Proibida a Venda setembro/2013 Edição Especial nº 17 Como diminu desigu ir a na escoaldade la melhor a o dese r m p enho de tod o s os alun os uma publicação proibida a VEnda Como dimin desig uir a na escuoaldade la melhora o dese r de tod mpenho os alunos os Apresentação sEtEmbro/2013 Edição EspEcial nº 17 Índice uma publicação Edição especial sobre a pesquisa da Fundação Victor Civita (FVC) Análise das Desigualdades Intraescolares no Brasil, realizada em parceria com o Itaú BBA e a Fundação Itaú Social e concluída em setembro de 2013. Coordenador Romualdo Portela de Oliveira Bom desempenho para todos os alunos Artigo Elba Siqueira de Sá Barretto Propostas para a escola A equidade desde a sala de aula Equipe Adriana Bauer Brunno Gastaldo Carolina Caldeira Carolina Mazzarello Carolina Mie Takaya Elaine Garcia Minuci Fabio Lisauskas Fernando Vizzotto Gabriela Rossi Vianna Malena Xavier Carvalho Marcelo Fazolli Maria Gabriela da Silva Maria Paula Ferreira Marina Biela Nathalia Cassettari Renata Zimbarg Tais Koslakowski Patrício 4 9 10 Propostas para a Secretaria Políticas que não deixam ninguém para trás Entrevista Romualdo Portela de Oliveira 14 18 EDIÇÃO ESPECIAL COMO DIMINUIR A DESIGUALDADE NA ESCOLA E MELHORAR O DESEMPENHO DE TODOS OS ALUNOS Fundada em 1985 Victor Civita (1907-1990) ROBERTO Civita (1936-2013) Presidente: Victor Civita Neto Diretora Executiva: Angela Dannemann Conselheiros: Victor Civita Neto, Giancarlo Francesco Civita, Roberta Anamaria Civita, Beatriz Gerdau Johannpeter, Fábio Barbosa, Claudio de Moura Castro, Jorge Gerdau Johannpeter, Manoel Amorim e Marcos Magalhães Diretora de Redação: Maggi Krause Diretora de Arte: Manuela Novais Coordenadora Pedagógica: Regina Scarpa Editora: Paola Gentile Editora de arte: Renata Borges Repórteres: Aurélio Amaral e Karina Padial Colaboraram nesta edição: Bianca Bibiano (reportagem) e Sidney Cerchiaro (revisão) Gerente de Projetos: Mauro Morellato Analista de Planejamento e Controle Operacional: Kátia Gimenes Processos Gráficos: Vitor Nogueira A edição especial COMO DIMINUIR A DESIGUALDADE NA ESCOLA E MELHORAR O DESEMPENHO DE TODOS OS ALUNOS é uma publicação da área de Estudos e Pesquisas da Fundação Victor Civita, ([email protected]). A R Fernandez Gráfica Ltda. Rua Dona Ana Neri, 768 - Cambuci - CEP 01522-000 - São Paulo / SP Parceiros 3 Apresentação 4 0 1 2 3 4 número de alunos 5 número de alunos É quando todos os alunos têm resultados parecidos. Isso, na prática, é impossível de acontecer, pois sempre há algum grau de diferença. 6 7 8 9 10 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 4 5 6 7 8 9 0 1 2 3 4 5 6 7 8 número de alunos 3 4 5 6 7 8 9 6 7 8 9 4 5 6 7 8 9 10 nota 1 2 3 10 nota Enquanto os brancos têm nota 7, a maioria dos negros não chega ao patamar desejado (5). NSE alto 10 nota 9 10 1 2 3 4 5 6 7 8 9 Alguns alunos se destacam, mas isso não tem relação com o NSE. Todos têm nota perto de 7. 10 nota Homens 0 nota NSE baixo 0 2 5 Há uma desigualdade pequena dentro dos grupos, mas a média entre eles é parecida. Todos atingem os patamares mínimos. É o ideal a ser perseguido por todas as escolas. É o que em geral acontece em escolas cujo público tem características socioeconômicas semelhantes. Apesar de haver alguns alunos com bom desempenho, um grupo grande não atinge o mínimo estabelecido. 1 4 equidade 10 nota Desigualdade em uma escola homogênea 0 3 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 nota Mulheres 0 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 Gráficos Mário kanno 3 2 número de alunos 2 1 Brancos 0 nota Boa parte dos alunos com alto NSE tem nota 8, mas a média dos mais pobres gira em torno de 4. 1 Negros 0 nota NSE baixo 0 número de alunos O NSE alto número de alunos Igualdade número de alunos Não. A equidade admite desigualdade desde que não provocada por fatores externos. Entenda os conceitos com base no seguintes exemplos: 0 que caracteriza uma boa escola? Antes de tudo, ela cumpre com o compromisso de que os alunos aprendam. Com base nesse raciocínio, médias elevadas nas avaliações seriam um bom termômetro da qualidade. Mas, e se na composição da média houver alguns poucos com ótimas notas e muitos com aprendizagem insatisfatória? Essa instituição pode ser considerada tão boa quanto outra cuja média é a mesma, porém sem grande variação entre os estudantes? Provavelmente não. Afinal, menores diferenças nos resultados internos são também um indicador de qualidade na Educação, pois significa que nenhum aluno está ficando para trás (veja os exemplos ao lado). Acontece quando um grupo – do mesmo nível socioeconômico (NSE), raça, gênero ou outro – tem desempenho semelhante, mas a comparação entre eles aponta disparidades. número de alunos Aurélio Amaral desigualdade em uma escola heterogênea número de alunos Estudo aponta caminhos para reduzir a desigualdade de resultados na escola Equidade é o mesmo que igualdade? número de alunos Bom desempenho para todos os alunos nota O recorte por sexo não revela diferenças entre os grupos. Ambos atingem as expectativas mínimas. 5 Apresentação influências positivas A pesquisa está disponível na íntegra em www.fvc.org. br/estudos É claro que sempre haverá aqueles que se distanciarão da média, para mais ou para menos. O problema é que essas diferenças acontecem em grande número nas instituições brasileiras e, pior, se devem a fatores externos à escola, como gênero, raça e nível socioeconômico. As estatísticas confirmam que, no país, estudantes brancos, do sexo feminino e de famílias com mais renda e anos de estudo se saem melhor do que negros, do sexo masculino e filhos de pobres e analfabetos. Isso acontece porque não há equidade, ou seja, não são dadas as oportunidades de aprendizagem adequadas a todos (leia ao longo da reportagem algumas ideias sobre o conceito). “Um sistema educacional equitativo é aquele que possui três características, a saber: 1) os estudantes são levados a produzir de acordo com seu potencial (independentemente de sua classe social, lugar de residência, gênero ou etnia); 2) as necessidades de todos os estudantes são supridas; e 3) há suporte para que a maioria dos estudantes alcance resultados ‘robustos’. ” Laura Perry, professora da Universidade de Murdoch, na Austrália, no artigo Características de Sistemas Educacionais Equitativos: uma Análise Transnacional 6 A proporção dos alunos que atingem ou superam os níveis adequados é maior nas instituições em que: As condições de ensino (acesso a materiais, infraestrutura) são boas. As famílias se envolvem na rotina escolar. 40% 40% 35% Más condições Boas condições Os alunos têm bom relacionamento entre si e com os professores. 39% Bom relacionamento 36% Mau relacionamento Para começar a entender essas desigualdades, é preciso lembrar que crianças e jovens de nível socioeconômico baixo já apresentam mais dificuldade de acesso à Educação. Além disso, mesmo quando a matrícula é garantida, o aproveitamento do ensino é influenciado por fatores externos – como viver em ambiente de alta vulnerabilidade e ter pouco contato com a cultura escrita e com manifestações artísticas, entre outros. Cientes dos fatores que levam a um baixo desempenho, a escola e a rede devem 37% Pouco envolvimento Bastante envolvimento Há critérios para alocar professores nas turmas com mais dificuldades. 41% 38% Com critério Sem critério trabalhar para superá-los, fazendo com que os menos favorecidos tenham condições de atingir o mesmo patamar de aprendizagem dos mais privilegiados. Quanto melhor a média, maior a desigualdade Mas como alcançar a equidade? Essa questão norteou a pesquisa Análise das Desigualdades Intraescolares no Brasil, coordenada por Romualdo Portela de Oliveira, professor da Fa- “Um sistema justo garantiria limites mínimos abaixo dos quais ninguém deveria ficar: é o caso do salário mínimo, da assistência médica, dos benefícios elementares que protegem os mais fracos da exclusão total. Na verdade, essas garantias visam limitar os efeitos dos sistemas meritocráticos cuja mecânica muitas vezes leva à manutenção ou mesmo à acentuação das desigualdades.” François Dubet, sociólogo e professor da Universidade de Bordeaux II, na França, no livro O Que É uma Escola Justa culdade de Educação da Universidade de São Paulo (USP), e encomendada pela Fundação Victor Civita (FVC), em parceria com a Fundação Itaú Social e o Itaú BBA. O estudo apontou que os critérios de alocação dos professores e o clima escolar estreitam a distância de resultados, entre outros fatores (leia o quadro ao lado). As conclusões são fruto da análise das notas de Matemática da Prova Brasil de 2009 de escolas públicas urbanas e de um questionário aplicado em 252 instituições, sendo 108 no município de São Paulo, 53 na cidade do Rio de Janeiro e 91 em outros municípios. Nas duas capitais, os resultados também foram filtrados segundo critérios geográficos. Constatou-se que as instituições localizadas na periferia apresentaram resultados mais homogêneos, apesar de baixos. As localizadas em regiões centrais ostentaram melhores no- 7 Apresentação O termômetro da desigualdade A pesquisa usou como metodologia o Índice de Homogeneidade entre Escolas (IHEE), que leva em consideração a variância de resultados dos estudantes em relação à média da escola. Quanto maior o intervalo entre os melhores e os piores alunos, mais alta é a variância. Em seguida, compara-se a escola à rede na qual está inserida. Se a relação for menor que 1, ela terá menos desigualdade que a rede. Caso contrário, será mais heterogênea. O exemplo abaixo, do município de São Paulo, mostra que as instituições localizadas na periferia tendem a apresentar menos desigualdade, porém piores resultados. 12,7% Na periferia 20,6% 66,8% 20,7% Nas regiões centrais 56,7% Mais heterogêneas que a rede (índice superior a 1,05) Desigualdade semelhante à da rede (índice entre 0,95 e 1,05) Mais homogêneas que a rede (índice inferior a 0,95) 8 22,7% tas, porém mais desigualdade (leia o quadro ao lado). Isso acontece porque longe do centro se atende a um público de perfil semelhante – que reúne as características de fragilidade citadas anteriormente –, enquanto nas unidades das áreas mais privilegiadas há uma maior mistura de status social. “As disparidades entre bairros são muito mais claras nas grandes concentrações urbanas. Existe uma segregação tanto do ponto de vista da demanda – pois o público da periferia é basicamente de nível socioeconômico baixo – como do da oferta, já que a infraestrutura em zonas periféricas tende a ser mais precária”, afirma Mariane Koslinski, professora adjunta da Faculdade de Educação da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e pesquisadora da rede Observatório das Metrópoles, na capital fluminense. De nada adianta resultados igualitários, porém medíocres. A equidade pressupõe também uma perspectiva de melhoria dos indicadores. “Se o desempenho é homogêneo, mas aquém do esperado, isso significa que as oportunidades não estão sendo plenamente garantidas. Os resultados encontrados nas escolas localizadas na periferia deixam isso bem claro”, afirma Romualdo (leia a entrevista na página 18). Para alcançar uma Educação equitativa, as Secretarias de Educação precisam investir em políticas compensatórias, como a fixação de professores e gestores experientes nas escolas com notas mais baixas (conheça outras medidas na reportagem na página 10). Cabe também aos diretores e coordenadores pedagógicos promover as ações que estão a seu alcance, como atribuir as turmas de acordo com o perfil dos docentes (leia a reportagem na página 14). Artigo Elba Siqueira de Sá Barretto é professora da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (USP) e consultora da Fundação Carlos Chagas (FCC), em São Paulo É preciso dar mais a quem tem menos O Brasil tende a oferecer um ensino precário às populações com menor poder de pressão social. Paradoxalmente, culpam-se os alunos e suas famílias pelo desempenho ruim, desconsiderando que a eles foi oferecida a mais pobre das educações. A demanda por equidade nas políticas educacionais visa reverter essa situação, de modo a oferecer condições de aprendizagem segundo as necessidades de cada um. Isso significa dar mais a quem tem menos. Algumas providências têm sido tomadas, como levar livros didáticos às escolas rurais e à Educação de Jovens e Adultos (EJA). Projetos foram lançados para atender as demandas educacionais de grupos menos favorecidos. É o caso do Mais Educação – que dá incentivos para a implementação da jornada integral em instituições com baixo Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) – e o programa que destina repasses à formação continuada e à melhoria da estrutura física das escolas em comunidades quilombolas. Porém há ainda um longo caminho a percorrer. Falta ousadia para destinar mais verbas e recursos humanos para áreas vulneráveis. Não faz sentido tratar todas as unidades da rede igualmente, pois algumas sofrem mais com carência e absenteísmo de professores e uma rotina em que são frequentes os atrasos e a dispensa de alunos. Nessas instituições, dedica-se mais tempo à manutenção da disciplina do que ao ensino propriamente dito. Não basta, portanto, ampliar o período de permanência na escola: é preciso oferecer boas condições de ensino. Para tanto, as políticas compensatórias necessitam de coragem e de continuidade. Iniciativas como um adicional para quem trabalha em locais de risco ou com turmas com defasagem de rendimento não costumam se manter por muito tempo nem dar resultado. Serão efetivas as que assegurarem o melhor provimento e a estabilidade do corpo docente nas regiões vulneráveis e as que endossarem um projeto consistente de valorização profissional, com planos de carreira e salarial. Apesar da importância de dar atenção às áreas excluídas, a formação de docentes e gestores deve garantir oportunidades de aprendizagem em todas as escolas, e não apenas em localidades mais pobres. Afinal, mesmo nas regiões de nível socioeconômico mais elevado, os estudantes que povoam as classes de recuperação têm o mesmo perfil: são do sexo masculino, pobres e negros. Mudar esse cenário é imprescindível para que o país tenha, de fato, uma Educação de qualidade. foto marina piedade 9 Propostas para a escola Garantir a formação continuada A equidade desde a sala de aula Conheça as medidas que garantem oportunidades de aprendizagem para todos Bianca Bibiano A lcançar a equidade é uma tarefa que cabe a todos os educadores do sistema. Parte dela, portanto, cai nas mãos dos gestores escolares, que detectam, com base nas avaliações feitas pelos professores, as diferenças de nível de aprendizagem. Muitas iniciativas apontadas pela pesquisa como eficientes se relacionam com processos pedagógicos e não implicam gastos financeiros. Cultivar um ambiente propício à aprendizagem, combater as diferentes formas de discriminação, incentivar a colaboração entre estudantes com bom desempenho e os com dificuldade são medidas essenciais para que as notas melhorem sem que ninguém fique para trás. Algumas delas são bastante eficientes e consistem em aproveitar melhor os recursos materiais e humanos que toda escola tem e as relações entre os alunos. 10 Designar o docente de acordo com o perfil da turma A pesquisa mostrou que os resultados tendem a ser mais igualitários nas escolas em que o diretor leva em consideração o perfil e a experiência do professor ao designá-lo para determinada turma. Infelizmente, o mais comum é a atribuição ser definida pela antiguidade: quem tem mais tempo de atividade profissional tem preferência na escolha das turmas – e optam pelas mais “fáceis”. Com isso, os novatos acabam assumindo desafios para os quais nem sempre estão preparados, o que vai comprometer o desempenho da turma no futuro. “Cabe ao diretor tomar essas decisões com base no perfil dos profissionais que ele tem na equipe. Os grupos em que há mais alunos com dificuldades devem ser assumidos pelos professores com mais anos de prática”, afirma Ocimar Alavarse, professor da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (USP). Uma turma de 1º ano, por exemplo, requer um professor especialista em Alfabetização ou com bastante experiência nessa área. Já um grupo do 6º ano – em que a tendência é ter alunos novos chegando de outras instituições por causa da mudança de segmento – demanda um professor com boa capacidade de avaliação diagnóstica para detectar lacunas na aprendizagem que precisam ser supridas. Em instituições onde há alta rotatividade – problema que foge da alçada do diretor –, é mais difícil mapear as características da equipe para estabelecer os critérios de atribuição. Ainda assim, toda a documentação sobre aprendizagem e o histórico de evolução das turmas pode ajudar na distribuição dos profissionais entre as classes. A experiência do docente influencia no desempenho da turma. Porém, é preciso refletir constantemente sobre a prática e os conhecimentos didáticos conforme as necessidades dos alunos vão aparecendo. Saber ensinar de diferentes maneiras quando parte da classe não aprendeu, promover a inclusão de todos nas atividades propostas e dar atenção especial a quem mais necessita são habilidades que têm de ser repensadas e compartilhadas com os novatos. Essas orientações vêm do trabalho atento de um coordenador pedagógico bem formado – tarefa que cabe à rede (leia a reportagem da página 14). Ele necessita do apoio do diretor para garantir tempo e espaço para o horário de trabalho coletivo e assegurar a participação dos professores. Nesses momentos são discutidas as dificuldades encontradas em sala de aula e se buscam as soluções para os problemas de ensino – o que vai impactar no resultado final de cada aluno. “Sem uma rotina de reuniões de formação, fica difícil lidar com a heterogeneidade e elaborar estratégias para superar o baixo desempenho”, diz Elisangela Scaff, da Faculdade de Educação da Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD), no Mato Grosso do Sul. 11 Propostas para a escola Tornar a lição de casa um hábito Formar turmas diversificadas A escola deve tomar cuidado especial ao separar os alunos por turma, para não acentuar as desigualdades. Usar a nota como critério, por exemplo, leva à criação de classes “fortes” e “fracas” – e esse abismo tende só a aumentar quando a escola deposita expectativas apenas nos melhores. De acordo com Fátima Alves, pesquisadora da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio), a divisão por idade também acaba revelando uma segregação, considerando que uma classe com concentração de alunos mais velhos que a média da turma apresenta mais problemas de desempenho. Contudo, ter bons parâmetros para nortear essa distribuição pode contribuir para a equidade, já que a pesquisa prova que em classes heterogêneas há mais chance de todos avançarem. Em vez de colocar os bons alunos e os que necessitam de apoio em grupos distintos, é mais proveitoso que eles trabalhem juntos (leia o quadro abaixo). Criar agrupamentos produtivos Os critérios de divisão das turmas servem também na organização da sala para o trabalho em grupo. Para a socióloga Maria Lígia de Oliveira Barbosa, autora do livro Desigualdade e Desempenho: uma Introdução à Sociologia da Escola Brasileira, os docentes pecam ao desconsiderarem a heterogeneidade, planejando a aula em função apenas dos estudantes com mais facilidade. Esses alunos geralmente recebem mais atenção do que os com baixo desempenho, que ocupam o fundo da sala e fazem poucas perguntas. “Um professor bem formado tem estratégias 12 A lição de casa tem um papel importante no processo de aprendizagem. É o momento em que o aluno, sem a supervisão do professor, desenvolve a autonomia, pratica as habilidades e sistematiza os conhecimentos. De acordo com Gisela Wajskop, consultora em Educação, ela deve ser obrigatória e corrigida em sala de aula, para ajudar a consolidar a aprendizagem e contribuir na socialização das soluções dos problemas entre os colegas. Além disso, as tarefas ajudam os professores e coordenadores pedagógicos a avaliar o ritmo em que os alunos estão avançando e diagnosticar aqueles que precisam de mais atenção. Dessa forma, o professor, com a ajuda do coordenador pedagógico, pode planejar atividades específicas para que esse grupo avance. Por ser realizado fora da escola, o dever de casa deve também ser pauta das reuniões de pais. Esclarecer os objetivos, a quantidade de atividades e a periodicidade ajuda a envolver as famílias no processo. Melhorar o clima escolar para quebrar essa organização e incentivar a participação de todos”, afirma a pesquisadora. A sugestão é montar grupos nos quais os alunos que já avançaram em determinado conteúdo ajudem os que ainda têm dúvidas. Essa formação pode estar em constante mudança, de acordo com os objetivos. Quando a maioria já está segura em relação aos conhecimentos, é possível oferecer atividades para que eles trabalhem com autonomia, enquanto se propõe reforço para os que ainda apresentam dificuldade – preferencialmente no contraturno. Vítimas de qualquer tipo de preconceito – social, racial ou de gênero – têm mais dificuldade em se reconhecer como parte do grupo, o que as desmotiva e leva à reprovação e ao abandono. “A discriminação é enraizada inclusive nas práticas pedagógicas. Um exemplo: os comportamentos esperados nas séries iniciais – asseio, letra bonita, obediência – privilegiam a socialização das meninas e prejudicam os rapazes”, explica Romualdo Portela de Oliveira, coordenador da pesquisa. A solução é investir em atividades que valorizem a diversidade e a tolerância. Cabe ao gestor dar o primeiro passo para melhorar as relações interpessoais, demonstrando confiança na capacidade profissional dos docentes, acreditando no potencial dos alunos e incentivando-os a alcançar novos desafios. “Enquanto não se depositar altas expectativas sobre todos, a parcela menos privilegiada não conseguirá avançar”, diz Ilona Becskeházy, consultora em Educação. Ela aponta a infraestrutura como um fator importante para o clima: “Um prédio bem conservado e equipado faz com que os estudantes se sintam acolhidos”. 13 Propostas para A SECRETARIA Políticas que não deixam ninguém para trás É dever da rede criar condições para combater as desigualdades Karina Padial A equipe gestora não está sozinha no esforço de reduzir a desigualdade de desempenho dos alunos. Essa responsabilidade também cabe à Secretaria de Educação. Afinal, ela tem o poder de tomar medidas que envolvem a aplicação de recursos e impactam todas as escolas da rede. Romualdo Portela de Oliveira, coordenador da pesquisa, afirma que os investimentos financeiros são imprescindíveis para atingir a equidade. Um exemplo: é impossível pensar em medidas que visem a redução do número de estudantes por classe – ação que favorece um acompanhamento individualizado dos alunos – e a promoção de atividades de reforço sem que o poder público aumente o orçamento e a rede contrate mais docentes ou amplie o número de estabelecimentos de ensino. Outras decisões, no entanto, não exigem gastos, mas apenas uma reorganização da gestão de recursos humanos. Conheça, a seguir, sete iniciativas que podem ser tomadas pela rede. 14 Definir as expectativas de aprendizagem Quando a rede estabelece o que os alunos precisam saber ao final de cada ano ou ciclo e as habilidades essenciais a ser desenvolvidas nas diversas disciplinas, a escola tem mais clareza para construir o projeto político-pedagógico (PPP), que vai definir as prioridades do processo de ensino e aprendizagem. Um PPP bem executado ajuda a reduzir a desigualdade de desempenho entre os alunos à medida que serve de parâmetro para a atuação dos professores e para discutir experiências e ações de curto, médio e longo prazos que impactam diretamente na aprendizagem de todos. Para Binho Marques, secretário de Articulação com os Sistemas de Ensino do Ministério da Educação (MEC), além das expectativas de aprendizagem, a rede tem de formular um currículo comum, com base no qual a escola define os conteúdos que serão trabalhados, levando em conta a realidade local. Formar os coordenadores pedagógicos A igualdade na oferta de oportunidades de aprendizagem depende diretamente da maneira como o professor ensina. A formação continuada, portanto, é indispensável para atingir a equidade. Cabe à Secretaria de Educação garantir a presença do coordenador pedagógico nas instituições e dar as condições para que ele exerça bem o cargo. A pesquisa O Coordenador Pedagógico e a Formação Continuada de Professores: Intenções, Tensões e Contradições, da FVC (disponível em abr.io/pesquisacp), revelou que 31% dos coordenadores entrevistados não conseguiam ajudar os professores a cumprir as metas nem sabiam a melhor maneira de se firmar como líder. Tendo em vista essas dificuldades, a rede deve planejar programas que atendam as necessidades do dia a dia desse profissional. São conteúdos para essa formação a elaboração de pautas produtivas para os horários de trabalho coletivo e o aprimoramento de estratégias que ele usa, como a observação da prática docente. Cursos oferecidos pela rede são bem-vindos, mas Patricia Mota Guedes, especialista em Educação da Fundação Itaú Social, em São Paulo, defende que o acompanhamento seja feito por um supervisor também na escola. “Assim, os formadores identificam as demandas e ajudam a promover intervenções que impactem na aprendizagem.” Qualificar os diretores Quando um diretor assume o cargo, ele tem na bagagem a experiência pedagógica, porém nem sempre a administrativa. Por isso, a rede tem de desenvolver planos específicos de formação para preencher essa lacuna, contemplando conhecimentos relacionados à liderança, à capacidade de lidar com o coletivo e com a comunidade em geral e à gestão de orçamento, materiais e espaços. Devem constar dos programas também as estratégias de relacionamento com alunos, professores e pais, favorecendo a melhoria do clima escolar (leia a reportagem da página 10) e o acompanhamento do trabalho pedagógico desenvolvido pelo coordenador e pelos docentes. Outra sugestão é instituir grupos de estudos e incentivar o compartilhamento de experiências, a fim de difundir boas estratégias para atenuar as desigualdades. 15 Propostas para A SECRETARIA Instituir o reforço escolar Fixar os professores e gestores nas escolas A rotatividade do corpo docente preocupa os gestores. Sem políticas para mantê-los nas escolas, é muito difícil avançar no programa de formação. Por isso, Ocimar Munhoz Alavarse, professor da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (USP), propõe políticas de bônus salarial que beneficiem quem está há mais tempo em uma instituição, trabalha em regiões com baixo nível socioeconômico ou com turmas que apresentam desempenho precário. Critérios de alocação com base na experiência profissional também contam. Escolas com turmas de alfabetização, por exemplo, receberiam docentes mais experientes. Outra medida interessante é a implantação de tutoria em que os profissionais veteranos são estimulados a acompanhar os novatos por no mínimo um ano, ajudando-os na elaboração do planejamento, assistindo as aulas e discutindo com eles questões relativas às dificuldades dos alunos. Fixar o gestor no cargo é igualmente importante. Os pesquisadores norteamericanos Philip Hallinger e Ronald Heck concluíram que quanto maior a permanência do diretor na instituição, mais democrático é o estilo de liderança e menor é a variação dos índices de aprendizagem dos alunos. Não dá para esperar até o fim do ano para ajudar os alunos com desempenho abaixo do ideal. Por meio do reforço, os estudantes que precisam de apoio têm a oportunidade de retomar os conteúdos com novas atividades e estratégias de ensino. A instituição é responsável por organizar esses momentos. No entanto, a criação de políticas e de estrutura para que os alunos permaneçam mais tempo na escola – no horário regular e no contraturno – e a contratação de professores para atuar nesse atendimento são iniciativas da Secretaria de Educação para contemplar todas as unidades. Sem esses requisitos, corre-se o risco da implantação de um esquema improvisado, com docentes voluntários e sem capacitação e a adesão opcional dos alunos – o que não é eficaz. Já a seleção dos alunos que participarão do reforço deve ser feita pela escola, com base nas avaliações internas e nos registros dos professores. Rever os critérios de matrícula Estender a jornada de trabalho Em um cenário ideal, todas as Secretarias teriam professores com regime de 40 horas semanais e dedicação exclusiva. Na pesquisa Trabalho Docente na Educação Básica no Brasil, realizada pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), em 2010, um terço dos mais de 664 mil docentes entrevistados avaliaram que a extensão da carga horária contribuiria para melhorar a qualidade do trabalho. “Profissionais fixos têm horário previsto 16 para participar da formação em serviço e dos compromissos institucionais, além de terem a oportunidade de conhecer melhor a comunidade e as dificuldades dos alunos”, observa Pedro Ganzeli, diretor da Associação Nacional de Política e Administração da Educação – Seção São Paulo (Anpae/SP). Além disso, a dedicação exclusiva facilita a implantação do reforço escolar (leia o item a seguir), que geralmente esbarra no desafio da contratação de horistas para a função. A pesquisa revelou que o desempenho é pior em escolas nas quais os estudantes têm um perfil socioeconômico mais homogêneo. A diversidade cultural do público atendido impacta positivamente na redução da desigualdade de desempenho. Isso acontece porque bons alunos servem de exemplo à turma, estimulam outros a melhorar o rendimento e podem colaborar no processo de aprendizagem dos colegas ao serem estimulados a realizar monitoria e participar de trabalhos em grupo. Mariane Koslinski, professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), defende que a diversidade seja garantida já no processo de matrícula. Mas essa não é uma equação fácil de resolver. Nas redes onde os pais escolhem a instituição de preferência, as famílias com mais acesso à informação são favorecidas -- e isso faz com que as unidades mais procuradas criem mecanismos de seleção, velados ou não, o que é proibido em algumas redes. Nos sistemas em que a matrícula está vinculada ao local de moradia, a homogeneidade acontece principalmente em regiões mais pobres – e é fato que as localidades mais vulneráveis apresentam resultados mais baixos nas avaliações. Um formato misto, de escolha controlada, seria uma solução possível. Os pais listariam opções, mas a rede faria a distribuição dos alunos com base também em variáveis como a proximidade geográfica e as condições socioeconômicas. 17 entrevista Romualdo Portela de Oliveira “Foco nas notas acentua as desigualdades” Para melhorar a média nas avaliações externas, a escola acaba priorizando – erradamente – os alunos que já têm bons resultados Bianca Bibiano Q uestões de gênero, classe social e raça são consideradas predominantes quando se tenta explicar a diferença de níveis de aprendizagem entre os alunos. A pesquisa conduzida por Romualdo Portela de Oliveira, professor da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (USP), mostra que as escolas que atendem a alunos de classes menos favorecidas – e que apresentam, portanto, um público de perfil semelhante – tendem a ter desempenho pior e mais homogêneo. Já as que recebem um alunado mais diversificado apresentam resultados melhores, porém mais desiguais. “Parece que o progresso nos indicadores acaba incrementando a desigualdade já existente e, com isso, ampliando a perversidade social”, afirma Portela. Nesta entrevista, o pesquisador explica por que as análises feitas para detectar a qualidade de uma escola não se devem restringir apenas a dados de avaliações externas, como o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb). Em que medida a melhora na nota do Ideb pode levar ao aumento da desigualdade? Romualdo Portela de Oliveira Isso acontece porque é mais fácil aumentar a média investindo só nos alunos melhores, já que eles aprendem mais rapidamente. Lidar com os estudantes com baixo desempenho, que é o necessário para ter equidade, dá trabalho, pois exige reforço escolar, acompanhamento individual e formação para os professores lidarem com as particularidades, entre outras ações. Como avançar na qualidade da Educação sem que isso provoque disparidades? Notas mais altas não devem ser o único objeti- vo a ser perseguido. O Ideb, usado como régua nacional de qualidade, só mede dois parâmetros: o índice de aprovação e o desempenho na Prova Brasil em Matemática e Língua Portuguesa. Ao tomar por base apenas a média nas avaliações, a instituição está desconsiderando o grupo de alunos que vai mal, pois ele se dilui no número final. O problema é que existe uma pressão pelo aumento do Ideb, pois ele está ligado ao repasse de recursos das Secretarias de Educação, à inclusão em alguns programas do governo federal e ao pagamento de bônus para professores e gestores. Que critérios poderiam ser adotados? Primeiramente, incorporar a equidade aos indicadores. O Idesp (Índice de Desenvolvimento da Educação do Estado de São Paulo) tem uma iniciativa nesse sentido: as escolas com muitos estudantes abaixo do patamares mínimos de aprendizagem são penalizadas, motivando assim os gestores a olhar para quem tem mais dificuldade. Depois, criando processos que levem a uma reflexão mais ampla de Educação. Uma instituição que não educa o estudante para a participação democrática, por exemplo, não cumpre um de seus objetivos, que é formar cidadãos. O respeito às diferenças e a capacidade de trabalhar em grupo são pré-requisitos para o mercado de trabalho e para a vida social – e não constam dos indicadores. Como essas ações seriam avaliadas? Todo padrão é um pouco arbitrário, inclusive a nota: estipulou-se que uma determinada pontuação é satisfatória e outra não. No caso da equidade, é necessário discutir com as Secretarias de Educação para definir o que é a “Sugiro que os parâmetros de qualidade levem em conta, além do desempenho, o percurso para chegar até ela.” oferta de igualdade de oportunidades de aprendizagem e traçar objetivos a ser alcançados a curto, médio e longo prazos. Sugiro que os parâmetros de qualidade levem em conta, além do desempenho, o percurso para chegar até elas. Deve-se considerar a presença de insumos – as condições oferecidas pela rede, que mudam de acordo com cada realidade – e adotar processos avaliativos das ações empreendidas pela equipe gestora, ou seja, o que ela faz para transformar os insumos em bons resultados. Alguns autores afirmam que a desigualdade é aceitável desde que um mínimo seja garantido a todos. O senhor concorda? Sim, algum grau de diferença é tolerável, pelo fato de que ter 100% de bom desempenho é impossível. No âmbito escolar, entretanto, essa diferença deve se apresentar de maneira aleatória. De forma alguma ela pode ser creditada a características do indivíduo ou a fatores externos à instituição, mas apenas à capacidade ou ao esforço de cada um. foto marina piedade 18 19