Selecionando para Melhorar as Carcaças do Gado de Corte: 1 2 Leonardo Campos e Gabriel Campos O professor e pesquisador norte-americano R.A. “Bob” Long, colunista da revista Angus Journal e autor do Sistema Ankony de avaliação visual, afirma: “já é um fato bem estabelecido e amplamente aceito que as carcaças de gado de corte atualmente produzidas têm, em média, excesso de gordura (nas condições dos EUA), reduzida musculosidade, são deficientes em marmorização e não apresentam uniformidade. Infelizmente, os produtores de reprodutores pouco estão fazendo para resolver estes problemas”. No caso da nossa indústria de carne bovina, a maior parte destas limitações também é verdadeira, talvez com a exceção da gordura, que em vez de excesso temos é falta de acabamento. Como métodos de se avaliar a qualidade da carcaça, com o objetivo de melhorar as características organolépticas da carne, têm-se a classificação de carcaças dos animais ao abate, avaliação por ultrassonografia e avaliação através de escores visuais (S.A.Queiroz, 2012). A atribuição de escores visuais é um dos métodos de avaliação de carcaça, que permite identificar animais com maior precocidade de terminação, melhor musculatura e conformação frigorífica. Diversos autores demonstram que, com esse método, grande número de animais pode ser avaliado sem que se precise submetê-los a mensurações, o que minimiza o estresse dos animais e torna o processo mais ágil e de baixo custo. Nosso maior interesse neste artigo é destacar a tecnologia de ultrassom, fazendo-se um comparativo com o método tradicional de avaliação ou classificação de carcaças. Os testes de progênie tradicionais para características de carcaça ao abate demandam muito tempo, são caros, envolvem um número de animais muito reduzido de raças puras e são de acurácia questionável. Já os dados da avaliação por ultrassom, apropriadamente coletados e usados na seleção, são muito mais efetivos para melhorar essas características, economizando tempo e dinheiro. Mark Tess, diretor executivo do Ultrasound Guidelines Council (UGC), também salienta que a técnica de ultrassom é uma ferramenta poderosa, uma forma de obter medidas de características de carcaça com o animal ainda vivo. Imagens de ultrassom são características indicadoras mensuradas em touros, novilhas e novilhos para avaliar o potencial genético quanto ao mérito da carcaça da futura progênie do reprodutor. As principais medidas de ultrassom disponíveis são área de olho de lombo (AOL) por unidade de peso, espessura de gordura na 12ª costela (EGC), espessura de gordura na picanha (EGP) e percentagem de gordura intramuscular (%GIM). As três primeiras são expressas na mesma unidade de medida: centímetros quadrados para AOL e milímetros para EGC e EGP. Já a quarta, %GIM, é uma medida não invasiva utilizada para indicar o potencial genético para marmoreio. 1 ® Coordenador Técnico do PROMEBO ([email protected]) 2 Mestre em Melhoramento Animal – UFRGS ([email protected]) O uso de ultrassom nas predições de valores genéticos para carcaça: Segundo Bertrand, J.K. (2009), as estimativas de herdabilidades para AOL, EGC e %GIM medidas em tourinhos de (sobre)ano, via ultrassom, foram de magnitude similar às características de carcaça equivalentes medidas em novilhos ao abate. A magnitude média das três herdabilidades foi maior ou igual a 0.30, indicando que todas respondem à seleção (média de 0.39; 0.43; e 0.30; para AOL, EGC e %GIM, respectivamente). Já a correlação genética entre as características de carcaça medidas via ultrassom em bovinos para reprodução com as correspondentes características de carcaça medidas em novilhos abatidos foram todas maiores que 0.50, com uma estimativa média próxima de 0.70 (AOLU-AOLC em 0.72; EGCU-EGCC em 0.71; e GIMU-GIMC em 0.68; onde U = ultrassom e C = carcaça). A pesquisa sugere então, de forma consistente, que as medidas de ultrassom em animais para reprodução, podem ser usadas nos programas de avaliação genética para reduzir o tempo e as despesas necessárias para se obter estimativas úteis do mérito genético para características de carcaça. Existe variação aditiva suficiente para a obtenção de mudança genética através dos programas de seleção. Segue uma discussão de cada uma dessas características - na carcaça e no animal vivo (através de ultrassom), adaptando texto publicado por “Bob” Long: Marmoreio: É o principal fator na determinação do grau de qualidade da carne, favorecendo uma melhor degustação. Quando o animal cresce e se desenvolve, o conteúdo de gordura no músculo aumenta gradualmente desde próximo a zero no terneiro recém-nascido até 8% - 10% na maturidade do animal bem nutrido. Quando o conteúdo no olho de lombo atinge aproximadamente 4%, essa gordura pode ser identificada visualmente como marmoreio. O escore de marmoreio é definido visualmente por um técnico avaliando a carcaça no frigorífico, sendo uma estimativa do conteúdo de gordura no músculo. Essa avaliação visual é subjetiva e poderá ter variações dependendo da experiência, habilidade e dedicação do observador. É afetada ainda por outros fatores como iluminação, umidade, temperatura da carcaça e outros. O escore de marmoreio não é uma medida precisa do conteúdo de gordura no músculo bovino, que é o objetivo do avaliador. Mesmo assim é de valor considerável devido a correlação de aproximadamente 0.60 entre o escore de marmoreio e a gordura no músculo. Na medição de marmoreio por ultrassom no bovino vivo a imagem coletada pelo escâner do equipamento é analisada por um programa computacional para mensurar a quantidade de gordura no tecido muscular. A acurácia deste tipo de medida tem sido aferida pela comparação com a análise química da mesma porção de olho de lombo em que a medida de ultrassom foi realizada. A correlação entre gordura no ultrassom e gordura química é cerca de 0.70, que é mais alta do que com o escore visual de marmoreio. Área de Olho de Lombo (AOL): A AOL é simplesmente uma medida da área em um corte transversal no músculo olho de lombo (longissimus dorsi) entre a 12a e a 13a costelas. Esta medida isoladamente não tem valor nenhum na avaliação da composição da carcaça. Por outro lado, AOL por unidade de peso é de grande valor para predizer o grau de musculosidade e o rendimento em percentagem de cortes comerciais. Isto se baseando no fato de que o músculo cresce proporcionalmente ao corpo do animal. Esta medida da área é coletada pelo avaliador no frigorífico usando uma régua ou um planímetro. A medida de AOL por ultrassom usa a mesma imagem empregada para determinar marmoreio. O “mapa” de ultrassom dos vários tecidos permite esta medida de AOL. Gordura de Cobertura na Costela (EGC) e na Picanha (EGP): A EGC na 12a e 13a costelas é útil para estimar a gordura total do gado bovino. Esta avaliação tradicional de carcaça nada mais é do que um julgamento feito pelo avaliador no frigorífico, o qual tem muito pouco tempo (aproximadamente 10 segundos) para decidir sobre esse grau de gordura de cobertura na carcaça – mais ainda o escore de marmoreio, estimar ou medir AOL e outras avaliações no momento de sua classificação. Em adição, ao remover o couro no frigorífico alguma gordura pode ser retirada junto. Na avaliação de ultrassom a gordura de cobertura é mensurada na mesma imagem usada para AOL e marmoreio. E ainda outra medida de ultrassom da gordura de cobertura na picanha pode ser empregada para ajustamentos se necessário, avaliando o padrão de distribuição dessa gordura. Conclusão: Medidas de ultrassom no animal vivo são mais acuradas do que as medidas tradicionais tomadas na carcaça. As medidas fenotípicas reais, como de %GIM ou AOL, não tem nenhum valor como números absolutos para comparar reprodutores nos diferentes grupos de manejo e ambientes. Tem valor somente quando usadas através do cálculo de DEP em avaliações genéticas usando dados de grupos contemporâneos. Qualificação dos Dados Coletados por Ultrassom: A crescente concentração no produto final contribuiu para uma maior demanda na avaliação genética das características de carcaça e um aumento na popularidade do ultrassom na década de 1980. Esta expansão gerou preocupações quanto a consistência em equipamentos, programas, procedimentos, acurácia, tecnologia, idade do animal, certificação técnica e validação dos dados, salientam os técnicos presentes no Encontro Anual da BIF em 2006, ao apresentar uma visão geral do Ultrasound Guidelines Council (UGC). As responsabilidades do UGC incluem certificação técnica, padronização de protocolos, processamento dos dados de ultrassom, gerenciamento financeiro, e atualização e manutenção de novos equipamentos e programas. Para certificação dos técnicos de campo, os candidatos precisam passar por um exame escrito, e ter certa percentagem de imagens aceitáveis e de qualidade, avaliando AOL, EGC e %GIM. O erro padrão de predição e repetibilidade, viés e correlação também são levados em consideração. Para certificação de laboratórios, estes também precisam passar por um exame escrito, avaliando a qualidade das medidas tomadas nos dados de ultrassom relatados. No Brasil, as associações de bovinos de corte e pesquisadores vêm se organizando de maneira semelhante para certificação de técnicos de campo e laboratórios. Outras vantagens do Uso da Tecnologia: O uso extensivo de mensurações de ultrassom em rebanhos com produção de reprodutores é muito superior aos testes de progênie tradicionais. Um touro que entra em teste de progênie vai levar no mínimo 24 meses para ter dados de carcaça disponíveis, após a coleta e distribuição do seu sêmen para os rebanhos em teste, junto com outros reprodutores testados e touros referência. Além disto, estes dados podem ser questionáveis uma vez que provêm de vacas comerciais sem qualquer registro de performance, qualidade de carcaça e base racial. Por outro lado, criadores que utilizam de medidas de ultrassom terão dados não somente de seus touros favoritos, mas também de todos os tourinhos e novilhas de cada produção. Se a maioria dos criadores medirem ultrassom em todos os animais ao (sobre)ano, a base de dados da raça crescerá significativamente. Por exemplo, a base de dados da American Angus Association (a maior base no mundo entre todas as raças de bovinos de corte) contém dados de aproximadamente 97.000 carcaças coletadas durante os últimos 38 anos. Em comparação, a partir do ano 2000, a Associação já coletou dados, através de ultrassom para marmoreio e composição, de 1.400.000 cabeças de Angus. A técnica de mensurações através de ultrassom é mais rápida, mais barata e mais acurada do que o teste de progênie tradicional para composição da carcaça, se constituindo de uma ferramenta muito mais efetiva para o melhoramento da raça. Progresso Genético: No Encontro Anual da BIF em 2006, Dan Moser, da Kansas State University, informa que progresso tem sido feito nas características de carcaça ao observar as tendências genéticas apresentadas pelos programas de avaliação genética das diferentes associações, em especial quanto a AOL. Somente as raças Angus e Red Angus têm alcançado progresso em marmoreio, salienta Moser, notando que a maioria das imagens para gordura intramuscular coletadas é da raça Angus. Na avaliação genética efetuada pelo Promebo para AOL e EGC na raça A. Angus, desde 2000, observa-se a mesma tendência genética positiva, com uma resposta mais acentuada, também para musculosidade na carcaça (ver gráfico). A partir de 2010, começaram as coletas de gordura intramuscular, sendo as análises disponibilizadas agora no Sumário 2013-14.