do antecedente. Vejamos os números da tabela 3.5:
Tabela 3.5: Distribuição das variantes de acordo com a função sintática do antecedente.
Clítico
SN
Pron. dem.
Pron. lex.
ON
Total
N
%
N
%
N
%
N
%
N
%
N
%
Sujeito
171
76,3
10
4,5
0
0
4
1,8
39
17,4
224
100
Objeto
132
46,2
50
17,5
2
0,7
3
1,0
99
34,6
286
100
Complemento nominal
15
60,0
4
16,0
0
0
1
4,0
5
20,0
25
100
Adjunto adnominal
18
78,3
2
28,7
0
0
0
0
3
13
23
100
Predicativo
7
41,2
0
0
0
0
0
0
10
58,8
17
100
Tópico (estrut./disc.)
14
37,8
3
8,1
1
2,7
0
0
19
51,4
37
100
Total
357
58,3
69
11,3
3
0,5
8
1,3
175
28,6
612
100
61
Os trabalhos comentados, de modo geral, apontam o antecedente com a mesma
função de objeto como forte condicionamento para o objeto nulo. Marafoni (2004)
observa que o ON no PB oral tem se alastrado a antecedentes de outras funções, o que se
confirma com os dados da tabela acima, visto que temos dados de ON retomando todas
as funções selecionadas, inclusive quando o antecedente exerce função de sujeito,
apontada por Kato e Raposo (2001) como restrição ao ON no português. Sobre a função
de sujeito, para Freire (2005), o PB não sofreria essa restrição, e os dados da tabela o
confirmam, visto que, embora com porcentagem consideravelmente menor em
comparação às outras funções (17,4%), somamos 39 casos de ON com antecedente
sujeito. Na segunda linha, para a função de objeto, temos 34,6% de ON e 46,2% de
clíticos, o que pode aparentemente indicar a preferência pelo pronome neste contexto, no
entanto, se somarmos os percentuais de ON com os 17,5% de retomada por SN anafórico,
teremos mais da metade dos dados o que pode nos sugerir que as outras variantes
surgem como opção de uso em detrimento do pronome clítico, princialmente o SN
anafórico muito bem observado por Duarte (1986).
As funções que, de acordo com a tabela, favorecem o objeto nulo, com
porcentagem acima de 50%, são as de predicativo (cf. Cyrino, 1997) e de tópico (estrutural
ou discursivo) que será discutida a seguir.
Em (32), (33), (34), (35), (36) e (37) temos exemplos de ON retomando as funções
de sujeito, objeto direto, complemento nominal, adjunto adnominal, predicativo e tópico.
(32)
Vai ver [a menina]i ainda não dormiu. Tem dia que ela tá tão agitada que a gente
ouve øi daqui. (No Coração do Brasil, 1992 – Miguel Falabella)
(33)
Carlos: Ainda duvidas? Ve como enganam [esta inocente criança]i!
Emília: Não enganam øi não, primo. (O Noviço, 1845 – Martins Pena)
(24)
Foi reprovada [na redação]i. Margereth escreveu cada besteira que vocês
precisavam ver. Eu queria guardar øi, mas ela rasgou. (No Coração do Brasil, 1992,
Miguel Falabella)
(35)
…destas *despesas loucas+i e superiores aos recursos de quem asi faz, transpira
uma prova de demência ou de imoralidade (Luxo e vaidade,1860 - Joaquim
Manuel de Macedo)
(36)
Carlos: Nem eu nem meu primo Juca queremos ser [frades]i...
Ambrósio: Não serão øi. (O Noviço, 1845 – Martins Pena)
62
(37)
[E esse chá]i, se você toma øi bem quente, e depois anda de montanha russa, é
batata! (No Coração do Brasil, 1992 – Miguel Falabella)
O SN anafórico, como em (139) mais especificamente, aparece mais expressivo
retomando antecedente com função de objeto apresentando 50 ocorrências em um total
de 69.
(38)
Ela sim! Por causa dela já não durmo, já não como, já não bebo. Vi-a pela primeira
vez, há uma semana, no Castelões. Comia [uma empada]i! Com que graça ela
segurava a apetitosa iguariai entre o fura-bolo e o mata-piolho, assim, olhe. Vê-la e
perder a cabeça foi obra de um momento. (Caiu o Ministério!, 1883 - França
Junior)
O pronome lexical apresenta 4 ocorrências retomando a função de sujeito como
em (39), 3 retomando a de objeto como em (40) e uma retomando a função de
complemento nominal (41) em um total de 8:
(39)
[Rosa]i subiu pelo elevador e o elevador enguiçou com ela lá dentro. Você quer ver
se o Nanico tira elai de lá? (Um Elefante no Caos, 1955 – Millor Fernandes)
(40)
Devolvo [teus brincos] como prova da sinceridade de meu amor. Você esqueceu
elesi comigo e nem sequer pensei em me desfazer deles pra melhorar minha
lamentável situação econômica. (Um Elefante no Caos, 1955 – Millor Fernandes)
(41)
Paulo: Ah, mãe, você está enganada a respeito d[esta moça]i.
Maria: Ela... Você já conhecia elai? (Um Elefante no Caos, 1955 – Millor Fernandes)
O demonstrativo isso, por retomar frequentemente uma oração, aparece
inexpressivo nesta tabela com apenas 3 ocorrências, uma das quais transcrevo em (42).
(42)
Mas isso não é decente. É necessário arranjar um pretexto plausível, uma maneira
digna... Olha, ó Jeremias, entrego à sua sabedoria a solução desse caso. Consigame issoi e terá uma recompensa de encher o olho. (O Simpático Jeremias, 1918 –
Gastão Tojeiro)
3.1.6 Posição do antecedente
Observemos a distribuição das variantes relacionando-as à posição argumental ou
não-argumental do antecedente.
63
Tabela 3.6: Distribuição das variantes de acordo com a posição do antecedente.
Clítico
SN
Pron. dem.
Pron. lexical
ON
Total
N
%
N
%
N
%
N
%
N
%
N
%
Argumental
374
48,4
66
8,5
23
3,0
8
1,0
301
39,0
772
100
Não-argumental
14
37,8
3
8,1
1
2,7
0
0
19
51,4
37
100
Total
388
48,0
69
8,5
24
3,0
8
1,0
320
39,6
809
100
Os percentuais encontrados confirmam a suspeita de Raposo (1986). A posição
não-argumental do antecedente, ilustrada em (43) se apresenta aqui como um contexto
favorecedor do objeto nulo com 51,4% de ocorrências, ou seja, mais da metade neste
contexto.
(43)
[Essa foto]i, nunca hei de esquecer øi: a moça muito jovem,... (No Coração do
Brasil, 1992 – Miguel Falabella)
Em posição argumental, o somatório dos percentuais de SN anafórico (8,5%),
pronome demonstrativo (1,0%) e objeto nulo (39,0%), exemplificados por (44), (45) e (46)
se equipara ao percentual de clíticos (48,4%), como em (47) demonstrando mais uma vez
a variante padrão competindo com as outras estratégias de retomada do objeto direto
anafórico.
(44)
[A minha amizade]i, excelentíssima...Eu não ofereço a minha amizadei a esta fúria
nem que me serrem! (Luxo e vaidade,1860 - Joaquim Manuel de Macedo)
(45)
[Lisol?] Se não me engano issoi é uma droga para matar gente. (O Simpático
Jeremias, 1918 – Gastão Tojeiro)
(46)
[Essa unha]i, eu tenho øi encravada há muito tempo. (No Coração do Brasil, 1992 –
Miguel Falabella)
(47)
[Esse filho do Major Tiburcio]i, se o Carlos conseguisse traze-loi aqui pra casa,
talvez nos aproveitasse bem... (O Hóspede do Quarto n˚2, 1937 – Amando
Gonzaga)
3.1.7 Posição da ocorrência em relação ao antecedente
Procurei observar com este fator a relação entre as estruturas que contém o
objeto direto anafórico e a que contém o seu referente.
64
Tabela 3.7: Posição do objeto direto anafórico em relação ao antecedente.
Clítico
SN
Dem.
Pron. Lex.
ON
Total
N
%
N
%
N
%
N
%
N
%
N
%
Antecedente na or. anterior
(sindética)
39
55,7
3
4,3
1
11,4
0
0
27
38,6
70
100
Antecedente na or. anterior
(assindética)
44
55,0
4
5,0
0
0
0
0
32
40,0
80
100
Antecedente na or. anterior
(subordinada)
45
66,2
2
2,9
0
0
0
0
21
30,9
68
100
Período anterior
72
47,4
16
10,5
4
2,6
4
42,6
56
36,8
152
100
Turno anterior
169
41,4
43
10,5
19
4,7
4
1,0
173
42,4
408
100
Antecedente na
subordinada anteposta
19
61,3
1
3,2
0
0
0
0
11
35,5
31
100
Total
388
48,0
69
8,5
24
3,0
8
1,0
320
39,6
809
100
Parti do pressuposto que quanto maior fosse a distância da ocorrência, maior seria
a preferência por uma estratégia lexicalizada, conforme proposto por Figueiredo Silva
(2004). A expectativa é confirmada. Nos contexto de coordenação alocados na primeira e
segunda linha da tabela, o preenchimento do objeto direto anafórico corresponde a mais
da metade dos dados (com somatórios de 55,7% e 55%), no entanto, a categoria vazia se
apresenta como forte concorrente (38,6% e 40,0%). Veja os exemplos (48), com
preenchimento com clítico e (49) sem preenchimento.
(48)
Eu, que quisera viver com uma espada à cinta e à frente do meu [batalhão] i,
conduzi- loi ao inimigo através da metralha, bradando... (O Noviço, 1845 – Martins
Pena)
(49)
Hoje, já não podendo, questionei com o D.Abade. [Palavras]i puxam palavras; dize
øi tu, direi eu, e por fim de contas arrumei-lhe uma cabeçada, que o atirei por
esses ares. (O Noviço, 1845 – Martins Pena)
Os contextos de subordinação, ao contrário do que verificou Figueiredo Silva
(2004), são os contextos que mais favoreceram ao clítico com 66,2% e 61,3%, que
demonstro com (50) e (51):
(50)
Sucedia, porém, que essa canoa, às vezes, por conduzir carga demasiada de
65
[homens]i, virava no meio do rio, atirando-osi todos à água. (O Simpático Jeremias,
1918 – Gastão Tojeiro)
(51)
Ide levar os sapatos do americano e se ele vos der [uma gorjeta], não a i guardeis,
mas trazei-ai porque representa o fruto sanzonado do meu esforço. (O Simpático
Jeremias, 1918 – Gastão Tojeiro)
Se levarmos em consideração os números referentes ao antecedente em turno
diferente da ocorrência, o somatório das variantes lexicalizadas ultrapassa a metade do
número de dados neste contexto, 57,6%, mas não deixa de saltar aos olhos os 42,4% de
objetos nulos representados por (52). Note-se que este é o contexto em que o SN
anafórico (53) aparece mais expressivo, computando 43 dados de um total de 64
ocorrências.
(52)
Armando: Cadê [meu prato]i?
Cristina: Procure øi. (A Mulher Integral, 1975 - Carlos Eduardo Novaes)
(53)
Carlos: E será também falsa [esta certidão] do vigário da freguesia de...
Ambrósio: Dá-me esse papeli! (O Noviço, 1845 – Martins Pena)
Quando o antecedente se encontra em outro período, a hipótese se confirma com
somatório de 63,1% de estratégias lexicalizadas, como nos exemplo (54) e porcentagem
de 36,8% de ON representado por (55).
(54)
Mas não vale a pena mandar vir [vestidos]i da Europa. Chegam por um dinheirão,
e aqui não apreciam essas coisasi. (Caiu o Ministério!, 1883 - França Junior)
(55)
Olhe, quero contar-lhe em segredo: Dona Leonina amava não sei porque ao
coronel Reinaldo; o galanteio entre ambos tinha ido além de certos limites; desde
porém que Vossa Excelência se apresentou como pretendente, o coronel, embora
tenha ainda licença para amar øi, perdeu já a esperança no casamento. (Luxo e
vaidade, 1860 - Joaquim Manuel de Macedo)
O pronome lexical se distribui simetricamente entre esses dois últimos contextos,
com 50% dos casos com antecedente em outro período e 50% com antecedente em outro
turno, conforme (56) e (57):
(56)
[Uma aranha]i enorme me atacou. Quebrei a vassoura esmagando elai. (No
Coração do Brasil, 1992 – Miguel Falabella)
(57)
Neiva: E [o pai]i, te dá alguma coisa?
66
Dolores: Só desgosto! Eu bem que fui no quartel, pra ver se o comandante
enquadrava elei, mas não deu em nada. (No Coração do Brasil, 1992 – Miguel
Falabella)
Quanto ao demonstrativo, temos mais da metade das ocorrências com
antecedente em turno diferente da anáfora como demonstrado em (58):
(58)
Cristóvão: Lisol? Se não me engano isso é uma droga para matar gente.
Elisa: Olha que ideia!
Cristóvão: Para que diabo quer você issoi? (O Simpático Jeremias, 1918 – Gastão
Tojeiro)
3.1.8 Distância da ocorrência com relação à primeira menção
A Tabela 3.8 a seguir descreve a relação das variantes com relação à distância do
referente.
Tabela 3.8: Distribuição das variantes de acordo com a distância do referente.
Variantes
Clítico
SN
Pron dem.
Pron. Lexical
ON
Total
Condicionamento
N
%
N
%
N
%
N
%
N
%
N
%
1˚ Referência
220
42,1
44
8,4
23
4,4%
3
0,6
233
44,6
523
100
2˚ Referência
104
57,5
14
7,7
1
0,6
5
2,8
57
31,5
181
100
3˚ Referência
42
60,9
8
11,6
0
0
0
0
19
27,5
69
100
4˚ Referência
16
164
2
8,0
0
0
0
0
7
28
25
100
5˚ Referência
6
54,5
1
9,1
0
0
0
0
4
36,4
9
100
Total
388
48,0
69
8,5
24
3,0
8
1,0
320
39,6
809
100
A hipótese a ser confirmada com a análise deste grupo de fatores, assim como o
grupo anterior, era que quanto mais distante a referência anafórica estivesse do seu
antecedente, ou da sua primeira menção no discurso, mais favoreceria a uma estratégia
lexicalizada. Mais uma vez, a hipótese se confirma. O objeto nulo só apresenta
porcentagem relativamente alta (44,6%) quando corresponde à primeira referencia
seguida à primeira menção do antecedente, como demonstro em (59).
(59)
Mas [as inglesas]i são very beautiful. Eu vi øi em Londres, verdadeiras formosuras.
(Caiu o Ministério!, 1883 - França Junior)
67
Da segunda referencia em diante, como em (60) e (61), já se observa maioria
considerável no somatório das porcentagens de estratégias com preenchimento com
relação à categoria vazia. O exemplo (62) ilustra um caso de preenchimento através de SN,
que de acordo com a tabela se concentra neste contexto (somando 44 de 69 casos ao
todo).
(60)
Armando: Não? Por que não? Ainda não está pronto? Eu não lhe avisei que ia
chegar cedo pra almoçar? Por que você não aprontou [o almoço]i na hora?
Cristina: Ele está pronto, eu é que não vou botá-loi na mesa. (A Mulher Integral,
1975 – Carlos Eduardo Novaes).
(61)
Na hora d[ele]i chegar ao invés de recebê-lo sem pintura, com avental de cozinha,
cheirando a gordura, aguarde-o, olhe-oi de odalisca, gogo gril... (A Mulher Integral,
1975 – Carlos Eduardo Novaes.)
(62)
Alice: Um noite, um grupo de Grace encurralou [um cidadão]i num daqueles becos
do Bronx...
Cristina: Um cidadão comum ou um porco chovinista?
Alice: Devia ser um porco: oito filhos, todos homens. Mas deixa eu contar:
cercaram o homem. Ao se ver cercado, ele quis correr. Segura daqui, apanha dali,
seguraram o homemi (A Mulher Integral, 1975 – Carlos Eduardo Novaes.)
3.1.9 Presença/ ausência de sujeito na oração que contém o objeto direto
anafórico
Segue a Tabela 3.9 com a distribuição das variantes relacionadas à presença ou
ausência de sujeito na oração em que está o objeto direto anafórico.
Tabela 3.9: Distribuição das variantes de acordo com a realização do sujeito.
Variantes
Condicionamento
Clítico
SN
Dem.
Pron. Lex
ON
Total
N
%
N
%
N
%
N
%
N
%
N
%
Suj. preenchido
101
39,9
21
8,3
13
5,1
6
2,4
112
44,3
66
100
Suj. não preenchido
266
50,3
46
8,7
10
1,9
2
0,4
205
38,8
187
100
Total
367
46,9
67
8,6
23
2,9
8
1,0
317
40,5
782
100
O objetivo de se analisar este grupo de fator é encontrar algum tipo de relação
entre a tendência do PB de representar fonologicamente o sujeito referencial e não o
fazer com o objeto direto anafórico, seguindo direção contrária ao PE, que tende a apagar
os sujeitos e representar os objetos. Os números desta tabela demonstram certa simetria
68
entre os percentuais de preenchimento e não preenchimento de objeto em estruturas
com e sem a presença do sujeito. Na verdade, observando a primeira linha da tabela,
vemos que o percentual de objetos nulos (44,3) é superior ao percentual de clíticos (39,9)
para as estruturas com o sujeito preenchido. No entanto, em uma observação mais
atenta, somado-se os números de objeto preenchido pelas quatro variantes não nulas
(SN, clítico, pronome demonstrativo e pronome lexical) e contrastando com o número de
objetos nulos, temos um outro resultado: mais objetos preenchidos (141) do que nulos
(112) em estruturas com o sujeito também preenchido. Na segunda linha temos os
valores para as estruturas com o sujeito não preenchido e o maior percentual é o de
clíticos (266 – 50,3%), seguido do objeto nulo (205 – 38,8%), do SN anafórico (46 – 8,7%),
do pronome demonstrativo (10 – 1,9%) e do pronome lexical (2 – 0,4%). Neste contexto, a
hipótese se confirma: paras sujeitos não preenchidos, temos maioria de objetos
preenchidos. É interessante observar nesta tabela que, olhando isoladamente o caso do
preenchimento do objeto com SN anafórico, temos maior percentual para as estruturas
com o sujeito não preenchido do que para as estruturas com o sujeito preenchido (21 –
8,3%), também confirmando a hipótese, por esse ângulo. A distribuição das variantes
relacionada ao preenchimento do sujeito parece ainda carecer de maior atenção pois os
resultados obtidos a partir desta amostra são, de modo geral, favoráveis ao proposto por
Tarallo (1993).
3.1.10 Traço Semântico do Antecedente
Passemos agora ao exame do traço semântico do antecedente com base na
distribuição das variantes apresentada na tabela 3.10.
Tabela 3.10: Distribuição das variantes de acordo com o traço semântico do antecedente.
Variantes
Clítico
SN
Pron. dem.
Pron. Lex
ON
Total
Condicionamento
N
%
N
%
N
%
N
%
N
%
N
%
[+aninado]
9
50
6
33
0
0
2
10
1
5,6
18
100
[+humano]
209
83
15
6,0
0
0
5
1,9
24
9,2
253
100
[-animado]
129
40
48
15
3
1,0
1
0,3
137
43
318
100
[Proposição]
34
16
0
0
21
10
0
0
158
74,2
213
100
Total
388
48
69
8,5
24
3,0
8
1,0
320
39,6
809
100
69
Os números da tabela acima comprovam, para os períodos analisados, o
antecedente proposicional como preferencial ao objeto nulo, seguido dos antecedentes
com traço [- animado] conforme apontaram Cyrino (1997) e Duarte (1986) e demonstrado
em (164) e (165). No caso dos antecedentes proposicionais, temos 9,9% de ocorrência do
pronome demonstrativo neutro concorrendo com 16% de clíticos, a exemplo de (63) e
(64).
(63)
D. Bárbara: E a sirigaita da filha [a estropiar palavras em francês, inglês, alemão e
italiano, para mostrar aos circunstantes que já esteve ma Europa]i.
Felicianinha: Eu acho øi uma coisa tão ridícula! (Caiu o Ministério!, 1883 – França
Junior)
(64)
Eu, quando tava grávida, só queria comer [jiló]i. Comia øi até não me aguentar
mais. (No Coração do Brasil, 1992 - Miguel Falabella)
(65)
Cristina: …de hoje em dia nossa vida vai mudar.
Armando: Você já tinha me dito issoi de manhã cedo. (A Mulher Integral, 1975 –
Carlos Eduardo Novaes)
(66)
Filomena: É singular! Porque desapareceu ele lá de casa?
Beatriz: Não sei øi! Alguma intriga talvez. Sou tao infeliz... (Caiu o Ministério!, 1883
– França Junior)
Os resultados comprovam a restrição, também observada pelas autoras, que o
contexto [+ animado/+humano] oferece à categoria vazia (cf. 67), ainda que tenha sido
registrado percentual de 9,2% exemplificado por (68). No entanto, podemos observar que
em uma diferenciação entre os contextos [+animado] (69) e [+ humano], este último
oferece ainda mais resistência à categoria vazia tendo aquele registrado uma
porcentagem de 15%.
(67)
É [o filho do major Tiburcio]i. Chega hoje aí e não posso deixar de ir recebê-loi.
Seria imperdoável se eu não fosse receber o seu filho quando ele vem, pela
primeira vez ao Rio. (O Hóspede do Quarto n˚2, 1937 – Armando Gonzaga)
(68)
Nilson: A Neiva não vai mais fazer [a Verônica]!
D. Irene: Como não vai fazer? Tem que fazer øi. (No Coração do Brasil,1992 –
Miguel Falabella)
(69)
Estou furiosa por não haver ainda encontrado, aqui em Petrópolis, [um cavalo] i a
seu gosto para montar øi. (O Simpático Jeremias, 1918 – Gastão Tojeiro)
70
O SN anafórico (70) ficou concentrado nos contextos de antecedente com traço [animado] com 48 das 69 ocorrências, seguido do traço [+humano] com 15 ocorrências do
tipo (71), e do traço [+animado], como (72), com 6 ocorrências.
(70)
....voltemos ao baile; eu estou louca por encontrar de novo [o dominó preto] i; já
viram o famoso dominó pretoi? (Luxo e Vaidade, 1860 – Joaquim Manuel de
Macedo)
(71)
A filha, antes de sair para a igreja, teve a ideia de ir procurar [a mãe]i. Correu até o
muro, o véu de renda batido pelo vento, tentando encontrar a mãe adorada. E pra
seu horror, viu a pobre mulheri do outro lado do arame farpado. (No Coração do
Brasil,1992 – Miguel Falabella)
(72)
Eu também sou a favor de acabar com [todos os porcos chovinistas]i. Sou um
espi„o feminista infiltrado entre os homens. Eliminem todos os porcos chovinistas i,
e ficar só uns poucos como eu... (A Mulher integral, 1975 – Carlos Eduardo Novaes)
O pronome lexical se distribui em 5 casos com antecedente [+humano], 2 casos de
antecedente [+animado] e 1 caso de antecedente [-animado] representados por (73), (74)
e (75).
(73)
Paulo, Paulo, estão atirando n[o homem que saiu daqui]i. Ele vem correndo pela
escada. É melhor fechar a porta! Não deixa ele entrar! Vão matá-loi aqui dentro.
(Um Elefante no Caos, 1955 – Millor Fernandes)
(74)
Uma aranha enorme me atacou. Quebrei a vassoura esmagando elai. (No Coração
do Brasil,1992 – Miguel Falabella)
(75)
…Devolvo *teus brincos+i como prova da sinceridade de meu amor. Você esqueceu
elesi comigo e nem sequer pensei em me desfazer deles pra melhorar minha
lamentável situação econômica. (Um Elefante no Caos, 1955 – Millor Fernandes)
O pronome demonstrativo, como era de se esperar, ficou concentrado nos
contextos de antecedente proposicional, como demonstrado em (76), com 21 casos em
um total de 24 ocorrências:
(76)
Pode dizer na sua folha que hoje mesmo deve ficar preenchida a pasta da
Marinha; que o governo tem lutado com dificuldades... Não, não diga istoi. (Caiu o
Ministério!, 1883 – França Junior)
3.1.11 Referencialidade do Antecedente
A tabela 3.11 traz a distribuição das variantes de acordo com a referencialidade do
antecedente.
71
Tabela 3.11: Distribuição das variantes de acordo com o traço de referencialidade do antecedente.
Clítico
SN
Pron. dem.
Pron. Lex
ON
Total
N
%
N
%
N
%
N
%
N
%
N
%
[+referencial/ +específico]
227
74
27
9
1
0,3
5
1,6
46
15
306
100
[+referencial/ - específico]
101
47
33
15
1
0,5
3
1,4
76
35
214
100
[+genérico]
26
33
9
11
1
1,3
0
0
42
54
78
100
[oração]
34
16
0
0
21
10
0
0
156
74
211
100
Total
388
48,0
69
8,5
24
3,0
8
1,0
320
40
809
100
A Tabela 3.11 nos mostra, nas duas primeiras linhas, que os contextos
[+ ou - específicos/referenciais] são favorecedores ao uso do clítico, a exemplo de (77) e
(78). Na terceira e quarta linha, vê-se que os contextos mais genéricos (incluindo-se aí os
contextos oracionais) favorecem à categoria vazia como em (79) e (80). Este resultado
confirma a escala de referencialidade proposta por Cyrino, Duarte e (2000) de acordo com
a qual uma mudança em direção a uma categoria vazia se iniciaria pelos contextos menos
específicos. De fato, os dados analisados mostram a categoria vazia mais expressiva em
contextos menos referenciais, ao contrário do que se observa para o clítico. Seguem os
exemplos:
(77)
Dorotéa: …aqui está *este casaco+i, para o senhor ficar mais à vontade. É do Carlos,
mas ainda não foi usado.
Ventura: A senhora é a própria bondade...Vou vesti-loi já. (O Hóspede do Quarto
n˚2, 1937 – Armando Gonzaga)
(78)
Ide levar os sapatos do americano e se ele vos der [uma gorjeta] i, não ai guardeis,
mas trazei-a porque representa o fruto sanzonado do meu esforço. (O Simpático
Jeremias - Gastão Tojeiro)
(79)
Eu, quando tava grávida, só queria comer [jiló]. Comia øi até não me aguentar
mais. (No Coração do Brasil,1992 - Miguel Falabella)
(80)
...Quem pode nem sempre sabe o que se passa entre nós, para poder remediar ø i.
(O Noviço, 1845 – Martins Pena)
A retomada por SN anafórico se distribui entre os contextos [+referencial, + ou –
específico] com 27 (8,8%) e 33 (15,4%) e os [+genéricos] com 9 (11,5%) de um total de 69
dados.
72
(81)
Ele gosta que eu coce [o pé dele]i, quando ele chega do serviço. Todo dia a mesma
coisa. Eu tenho que largar o que quer que eu esteja fazendo, pra coçar aquele pé i .
(No Coração do Brasil,1992 - Miguel Falabella)
(82)
[Uma prima minha]i foi baleada assim. Um louco atirou na esposa, a bala
atravessou o corpo da mulher e atingiu minha primai, no cais de Marseille. (O
Hóspede do Quarto n˚2, 1937 – Armando Gonzaga)
(83)
…Ele pede *um bombom+i. No que você entrega o bombomi, o amor brota entre
vocês. (No Coração do Brasil,1992 - Miguel Falabella)
O pronome lexical, como era de se esperar, ficou restrito a antecedentes com o
traço [+referencial,+ ou – específico] demonstrado nos exemplos (84) e (85).
(84)
Paulo: Ah, mãe, você está enganada a respeito d[esta moça]i. Ela...
Maria: Você já conhecia elai? (Um Elefante no Caos, 1955 – Millor Fernandes)
(85)
[Uma aranha]i enorme me atacou. Quebrei a vassoura esmagando elai. (No
Coração do Brasil,1992 - Miguel Falabella)
3.1.12 Forma/Especificidade do Antecedente
A tabela 3.12 mostra a distribuição das variantes relacionadas à forma de seu
antecedente.
Tabela 3.12: Distribuição das ariantes de acordo com a forma/especificidade do antecedente.
Clítico
SN
Dem.
Pron. Lex.
ON
Total
N
%
N
%
N
%
N
%
N
%
N
%
Contáveis PL com det.
28
77,8
2
5,6
0
0
1
2,8
5
13,9
36
100
Contáveis PL sem det.
5
41,7
3
25
0
0
0
0
4
33
12
100
Contáveis SING. com det. 219
61,3
51
14,3
0
0
6
1,7
81
22,7
357
100
Contáveis SING sem det.
58
69,9
6
7,2
0
0
1
1,2
18
21,7
83
100
Não-cont. com det.
32
44,4
6
8,3
2
2,8
0
0
32
44,4
72
100
Não-cont. sem det.
14
30,4
1
2,2
1
2,2
0
0
30
65,2
46
100
Total
356
58,7
69
11,4
3
0,5
8
1,3
170
28,1
606
100
Marafoni (2004) observa a preferência pelo objeto nulo com antecedentes não
contáveis sem determinante. Corroborando o resultado da autora, a última linha da tabela
acima nos mostra claramente a preferência pelo objeto nulo neste contexto, representado
73
em (86), tendo sido registrado índice relativamente alto de ocorrência de ON (30 em 46
ocorrências). Tivemos uma ocorrência de SN (87) e uma de pronome demonstrativo (88):
(86)
Inclinação, inclinação! Que quer dizer [inclinação]i? Terás øi sem dúvida, por algum
francelho frequentador de bailes e passeios, ... (O Noviço, 1845 - Martins Pena)
(87)
Félix: Tem [paciência]i, meu amor...
Laura: Já me fartei de ter paciênciai! Sabes de uma coisa? Vou só! (O Simpático
Jeremias - Gastão Tojeiro)
(88)
Cristóvão: Lisol? Se não me engano isso é uma droga para matar gente.
Elisa: Olha que idéia!
Cristóvão: Para que diabo quer você issoi? (O Simpático Jeremias - Gastão Tojeiro)
Com nomes não contáveis com determinante, conforme mostra a penúltima linha,
temos um certo equilíbrio entre o preenchimento com clítico e a categoria vazia (32 dados
para cada contexto (44,4%). Veja em (89) e (90). A retomada por SN (91) alcançou um
total de 6 dados (8,3%) e o pronome demonstrativo apenas 2 dados (2,8%):
(89)
Eis aí [o meu orgulho]i: é vossa mercê que oi devo. (Luxo e Vaidade, 1860 –
Joaquim Manuel de Macedo)
(90)
Holly: Porque eu acho que [o nosso futuro]i já chegou.
Dolores: Chegou e passou. Tão rápido que a gente nem viu ø i. (No Coração do
Brasil, 1992 - Miguel Falabella)
(91)
Carlos: Quero [a minha legítima]i...
Ambrósio: Terás a tua legítimai (O Noviço, 1845 – Martins Pena)
Em estudo posterior, Marafoni (2010) observou para o PB que nomes contáveis no
plural em amostra formal tendem ao preenchimento enquanto em dados de amostra
informal observou-se uma distribuição equilibrada (53% de objeto preenchido e 47% de
ON). Neste trabalho, os resultados se confirmaram para os nomes contáveis no plural com
determinante apontando a preferência pelo preenchimento (conforme indica a primeira
linha da tabela e o exemplo 92). No caso dos contáveis no plural sem determinante
observamos uma distribuição também equilibrada com 47% de preenchimento com
clítico, 25 % de preenchimento com um SN anafórico e 33% para ON, conforme a
sequencia de exemplos (93) e (94). Esses números também estão em consonância com os
74
encontrados pela autora citada. Vamos aos exemplos:
(92)
...É uma dívida que tenho de remir e de pagar com usura; não me peça
[explicações]i que não asi darei. (Luxo e Vaidade, 1860 – Joaquim Manuel de
Macedo)
(93)
Julia: E quanto a sétima lição?
Cristina: Qual é?
Julia: A das [propostas indecorosas]i. Tem feito propostas indecorosasi a ele? (A
Mulher integral, 1975 – Carlos Eduardo Novaes)
(94)
Cristina: Não tenho coragem, Julia. Sem fazer øi vive dizendo que me tornei uma
mulher imoral. (A Mulher integral, 1975 – Carlos Eduardo Novaes)
A partir de um cruzamento dos resultados relativos à forma/especificidade e a
referencialidade do antecedente, a fim de observarmos mais especificamente o tipo de
antecedente (como sendo mais ou menos específicos ou genéricos), observou-se que para
os nomes contáveis no plural com determinante, independente da especificidade temos
sempre maioria de retomada por clítico, como se vê no primeiro bloco da tabela. No caso
dos nomes contáveis no plural sem determinante com traço [-específico,+referencial], o
ON (40%) e o SN anafórico (20%) passam a competir com o clítico (40%); o mesmo ocorre
quando, neste mesmo contexto semântico, temos o traço [+genérico], passando o clítico,
o ON e o SN anafórico a apresentarem o mesmo percentual de 33%. Os nomes contáveis
no singular com determinante também são em sua maioria retomados pelo clítico,
independente do traço de especificidade, com exceção dos casos de traço [específico,+referencial] apresenta concorrência entre as retomadas por clítico (44%), por
SN anafórico (18%) e ON (37%). Para os nomes contáveis no singular sem determinante,
temos, como esperado, maioria de ocorrências de objetos nulos no contexto [+genérico]
de referencialidade com 55% de ocorrências em oposição a 25% para retomadas por
clítico e 20% de retomada por SN anafórico. Para os nomes não contáveis com
determinante, temos uma distribuição equilibrada somente quando associados aos traços
[+específico,+referencial] com 48% de clíticos, 7% de SN anafórico, 3% de pronome
demonstrativo e 41% de ON, e [-específico,+referencial] que apresenta 53% de clíticos,
10% de SN anafórico, 3% de pronome demonstrativo e 33% de ON. Com traço [+genérico],
temos, também como esperado, maioria de retomadas pelo objeto nulo (75%). Por fim,
para os nomes não contáveis, no último bloco da tabela, sem determinante temos maioria
75
de retomadas por objeto nulo em todos os contextos de referencialidade. Esse
cruzamento nos possibilita observar que os nomes não-contáveis com ou sem
determinante e os nomes contáveis no singular sem determinante são mais suscetíveis a
retomada pelo objeto nulo, ao passo que os nomes contáveis no plural com ou sem
determinante e os contáveis no singular com determinante, somete aliados ao traço
[+genérico] possibilitam a emergência do ON, demonstrando clara preferência pelo clítico.
3.1.12 Tempo
Vamos mostrar agora o comportamento das variantes ao longo do tempo para
exemplificarmos, através da evolução dos percentuais, como se configura a mudança e
quais as variantes em competição.
Tabela 3.13: Distribuição das variantes ao longo do tempo.
Clítico
SN
Pron. dem.
Pron. Lex.
ON
Total
N
%
N
%
N
%
N
%
N
%
N
%
1845
62
60,2
7
6,8
3
2,9
0
0
31
30,1
103
100
1860
114
85,1
5
3,7
0
0
0
0
15
11,2
134
100
1883
32
54,2
2
3,4
3
5,1
0
0
22
37,3
59
100
1918
84
56,4
11
7,4
8
5,4
0
0
46
30,9
149
100
1937
35
47,9
10
13,7
3
4
0
0
25
34,2
73
100
1955
16
20,8
7
9,1
3
3,9
4
5,2
47
61,0
77
100
1975
44
33,1
17
12,8
4
3,0
1
0,8
67
50,4
133
100
1992
1
11,2
10
12,3
0
0
3
3,7
67
82,7
81
100
Total
388
48,0
69
8,5
8
1,0
24
3,0
320
39,6
809
100
A Tabela 3.13 mostra a evolução das ocorrências de cada variante ao longo do
tempo. Fica numericamente comprovada a variação do objeto direto anafórico.
O SN anafórico, observado por Duarte (1986), a partir dos anos 1918 alcança uma
porcentagem relativamente estável e aparentemente se fixa como uma das estratégias
possíveis de retomada do objeto direto. Podemos observar também, a partir dos anos
76
1955 na peça Um Elefante no Caos, de Millor Fernandes, o aparecimento da estratégia
não recomendada pela gramática normativa, o pronome lexical. Note-se que, mesmo
sendo uma estratégia não prestigiada e de todas a menos frequente, temos registro desta
variável em todos os períodos seguintes ao seu aparecimento. O demonstrativo anafórico
isso também é substituído pela categoria vazia, não tendo sido encontrada nenhuma
ocorrência no último período.
Os percentuais indicam que as formas que entram em competição são o clítico,
que apresenta queda de uso (número de casos de de 60,2% para 11,2%) e o objeto nulo,
que apresenta aumento na porcentagem de ocorrências (de 30,1% para 82%) no decorrer
dos períodos analisados. No segundo período do século XX (1937), o clítico já não
corresponde à metade das ocorrências, com percentual de 47,9%. No último período,
houve apenas uma ocorrência da variante considerada padrão, que transcrevo abaixo em
(95).
(95)
[A mãe]i tinha ido dormir na casa de uma amiga da família. Acho que foi
comemorar o aniversário de uma parenta. Pela manhã, foi surpreendida pelo muro
que ai impediu de ver a criatura que ela mais amava. (No Coração do Brasil, 1992 Miguel Falabella)
Vale ressaltar que a personagem é uma senhora, professora de francês, e está
narrando uma história sobre uma foto. Estes pormenores aliados aos resultados da
análise do último período deste corpus, indicam que o clítico acusativo já não faz parte da
gramática da criança brasileira na fase de aquisição natural da língua, ou seja, não faz
parte dos dados que servem de input ao processo de aquisição natural da língua. Os
trabalhos citados anteriormente chegaram à mesma conclusão: Omena (1978) não
encontrou um uso sequer desse mesmo elemento na fala dos analfabetos, ou seja,
daqueles que não sofreram influência da escola, e Duarte (1986) confirma a “ausência
absoluta” desse item linguístico na fala dos jovens. De acordo com Corrêa (1991) e
Averbug (2000), o clítico acusativo seria um elemento de natureza marginal na gramática
do PB, inserido tardiamente no elenco de traços morfológicos que chegam via
escolarização.
Segue abaixo o gráfico demonstrando o comportamento das variantes analisadas
77
ao longo do tempo.
Gráfico 3.1: Distribuição das variantes ao longo do tempo na amostra analisada.
1,00
0,90
0,80
0,70
0,60
0,50
0,40
0,30
0,20
0,10
0,00
1845
clítico
1860
1882
zero
1918
SN
1937
1955
Pronome Demonstrativo
1975
1992
Pronome
Os resultados do Gráfico 3.1 acima mostram que as variantes que entram em
competição são o clítico e o ON, representados respectivamente pelas linhas azul e
vermelha. O clítico, a partir de 1918 dá inicio ao seu processo de diminuição, resultando
no quase total desaparecimento e o ON, neste mesmo século, dá início a sua ascensão se
destacando das outras variantes. O SN anafórico já aparece em índices muito baixos em
1845, cresce ligeiramente em 1883 e mantém-se relativamente estável a partir de 1937
fixando-se como uma das variantes possíveis, porém, pouco significativa nesse tipo de
amostra. O pronome demonstrativo, com antecedentes em sua maioria sentenciais,
apresenta baixa ocorrência em todos os períodos, o que corrobora o fato já apontado por
Cyrino (1997) de que já ocorria, no século XVI, variação entre o clítico neutro “o” e a
elipse de sentenças e aquele, no século XIX, já não fazia mais parte dos dados adquiridos
pela criança em língua materna. O demonstrativo neutro seria uma outra forma de
preenchimento do objeto direto anafórico sentencial, no entanto, o objeto nulo é a opção
preferida pelo falante. Quanto ao pronome lexical, como se esperava, só aparece na
segunda metade do século XX, em 1955 e por ser uma estratégia, além de não
recomendada pela gramática normativa, estigmatizada e rejeitada pelo falante.
78
Na subseção que segue apresento os dados e os fatores selecionados pelo
programa como sendo relevantes em função do pronome clítico e do objeto nulo, já que
são as variantes envolvidas no processo de mudança que substituiu o uso do clítico pelo
objeto nulo no PB.
3.2 A variação objeto nulo vs. clítico
Após constatado o pronome clítico e a categoria vazia como as formas que entram
em competição, procedeu-se a uma análise de regra variável de caráter binário. Foi
realizada uma nova rodada considerando apenas as duas variantes como valor de
aplicação e os pesos relativos forma obtidos em função da categoria vazia. Os fatores
selecionados como relevantes para preferência pela categoria vazia foram (1) a função
sintática do antecedente, (2) o preenchimento ou não preenchimento da posição de
sujeito, (3) o traço de animacidade do antecedente, (4) a referencialidade do antecedente
e (5) o tempo. Nesta ordem, apresento os percentuais e os pesos relativos.
A tabela abaixo retrata a importância da função sintática do antecedente para a
escolha da variante nula.
Tabela 3.14: Realização do objeto nulo em relação à posição do antecedente.
Objeto Nulo
P.R.
N/Total
%
Tópico (estrutural/discursivo)
19 /33
58
.67
Predicativo
10 /17
59
.61
Objeto
99/231
42
.59
5/20
25
.56
Sujeito
39/210
19
.41
Adjunto
3/21
14
.11
357/532
67
Complemento Nominal
Total
A função sintática de tópico foi a que apresentou maior peso relativo (.67), ou seja,
é a que mais favorece ao objeto nulo. Em segundo lugar, temos a função sintática de
predicativo com peso relativo de .61 seguida da função de objeto direto (.59). Ainda
79
favorecendo ao objeto nulo, temos a função de complemento nominal com peso relativo
de .56. A posição de sujeito, embora tenhamos encontrado casos de objeto nulo,
representa um contexto que ainda prefere o clítico com peso relativo de .41. O peso
relativo da função de adjunto (.11) indica que dificilmente teremos um objeto nulo com
este tipo de antecedente, sendo o clítico a estratégia de uso. Estes pesos relativos
apontam a função de adjunto e a de sujeito como ainda sofrendo alguma restrição à
ocorrência do objeto nulo, ou melhor dizendo, as últimas a aceitarem a categoria vazia no
processo de mudança. O fato de a função de predicativo apresentar forte tendência ao
objeto nulo está relacionada a dois fatores: (a) por compor uma mini-oração, contexto
apontado por Cyrino (1997), juntamente com os oracionais, como um dos primeiros a
aceitar o objeto nulo e (b) devido à forma/estrutura do nome, geralmente um adjetivo
sem determinante, portanto, um nome com traço de referencialidade [+referencial,específico] ou [+genérico], que de acordo com a escala de referencialidade proposta por
Cyrino, Duarte e Kato (2000) seriam também os primeiros a aceitar o objeto nulo.
A próxima tabela traz os pesos relativos relacionados ao preenchimento ou não do
sujeito nas orações que contem o objeto direto anafórico.
Tabela 3.15: Peso relativo do preenchimento do sujeito para a realização do ON.
Objeto Nulo
P.R
N/Total
%
Sujeito preenchido
112/213
52,6
.52
Sujeito não preenchido
205/471
43,5
.49
Total
317/684
46,3
Para a obtenção dos valores expressos na Tabela 3.15, foram reunidas as orações
com sujeitos preenchidos por pronome e o por um SN para opor aos dados com sujeito
não preenchido. A intenção era verificar a relação entre o parâmetro do objeto nulo e a
queda do uso de clíticos. Esperava-se que nos casos de sujeito expresso, a posição de
objeto fosse preferencialmente ocupada por uma categoria vazia. Na seção anterior,
apresentei a distribuição de todas as variantes neste contexto, agora, foram observados
apenas os casos de pronome clítico e objeto nulo para verificar, mais acuradamente, a
relação entre uma e outra forma.
80
Os números estão de acordo com as expectativas. Para as orações com o sujeito
preenchido, temos um percentual maior de objetos nulos (52,6%) do que de clíticos
(47,4%) e peso relativo .51 em favor do clítico, ao passo que, para as estruturas com
sujeito não preenchido, conforme a segunda linha da tabela acima, temos 56,5% de
preenchimento com clítico e 43,5% de objetos nulos e o peso relativo favorece a
estratégia preenchida, o clítico (.49). Este resultado pode ser um indício de que existe uma
relação entre a queda de uso de clíticos e o preenchimento (ou não preenchimento) do
sujeito e do objeto no PB como apontou Tarallo (1993). Com base em trabalhos sobre a
ordem dos constituintes da oração e sobre o preenchimento da posição de sujeito e de
objeto, o autor afirma que na virada do século XIX para o XX, daí a escolha das peças que
compõem este corpus, emerge no Brasil uma gramática que se caracteriza por uma ordem
SV rígida e pela preferência aos pronomes sujeitos plenos e objetos nulos, diferentemente
da gramática do português europeu (PE), que opta pelo objeto expresso e pelo sujeito
nulo. Na amostra analisada, tanto os clíticos quanto os objetos nulos distribuem-se entre
as orações com sujeito preenchido e não preenchido em percentuais bem próximos a 50%
(47,4 de clíticos em orações com o sujeito preenchido e 56,5 em orações com o sujeito
não preenchido; 52,6% de objeto nulo em orações com sujeito preenchido e 43,5 de
objetos nulos em orações com o sujeito preenchido).
A tabela que segue denota a relevância do traço de animacidade na escolha entre
o clítico e o objeto nulo.
Tabela 3.16: Pesos relativos do traço de animacidade do antecedente para a realização do ON.
Variante
Objeto Nulo
P.R
Condicionamento
N/Total
%
[proposição]
158/192
82,3
.77
[-animado]
136 /265
51,3
.60
[+animado]
02/11
18.2
.59
[+humano]
24/240
10
.19
Total
320/709
45,2
Com antecedente proposicional, o ON se apresenta disparado como estratégia
81
preferencial com o peso relativo mais alto (.78). Com antecedente com traço [-animado],
temos situação similar: também o peso relativo (.58) indica favorecimento ao nulo.
Confirmando o que foi encontrado na análise dos dados gerais considerando todas as
variantes, diferenciando o traço [+animado] do [+humano], temos este último como o
grande inibidor do objeto nulo apresentando baixo peso relativo (.20) enquanto o
antecedente [+animado] apresenta peso relativo de .55. Estes dados confirmam que a
implementação e a transição do objeto nulo se deu a partir dos contextos proposicionais e
[-animados], atingindo depois os contextos [+animados] e encontrando, por fim, alguma
resistência nos contextos [+humanos].
A próxima tabela ilustra a distribuição das formas no quarto grupo selecionado
como favorecedor do objeto nulo, a referencialidade do antecedente.
Tabela 3.17: Pesos relativos da referencialidade do antecedente para a realização do ON.
Variante
Objeto Nulo
P.R
Condicionamento
N/Total
%
[proposicional]
156/190
82
.67
[+genérico]
42/68
62
.65
[+referencial/ - específico]
76/178
43
.44
[+referencial/+específico]
46/273
17
.38
Total
320/709
45
Observando a coluna do objeto nulo, vemos que os percentuais vão crescendo à
medida que o antecedente vai ficando mais genérico. Seguem esse padrão os pesos
relativos. Para os contextos referenciais [+específicos], temos .38 (um valor baixo
indicando que este contexto não favorece ao objeto nulo, mas sim ao clítico) e para os
referenciais [-específicos] temos .44 (número mais elevado, no entanto, ainda favorecedor
do clítico) Para os antecedentes mais genéricos, o peso relativo já denota a tendência ao
objeto nulo (.65) assim como para os antecedente proposicional. Este padrão está
totalmente consoante com a escala de referencialidade proposta por Cyrino, Duarte e
Kato (2000): a mudança em direção ao objeto nulo se inicia pelos contextos menos
específicos encontrando resistência nos antecedentes com traço [+específico]. Aqui
82
podemos observar e confirmar a aplicabilidade da escala de referencialidade mencionada
e os pesos relativos dos condicionamentos comprovam a mudança se implementando dos
contextos mais genéricos para os mais específicos, sendo este último um dos últimos
contextos de resistência do clítico.
Por fim, apresento a tabela 3.18 que traz os pesos relativos para o objeto ao longo
do tempo, o último fator selecionado pelo programa.
Tabela 3.18: Pesos relativos do período de tempo (data de publicação da peça) para a realização do ON.
ON
P.R.
N/Total
%
1992
67/68
98,5
.99
1975
67/111
60,4
.74
1955
47/63
74,6
.78
1937
25/60
41,7
.42
1918
46/130
35,4
.30
1883
22/54
40,7
.35
1860
15/129
11,6
.09
1845
31/93
33.3
.36
Total
320/709
45,2
Aproximando as porcentagens, podemos afirmar que ocorreu uma mudança
linguística em favor do objeto nulo. No primeiro período, o clítico acusativo é mais
expressivo do que o objeto nulo, e passa a inexpressivo no último período (1,5%), tendo
sido substituído pela categoria vazia na posição de objeto direto (98,5%), que
praticamente totaliza o número dos dados. A distribuição dos pesos relativos, .36, .09, .35,
.30, .42, .78, .74, .99 em ordem crescente de período, comprovam a mudança. O objeto
nulo, ao longo do tempo vai ganhando espaço até se tornar escolha preferencial na
realização do objeto nulo. O período representado pelos anos de 1955 é aparentemente o
que corresponde ao momento em que o objeto nulo ultrapassa as porcentagens de uso
do clítico acusativo. Essa mudança é mostrada no Gráfico 3.2 a seguir.
83
Gráfico 3.2: Evolução do objeto nulo ao longo do tempo na amostra analisada.
1,00
0,90
0,80
0,70
0,60
0,50
0,40
0,30
0,20
0,10
0,00
1845
1860
1882
1918
1937
Clítico
Zero
1955
1975
1991
O Gráfico 3.2 nos possibilita enxergar o encaixamento da preferência do objeto
nulo sobre o clítico acusativo, visto que as curvas são praticamente simétricas indicando
que um fenômeno ocorre em paralelo ao outro. Entre o 5º e o 6º períodos, ou entre 1937
e 1955, vemos o ON, em ascensão, se sobrepor ao clítico e este prosseguir decrescente
até o fim dos períodos analisados. A partir da tabela acima, podemos inferir que o
aparecimento do objeto nulo está intimamente relacionado à queda de uso do clítico, que
por sua vez, está encaixada na fixação da ordem SV no português brasileiro e do nosso
sistema pronominal. WLH (1968) afirmam que uma mudança deixa vestígios ou “efeitos
colaterais” que atestam um novo traço de fato se instalando no sistema. Assim, se o
objeto direto anafórico é representado por um pronome e se, de fato ocorreu uma
mudança na sintaxe pronominal do português, é natural esperar que a realização do
objeto direto anafórico também acompanhe a mudança nas sua estratégias de realização.
Foi apresentada até agora, a distribuição das duas variantes em competição e os
pesos relativos de acordo com os fatores selecionados pelo GOLDVARB como
favorecedores ao objeto nulo, variante tomada como valor de aplicação da rodada.
Todavia, é interessante apresentar os resultados de alguns grupos de fatores não
selecionados pelo programa computacional com o qual operamos. Em outras palavras, a
84
não seleção desses fatores nos possibilita tirar conclusões interessantes a cerca do
fenômeno estudado.
O primeiro fator a ser analisado é o tipo sintático da oração que contém o objeto
direto anafórico.
Tabela 3.19: Distribuição do objeto nulo segundo o tipo de oração.
Variantes
Condicionamento
Clítico
Objeto Nulo
Total
N
%
N
%
N
%
Raiz (matriz/simples/primeira, em coordenação)
144
46,2
168
35,8
312
100
Coordenada (segunda coordenada)
87
57,2
65
42,8
152
100
Completiva de verbo com função de sujeito
12
66,7
6
33,3
18
100
Completiva de verbo com função de objeto
51
63,8
29
36,2
80
100
Completiva de nome
13
65,0
7
35,0
20
100
Relativa
22
81,5
5
18,5
27
100
Adjunta
59
59,6
40
40,4
99
100
Total
388
54,2
320
45,2
709
100
A distribuição dos percentuais apresentados na tabela acima nos revela que as
estruturas que formam as ilhas sintáticas não apresentam qualquer tipo de restrição ao
objeto nulo, visto que temos ocorrência desta variante em todos os contextos oracionais,
inclusive nas orações relativas (5 – 18,5%), nas adjuntas (40 – 40,9%) e nas completivas
nominais (70-35,0%). Certamente, o fator não foi selecionado devido a essa distribuição
relativamente homogênea dos percentuais, indicando o contrário do que Raposo (1986)
aponta para o PE.
Outro fator não selecionado que merece destaque é a forma/especificidade do
antecedente. Pretende-se com estas classificações considerar a presença/ausência de
determinantes (nomes com determinantes são considerados mais específicos) e verificar a
ocorrência de objetos nulos com antecedentes contáveis no singular sem determinante,
estrutura que não ocorre no PE, como mais um traço diferenciador do PB com relação ao
PE no tocante a este fenômeno.
85
Tabela 3.20: Distribuição do objeto nulo segundo a forma/especificidade do referente.
Variantes
Clítico
Objeto Nulo
Total
Condicionamento
N
%
N
%
N
%
Contáveis no plural com determinante
28
84,8
5
15,2
33
100
Contáveis no plural sem determinante
5
55,6
4
44,4
9
100
Contáveis no singular com determinante
219
73,0
81
27,0
300
100
Contáveis no singular sem determinante
58
76,3
18
23,7
76
100
Não contáveis com determinante
32
50,0
32
50,0
64
100
Não contáveis sem determinante
14
31,8
30
68,2
44
100
Total
356
67,7
170
32,3
526
100
Marafoni (2004) observa a preferência pelo objeto nulo com antecedentes não
contáveis no singular sem determinante. Corroborando o resultado, a última linha da
tabela acima nos mostra claramente a preferência dos contextos com antecedente não
contável sem determinante ao objeto nulo tendo sido registrado para este casos índice
relativamente alto de ocorrência de ON (30 – 68,2%). Para nomes contáveis no plural,
temos equilíbrio entre as variantes, o que favorece à mudança em direção ao objeto nulo
que como já mencionado, se inicia pelos contextos [-específicos]. Com nomes não
contáveis com determinante, conforme mostra a penúltima linha, temos equilíbrio entre o
preenchimento com clítico e a categoria vazia. Com nomes contáveis no singular sem
determinantes, um dos focos dessa análise, temos 18 ocorrências (23,7%) de objeto nulo.
De fato, é um valor significativamente menor ao de ocorrência de clíticos (58 – 76,3%),
mão não indica uma restrição. Ao contrário, temos os nomes com determinantes, como
era de se esperar por serem contextos com traço [+referencial], nitidamente favoráveis ao
clítico (com 84,8 e 73,0%) indicando que este deve ter sido o último dos fatores a aceitar a
categoria vazia.
Mesmo que o programa não tenha selecionado o fator forma/especificidade do
antecedente, o cruzamento deste com o fator referencialidade nos traz resultados
interessantes que complementam e reafirmam o exposto anteriormente.
Os números e percentuais nos apontam os nomes não contáveis com ou sem
determinante com traço [+genérico] sendo como os que favorecem o objeto nulo, tendo
86
sido computados respectivamente 82% e 67% das ocorrências nestes contextos. Os
nomes contáveis no singular sem determinante neste mesmo contexto de
referencialidade também demonstram preferência pelo ON com 69% e os nomes
contáveis no plural sem determinante apresentaram uma distribuição equilibrada com
metade dos dados retomados por clítico e outra metade pela categoria vazia. No caso dos
contextos [+referenciais,-específicos] os nomes não contáveis sem determinante são
retomados pela categoria vazia em 71% das ocorrências e os contáveis no plural sem
determinante em 50% dos casos. Em todos o outros contextos, o clítico ainda é a
estratégia preferencial (com mais de 50% das ocorrências). Este cruzamento de dados
corrobora a escala de referencialidade mencionada acima com relação à direção de
implementação da mudança em direção ao objeto nulo aqui estudada.
3.3 Algumas observações sobre a questão da mudança linguística
Os resultados relativos à evolução das variantes ao longo do tempo nos levam a
uma reflexão sobre a questão da mudança em direção à preferência pelo objeto nulo no
PB. Desse modo, nesta seção trago algumas observações concernentes à mudança
considerando dois aspectos: num primeiro momento, vamos considerar o peso das
variáveis independentes em cada ponto na linha do tempo para o condicionamento do
objeto nulo; em um segundo momento, vamos considerar a questão do encaixamento da
mudança.
Cabe aqui tecer algumas observações a cerca do que esta amostra nos pode dizer
sobre os cinco problemas da mudança linguística apontados por WLH (1968).
Primeiramente, sobre o problema das restrições, posso afirmar a partir destes resultados
que ao fim do século XX, ultimo período analisado, o PB não apresenta resistência ao
objeto nulo, podendo esta variante aparecer em todos os contextos analisados. Os fatores
que condicionam, ou melhor, que possibilitam e atuam no processo de mudança do clítico
acusativo para o objeto nulo foram a função do sujeito, a presença ou não do sujeito nas
orações que contém o objeto direto anafórico, a animacidade do antecedente, a
referencialidade do antecedente e o tempo, condicionamento que favorece à mudança
linguística indicando que as frequências de uso das variantes em questão se alteraram
87
significativamente.
O Gráfico 3.3 a seguir retrata a implementação do objeto nulo ao longo do tempo
considerando a função sintática do antecedente.
Gráfico 3.3: Período de tempo vs. função do antecedente do ON.
1,00
0,90
0,80
0,70
0,60
0,50
0,40
0,30
0,20
0,10
0,00
1845
Tópico
1860
1882
Predicativo
1918
Objeto
1937
C. Nominal
1955
Sujeito
1975
1991
Adj. Adnominal
O Gráfico 3.3 nos mostra que a função de predicativo já aceita o objeto nulo desde
os primeiros períodos da amostra. A função de tópico, a segunda a atingir o percentual de
100%, apresenta percentual significativo (50%) no primeiro período da amostra (1845) e
segue oscilando até 1937, voltando a aparecer somente em 1975 com alto percentual
(90%). A função de objeto apresenta linha ascendente no decorrer dos períodos da
amostra. As funções de sujeito, de complemento nominal e de adjunto ficam marcadas
como aquelas que oferecem certa resistência ao objeto nulo, logo, contextos em que a
mudança prossegue mais lentamente, indicando a direção de implementação da
mudança.
O Gráfico 3.4 a seguir demonstra o traço de animacidade do antecedente ao longo
do tempo, outro fator selecionado.
88
Gráfico 3.4: Período de tempo vs. animacidade do antecedente do ON.
1,00
0,90
0,80
0,70
0,60
0,50
0,40
0,30
0,20
0,10
0,00
1845
1860
1833
[+proposicional]
1918
[-animado]
1937
1960
[+animado]
1975
1992
[+humano]
O Gráfico 3.4 nos possibilita visualizar melhor os dados da Tabela 3.16.
Claramente, os contextos oracionais foram os primeiros a aceitarem o objeto nulo, pois
ainda no século XIX os percentuais são consideravelmente altos. O contexto [-animado],
entre 1860 e 1937, apresenta um aumento gradativo de objetos nulos e a partir de então,
passa a aceitar a variante seguindo um fluxo crescente e corroborando os resultado de
pesquisas já realizadas a cerca do fato de terem sido estes os primeiros contextos a
abrirem as portas para o objeto nulo. Não foram obtidos muitos dados com o traço
[+animado], tendo sido computados penas 02 casos. Com relação ao traço [+humano],
somente a partir de 1937 começa a aceitar o objeto nulo, que também a partir daí passa a
ser mais produtivo. Posso afirmar que foram corroborados os resultados anteriores acerca
da animacidade do antecedente. Os percentuais e os pesos relativos indicam que a
mudança se iniciou pelos contextos oracionais e predicativos, seguidos dos [-animados],
em seguida, atingindo mais lentamente os contextos [+animados] e ainda sofrendo
alguma resistência aos [+humanos].
A hierarquia de referencialidade também é confirmada com os números
apontados na subseção anterior, indicando que a mudança em direção à categoria vazia
se inicia pelos contextos mais genéricos e se implementa na direção do contexto
89
[+humano, +específico] (o exemplo do único caso de clítico que temos no último período
representa essa restrição). O gráfico abaixo reproduz a ao longo do tempo a
referencialidade na implementação do objeto nulo.
Gráfico 3.5: Período de tempo vs. referencialidade do antecedente do ON.
1,00
0,90
0,80
0,70
0,60
0,50
0,40
0,30
0,20
0,10
0,00
1845
1860
1883
[+proposicional]
1918
1937
[+genérico]
1960
[-específico]
1975
1992
[+específico]
Notamos através do Gráfico 3.5 que o contexto proposicional, em 1883, ainda no
século XIX, já apresenta alto percentual de objeto nulo. O traço [+genérico], a partir do
mesmo ano, inicia seu processo ascendente, chegando em 1937 com percentual também
elevado. O contexto [+referencial/-específico] demonstra resistência ao objeto nulo até
1937
quando
daí
em
diante
notamos
sua
ascendência.
O
contexto
[+referencial/+específico] é o que mais resiste à implementação do objeto nulo, que inicia
sua ascendência também em 1937, porém, de modo mais lento do que o contexto
[+referencial/-específico]. Somente no século XX os contextos [+referencial/+ ou –
específico] abrem as portas para a variante inovadora.
O estabelecimento dessas restrições indicam também a direção da implementação
da mudança servindo como resposta à indagação acerca do porquê uma mudança
ocorreria em um momento determinado e não em outro. Ao longo do tempo, as
restrições vão enfraquecendo, como foi aqui demonstrado, chegando ao último período
90
com apenas uma ocorrência de clítico denotando o percurso temporal da implementação
da mudança.
De acordo com WLH (1968), uma mudança implica um momento anterior de
variação, que está representado pela análise empreendida na primeira seção deste
capítulo. Quanto ao problema da transição, que define o percurso através do qual cada
mudança se realiza, o percurso dos valores relativos apresentados na tabela 18 ilustram
que a mudança se deu através de um continuum que culmina na quase total eliminação
do clítico em função do objeto nulo como estratégia de retomada de objeto direto
anafórico. Esta assertiva está intimamente relacionada ao problema do encaixamento.
Este, baseado no princípio de que uma mudança só pode ser compreendida se estiver
inserida no sistema linguístico que ela afeta, ou seja, se ela for encaixada, busca
desvendar a natureza e a extensão desse encaixamento. Mais uma vez, as tabelas
analisadas nos possibilitam afirmar que o aumento da frequência de uso do objeto nulo
está intimamente relacionada à queda de uso do clítico acusativo. O tempo, ou a data de
representação da peça, seriam o fatores extralinguísticos atuantes no encaixamento desta
mudança, visto que ela se dá ao longo do tempo, e também na implementação, já que o
enfraquecimento das restrições ao longo do tempo possibilitam a expansão de uma das
variante a contextos estruturais restritos, até certo momento.
Considerando Duarte (1993), que analisa a representação do sujeito pronominal
no mesmo corpus, notamos que a implementação do sujeito pronominal coincide com o
aumento do objeto nulo. O Gráfico 3.6 demonstra o quanto estão imbricados os dois
fenômenos.
91
Gráfico 3.6: O encaixamento da mudança: percurso do sujeito nulo (Duarte, 1993) e do objeto nulo na
amostra de peças
1,00
0,90
0,80
0,70
0,60
0,50
0,40
0,30
0,20
0,10
0,00
1845
1882
1918
Sujeito Nulo
1937
1955
1975
1992
Objeto Nulo
O Gráfico 3.6 nos mostra que em 1918 (peça “O simático Jeremias”), o objeto nulo
inicia seu processo de ascendência, e concomitantemente, o sujeito nulo passa a ser
menos produtivo (cf. Duarte, 1993:111). Claramente nota-se a inter-relação entre os dois
fenômenos também apontados por Tarallo (1993), que chama atenção para esses dois
processos de mudança sofridos elo PB na direção oposta ao que se verifica no PE.
A avaliação, que mensura até que ponto a avaliação do falante sobre determinada
variante pode inferir no processo de mudança, nos leva a crer que o objeto nulo, variante
inovadora, é livremente aceito pelo falante. Os 8 casos de pronome lexical estão
relacionados ao traço [+animado] do antecedente, que geralmente ocupa a função de
sujeito, que por sua vez, inibe o objeto nulo.
No próximo capítulo serão feitas as considerações finais acerca dos resultados
encontrados e da contribuição deste trabalho para os estudos de variação e mudança
linguística.
92
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O objetivo deste trabalho foi descrever e analisar o quadro de variação das
representações do objeto direto anafórico em um corpus composto por peças teatrais
escritas entre a segunda metade do século XIX e o século XX. O objetivo primeiro foi
através de um quadro de variação capturar e apresentar dados empíricos do percurso de
uma mudança que já foi atestada no PB em trabalhos como os de Duarte (1986): o clítico
acusativo não mais configura como a principal opção de retomada do objeto direto, tendo
cedido espaço para o objeto nulo, que aparece atualmente como a opção preferencial do
falante nas mais variadas escalas de níveis sociais e escolares. Buscou-se também
relacionar,
dentro
dos
pressupostos
teórico-metodológicos
da
Sociolinguística
Paramétrica, este processo de mudança a outros processos no interior do sistema
linguístico, principalmente com a queda dos clíticos, mais especificamente o acusativo de
terceira pessoa.
Inicialmente, foi feita uma retomada dos principais trabalhos que abordam o
objeto direto a fim de levantarmos os contextos relevantes de serem analisados por de
alguma forma influenciarem na escolha de uma ou outra estratégia. Em seguida foram
levantadas as seguintes hipóteses:
(a) o PB apresenta no fim do século XX, ao contrário do que dizem os resultados de
pesquisas sobre o PE, alto índice de objetos nulos e baixíssimo índice de clíticos;
(b) o aumento de objetos nulos está intimamente relacionado à diminuição de
clíticos que, por sua vez, é consequência de uma reorganização do sistema pronominal;
(c) o objeto nulo não apresenta restrições no PB;
(d) o traço [+específico,+animado] ainda configura como um ambiente de
resistência do objeto nulo, a exemplo da escala de referencialidade proposta por Cyrino,
Duarte e Kato (2000);
(d) o SN aparece como mais uma estratégia de substituição do objeto direto,
(e) o pronome nominativo, uma estratégia estigmatizada pelos falantes, não
compete com as outras formas, aparecendo em poucos e específicos casos.
93
Para testar essas hipóteses, a estratégia de realização do objeto direto foi
escolhida como a varável dependente e as variantes analisadas foram: clítico acusativo,
SN, demonstrativo neutro, pronome lexical (ou pronome nominativo) e objeto nulo. Como
variáveis independentes foram selecionados fatores de natureza sintática, morfológica e
semântica que pudessem indicar o percurso de implementação da mudança que se deseja
captar e demonstrar aqui. Os resultados obtidos foram os seguintes:
Primeiramente, os resultados no cômputo geral apresentaram a seguinte
distribuição: a porcentagem de clíticos (48,0%) apesar de ainda ser a maior dentre as
variantes, se somarmos os valores absolutos de preenchimento do objeto direto anafórico
através de pronome lexical (1,0%), SN (8,5%) e objetos nulos (39,6%) chegaríamos a um
resultado bem próximo ao número de clíticos (49,1%), o que pode comprovar que o
fenômeno encontra-se em variação. O SN anafórico aparece como a terceira opção de
retomada com (8,5%) e em seguida, o pronome lexical com apenas (1,0%). Este resultado
indica que realmente outras estratégias foram encontradas pelo falante para substituir o
uso do clítico, que foi diminuindo ao longo do tempo.
Observando a linha do tempo, o SN anafórico, observado por Duarte (1986), a
partir dos anos 1918 alcança uma porcentagem relativamente estável e aparentemente se
fixa como uma das estratégias possíveis de retomada do objeto direto. Podemos observar
também, a partir dos anos 1955 na peça Um Elefante no Caos, de Millôr Fernandes, o
aparecimento da estratégia não recomendada pela gramática normativa, o pronome
lexical. Note-se que, mesmo sendo uma estratégia não prestigiada e de todas a menos
frequente, temos registro desta variável em todos os períodos seguintes ao seu
aparecimento. O demonstrativo anafórico isso, a quem geralmente cabe a retomada das
orações na posição de objeto também é substituído pela categoria vazia, não tendo sido
encontrada nenhuma ocorrência no último período.
Os percentuais confirmam que as formas que entram em competição são o clítico,
que apresenta queda de uso (de 62% para 1%) e o objeto nulo, que apresenta aumento na
porcentagem de ocorrências (de 30,1% para 82%) no decorrer dos períodos analisados.
No segundo período do século XX (1937), o clítico já não corresponde a metade das
ocorrências, com percentual de 47,9%. No último período, houve apenas uma ocorrência
94
da variante padrão.
Após constatado que o pronome clítico e a categoria vazia são as formas que
entram em competição, procedeu-se a uma análise de regra variável de caráter binário e
foram encontrados os fatores considerados relevantes para preferência pela categoria
vazia: (1) a função sintática do antecedente, (2) o preenchimento ou não preenchimento
da posição de sujeito, (3) o traço de animacidade do antecedente, (4) a referencialidade
do antecedente e (5) o período.
Os pesos relativos apontam a função de adjunto e a de sujeito como as que
sofreram alguma restrição à ocorrência do objeto nulo, portanto, sendo as últimas a
aceitarem a categoria vazia no processo de implementação da mudança. A função
sintática de tópico foi a que apresentou maior peso relativo (.67), ou seja, é a que mais
favorece ao objeto nulo. Em segundo lugar, temos a função sintática de predicativo com
peso relativo de de .61 seguida da função de objeto direto (.60). Ainda favorecendo o
objeto nulo, temos a função de complemento nominal com peso relativo de .56. Quanto
ao preenchimento ou não do sujeito nas orações que contém o objeto direto anafórico, os
números estão de acordo com as expectativas. Para orações com o sujeito preenchido,
temos um percentual maior de objetos nulos (52,6%) do que de clíticos (47,4%) e peso
relativo .51 em favor do objeto nulo, ao passo que, para as estruturas com sujeito não
preenchido, conforme a segunda linha da tabela 23, temos 56,5% de preenchimento com
clítico e 43,5% de objetos nulos e o poso relativo favorece a estratégia preenchida, o
clítico (.50). Este resultado pode ser um indício de que existe uma relação entre a queda
de uso de clíticos e o preenchimento (ou não preenchimento) do sujeito e do objeto no
PB como apontou Tarallo (1993). Mais especificamente, nos possibilita relacionar dois
fatos linguísticos: a preferência por sujeitos preenchidos e por objetos nulos.
A relevância do traço de animacidade na escolha entre o clítico e o objeto nulo
reside na confirmação de que a implementação e a transição do objeto nulo se deram a
partir dos contextos com antecedentes [+proposicionais] e [-animados], atingindo depois
os contextos [+animados] e encontrando, por fim, com alguma resistência, os contextos
[+humanos]. Com relação ao traço de referencialidade, a preferência pelo objeto nulo
aumenta à medida que o antecedente vai ficando com traço [+genérico]. Para os
95
contextos com antecedentes [+referenciais, +específicos], temos peso relativo de .38 (um
valor baixo indicando que este contexto não favorece ao objeto nulo, mas sim ao clítico) e
para os antecedentes [+referenciais, +específicos], temos .43 (peso relativo mais elevado,
no entanto, ainda favorecedor do clítico). Para os antecedentes com traço [+genérico], o
peso relativo já denota a tendência ao objeto nulo (.65), assim como para o antecedente
proposicional (.67). Este padrão está totalmente consoante com a escala de
referencialidade proposta por Cyrino, Duarte e Kato (2000): a mudança em direção ao
objeto nulo se inicia pelos contextos menos específicos encontrando resistência nos
antecedentes com traço [+específico]. Temos aqui uma hipótese confirmada.
O objeto nulo apresentou a seguinte distribuição dos pesos relativos: .36, .09, .35,
.30, .42, .78, .74, .99 em ordem crescente de período, comprovam a mudança. O objeto
nulo, ao longo do tempo, vai ganhando espaço até se tornar escolha preferencial na
realização do objeto direto anafórico. O período representado pelos anos de 1955 é
aparentemente o que corresponde ao momento em que o objeto nulo ultrapassa as
porcentagens de uso do clítico acusativo.
As hipóteses inicialmente expostas foram confirmadas e, como se esperava em (a),
ao fim do século XX, o PB apresenta, conforme as pesquisas citadas no capítulo 1, alto
índice de objetos nulos e baixíssimo índice de clíticos, sendo a forma verbal (mais
especificamente as formas com infinitivo), o fator linguístico que resgata o uso desta
última variante. O Gráfico 3.2 confirma a hipótese (b) e demonstra a relação entre a
queda do clítico acusativo de terceira pessoa e o aumento de objetos nulos configurando
a mudança linguística. O único exemplo de clítico encontrado na peça de 1992 confirma a
hipótese (d) na qual o traço [+específico, +animado] ainda seria um contexto de
resistência do clítico. O SN, destacado por Duarte (1986), se fixa como uma das estratégias
de realização do objeto direto anafórico e apresenta-se estável a partir de 1937
confirmando a hipótese (d) e o pronome lexical aparece com alguma expressão na
amostra em 1955, mas, como esperado em (e), não apresenta alto índice de uso. A partir
destes resultados, somente na segunda metade do século XX é que começa a surgir a face
do português brasileiro.
De modo geral, podemos dizer que os resultados apresentados confirmam a
96
hipótese central desta pesquisa: a de que na virada do século XIX para o XX podemos
entrever, a partir de um estágio de variação, uma mudança linguística no PB: a
substituição do clítico acusativo de terceira pessoa pelo objeto nulo na realização do
objeto direto anafórico.
Acreditamos que os resultados aqui demonstrados confirmam a mudança e
esperamos que tragam contribuições aos estudos linguísticos, mais especificamente, nos
estudos sobre o objeto anafórico no português. Este trabalho contribui também para
mostrar que a norma atua na escolha do falante até certo ponto, visto que mesmo sendo
o clítico a estratégia recomendada pela gramática, os resultados nos comprovam que o
uso, por razões linguísticas e históricas, não acompanha a regra prescrita pela gramática
normativa.
97
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