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Karine de Andrade Torres
A CEGONHA NÃO É MAIS UMA FICÇÃO:
A PATERNIDADE NO CONTEXTO DAS NOVAS TECNOLOGIAS
REPRODUTIVAS CONCEPTIVAS
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em
Psicologia da Universidade Federal de Pernambuco, como
requisito para a obtenção do título de Mestre em Psicologia.
Orientação: Profª. Drª. Karla Galvão Adrião
Recife, 2012
1
Catalogação na fonte
Bibliotecária Maria do Carmo de Paiva CRB-4 1291
T693c
Torres, Karine de Andrade.
A cegonha não é mais uma ficção : a paternidade no contexto das
novas tecnologias reprodutivas conceptivas / Karine de Andrade Torres. –
Recife: O autor, 2012.
104 f. : il. ; 30 cm.
Orientadora: Prof.ª Dr.ª Karla Galvão Adrião.
Dissertação (Mestrado) - Universidade Federal de Pernambuco,
CFCH. Pós-Graduação em Psicologia, 2012.
Inclui bibliografia.
1. Psicologia. 2. Paternidade. 3. Tecnologia da reprodução humana.
4. Família. 5. Feminismo. I. Adrião, Karla Galvão. (Orientadora). II. Titulo.
150 CDD (22.ed.)
UFPE (CFCH2012-33)
2
UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO
CENTRO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM PSICOLOGIA
CURSO DE MESTRADO
A CEGONHA NÃO É MAIS UMA FICÇÃO: a paternidade no
contexto das novas tecnologias reprodutivas conceptivas
Comissão Examinadora:
_________________________________
Profª. Drª. Karla Galvão Adrião
1ª Examinadora/ Presidente
______________________________________
Profº. Drº. Pedro Guedes do Nascimento
2º Examinador
______________________________________
Profº. Drº. Luis Felipe Rios
3º Examinador
Recife, 29 fevereiro de 2012
3
Para a minha avó Leda,
Com muito amor.
4
AGRADECIMENTOS
Sempre gostei de ler os agradecimentos alheios. Talvez porque eles falem muito
sobre o autor da obra que estamos prestes a nos debruçar ou quem sabe, porque nos dão
aquela leve impressão de intimidade. Funciona para mim quase como um convite “pode
chegar, aceita um café?”.
A profª. Drª. Karla Galvão Adrião, pela orientação, pela enorme ajuda e continência. Que
algumas vezes, sabiamente, me deixou voar sozinha, me fazendo perceber o quanto eu era
capaz de finalizar este trabalho.
Ao profº. Drº. Luis Felipe Rios, pela apreciação minuciosa e cuidadosa do projeto desta
pesquisa na banca de qualificação e, principalmente, por ter apontado caminhos interessantes
para o desenvolvimento deste estudo.
Ao profº. Drº. Pedro Guedes Nascimento por ter despertado em mim, ainda no nosso
primeiro encontro, novas idéias e inquietação quanto ao meu objeto de pesquisa. E ainda pelas
preciosas considerações na qualificação deste trabalho.
Aos demais professores e professoras do Mestrado, em especial, Benedito Medrado, pelo
qual tenho uma enorme admiração, apesar de nunca ter dito isso a ele pessoalmente, não por
falta de oportunidade, mas talvez por causa da minha bendita timidez.
A minha família, em especial, minha avó Leda. Agradeço pelas lembranças que me
proporcionou, pelo crescimento emocional que tive ao seu lado e por tudo que fez e ainda faz
por mim, de onde estiver.
Ao meu Pai, apesar dos nossos (des) encontros pela vida. Pai exemplar, não poderia ter tido
um melhor. Obrigada por tudo.
5
A minha mãe, que sempre me apoiou em todos os meus projetos de vida, estando comigo nos
momentos mais difíceis e segurando minha mão quando eu mais precisava. Te amo por seres
essa mãe maravilhosa e por teres me passado valores tão singelos.
Aos presentes que o mestrado me deu, em especial: Rhutinha, Paloma, Patrícia, Túlio e
Márcio, pelas angústias, alegrias e conhecimentos compartilhados.
A Duda, Mayara e Isis, que, como boa MUDAS que somos: crescemos, florescemos e
desabrochamos juntas!
A Karlinha, minha querida amiga de longas datas. Pelas nossas conversas, bobeiras mútuas e
pelas nossas risadas virtuais. Obrigada por compartilhar o ócio da madrugada comigo, quando
muitas vezes eu fazia aquela “paradinha” para um café, entre um parágrafo e outro.
A Henrique, pelas madrugadas “desopilantes”. A Clécio, pelas reflexões e inspirações
constantes. A André, o doutor mais gente boa que conheço, pela “entrada no campo”.
A João, sempre tão bonzinho e paciente comigo, que incansáveis vezes desbloqueou minha
senha do SIGA e aturou minhas ligações para perguntar a mesma coisa várias vezes no
mesmo dia.
A Vinícius Quintas Souto Maior, meu namorado, por todos os desatinos que me fez cometer
nesse último ano de Mestrado. Desatinos estes, necessários para que nós construíssemos o
nosso caminho, agora juntos.
Agradeço também a todos os membros do laboratório de estudos sobre a Sexualidade Humana
- Labeshu, pelas reflexões constantes que tanto me ajudaram.
A REUNI – Propesq, pelo financiamento dos dois anos do meu Mestrado, o que viabilizou
dedicação exclusiva à vida acadêmica.
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RESUMO
A presente pesquisa teve como objetivo geral compreender os sentidos de paternidade para
homens que buscaram os serviços/clínicas particulares especialistas em Reprodução Humana
Assistida na cidade do Recife. De maneira específica, pretendeu-se compreender como esses
homens vivenciam a experiência de busca por filhos através das novas tecnologias
reprodutivas conceptivas; verificar como eles se vêem diante de uma sociedade que valoriza
questões relacionadas ao gênero, às sexualidades, à virilidade e às masculinidades; investigar
de que forma essa condição tem interferido em suas relações pessoais e sociais e, por fim,
compreender, através de seus discursos, os sentidos de paternidade e de filho biológico. A
tecnologia, em especial, as tecnologias de reprodução humana vem entrando na intimidade
dos laços familiares e da sexualidade dos casais, gerando novas formas de parentesco.
Contemporaneamente, ocupa um lugar no qual seria imprudente deixar de reconhecer seu
impacto, relegá-la a preconceitos ou referi-la a uma minoria da população. O estudo proposto
justifica-se inicialmente pela constatação de que a literatura tem privilegiado a descrição do
impacto emocional da infertilidade e da experiência da Reprodução Assistida, principalmente
nas mulheres. Entende-se por impacto emocional: o alto nível de estresse, ansiedade, angústia,
episódios depressivos, alterações de humor, gerados pelo processo de Reprodução Assistida.
Além desse fator, o homem vem sendo colocado como coadjuvante nesse processo, como
aquele que apenas apóia a sua parceira e que só é solicitado na hora de aportar o sêmen,
adquirindo, dessa forma, um lugar passivo diante de seus desejos, medos e perspectivas.
Foram entrevistados 5 homens/pais, casados e com idades variando entre 29 e 42 anos. Como
instrumento de coleta de dados foi utilizada a entrevista em profundidade com enfoque
biográfico. O percurso da análise enquadra-se num paradigma interpretativo (Geertz, 1989,
2001) ou compreensivo, buscando o entendimento dos fatos na perspectiva do outro, numa
perspectiva émica (Vieira, 2003), apelando à história de vida do participante. Os dados
revelaram que os entrevistados atribuíram grande importância ao filho biológico, uma vez
que a adoção surgiu na maioria das vezes como a última alternativa para o exercicio da
paternidade. Dentre os sentidos atribuidos à paternidade podemos citar: “ ser pai é o próprio
paraíso”; “companheirismo”; “amizade”; “cuidado e responsabilidade” e “maior presente da
vida”. O que nos chamou atenção nas falas dos homens/pais, no entanto, é a prevalência da
noção de pai-amigo-companheiro. Aguardar o teste de gravidez foi o momento de tensão
emocional mais sinalizado pelos entrevistados. A maioria dos entrevistados afirmou que o
desejo pelo filho surgiu após o casamento e que, a princípio não seria uma condição
fundamental para se ter uma vida feliz. As falas se tornam contraditórias, na medida em que,
apesar de afirmarem que o filho não seria condição fundamental, todos os participantes se
submeteram ao tratamento. Diante de tudo isso, consideramos importante um olhar mais
acurado para a experiência da paternidade nesse contexto, ainda tão pouco explorado no
Brasil e pela Psicologia de uma forma geral.
Palavras-chave: paternidade, novas tecnologias reprodutivas, família, feminismo, gênero
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ABSTRACT
This work aimed to understand the meanings of fatherhood for men who use Assisted Human
Reproduction services in Recife. Specifically, we have the intention of understand how these
men experience the fatherhood through the new contraceptive technologies; verify how they
feel as part of society that gives importance to issues related to gender, sexuality, virility and
masculinity; investigate how this condition has interfered in their personal and social
relationships and, understand, though their speeches, the meaning of fatherhood and
biological children. Technology, in particular, the technologies of human reproduction comes
into the intimacy of family relationships and sexuality of couples, generating new forms of
kinship. Contemporaneously, it occupies a place in which it would be unwise to fail in
recognizing its impact, relegating it to prejudice or refer it to a minor population group. The
proposed study is initially justified by the fact that literature has focused on describing the
emotional impact of infertility and Assisted Reproduction, particularly in women. We
understand emotional impact as: the high level of stress, anxiety, distress, depressive
episodes, mood swings, etc., generated by the process of Assisted Reproduction. Besides this,
the man has been placed as an adjunct in the whole process, just as one who supports his
partner and that is only required to contribute with semen, acquiring thus a passive place
before their desires, fears and perspectives. In this work, have been interviewed 5 men /
fathers and their partners. As data collection tool was used in-depth interview with
biographical approach. It is pointed that the interviews with women intended to understand
the context of fatherhood in this process. We had, however, the focus in the speech of men.
The course of the analysis follows an interpretive paradigm (Geertz, 1989, 2001) , seeking the
understand of the facts in the other's perspective, emic perspective (Vieira, 2003), appealing
to the interviewed's history. Data revealed that respondents attached great importance to the
biological child, since the adoption emerged most often as the last alternative. Among the
meanings attributed to paternity may include: "being a father is paradise itself" "fellowship,"
"friendship," "care and responsibility" and "the greatest gift of life". What caught our
attention on the speech of men / fathers, however, is the prevalence of the notion of fatherfriend-partner. Wait for the pregnancy test was the most emotional moment of tension
signaled by the interviewees. Most respondents said that the desire for the child was born after
the marriage and at first would not be a prerequisite to happiness. We find a contradiction
when, despite claiming that his son would not be a fundamental condition, all participants
underwent treatment. Given all this, we consider important for a more accurate experience of
fatherhood in this context, yet so little explored psychology in Brazil and in general.
Key-words: paternity, new reproductive technologies, family, feminism, gender
8
LISTA DE QUADROS
QUADRO 1 – Síntese do Perfil dos Participantes..........................................................55
9
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
AIDS – Acquired immune deficiency syndrome
CRH – Centro de Reprodução Humana
DNA – Ácido Desoxirribonucleico Nucléico.
DIU – Dispositivo Intra-uterino
FIV – Fertilizção in vitro
IMIP - Instituto de Medicina Integrada Professor Fernando Figueira
ICSI – Injeção Intracitoplasmática de espermatozóides
ISTs – Infecções Sexualmente Transmissíveis
NTRs – Novas Tecnologias Reprodutivas
PIBIC – Programa Institucional de Iniciação Científica
OMS – Organização Mundial de Saúde
R.A - Reprodução Assistida
SUS – Sistema Único de Saúde
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SUMÁRIO
Resumo
Abstract
Lista de Quadros
Lista de Abreviações e Siglas
1 Introdução.................................................................................................................12
2 Desejando ―tecnofilhos‖ na família contemporânea...............................................21
2.1 Breve histórico da família....................................................................................21
2.1.1 O lugar da criança/filho na família...................................................................24
2.2 Filhos: desejo ou direito?.....................................................................................27
2.3 A paternidade no contexto das novas tecnologias reprodutivas conceptivas......29
3 Falando sobre feminismos, gênero e novas tecnologias reprodutivas...................35
3.1 Medicalização da reprodução, direitos sexuais e reprodutivos e novas tecnologias
reprodutivas............................................................................................35
3.2 Feminismos, gênero e novas tecnologias reprodutivas........................................45
4 Percurso Metodológico..............................................................................................50
4.1 Participantes.........................................................................................................53
4.2 Instrumentos........................................................................................................55
4.3 Procedimento de Coleta de Dados.......................................................................57
4.4 Procedimento de Análise de Dados.....................................................................57
5 Resultados e Discussões.............................................................................................59
5.1 Narrando trajetórias.............................................................................................59
5.1.1 Oliver e Jenny...................................................................................................59
5.1.2 Eduardo e Mônica.......................................................................................60
5.1.3 Romeu e Julieta..........................................................................................61
5.1.4 Bernardo e Bianca......................................................................................61
5.1.5 Tristão e Isolda...........................................................................................62
5.2 Análise das Categorias........................................................................................63
5.2.1 A busca por “tecnofilhos”...........................................................................63
5.2.2 As masculinidades diante da im-possibilidade de procriação....................67
5.2.3 Sentimentos experimentados no processo de R.A......................................70
5.2.4 Os sentidos de paternidade e de filho biológico.........................................72
11
5.2.5 Reprodução Assistida ou “desassistida”?...................................................75
5.2.6 Adoção como alternativa............................................................................78
5.2.7 Conjugalidade no processo de R.A.............................................................83
5.2.8 O discurso religioso no processo de R.A....................................................88
6 Considerações finais..................................................................................................91
Referências bibliográficas ............................................................................................95
Apêndices......................................................................................................................101
Apêndice – A Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.......................................102
Apêndice – B Dados sócio-demográficos e questão disparadora para as entrevistas....104
12
CAPÍTULO 1 – INTRODUÇÃO/JUSTIFICATIVA
“Assistimos mudos e impassíveis a uma provável mutação do ser
humano e de sua concepção. Estamos fascinados pelo combate da
ciência à esterilidade, fascinados a ponto de perder todo senso
crítico”.
Louise Vandelac1
A inspiração para a realização deste estudo surgiu em decorrência de experiências
obtidas durante os anos2 que participei do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação
Científica (PIBIC). O interesse pela temática veio de muitas reflexões acerca do que faz um
homem e uma mulher desejarem ter um filho na contemporaneidade. Nas duas pesquisas em
que atuei, trabalhei com a temática da gemelidade. Inicialmente, investiguei a relação fraterna
entre os gêmeos nascidos de gravidez natural e os outros irmãos não gêmeos. No segundo
ano, pesquisei a gemelidade a partir da concepção por Reprodução Assistida, o que me
possibilitou o acesso a uma literatura plena de relatos de casais que falavam sobre o desejo de
exercer a paternidade e a maternidade e o quanto isso era fundamental em suas vidas. Relatos
de anos de sofrimento, desilusões e angústias para se alcançar a gravidez tão desejada foram
inúmeros; também não foram poucos os relatos de casais que venderam tudo o tinham para
pagar o tratamento. Vale salientar que as pesquisas foram realizadas na cidade do Recife e,
como conseqüência desse estudo, surgiu o projeto de realização de um livro que, no momento,
está sendo confeccionado. Após o término da iniciação científica e tomada por inquietações
acerca da temática, talvez por falta de amadurecimento pessoal e intelectual para lidar com
questões tão complexas, decidi deixar a Reprodução Assistida um pouco de lado e realizei
minha monografia no ano de 2009 em outra temática, porém, que muito se relacionava e que
certamente ampliaria meus conhecimentos sobre o assunto. Dava-se início, então, à
construção do meu objeto de estudo do Mestrado e eu sequer tinha noção disso. Na
monografia estudei os casais sem filhos por opção, ou seja, aqueles casais, com dupla renda,
sem problemas biológicos diagnosticados e que optaram pela não maternidade e não
1
Professora da Universidade de Montreal, Canadá. Depoimento em Gente. Mulher, Procriação, Ecologia. Boletim da Rede
de Defesa da Espécie Humana, Ano II, nº 7, Set/Dez, 1992 (Texto retirado do livro: A celebração do temor: biotecnologias,
Reprodução, Ética e Feminismo, 2001, p.369).
2
de 2007 a 2009.
13
paternidade. Quando iniciei a revisão da bibliografia para a elaboração da pesquisa, percebi
que aquele meu objeto de estudo que me causava tanta inquietação retornava. E eu estava ali,
novamente, falando sobre o desejo por filhos.
De que forma poderíamos pensar, então, o desejo por filhos na Reprodução
Humana Assistida? A seguir serão abordados alguns aspectos importantes a fim de
proporcionar ao leitor (a) um melhor entendimento da temática.
A tecnologia vem ocupando espaço em nossa vida em uma velocidade
surpreendente e com as tecnologias reprodutivas não poderia ser diferente. De acordo com
Marina Ribeiro (2004), a tecnologia de reprodução humana entrou na intimidade dos laços
familiares e da sexualidade dos casais, gerando novas e inéditas construções parentais.
Contemporaneamente, ocupa um lugar no qual seria imprudente deixar de reconhecer seu
impacto, relegá-la a preconceitos ou referi-la a uma minoria da população.
Embora a literatura acerca do assunto ainda seja escassa, merece destaque o que
Ana Neiva (2008) tem a nos dizer. Segundo a autora, a cidade do Recife se tornou o principal
pólo no que diz respeito à Reprodução Assistida no Nordeste brasileiro. A autora afirma que,
no Estado, cinco clínicas particulares dominam o método com sucesso e afirma que, desde o
ano de 2003, o número de procedimentos realizados foi triplicado.
Entende-se a Reprodução Assistida (R.A) em concordância com Márcia de Freitas,
Arnaldo Siqueira e Conceição Aparecida Segre (2008), como uma série de métodos que
colocam a intervenção médico-tecnológica como condição para a ocorrência de uma gestação,
possibilitando dessa forma, que homens e mulheres satisfaçam o desejo de alcançar a
maternidade e/ ou a paternidade.
Os métodos de R.A chegaram ao Brasil há 24 anos. No entanto, apenas nos
últimos anos é que a sua procura foi acentuada. Vários foram os fatores responsáveis por esse
aumento do diagnóstico, numa perspectiva das ciências médicas, podemos citar: o alto
consumo do álcool e cigarro, os agrotóxicos, a cafeína, todos eles contribuem de alguma
forma para o aumento da infertilidade. Não obstante todos os itens citados acima, outro fator
que tem contribuído para o crescimento da infertilidade no Brasil, principalmente nas
camadas de baixa renda, são os abortos mal realizados e as infecções mal tratadas, denotando
aí, o descaso do governo com a saúde reprodutiva de homens e mulheres e, como
conseqüência, a violação aos direitos sexuais e reprodutivos dos mesmos. Além disso, a R.A
no Brasil é colocada como resultado das transformações do mundo contemporâneo moderno,
entre as quais se apontam as mudanças na condição das mulheres.
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Outro fator que estimula a procura desses procedimentos no Brasil está
relacionado aos constantes avanços da medicina nesse campo, fazendo com que os
procedimentos se tornem mais baratos e seguros, ou pelo menos, nos dando essa ilusão.
Existe toda uma literatura que questiona tal afirmação, inclusive nos fazendo refletir também
sobre o lugar da indústria farmacêutica nesse contexto. A esse respeito falaremos adiante.
De acordo com Martha Ramírez (2006), os depoimentos de casais e mulheres
também são formas de validação das tecnologias nas quais a criação divina é reapresentada.
Depoimentos emocionantes de casais ilustram a superação da infertilidade graças à
intervenção médico-tecnológica, através da qual conseguem conformar uma família. Podemos
dizer que estamos falando, nesse caso específico, da família nuclear: pai, mãe e filhos
biológicos, como modelo ideal. A superação da infertilidade como um “problema” de saúde
talvez só pudesse ser resolvido com intervenções médicas, mas o desejo de se conformar uma
família, não.
De acordo com a matéria publicada no Jornal Diário de Pernambuco, no dia 26 de
maio de 2009, Pernambuco ganhou o primeiro centro de Reprodução Humana Assistida do
Norte e Nordeste totalmente custeado pelo Sistema único de Saúde (SUS) Vale ressaltar que
essa afirmação deve ser colocada sob análise, uma vez que, na maioria dos serviços
oferecidos, a fertilização em si é custeada pelo SUS, mas os medicamentos necessários para
se obter sucesso no tratamento não são. Nesse sentido, não se pode afirmar a veracidade de tal
afirmação. O serviço está funcionando no Instituto de Medicina Integrada Professor Fernando
Figueira (Imip), no Recife.
O programa pretende atender também casais sorodiscordantes (portadores de HIV,
Hepatite B e C). Nesses casos, o trabalho será evitar que o bebê ou um dos parceiros seja
infectado. A expectativa é que a médio prazo, haja a possibilidade de formar um banco de
sêmen para também possibilitar que casais homoafetivos possam gerar filhos.
A implantação desses tipos de serviços está se expandindo por diversos Estados
brasileiros, o que ainda não sabemos é quais conseqüências podem gerar para a sociedade. O
fato de possibilitar que casais de baixa renda desfrutem dessas novas tecnologias merece ser
discutido, não porque eles não possuam o “direito” de buscar tais serviços, ou o “direito” de
planejar filhos, mas de que forma isso vem sendo feito? Sobre esses aspectos trataremos mais
adiante.
Trata-se de um tema bastante atual e que pode trazer vários desdobramentos. De
acordo com Ribeiro (2004), ele focaliza ao mesmo tempo “aquelas coisas tão antigas e tão
contemporâneas” como: a sexualidade; a fertilidade; a frustração; o sofrimento e a dor; a
15
constituição psíquica dos vínculos; as relações de gênero; masculinidades e feminilidades; a
relação entre o biológico e o cultural; entre a natureza e a ciência etc.
O estudo proposto justifica-se inicialmente pela constatação de que a literatura tem
privilegiado a descrição do impacto emocional da infertilidade e da experiência da
Reprodução Assistida, principalmente nas mulheres. Entende-se por impacto emocional: o
alto
nível
de
estresse,
ansiedade,
angústia,
tristeza,
episódios
depressivos,
alterações/oscilações de humor, sentimentos de frustração e fracasso que podem ser gerados
pelo/no processo de Reprodução Assistida. Uma pesquisa realizada por Zeidi Trindade e
Sônia Enumo (2001) acerca das representações sociais da infertilidade feminina entre
mulheres casadas e solteiras do estado do Espírito Santo, revelou que as mulheres de
diferentes idades e níveis sociais, desejam e encaram a maternidade como uma mudança
qualitativa em suas vidas. Por isso, quando vivenciam a impossibilidade da maternidade por
vias naturais, ficam abaladas emocionalmente, se sentem estigmatizadas e lutam, a todo custo,
pelo direito de ser mãe.
Alguns autores e autoras tem se debruçado e realizado reflexões acerca da
infertilidade e das estratégias que homens e mulheres utilizam para lidar com a mesma.
Expressões como: “a todo custo” e “direito por filhos” estão sendo cada vez mais
problematizadas. Para Lucila Scavone (2006), “esse desejo sem preço da maternidade pode
estar atendendo ao desejo da paternidade, cuja realização afirma a fecundidade e exalta a
virilidade, especialmente em regiões onde o machismo é acentuado”.
Segundo Pedro Oliveira (2004), há alguns anos, pesquisadores interessados pelo
movimento feminista e na discussão sobre gênero começaram a produzir estudos sobre
masculinidades tratando-a como uma categoria que é construída socialmente. O termo
Masculinidade surge no século XVIII para explicitar critérios de diferenciação entre os sexos.
Porém, Oliveira chama a atenção para a insuficiência das definições acerca dessa expressão e
ressalta a importância de um debate voltado às suas características históricas, à sua força de
arregimentação social e o seu poder de orientar a formulação de juízos. O autor chama a
atenção para a masculinidade como um espaço simbólico de sentido estruturante que modela
atitudes, comportamentos e emoções a serem seguidos Aqueles que seguem tais modelos não
só são atestados como homens como também não são questionados pelos outros que
compartilham desses símbolos.
A conformação aos modelos de comportamentos prescritos para o homem, como
por exemplo: valentia, dominação, inteligência, força e virilidade, propiciam, ou pelo menos,
propiciavam, de um modo geral, a garantia de obtenção de uma série de benefícios sociais. O
homem que não segue ou não se “encaixa” na norma tem sofrido algumas conseqüências. No
16
caso da infertilidade, por exemplo, dizer que um homem é infértil pode levantar suspeitas
quanto a sua virilidade, soa como chamá-lo de impotente. Muitos homens ainda carregam
dentro de si essa associação equivocada, mas reforçada culturalmente por aquelas
comunidades que medem a virilidade pela quantidade de filhos que um homem é capaz de
gerar. O homem, nesse sentido passa a viver a experiência da incapacidade reprodutiva
vinculada a um imaginário, que é social e cultural, de impotência sexual. Entrar com o seu
corpo para um processo de tratamento não é expor a infertilidade para ele, mas sim expor a
impotência.
María Yolanda Makuch (2006) diz que, a partir do momento que homens e
mulheres recebem a notícia de que não poderão ter filhos, começam a se perceber diferentes.
Em muitos casos, as dificuldades em engravidar são agravadas porque, diante dos problemas,
o casal experimenta os mais diversos sentimentos, como: raiva, frustração, insegurança,
agressividade e perda da auto-estima, além da diminuição do sentimento de feminilidade e
masculinidade, com possível deterioração do relacionamento marido-mulher.
Dunkel-Schetter e Stanton (1991) advertem que a angústia gerada pela descoberta
da infertilidade pode variar de acordo com a valorização dada à maternidade/paternidade.
Assim, os estudos que têm como objetivo compreender as reações à infertilidade devem estar
atentos para a importância que os indivíduos dão à parentalidade, seja como um aspecto
constituinte da subjetividade, seja como um objetivo de vida.
Além destes fatores, entra em jogo a frustração diante da tentativa sem sucesso e o
preconceito que o casal poderá enfrentar, uma vez que a infertilidade ainda é um tema tabu na
sociedade contemporânea. Marilena Corrêa e Márcia Arán (2008) problematizam a questão da
(in) definição da infertilidade e o papel do chamado: desejo por filhos. Para estas
pesquisadoras, esse desejo seria o motor do processo de Reprodução Assistida. De fato, na
ausência desse desejo, ninguém é definido ou diagnosticado como infértil. A esse respeito,
Marilyn Strathern (1992) observa que, para haver satisfação nesse empreendimento, deve
haver o desejo, uma vez que a sua ausência seria uma afronta ao significado de sua satisfação.
Ao falar sobre o desejo por filhos, porque não pensar na adoção como
possibilidade? Uma pesquisa realizada por Naara Luna (2007) com usuárias e profissionais
dos serviços públicos especializados em Reprodução Humana Assistida do estado do Rio de
Janeiro e de São Paulo constatou que as ideias dos profissionais envolvidos na Reprodução
Assistida são bastante semelhantes às das ususárias: ambos frisam o contraste entre o filho
“do sangue”, “biológico” ou “genético”, com quem se tem laços físicos inclusive de gestação,
e o filho adotivo de origem desconhecida, cuja criação pode ser problemática, com
17
necessidade de orientação especial (p.184). Também se menciona a dificuldade burocrática
para a adoção e a praticidade do recurso às técnicas para se ter um filho.
Ainda a respeito da adoção, Luna revela que as entrevistadas apontaram a
preocupação de a criança herdar doenças. Nesse sentido, define-se um não-parente como uma
pessoa que vem de fora e sobre a qual não há informações. Receia-se o desconhecido por ser
fonte do mal em caráter, em comportamento, em enfermidade. Outro aspecto – o mais citado pelas entrevistadas de Naara diz respeito ao desejo de experimentar a gestação (barriga, dor
do parto, amamentação, vinculo afetivo criado na gravidez, filho que saiu de dentro,
experiência corporal com valor social). Outros motivos de caráter social foram: recusa do
marido, rejeição da família, experiências negativas com crianças adotadas.
Como podemos perceber, os resultados de Luna nos colocam diante das
dicotomias biológico versus cultural. De acordo com Schneider (1968) o laço de sangue
considerado natural tem o caráter de algo que não se desfaz, ao contrario dos laços
socialmente construídos – no caso da adoção – que dependem da escolha pessoal. Posições,
estas, naturalizantes.
A pesquisa de Trindade e Enumo (2001), já citada anteriormente, revelou que a
maioria das mulheres entrevistadas acredita que a infertilidade não é problema para os
homens e os classificaram como insensíveis, egoístas e irresponsáveis. As adjetivações
utilizadas revelam o vigor do modelo tradicional de paternidade, espelhando a convivência
com um pai nominal, distante dos cuidados e das preocupações próprias das relações
parentais. Nesse sentido, um leque de questões pode nortear esse trabalho: como os homens
que passam pela experiência da infertilidade se vêem? Como eles se representam diante de
uma sociedade que valoriza questões relacionadas ao gênero, às sexualidades, à virilidade e à
masculinidade? De que forma essa condição interfere em suas relações pessoais e sociais?
Como vivenciam as questões referentes à sexualidade, à masculinidade e à virilidade? Quais
os sentidos atribuídos por eles à paternidade e ao filho biológico? Muito tem se discutido
sobre fecundidade e contracepção, mas por que não pensar a paternidade a partir do enfoque
da infertilidade e concepção? Seria a paternidade concebida pelos homens como fundamental
para a masculinidade a ponto de procurarem esse serviço?
Pedro Nascimento em seu texto “Paternidade e infertilidade: Reflexões sobre
gênero, saúde e novas tecnologias reprodutivas” relaciona uma tradição de debates sobre
gênero, masculinidades e a “participação” masculina no campo da saúde reprodutiva nascida
no passo da crítica feminista, com as manifestações mais recentes desse debate postas pelas
Novas Tecnologias Reprodutivas (NTR).
18
Nascimento (2006) cita Rosely Costa que pesquisou as definições de paternidade e
masculinidades em um hospital público de São Paulo onde os homens buscavam tratamento
para infertilidade e planejamento familiar e identificou que a noção de paternidade é
fundamental para as noções de masculinidades dos casados, enquanto solteiros podiam
acionar a falta de responsabilidades, a liberdade sexual e várias mulheres como elementos de
sua virilidade.
Nascimento (2006) problematiza a relação diferenciada que homens e mulheres
estabelecem com a infertilidade. Segundo o autor:
os estudos apontam que a infertilidade é em geral vista como uma “falha”
feminina. Depois, embora se relate sofrimento de homens e mulheres sem
filhos, bem como preconceitos a que ambos estão expostos, passa-se quase
que inevitavelmente à consideração de que as mulheres tendem a definir
mais sua identidade a partir da condição de mãe, enquanto que homens têm
na infertilidade um questionamento da sua potência e virilidade (p. 15).
Pretendeu-se com esse estudo, refletir sobre essas e outras questões,
problematizando-as.
Acredita-se que algumas motivações para a escolha de estudar a paternidade no
contexto das Novas Tecnologias Reprodutivas já foram explicitadas, porém é importante
salientar que outros motivos me fizeram tomar esse direcionamento. Primeiro, devido à
ausência histórica dos homens no espaço reprodutivo, independente de ser no campo da R.A;
segundo, porque, ainda hoje, a sociedade e a mídia focalizam o assunto da reprodução como
predominantemente feminino. Quase nunca se pergunta ao homem sobre sua participação e
desejo no processo de reprodução3.
Pode-se dizer que as novas tecnologias reprodutivas nos colocam diante de um
paradoxo. Ao mesmo tempo em que possuem seus lados positivos, em que podemos destacar
a possibilidade de realização do “sonho” de ter um filho biológico, também possuem aspectos
negativos. Sobre esses aspectos falaremos mais adiante.
A presente investigação se caracteriza como um estudo qualitativo de cunho
etnográfico e teve como objetivo geral compreender os sentidos de paternidade para homens
de camadas médias que buscaram os serviços/clínicas particulares especialistas em
Reprodução Humana Assistida na cidade do Recife. De forma específica, pretendeu-se
3
Esse também é um entrave para as noções de masculinidades, pois reitera o lugar do cuidado como sendo um destino para
as mulheres.
19
compreender como esses homens vivenciam a experiência de busca por “tecnofilhos”4;
verificar como eles se vêem diante de uma sociedade que valoriza questões relacionadas ao
gênero, às sexualidades, à virilidade e à masculinidade; investigar de que forma essa condição
tem interferido em suas relações pessoais e sociais e, por fim, compreender, através de seus
discursos, os sentidos de paternidade e de filho biológico. Para tanto, utilizamos a entrevista
com o enfoque biográfico com 5 homens/pais que falaram acerca da experiência da
paternidade no contexto da Reprodução Assistida.
Espera-se que os resultados desta pesquisa possibilitem aumentar as informações e
proporcionar debates mais amplos sobre as novas tecnologias reprodutivas. É importante dizer
que não se trata de se posicionar contra ou a favor dessas tecnologias, mas sim, discutir sobre
as possíveis conseqüências sociais do uso das mesmas. Concordando com Martha Ramírez
(2006), resulta, no mínimo, problemático abraçar, de modo entusiasta e acrítico as
possibilidades tecnológicas conceptivas como direito reprodutivo.
Dessa forma, consideramos importante um olhar mais acurado para a experiência
da paternidade nesse contexto, ainda tão pouco explorado no Brasil e pela Psicologia de uma
forma geral. Para tanto, teremos como marco teórico os estudos de gênero e sexualidade por
ser o campo no qual se coloca essa discussão.
Com o intuito de orientar a leitura desta dissertação, foram organizados cinco
capítulos, sendo este o primeiro, que teve como proposta apresentar a problematização do
estudo, bem como, expor, de forma breve, alguns conceitos que o fundamentam e que serão
trabalhados de forma mais densa nos próximos capítulos. Teve também como proposta,
apresentar como surgiu o interesse da autora pelo tema da pesquisa e sua importância para o
campo psi. Além disso, também foram expostos os objetivos do estudo.
O segundo capítulo levantará discussões sobre o desejo por “tecnofilhos” na
família contemporânea e a paternidade no contexto das novas tecnologias reprodutivas. Já no
terceiro capítulo convidarei o (a) leitor (a) a refletir sobre o processo de medicalização da
reprodução, sobre as noções de direitos sexuais e reprodutivos e as novas tecnologias
reprodutivas, bem como, aborda as principais discussões tecidas pelos feminismos, no Brasil,
acerca das novas tecnologias reprodutivas. O quarto capítulo dessa dissertação tratará das
questões referentes à metodologia e sobre as noções metodológicas que permeiam o campo,
discorrendo desde a caracterização dos participantes até os procedimentos utilizados na
4
Expressão utilizada por Martha Ramírez - Galvéz (2006) como um recurso criativo para refletir acerca dos filhos gerados
com a “ajuda” da tecnologia.
20
análise dos dados. No quinto capítulo será exposta a análise dos resultados e discussões das
entrevistas realizadas com os participantes. Por fim, serão apresentadas algumas reflexões e
considerações sobre o material analisado.
21
CAPÍTULO 2 - DESEJANDO ―TECNOFILHOS‖
CONTEMPORÂNEA
NA
FAMÍLIA
O objetivo desse capítulo é, primeiramente, fazer um breve histórico da família,
tema que perpassa todo o estudo, uma vez que as novas tecnologias reprodutivas são
consideradas meios para se “obter” filhos, constituindo dessa forma, um tipo de organização
familiar. Em seguida, convido o (a) leitor (a) a refletir sobre as noções de direito e o desejo
por filhos. Por fim, trago um debate sobre masculinidades, paternidade e a participação do
homem no espaço reprodutivo, ou seja, qual o lugar do homem nessa família? Ainda mais em
tempos de produção artificial de esperma humano em laboratório? 5 Para enriquecer esse
debate, apontarei como essas questões têm aparecido nas pesquisas que tratam da temática.
2.1. Breve histórico da família
A família, tal como a concebemos, é um fenômeno recente na história da
humanidade e estudá-la, contemporaneamente, só é possível se pluralizarmos o termo e
falarmos em famílias.
Sabemos que o modelo de família nuclear em que pai, mãe e filhos moravam
juntos, sob a proteção financeira do pai e emocional da mãe, não existe com a mesma
frequência de apenas algumas décadas atrás6. De acordo com Claudia Fonseca (2010), muitas
mudanças ocorreram no comportamento familiar no final do século XX. Se nos debruçarmos
sobre o assunto em busca dos fatores que contribuíram para que toda essa mudança se
processasse, vamos nos deparar com uma gama de elementos em que se destacam, entre
outros, o surgimento da pílula anticoncepcional, a legalização do divórcio, os recasamentos, a
aceitação do casamento homoafetivo por diversos países, o número crescente de famílias
chefiadas por mulheres, a entrada da mulher no mercado de trabalho e, em especial, os
5
Pesquisadores na Alemanha e em Israel conseguiram produzir sêmem de rato em laboratório, abrindo o caminho para a
produção artificial de esperma humano, o que pode revolucionar os tratamentos de fertilidade, é o que diz a matéria publicada
no dia
03
de
Jan
de
2012
no
site
da
BBC
Brasil.
Conteúdo disponível
em: <<
http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2012/01/120102_esperma_pesquisa_laboratorio_mm.shtml>> Acesso: 03 de Jan
de 2012.
6
Somado a isso, temos o auxílio dos estudos de gênero, que vem problematizar estes lugares\posições de sujeitos
cristalizados, particularmente na perspectiva pós-estrutural (Butler, 2003; Haraway, 2007).
22
avanços7 da ciência no sentido da criação das várias técnicas de reprodução humana. Nesse
contexto, falar de “família” podia soar como um apego conservador a um passado mítico.
(FONSECA, 2010, p. 124).
De acordo com Márcia Arán (2003), a família é herdeira da necessidade política da
constituição do privado. No início da era moderna, ela surge como aquela que vai garantir a
ordem social e sobretudo possibilitar, através da função de afetividade e educação, a formação
do indivíduo adulto. A partir daí, a organização pai-mãe-filho passa a ser naturalizada como o
lugar originário, por excelência, da constituição do sujeito (ARÁN, 2003, p.401).
Todas as transformações citadas anteriormente acabaram por repercutir de modo
especial sobre a mulher e sobre o lugar por ela ocupado na família e na sociedade em geral. A
este respeito o movimento feminista tem muito a dizer e a contribuir. Autores como Stuart
Hall (2004) e Boaventura de Souza Santos (2000) vão tratar da importância do feminismo
para o descentramento do sujeito moderno e da própria noção de ciência como lócus da
verdade única. Estes impulsos reverberaram nas ações cotidianas de homens e mulheres, com
atravessamentos de raça, classe, gênero, dentre outros.
Assim como a família, as noções e práticas sobre o casamento, a maternidade e a
paternidade têm sofrido diversas transformações ao longo da história ocidental.
De acordo com Helena Mansur (2003), o casamento não é mais o elo familiar
fundamental e a figura da mãe emerge como a mais importante; além de cumprir as tarefas de
antes, tornou-se também uma das principais fontes de renda e ganhou autoridade – passou de
dona de casa à dona da casa. Atualmente, a família tornou-se uma instituição multifacetada
que na prática, assume organizações diferentes, como dito anteriormente.
Falar das mudanças que ocorreram na família leva-nos a refletir acerca da
instituição do casamento e de como estão sendo formados os vínculos amorosos na
atualidade. O casamento visto como uma forma de proteção aos seres humanos, fornecedor de
papéis bem definidos, acolhedor no sentido amoroso e da necessidade de intimidade com o
outro, como possibilitador do exercício da maternidade e da paternidade também vem
sofrendo transformações ao longo dos anos. Não obstante esse inegável efeito protetor, neste
início do século XXI nos deparamos com uma série de dados que sugerem que as pessoas não
estão se sentindo tão acolhidas e apaziguadas pelas formas clássicas da instituição do
7
Aspeamos o termo avanço no sentido de problematizar os discursos e lugares da ciência na conformação dos corpos.
Trataremos destas questões mais adiante .
23
casamento quanto em épocas passadas.
Não obstante a essas questões, as opções de
manipulações genéticas da prole, manifestadas sob as formas da gestação tardia, provenientes
de reprodução assistida, e a produção “independente” provocam fantasias de descontrole
perante o futuro incerto.
Nesta discussão acerca dos caminhos da família e do casamento cabe um
aprofundamento em dois aspectos, intimamente relacionados e que estão no âmago dessas
transformações: a dissociação entre sexualidade e procriação, assim como a que se deu entre
feminilidade e maternidade. Para Renato Mezan (2003), o fato marcante ao se discutir as
mudanças do casamento foi a invenção da pílula anticoncepcional e a alteração dos costumes
sexuais que ela tornou possível. A literatura sobre a história da sexualidade aponta para um
fenômeno muito importante e prevalente até o século XVIII no mundo ocidental, que é a
diferença entre o amor no casamento e o amor fora do casamento. Jean-Louis Flandrin (1981,
apud TEREZINHA FÉRES-CARNEIRO, 1998) ressalta que o amor esteve presente na
literatura ocidental pelo menos desde o século XII, mas este amor, salvo raras exceções, não é
nunca um amor conjugal. O casamento tinha por função - não somente entre os reis e os
príncipes, mas em todos os níveis da sociedade - ligar duas famílias e permitir que elas se
perpetuassem, muito mais do que satisfazer o amor de duas pessoas. Pode-se dizer que, se o
amor-paixão era tido como extra-conjugal, no século XVIII este quadro se modifica e as duas
formas de amor, tradicionalmente opostas, são aproximadas. Um novo ideal de casamento vai
se constituindo aos poucos no Ocidente, em que se impõe aos cônjuges que se amem ou que
pareçam se amar e que tenham expectativas a respeito do amor. O erotismo extraconjugal
entra no casamento e o amor-paixão é visto como modelo. Hoje ninguém contesta mais o
amor conjugal. A sociedade contemporânea não aceita mais que alguém possa casar sem
desejo e sem amor.
Anthony Giddens (1992), ao discutir a transformação da intimidade nas sociedades
ocidentais, ressalta que os ideais do amor romântico, relacionados à liberdade individual e à
auto-realização, desligam os indivíduos das relações sociais e familiares mais amplas,
demarcando com mais clareza a esfera do relacionamento conjugal, que passa a ser assim
mais valorizada e priorizada. Enfatiza que o amor romântico, desde sua origem, suscita a
questão da intimidade e supõe uma comunicação psíquica, um encontro que tem um caráter
reparador. O outro preenche um vazio que o indivíduo, muitas vezes, sequer reconhece; a
relação amorosa se instala, e o individuo fragmentado sente-se inteiro.
Para Giddens (1992), o amor romântico era um amor tipicamente feminino, pois
cabia às mulheres suavizar a natureza rude e instável do amado, que se mantinha frio e
24
distante até que seu coração fosse conquistado. O autor mostra como os homens foram
introduzidos nas transformações que afetam o casamento e as relações pessoais pelas
mulheres. Na medida em que, para os homens, o apaixonar-se permaneceu vinculado à idéia
de acesso à mulher, cuja virtude era protegida até o momento em que a união fosse santificada
pelo casamento, o amor romântico era desvinculado da intimidade e entrava em conflito com
as regras da sedução. Os homens ficaram, assim, especialistas nas técnicas de sedução e não
nas questões de intimidade.
Segundo Féres – Carneiro (1998), no casamento contemporâneo, os ideais do amor
romântico tendem a se fragmentar, sobretudo pela pressão da emancipação da mulher e da
autonomia feminina. As categorias de "para sempre e único" do amor romântico não
prevalecem na conjugalidade contemporânea.
Desde as sociedades primitivas, podemos ver que a família teria, inicialmente, se
constituído como matriarcados, ou seja, o vínculo que era estabelecido entre mãe e filho era
indiscutível, ao passo que a paternidade de uma criança poderia sempre ser posta em dúvida
ou até mesmo ignorada. Nesse contexto, os laços conjugais eram frágeis, cabendo ao homem
integrar-se ao clã de sua mulher. Já no séc XX, quando uma mulher optava pelo casamento,
desistia automaticamente de uma carreira profissional; o poder das mulheres se baseava no
fato de que a elas cabia criar seus filhos e dar-lhes afeto, enquanto os homens, eram
responsáveis pelo seu sustento. Hoje, já percebemos que há uma fragmentação na delimitação
desses papéis, ou seja, não existe uma referência precisa dos lugares que ocupam na família.
Diante das reflexões tecidas até o momento acerca das mudanças ocorridas na
sociedade ao longo dos anos e, consequentemente, nas formas de ver a família, apresento ao
leitor uma breve reflexão acerca do lugar que a criança/filho ocupou na família.
2.1.1 O lugar da criança/filho na família
O processo de reconhecimento e diferenciação do que é ser criança, adolescente,
adulto ou idoso, faz parte de conceitos contemporâneos em relação aos estágios de
desenvolvimento do ciclo de vida humana. Philippe Ariès (1988) comenta que, na Europa, a
passagem da criança pela família era muito breve e insignificante para que tivesse tempo de
ficar na memória e tocar a sensibilidade. Existia um sentimento superficial, uma espécie de
paparicação8, reservada à criança pequena, enquanto era uma “coisinha engraçadinha”. Os
8
Tratar (alguém) com paparicos, com excesso de zelo e de cuidados, segundo o dicionário da língua portuguesa, Aurélio.
25
adultos se divertiam, tratando-a como um bichinho de estimação. Se morresse, alguns
poderiam ficar desolados, mas a regra geral era não fazer muito caso, pois, quando a criança
atingia a idade de 5 ou 7 anos, ela passava a ser independente, realizava os cuidados consigo
mesma e convivia e circulava no âmbito das relações adultas como uma igual, ou seja, não
existia a concepção acerca desta fase como sendo específica. Em diversas sociedades antigas,
as crianças eram enviadas às forças armadas, para lá crescerem e irem para a guerra quando se
tornassem aptas a combater.
Ser criança e, ao mesmo tempo, ser reconhecida como tal, é uma condição dos
tempos atuais. Ao longo dos séculos XV e XVI havia considerável liberdade sexual entre os
adultos que se permitiam fazer tudo diante delas. Nas casas não havia separação entre os
cômodos e elas viam e ouviam tudo. Nessa época, acreditava-se que a criança fosse alheia à
sexualidade, portanto, os gestos e alusões a ela não tinham consequências, uma vez que
perdiam sua especificidade sexual. Mas, então, quando começou o processo de infantilização
deste pequeno adulto? O Estado, com objetivos de assegurar uma população adulta saudável e
produtiva, inseriu o processo da educação para a criança. Segundo Ariès (1988), a
aprendizagem tradicional foi substituída pela escola, um instrumento de justiça severa, se
assemelhando, em algumas características, ao modelo familiar daquela época. Com isso, teve
início a consideração da criança como um ser inacabado, o qual será, futuramente, um adulto
completo, preso a uma hierarquia rígida de controle e normas do Estado.
Com isso, a criança foi desassociada do mundo dos adultos, agora sendo
considerada como semelhantes a anjos que, segundo César Coll, Jesus Palácios e Álvaro
Marchesi (1995), possuía status de pura, assexuada e inocente. Essa idéia de que a
sexualidade era algo característico somente da vida adulta, foi desmistificada através da teoria
de Sigmund Freud que, baseado em evidências clínicas, anunciou a descoberta do Complexo
de Édipo e da sexualidade, já presente nas crianças desde a mais tenra idade.
Hoje, a criança possui do direito de ir à escola, alimentação, lazer etc. Segundo
Lúcia Rabello Castro (2000), tira-se a maturidade precoce, vivida nas antigas sociedades, para
um novo modelo de existir no mundo.
Porém, se pararmos para pensar, vamos ver que, embora por motivos diversos, a
criança nem sempre foi bem vinda no seio da família desde a antiguidade. Segundo Miriam
Lifchitz Moreira Leite (1997), o abandono de crianças e o infanticídio 9 foram práticas
encontradas entre os índios, brancos e negros em determinadas circunstâncias, distantes da
9
Assassinato de uma criança, particularmente de um recém-nascido.
26
questão da concentração devastadora das cidades, da perversa distribuição de bens e serviços
entre camadas sociais e das fronteiras que entre elas se estabeleceram.
O fenômeno de abandonar os filhos é tão antigo como a história da colonização
brasileira. Se, hoje, as mães abandonam seus filhos em cestos de lixo e rios, antigamente elas
contavam com a “Roda dos expostos”. As rodas de expostos tiveram origem na Idade Média,
na Itália com o objetivo de garantir o anonimato àqueles que não desejavam os filhos e
estimulá-los a levar o bebê para a roda, em lugar de abandoná-lo pelos caminhos, lixos, portas
de igreja ou casas de família, como era de costume, na falta de outra opção. Dessa forma, a
maioria das crianças morriam de fome, de frio ou mesmo eram comidas por animais, antes de
serem encontradas por almas caridosas.
De acordo com Maria Luiza Marcilio (1997), o
nome da roda provém do dispositivo onde se colocavam os bebês que se queria abandonar.
Tinha a forma cilíndrica, dividida ao meio por uma divisória, era fixada no muro ou na janela
da instituição que os acolhia. A pessoa responsável por deixar a criança na roda, a acomodava
na parte dividida e, em seguida, girava a roda; dessa forma, a criança, em poucos segundos, já
estaria do outro lado do muro. Puxava-se então uma corda com uma sineta para avisar que um
bebê acabava de ser abandonado. A pessoa logo deixava o local e jamais era identificada.
Por muito tempo essa foi a forma encontrada pelas mulheres da época para não
cuidarem dos filhos indesejados. “Por volta dos anos 1760 – 1770, por razões demográficas,
econômicas e políticas, começa a ser celebrado o reinado da criança, que passa a ser o centro
do universo familiar” (MANSUR, 2003, p. 29). Um longo trajeto, porém, teria de ser
percorrido até que os adultos modificassem seus conceitos em relação à infância, uma vez
que, até então, a criança havia ocupado, na melhor das hipóteses, uma posição insignificante
na família.
É, inicialmente, na França que florescem publicações convocando os pais a novos
sentimentos, convencendo as mulheres de que a maternidade era um bem, um dever e um
instinto inerente ao sexo feminino, recomendando que as mães cuidassem pessoalmente de
seus filhos. Jean-Jacques Rousseau (2001), cristaliza as novas idéias e impulsiona
definitivamente o surgimento da família moderna, fundada no amor materno. Tais idéias
impõem que a mulher seja mãe antes de tudo, engendrando um mito que permanecerá vivo
nos séculos seguintes – o mito do instinto materno ou do amor espontâneo de toda mãe pelo
filho (MANSUR, 2003, p. 30).
Dessa forma, a mulher ocupa o espaço privado, sendo ela a responsável pela
educação dos filhos, voltando-se para se dedicar ao marido e ao lar, desobrigada de qualquer
trabalho produtivo. Contudo, nos anos de 1960 e 1970, assistimos a um certo deslocamento
27
das mulheres do destino da maternidade, provocado pela possibilidade concreta de separar a
vivência da sexualidade da reprodução, com o advento da pílula contraceptiva. Para Arán
(2003), a partir daí, não só as mulheres puderam se ver livres de uma função quase que
imposta a seus corpos, como também exerceram o ato de escolha de terem ou não filhos.
O ato de poder escolher ter ou não filhos estaria intimamente ligado ao desejo?
Bem como o desejo estaria ligado ao direito por filhos? É o que busco problematizar no
tópico a seguir.
2.2 Filhos: desejo ou direito?
Desejo. Alguns possuem o desejo de adquirir um carro do ano, um tênis de marca,
por ascender profissionalmente, já outros têm o desejo de ter um filho, de exercer a
maternidade e a paternidade. Talvez o leitor ache essa comparação absurda e equivocada,
porém, questiono: O que se deseja quando se deseja um filho? Ser aceito por uma sociedade
que valoriza o modelo de família nuclear - pai, mãe e filhos biológicos? Não desnaturalizar o
que historicamente foi naturalizado? Para alguns, esse desejo vem de “dentro”, ele é
considerado natural, para outros, ele é construído socialmente, somos moldados e desejamos
aquilo que nos convém desejar. Corine Maier (2008), em seu livro intitulado “Sem filhos: 40
razões para você não ter”, aponta, de forma sarcástica, porém realista, motivos para não se ter
filhos. Segundo Maier, o desejo por crianças é tamanho, que elas se tornaram um negócio dos
mais rentáveis e em forte ascensão. Óvulos, esperma e bebês são vendidos diariamente no
mundo inteiro e úteros são alugados por noves meses. As clínicas especializadas crescem
constantemente. Neste sentido, a autora acrescenta:
A ideia de crianças para todos e a qualquer preço gerou uma quantidade de
discursos vulgares e caricaturais. Escolha um campo camarada; nunca se
tem certeza do pior, mas na idiotice, sim. Na mão esquerda, tenho o
fabuloso “direito ao filho”. Reivindicação sagrada, podia-se quase esperar
que estivesse inscrita no preâmbulo da Constituição. O filho é algo tão
indispensável e maravilhoso que todo mundo deveria ter “direito” a isso.
Quando virá o “direito inverso” à criança? (...) o filho não é um direito nem
uma necessidade. Ele é simplesmente... uma possibilidade (MAIER, 2008,
p. 24).
Diante do que foi exposto, o que é o direito ao filho? E quem o tem? Corrêa (2003)
diz que questões diversas podem ser levantadas em relação à forma de encarar o desejo de ter
filhos. Dentre elas, ressalta-se a ação médica presente nas tecnologias reprodutivas
conceptivas, apresentadas hoje como a forma mais eficaz de realizar o desejo das pessoas
28
impossibilitadas de se reproduzir, pelas mais diversas razões (p.31). A autora ressalta que,
quando o desejo por filhos e o acesso às tecnologias reprodutivas conceptivas passam a ser
encarados como um direito reprodutivo, é preciso problematizar e debater acerca de tais
argumentos.
Pedro Nascimento (2009) problematiza a questão do acesso a essas tecnologias de
ponta nos serviços de saúde pública e discute sobre como a instalação desses serviços pode
configurar e redimensionar a questão do desejo por filhos, destacando a emergência de uma
política pública nesse campo. Ainda segundo o autor, o discurso de popularização da
reprodução assistida poderia estar ao mesmo tempo instituindo e alimentando esse desejo, de
formas mais ou menos diretas (p.11). Sobre esse assunto, Vera Menegon e Mary Jane Spink,
colocam que:
Viabilizar esses desejos e ter acesso a eles por meio da reprodução humana
assistida, além da complexidade técnica e psicossocial, estão diretamente
relacionados às legislações e políticas públicas de cada país, que, por sua
vez, dependem de padrões éticos locais e globais e de fatores econômicos,
pois, fora o reduzido número de serviços públicos, os planos de saúde não
cobrem esse tipo de assistência (2006, p.166).
Diante do exposto, vemos o caráter de desigualdade no que diz respeito ao acesso
a essas tecnologias reprodutivas conceptivas. Aqueles que possuem maiores condições
financeiras, não medem esforços para pagar o tratamento em clínicas privadas e ir à busca do
tão sonhado “tecnofilho”. Em contrapartida, aqueles que não têm condições de “bancar” esse
tratamento, possuem duas opções: vender os seus bens mais valiosos para pagar a fertilização,
ou esperar por atendimento nos serviços públicos de saúde.
Para Lucila Scavone (2006), as novas tecnologias reprodutivas colocam as
mulheres em duas posições distintas. Se antes elas recorriam às tecnologias contraceptivas,
decidindo pela não maternidade, agora recorreriam às tecnologias conceptivas, submetendo-se
aos procedimentos técnicos do filho “a qualquer preço” e do “próprio sangue”. Scavone
acrescenta:
Esse desejo a qualquer preço da maternidade pode estar associado ao desejo
da paternidade, cuja realização afirma a fecundidade e exalta a virilidade,
especialmente em regiões onde o machismo é acentuado. Em pesquisas
sobre maternidade, tem-se verificado que as mulheres referem-se,
frequentemente, ao forte desejo de “dar um filho para o seu homem”. Esse
29
desejo seria mais forte do que seu próprio desejo de maternidade? (2006,
p.16).
A questão da paternidade precisa ser debatida com mais frequência quando
falamos em novas tecnologias reprodutivas, uma vez que, como dito anteriormente, a
literatura tem privilegiado a descrição do impacto emocional da infertilidade e da experiência
da reprodução assistida, principalmente nas mulheres. Sobre esses e outros aspectos referentes
à paternidade nesse contexto, falaremos no tópico seguinte.
2.3 A Paternidade no contexto das Novas Tecnologias Reprodutivas
Como afirma Longhi (2001, p. 26), “a paternidade não é um tema novo, nem
tampouco de interesse restrito à antropologia. A sociologia e, principalmente, a psicologia têm
trazido contribuições a esta área de conhecimento”. No entanto, a psicologia parece não
apresentar um interesse em articular o tema da paternidade com as novas tecnologias
reprodutivas conceptivas. Como foi dito anteriormente, a maioria dos estudos tem direcionado
o interesse em estudar o impacto da infertilidade e das questões emocionais acarretadas pelo
processo da reprodução assistida nas mulheres.
Após realizar um levantamento10 acerca das pesquisas que abordavam a temática
da paternidade no contexto das Novas Tecnologias Reprodutivas em sites como o Scielo e o
portal de periódicos Capes (o maior banco de dados de periódicos do país e um dos maiores
do mundo) pude obter os seguintes resultados: com os descritores: „paternidade e novas
tecnologias reprodutivas‟,
encontrei 2 pesquisas no site do scielo: Novas tecnologias
reprodutivas: doação de óvulos. O que pode ser novo nesse campo? (2000) e Novas
tecnologias reprodutivas: novas estratégias de reprodução? (1999). Usando os descritores
„paternidade e reprodução assistida‟ no mesmo site, não obtive nenhum resultado. Em busca
no portal Capes, realizada em 20 de novembro de 2011, usando os mesmos descritores,
novamente não obtive nenhum resultado. Como podemos perceber, as duas únicas pesquisas
que o scielo apontou apesar de terem sido encontradas com os descritores „paternidade e
novas tecnologias reprodutivas‟, pouco contribuem para o debate da paternidade nesse
contexto, uma vez que o debate não gira em torno da paternidade.
10
Realizado desde o meu ingresso no Programa de Pós-Graduação em Psicologia – Curso de Mestrado (2010 - 2012).
30
Como pode-se perceber, os resultados foram frustrantes, mostrando a urgência e
necessidade de estudos voltados para o tema. Porém, vale ressaltar que alguns autores vem se
preocupando com a questão. Podemos citar textos - numa perspectiva Antropológica - de
Pedro Nascimento quando o autor se debruça sobre a temática: “Paternidade e infertilidade:
Reflexões sobre gênero, saúde e novas tecnologias reprodutivas. (2006)”, Rosely Gomes
Costa, com seus textos: De clonagens e de Paternidades: As encruzilhadas do gênero. (1998)”
e “ Tecnologias Reprodutivas e atribuiçoes de Paternidade e Maternidade (2003)” , Cláudia
Fonseca (2004), ao tratar a questão da paternidade e o DNA em seu texto: “ A certeza que
pariu a dúvida: paternidade e DNA” (2004). Mais adiante, cada texto citado será melhor
debatido.
Além desses autores citados, podemos também trazer, no campo da Psicologia, os
trabalhos de Benedito Medrado (1997), Margareth Arilha (1999), Jorge Lyra (2000), Juliana
Perucchi (2007,2008), que tem se voltado para o debate mais amplo sobre masculinidades,
paternidades e gênero em vários contextos.
Definir Paternidade em tempos de NTRs e DNA torna-se algo bastante instigante.
Segundo Fein (1978 apud RAMIRES, 1997), as concepções sobre paternidade incluem três
perspectivas: 1º. a tradicional, fortemente centrada na figura do provedor do lar, que oferece
suporte emocional à família, onde estabelece uma referência de poder e autoridade; 2º. o
modelo de paternidade respaldado na perspectiva moderna enfatiza a importância do papel do
pai no desenvolvimento da criança, assim como, alerta para as consequências da ausência
paterna na vida dos filhos, pois compreende que o pai tem um papel importante no
desenvolvimento moral, educacional e emocional da prole; e em 3º. falamos da perspectiva
emergente de paternidade que origina-se na ideia de que os homens sao psicologicamente
capazes de participarem ativamente dos cuidados com a criação dos filhos. Segundo Ramires
(1997, p. 32) “ essa nova perspectiva acerca da paternidade conduz necessariamente a uma
mudança na política social que possa dar suporte às novas formas de exercício da
paternidade”.
Para Rosely Costa (2003)
a intervenção representada pelas novas tecnologias reprodutivas desloca as
noções relativas ao que é natural ou não. Tal deslocamento opera, pelo menos
em três níveis: nos fatos considerados naturais da procriação, no desejo
considerado natural pela procriação e, por extensão, nas justificativas para as
atribuiçoes de paternidade e maternidade. Novas mediações são feitas entre o
que considerado natural ou não para refletir sobre as mudanças trazidas pelas
31
tecnologias reprodutivas. O que se observa é que, ao mesmo tempo em que se
recorre a um modelo reprodutivo considerado natural e se busca estar o mais
próximo possivel deste, as atribuições de paternidade e maternidade alteram a
recorrência, ora a parâmetros sociais, ora a parâmetros biológicos, em sua
justificativa. (p.69).
As concepçoes de paternidade parecem ficar indefinidas quando falamos em novas
tecnologias reprodutivas. A pesquisa realizada por Costa (2003) com homens que procuraram
o ambulatório de reprodução humana de um hospital público de São Paulo, tanto para buscar
o tratamento da infertilidade como para realizar o planejamento familiar, mostrou que tanto
para os homens que buscavam o planejamento familiar, quanto para aqueles que buscavam o
tratamento para a infertilidade, a fertilização com sêmen de doador não era bem aceita. Para
os entrevistados, o filho, nesse caso, não seria “ sangue do sangue” e de fato, não seria seu,
enquanto alguns alegaram que tal procedimento tiraria o caráter “natutal” da procriação e
nesse caso, seria melhor recorrer à adoção. Rosely Costa faz a seguinte análise a esse respeito:
“uma vez que a esterilidade masculina aparece muitas vezes associada à impotência sexual,
parece-me que a utilização de inseminação artificial com sêmen do doador poderia ser vista
como reforçando o peso dessa associação porque sublinha a necessidade da participação de
outro homem na concepção do filho” (p72). A paternidade nesse caso seria ilegítima e até
inaceitavel, já que tal fato poderia suscitar os sentimentos de traição e a reafirmação da falta
de virilidade.
Sobre a infertilidade masculina, Pedro Nascimento (2006), faz algumas reflexões e
diz que embora sejam relativamente escassos os estudos sobre infertilidade masculina no
Brasil e em outros países, alguns deles indicam uma relação diferenciada de homens e
mulheres com a infertilidade. Segundo o autor:
“ num primeiro momento aponta-se que a infertilidade é em geral vista como
uma “falha” feminina. Depois, embora se relate sofrimento de homens e
mulheres sem filhos, bem como preconceitos a que ambos estão expostos,
passa-se quase que inevitavelmente à consideração de que as mulheres
tendem a definir mais sua identidade a partir da condição de mãe, enquanto
que homens têm na infertilidade um questionamento da sua potência e
virilidade” (p.16).
O autor problematiza tais afirmações, quando aponta que:
32
(...) essa percepção acaba por mostrar que o valor da paternidade está
relacionado às noções de assumir, ter obrigação e manter o respeito11
(Fonseca, 2000; Sarti, 1996; Scott, 1990, ente outros). Neste sentido, qualquer
análise sobre ser pai e o desejo de “ter filhos” não deverá desconsiderar sua
relação com importância de “criar filhos”, “sustentar” uma família. (p.16)
Outro texto apontado aqui é o de Claudia Fonseca (2004). A autora traz a questão
do teste de DNA para o foco da discussão. A contribuição da autora para o debate da
paternidade é bastante interessante. Segundo ela, o teste traria a tona duas vertentes: aquela
que questiona uma possível paternidade com laços ainda por serem criados, quanto contesta a
paternidade com laços de afetividade ja estabelecidos. A autora acrescenta que o potencial do
teste para anular laços de filiação, longe de representar uma vitória dos homens, reforça
angústias latentes. (p.16). Nas palavras da autora
Hoje, com a crescente importância legal do teste de DNA, e a possibilidade de
saber „a verdade real‟, homens e mulheres não têm mais a tranqüilidade para
negociar sua própria verdade. Esta – a realidade supostamente objetiva – é
dada fora deles por processos bioquímicos, nos laboratórios médicos. Não são
mais os fatos da vida social (relações, afetos) que definem o „verdadeiro‟ pai,
mais sim os fatos biológicos que „revelam‟ os comportamentos. Com isso, os
homens têm medo de uma situação „fora de lugar‟ e, em especial, que venha à
tona, na opinião pública, que foram „enganados‟, que tenham comido „gato
por lebre‟, que tenham aceitado, sem saber, a paternidade apenas social.
(FONSECA, 2004,p.31).
Rosely Gomes Costa (1998) trata das questões referentes a clonagem e aponta as
repercussões que a clonagem da ovelha Dolly no ano de 1998 causou na mídia e na sociedade
de forma geral. Um dos pontos discutidos no texto problematiza a seguinte questão: a
paternidade seria condição fundamental para a masculinidade, uma vez que, sendo
dispensável para a reprodução humana, “o homem não serve para nada”.
Considera-se, ainda, que a própria existência e sobrevivência do homem
dependem da paternidade, uma vez que a dispensa do homem da reprodução
leva a que seja “necessário e urgente criar-se um movimento para defender o
nosso direito de existir.” Tudo indica que a ausência da participação dos
homens no processo reprodutivo desafia uma concepção naturalizadora das
relações reprodutivas entre mulheres e homens, tomados como os
participantes naturais e necessários do processo. Essa ausência parece
desafiar o próprio valor da paternidade, por esta poder ser considerada
dispensável. (COSTA, 1998. p.164).
11
Grifo do autor.
33
As noções de masculinidades e de paternidade estão em constante transformação.
Ondina Leal e Adriana Boff (1996), chamam a nossa atenção para a tendência, nas pesquisas
sobre masculinidades, de ressaltar a masculinidade não-reprodutiva, ou seja, até pouco tempo
atrás, assuntos como reprodução e filiação eram vistos como temas predominantemente
femininos, porém esse cenário vem sendo modificado. Atualmente, tem-se investigado as
noções de paternidade e masculinidades com outro viés. Tanto a saúde reprodutiva masculina
quanto a paternidade tem se tornado objeto de estudo em pesquisas recentes.
O modelo de paternidade associado ao pai autoritário e aquele que apenas impõe
os limites foram desconstruidos, dando espaço aos novos modos de pensar a paternidade. O
homem contemporâneo tem se dedicado bem mais aos cuidados dos filhos, zelando também
pela educação e transmissão de valores. Lembro-me bem da fala de um pai após a
apresentação de uma mesa redonda sobre Paternidade no 16º Encontro Nacional – ABRAPSO
(Associação Brasileira de Psicologia Social, Recife, 2011) , que dizia: “quando me perguntam
o que é ser pai, eu digo: ser pai é fazer as mesmas coisas que a mãe faz”. Essa fala, bastante
significativa, aponta que as definições das atribuições/atividades que antes eram tidas como
exclusivamente femininas, são, na atualidade desenvolvidas com desenvoltura por alguns
homens. Em contrapartida da fala do pai citado, Fonseca (2004) chama a atenção para o que
alguns autores chamam de “crise da masculinidade”. A autora coloca que, diante do cenário
atual, o homem sente uma forte dose de ambivalência quanto ao seu lugar na família.
“Muitos, sem emprego fixo e sem dinheiro para cumprir seu papel de provedor, não
conseguem realizar a contento o modelo de pai/marido „antigo‟. Outros, mesmo tendo renda
suficiente para cumprir com o dever financeiro, não sabem lidar com os modelos „novos‟ de
comportamento – do casal igualitário e da mulher independente” (p.17). Estaria realmente o
homem atravessando essa “crise” ou vivenciando essa dose de ambivalência revelada por
Fonseca?
Rosely Costa (1998), levanta algumas questões a esse respeito. “A autora
apresenta em seu texto algumas discussões tecidas em seminário que aconteceu em São Paulo
no ano de 1998, intitulado: “Homens, sexualidade e reprodução”. Os debates giravam em
torno do que alguns autores chamam de uma “nova paternidade”. Para alguns deles, essa
“nova paternidade” é vista como um dever, ou seja, os discursos eram proferidos em termos
de uma exigência de uma maior participação dos homens no cuidado com os filhos, bem
como, de uma maior participação frente à reprodução, o que diminuiria as responsabilidades
impostas às mulheres em relação aos filhos. Em contrapartida, outros autores consideravam
essa mesma participação masculina como um direito. Esse discurso focava na reivindicação
34
pelos direitos dos homens de estarem mais próximos de seus filhos e de participar dos
cuidados e educação dos mesmos. Para a autora, pode-se dizer que esse tipo de elaboração
surgiu da idéia de que: “atualmente é possível ser homem sem ser „macho‟ e opressor”,
gerada pelo que se convencionou chamar de “crise da masculinidade”.
Diante de tudo isso, pode-se perceber um convívio ambíguo de discursos acerca do
“novo homem” e do “ novo pai” ou da “ nova paternidade” convivendo no mesmo espaço
discursivo com a masculinidade hegemônica enquanto uma forma naturalizada de “ser
homem”, quando o “ novo” é tratado com estranhamento, ou aquilo que foge do “
naturalmente” masculino.
35
CAPÍTULO 3 - FALANDO SOBRE FEMINISMOS, GÊNERO E NOVAS
TECNOLOGIAS REPRODUTIVAS CONCEPTIVAS.
O objetivo desse capítulo é refletir e apontar as principais discussões tecidas pelos
estudos feministas e de gênero no Brasil acerca da temática das novas tecnologias
reprodutivas (NTRs). Para tanto, buscarei refletir sobre o processo de medicalização da
Reprodução, suas implicações e consequências para a saúde e direitos reprodutivos, questões
essas cruciais para um melhor entendimento da temática.
3.1 Medicalização da Reprodução, direitos sexuais e reprodutivos e Novas Tecnologias
Reprodutivas.
De acordo com Bruno Latour, (2008), tecnologias são composições híbridas que
reúnem agenciamentos humanos e não humanos. Podemos dizer que a tecnologia ou as
tecnologias resultam do conhecimento humano híbrido acerca dos instrumentos, das pessoas,
do sistema de valores, dos espaços etc. Diante disso podemos pensar nas tecnologias também
como estratégias de governo? Se pensarmos de acordo com os conceitos de biopoder e
governamentalidade de Michael Foucault (1995) talvez possamos ver com mais clareza que
sim, é possível, principalmente no que diz respeito aos efeitos dessas tecnologias às políticas
de governo da vida.
A noção de governamentalidade é útil para entender estratégias de governo na
saúde, pois nos alerta para não reduzirmos os problemas de gestão à esfera do Estado, mas
posicioná-los como tecnologias de governo, que perpassam todos os lugares e relações
cotidianas. (Menegon, 2010 p. 224)
Juracy Toneli (2010) nos fala sobre a noção de intimidade. Para a autora a
intimidade se constitui como um campo ligado à privacidade em oposição ao espaço público
que se dá por meio de diversas práticas e saberes na modernidade. Esse campo de ação
abrange o discurso de si, a história da vida pessoal, as emoções, sentimentos e pensamentos
compartilhados, a experiência cotidiana, a vida amorosa e sexual, ou seja, tudo aquilo que
pode ser colocado sob o domínio do privado e do familiar e que é compartilhado apenas por
um grupo de pessoas conhecidas (p.141).
36
Para a autora essas relações ou essas práticas de intimidade acabam se tornando
alvo de suspeita e controle.
A medicina, a psiquiatria e a pedagogia irão constituir-se como base nessa
necessidade de controlar. Diante disso, os prazeres individuais e tudo o que
rodeia o ato sexual ganham rótulos e classificações. As práticas
normalizadoras do biopoder definem o que é normal para diferenciar aquilo
que foge à normalidade. Pode-se dizer então que “ao tentarmos fundamentar
nossas normas na religião, na lei e na ciência, fomos levados a buscar a
verdade de nossos desejos e, assim, nos tornamos aprisionados a nós
mesmos e governados pelo poder normalizador da lei e da medicina” (
Rabinow & Dreyfus, 1995, p. 283 Apud Juracy Toneli, 2010, p. 141).
Para Toneli (2010), a socialização das condutas procriadoras constitui uma das
quatro grandes unidades estratégicas por meio das quais poder e saber se fundem em
mecanismos específicos em torno da sexualidade ( ou do dispositivo da sexualidade). O casal
nesse contexto passa a ser responsável pelos cuidados médicos e sociais de maneira a garantir
a saúde da família e, por conseguinte, de todo o corpo social. É no contexto da biopolítica
que o controle/governo das populações se faz exercer por meio de estratégias diversas como
as grandes programáticas de planejamento familiar e assistência social (p.142).
Em sua discussão inicial sobre governamentalidade, Foucault (1995, p. 89), referese à sociedade disciplinar, com seus dispositivos de controle político e econômico aplicados
às ciências da vida. Pode-se dizer que surge aí uma biopolítica voltada “a um conjunto de
seres vivos constituídos em população”, no qual se inscrevem questões de interesse como
saúde, higiene, natalidade, raça, exercendo uma forma especifica e complexa de poder.
O processo de medicalização pode ser compreendido, segundo Vera Menegon
(2010) como a reunião de produtos sociotécnicos, que se configuram em diferentes
tecnologias de governamentabilidade. Medicalização está associada à concentração de poder e
de dominação por parte dos profissionais da saúde, principalmente aos médicos (as). Remete
assim, às relações assimétricas entre profissional e usuário do sistema de saúde, sendo
caracterizada não apenas pelo uso de medicamento, mas também pelo vocabulário e modelos
da saúde (medicina, enfermagem, biologia, psicologia, etc), utilizados tanto para definir
problemas, como para regular e determinar estilos de vida.
Para a autora, a medicalização pode ser considerada como algo mais amplo, como
um processo sociotécnico que reúne agenciamento de humanos e não humanos, tais como:
produção de conhecimentos (avanços biotecnológicos, incluindo equipamentos fármacos e
tecnologias de comunicação); máquinas e equipamentos; diferentes profissionais envolvidos;
37
leis e políticas públicas. Nessas conexões se produzem demandas por saúde e,
simultaneamente, demandas por novos produtos. (p.226). Um exemplo interessante a ser dado
é a tecnologia da ultrassonografia 3D, onde é possível ver o bebê de uma forma antes nunca
imaginada. A imagem cada vez mais próxima do real, nos coloca diante do poder que esses
equipamentos e profissionais (uma vez que são eles que tem o domínio sobre as maquinas)
são capazes de produzir.
Nikolas Rose (2007), afirma que essas novas biotecnologias não devem ser
entendidas como meras tecnologias médicas ou tecnologias de saúde, mas sim como
tecnologias de vida e argumenta: “as novas biotecnologias são reuniões híbridas, que estão
orientadas para otimizar a vida” (p. 227).
No que diz respeito às novas tecnologias reprodutivas, a autora acrescenta que
essas técnicas (com rotinas e rituais, testes e práticas de visualização, modos de
aconselhamento e outros correlatos) ultrapassam em muito a competência e a habilidade de
médicos no manejo de instrumentos e técnicas, pois engendram maneiras peculiares de dar
sentido à reprodução, para usuários, especialistas e a população em geral.
O termo “Tecnologias Reprodutivas” necessita ser melhor explicado, uma vez que,
em diversos trabalhos acadêmicos seu uso torna-se, por vezes, confuso. Esta denominação, ou
conceito, é bastante amplo, visto que abrange tanto as tecnologias contraceptivas - aquelas
que evitam a gravidez, como as conceptivas – que dizem respeito aos métodos e
procedimentos utilizados para a concepção, ou seja, para que a fecundação ocorra. Um outro
debate acerca dessa expressão, diz respeito à palavra “novas”. De acordo com o Dossiê de
Reprodução Humana Assistida (2003) 12, uma das hipóteses para esse adjetivo diz respeito ao
fato de o processo de fecundação humana ter saído do corpo feminino e se transformado em
objeto de manipulação laboratorial, ter se constituído em um evento extracorpóreo (in vitro).
O campo da saúde reprodutiva reúne significativas acelerações tecnológicas
compostas por conhecimentos heterogêneos, equipamentos, técnicas, pessoas, agendas
políticas, econômicas e culturais. A saúde reprodutiva deixa de ser associada apenas à saúde
materno-infantil e passa a ser concebida de forma mais abrangente, orientada por uma
integridade corporal e autodeterminação sexual, buscando contemplar ambos os sexos nas
diferentes fases do desenvolvimento. As tecnologias de saúde reprodutiva se utilizam de
12
O dossiê foi publicado pela Revista Rede Feminista de Saúde – Rede Nacional Feminista de Saúde, Direitos Sexuais e
Direitos Reprodutivos, Belo Horizonte, no ano de 2003, com apoio da Fundação Ford e colaboração de Marilena Corrêa,
Médica, professora-adjunta do Departamento de Políticas e Instituições de Saúde do Instituto de Medicina Social da UERJ e
pesquisadora visitante da Escola Nacional de Saúde Pública da Fundação Oswaldo Cruz; doutora em saúde coletiva (Ciências
Humanas e Saúde) pelo IMS/UERJ.
38
instrumentos e intervenções médicas e laboratoriais cuja finalidade é controlar a reprodução
e/ou prevenir doenças sexualmente transmissíveis (DSTs). Quando falamos em controle
podemos citar os métodos contraceptivos (usados para evitar a gravidez) e os conceptivos
(usados para concepção da gravidez, incluído aí as novas tecnologias reprodutivas). Existe
também a tecnologia usada para a saúde sexual da população que envelhece, como é o caso do
Viagra, para ativar a vida sexual dos homens e da reposição hormonal para as mulheres na
menopausa.
A contracepção é milenar, diz Vera Menegon (2010), mas na década de 1960
ganha visibilidade com a introdução da pílula anticoncepcional, que passa a ser considerada
como um marco dessa prática. Podemos citar como métodos contraceptivos: as pílulas
anticoncepcionais, os dispositivos intrauterinos (DIUs), os métodos de barreira, esterilizações,
atualmente, as novas tecnologias contraceptivas; o adesivo Norplant, vacinas antifertilidade,
“biomicrobicidas” e contraceptivos de emergências (pílula do dia seguinte). Esses métodos
permitiram a dissociação entre sexo e reprodução, ou seja, a partir desse momento, tornou-se
possível manter relações sexuais sem procriar e a relação centra-se na obtenção do prazer.
Fazendo parte dessa rede de práticas contraceptivas, outras transformações se viabilizaram:
conquista da liberdade das mulheres, com diferentes conexões entre vida privada e pública
(âmbito reprodutivo e controle de doenças sexualmente transmissíveis, como o caso da
AIDS).
Vera Menegon (2010) coloca que o surgimento da pílula e todas as suas
consequências para o modo de ser contemporâneo geram controvérsia. De um lado, alguns
defendem as tecnologias contraceptivas, por assegurarem liberdade às mulheres, poder em
questão família e da carreira profissional. De outro lado, existem as controvérsias religiosas e
alertas sobre a ação dos fármacos no organismo das mulheres, além do controle da natalidade,
cuja trajetória é marcada por programas governamentais autoritários.
Diante disso, pode-se dizer que as tecnologias contraceptivas continuam a ter um
papel de destaque na agenda dos direitos reprodutivos. Primeiramente, quando falamos em
direitos sexuais e reprodutivos13, estamos também falando em saúde.
A Organização Mundial de Saúde (OMS) define saúde como um estado de
completo bem estar físico, mental e social e não apenas a ausência de afecção ou doença.
Este conceito embora reflita avanços ao incorporar dimensões para além do corpo biológico,
13
Segundo a definição adotada pela Organização Mundial de Saúde (WHO, 2002), os direitos sexuais e reprodutivos
seguem os direitos humanos que já são reconhecidos pelas leis e documentos internacionais consensuais. Eles incluem o
direito de todas as pessoas e repudiam qualquer forma de coerção, discriminação ou violência, devendo ser protegidos e
respeitados.
39
encerra em si impossibilidades, já que este estado de completo equilíbrio é inalcançável na
dinâmica da vida. Ele é antes de tudo uma meta a ser perseguida, onde devemos valorizar o
processo da permanente busca de bem estar, em nossa vida e da sociedade a qual
pertencemos.
Torna-se então fundamental a adoção de um conceito ampliado de saúde,
encarando-a como resultante da forma de viver de um indivíduo, de um grupo, ou de uma
sociedade. Saúde e doença integram um processo dinâmico e que se inscrevem no corpo
biológico e no corpo social. Saúde, portanto é uma construção histórica e social, variando no
tempo e no espaço em que se vive. Em 1966, a saúde passa a ser reconhecida como um
direito humano, através da declaração da Convenção das Nações Unidas para os Direitos
Econômicos, Sociais e Culturais, integrante da Carta Internacional de Direitos Humanos. A
elevação da saúde ao patamar dos Direitos Humanos, faz com que ela assuma condição de
bem indissociável da humanidade, bastando para ser portador deste direito, estar incluído
entre os seres humanos. Em decorrência, temos a legitimação da busca pelo seu exercício
pleno, tornando as agressões ao bem estar dos indivíduos, uma violação do seu direito à
saúde.
Quando se passa a compreender a saúde de uma forma ampliada, para além da
ausência de doenças, podemos inferir que os direitos sexuais e reprodutivos serão também
condicionados pela forma de vida que se leva, sendo influenciados por fatores, entre os quais
podemos destacar as discriminações de gênero, de raça/etnia, de religião e de orientação
sexual. Da mesma forma, tais direitos também são construções históricas e só recentemente
foram incluídos no rol dos direitos dos cidadãos e cidadãs de todo o mundo. De acordo com
Juracy Toneli (2004), embora o termo direitos reprodutivos tenha surgido explicitamente com
a criação da Rede Mundial pela Defesa dos Direitos Reprodutivos das Mulheres em 1979,
desde o início do século XX pode-se identificar uma demanda do movimento de mulheres
pelo controle da própria capacidade reprodutiva. Na I Conferência Mundial de Direitos
Humanos de 1968, em Teerã, finalmente reconheceu-se o direito da pessoa a decidir sobre sua
reprodução.
Na realidade estas discussões engendraram o questionamento da maternidade
como projeto compulsório das mulheres, mais além de suas consequências numéricas ou da
época de sua concretização. Ou seja, tratava-se da discussão do desejo ou não de ser mãe e da
discriminação social se este desejo fosse o de não o ser, ou seja, de sua imposição às
mulheres. A discussão dos direitos reprodutivos no âmbito dos direitos humanos significou
um avanço no sentido de que não importava o sexo/gênero da pessoa, sua religião, idade,
40
raça/etnia, grupo social de pertença e, sim, que qualquer um deve ser reconhecido como
sujeito de direitos neste campo e deveria ter asseguradas as condições para o exercício pleno
destes direitos. (TONELI, 2004, p.154).
Diante do exposto, têm-se como foco nesse momento do texto, os métodos
conceptivos, onde entram em pauta o direito à procriação e, como vimos anteriormente, esse
direito está carregado de controvérsias.
A reprodução assistida é composta por várias técnicas de diferentes graus de
complexidade. Segundo o website do Centro de Reprodução Humana – CRH, dentre as
principais técnicas está a inseminação intra-útero. Este procedimento, de baixa complexidade,
consiste basicamente em selecionar os melhores espermatozóides e introduzi-los no útero no
momento próximo à ovulação. Antes da inseminação, a mulher recebe hormônios para
aumentar a quantidade de óvulos em condições de fecundar. Para os casais que não se
beneficiam da inseminação, há a técnica
de fertilização in vitro (FIV) conhecida
popularmente como "bebê de proveta".
Ainda de acordo com o website do Centro de Reprodução Humana - CRH, esta é a
técnica de reprodução assistida de maior uso mundialmente. De maneira simples, na
fertilização "in vitro" a mulher utiliza medicamentos para produzir um maior número de
óvulos, sendo que o controle do desenvolvimento destes é feito com exames de ultrasom. Neste método, a fertilização acontece fora do corpo, no laboratório, sob a supervisão do
especialista. Existem dois tipos de FIV: a clássica, e a ICSI (injeção intracitoplasmática de
espermatozóides). Na clássica, os óvulos são colocados em ambiente propício e inseminados
com um número predeterminado de espermatozóides, proporcionando a fecundação de forma
espontânea. Na ICSI, os óvulos são inseminados com o auxílio de um microscópio, que
permite a colocação de um único espermatozóide no interior do óvulo. Esta técnica oferece
maiores chances de ocorrer a fecundação.
Como pode-se perceber, essa conexão entre atores humanos e não humanos é
bastante complexa e acabam por gerar “novos” modos de ordenamento social. Segundo Vera
Menegon (2010), pode-se dizer que uma dessas reconfigurações ou novos modos de
ordenamento social está ligado ao fenômeno da procriação sem relação sexual, sendo possível
também, o uso de material genético de terceiros (esperma, óvulos, embriões), por meio de
doação ou comercialização. A fecundação deixa de ser produto caseiro, passando para o
espaço público do laboratório (p.233). Dito de outra forma e fazendo juz ao titulo da minha
dissertação: A cegonha deixa de ser uma ficção para se tornar realidade. Essa possibilidade
41
configura mais uma etapa do processo de governo da vida reprodutiva, abrangendo todo o
ciclo: fecundação, gestação e parto. Uma das implicações relevantes advindas da procriação
sem relação sexual e da circulação de material genético em laboratório é que a população
beneficiada não se limita às pessoas com problemas de infertilidade. Dentre os grupos que
procuram os serviços pode-se destacar as mulheres com idades avançadas ou até mesmo na
menopausa; casais do mesmo sexo, implicando aí o uso de material genético de terceiros e,
dependendo do caso, um útero substituto, além disso, o tipo de demanda para se ter um bebê
surge com um novo foco. O bebê passa a ter “qualidade”, nesse caso, pode-se falar em
pessoas portadoras de doenças graves, de HVI etc. Tais aspectos trazem consigo discussões
referentes à legislação, uma vez que os impactos dos usos dessas novas tecnologias ainda
precisam ser melhores explorados. A esse respeito (...)
Com relação ao acesso e controle de uso dessa tecnologia, em termos de
legislação e diretrizes, destacamos a fluidez e a forma dinâmica com que
cada nova associação (ou conexão) modifica o desenho da rede “ oficial” de
reprodução humana assistida, desestabilizando as estratégias iniciais do
governo. Essa questão é discutida no artigo “ Assisted reproduction:
managing na unruly techology” (Levitt, 2004), que problematiza as
diretrizes restritivas empregadas pelo sistema público de saúde inglês no
controle da reprodução humana assistida, uma vez que exclui uma série de
pessoas de seus programas. Dentre as restrições, veda-se o acesso de
mulheres com mais de 40 anos, assim como de casais do mesmo sexo. O
direito à procriação fica circunscrito aos casais heterossexuais, com
problemas de infertilidade e às mulheres com menos de 40 anos. (Menegon,
2010, p. 235).
No caso inglês, o resultado dessa legislação não foi de controle de campo, mas
sim, de fortalecimento do sistema privado de saúde, pois de cada seis mulheres que buscam a
reprodução assistida, apenas uma utiliza o sistema público, afirma a autora. Dessa forma, os
“excluídos” do direito à procriação, fazem valer seus direitos reprodutivos utilizando as
clínicas privadas, cujo acesso depende de seu poder aquisitivo.
No Brasil, a nova resolução do Conselho Federal de Medicina – CFM: nº
1.957/2010 afirma que todas as pessoas capazes, que tenham solicitado o procedimento e cuja
indicação não se afaste dos limites desta resolução, podem ser receptoras das técnicas de RA
desde que os participantes estejam de inteiro acordo e devidamente esclarecidos sobre o
mesmo, de acordo com a legislação vigente. No site do CFM podemos encontrar os princípios
gerais da nova resolução. Dentre eles, pode-se destacar:
42
1. R.A têm o papel de auxiliar na resolução dos problemas de reprodução
humana, facilitando o processo de procriação quando outras terapêuticas
tenham se revelado ineficazes ou consideradas inapropriadas; 2. as técnicas de
R.A podem ser utilizadas desde que exista a probabilidade efetiva de sucesso e
não se incorra em risco grave de saúde para a paciente ou o possível
descendente; 3. O consentimento informado será obrigatório a todos os
pacientes submetidos às técnicas de reprodução assistida, inclusive aos
doadores. Os aspectos médicos envolvendo as circunstâncias da aplicação de
uma técnica de RA serão detalhadamente expostos, assim como os
resultados obtidos naquela unidade de tratamento com a técnica proposta.
As informações devem também atingir dados de caráter biológico, jurídico,
ético e econômico. O documento de consentimento informado será expresso
em formulário especial e estará completo com a concordância, por escrito, das
pessoas submetidas às técnicas de reprodução assistida; 4. As técnicas de R.A
não devem ser aplicadas com a intenção de selecionar o sexo (sexagem) ou
qualquer outra característica biológica do futuro filho, exceto quando se trate
de evitar doenças ligadas ao sexo do filho que venha a nascer; 5. É proibida a
fecundação de oócitos humanos com qualquer outra finalidade que não a
procriação humana; 6. o número máximo de oócitos e embriões a serem
transferidos para a receptora não pode ser superior a quatro. Em relação ao
número de embriões a serem transferidos, são feitas as seguintes
determinações: a) mulheres com até 35 anos: até dois embriões); b) mulheres
entre 36 e 39 anos: até três embriões; c) mulheres com 40 anos ou mais: até
quatro embriões e por fim, 7. em caso de gravidez múltipla, decorrente do uso
de técnicas de RA, é proibida a utilização de procedimentos que visem à
redução embrionária. Além desses aspetos, a resolução trata das
responsabilidades das clínicas, centros e serviços que aplicam técnicas de RA,
como também traz questões referentes à doação e comercialização de óvulos e
embriões.
No Brasil, essa problemática também ocorre, com a Portaria nº 426/GM, de Março
de 2005, que institui a Política Nacional de Atenção Integral em Reprodução Humana Assistida
no Sistema Único de Saúde – SUS. As diretrizes dessa portaria foram delineadas para casais
heterossexuais, com problemas de infertilidade, e não para casais do mesmo sexo ou mulheres
com idades mais avançadas. Essa portaria reconhece, ainda, o direito da busca da qualidade do
vida do bebê nos casos de problemas genéticos, assim como de HIV, mas não para a seleção do
sexo.
Segundo Vera Menegon (2010), no Brasil ainda não podemos dizer que essa
legislação tenha favorecido as clínicas privadas, pois a oferta dessa tecnologia, desde o seu
início, esteve vinculada ao setor privado da saúde. Em 2002 (antes dessa portaria) estavam
cadastradas 107 clínicas privadas, contra um número incipiente de serviços públicos, mas
podemos problematizar a questão do acesso às tecnologias. Pedro Nascimento (2009) traz em
sua tese a discussão acerca do acesso à essas tecnologias tendo por base a desigualdade
econômica da sociedade brasileira e a estrutura desigual de acesso à serviços públicos de saúde
43
de uma forma geral e que acabam por constituir uma divisão em dois grupos: os que podem
pagar por essas tecnologias e os que não podem.
Retomando as “reconfigurações” ocasionadas pelas novas tecnologias reprodutivas
conceptivas, Vera Menegon (2010) salienta que não se pode deixar de falar sobre as
reconfigurações significativas na composição dos vínculos familiares, tais como definições
parentais, mudanças nas redes de socialização de crianças e de futuros adultos gerados por
tecnologias reprodutivas. A autora traz algumas reflexões acerca desse assunto:
No que diz respeito à maternidade, a mulher que dá a luz pode não ser a
mesma mulher que produziu o óvulo fertilizado; a pessoa a cuidar dessa
criança pode não ser nenhuma das mulheres anteriores. Temos, então, a mãe
genética, a mãe biológica e a mãe social; em caso de casais de homens, temos
os pais genéticos e sociais. Snowden (1998) apud Vera Menegon (2010)
relata que, dependendo das associações, podemos ter sete combinações de
mãe e três de pai. (p. 236).
Chadwick (2001) apud Menegon (2010) afirma que, “como resultado do uso de
técnicas de inseminação artificial com o doação de óvulo e útero de substituição, os conceitos
de mãe, pai e família não estão mais tão definidos quanto já foram, tornaram-se ambíguos,
requerendo um adjetivo qualificador; a possibilidade de clonagem complica ainda mais o
cenário”, uma vez que nesse caso, a concepção dispensaria a fusão de dois gametas.
Essas reconfigurações vêm ganhando legitimidade junto à lei. Alguns casos levados
à mídia exemplificam de forma direta essa afirmação. Dentre eles podemos citar dois casos: um
deles aconteceu no Brasil e foi exibido em uma matéria do programa Fantástico, da Rede Globo no
ano de 201014, onde trazia a história de uma mulher que estava “lutando” na justiça pela
autorização para realizar inseminação artificial com o sêmen do noivo morto. O outro caso, obteve
sucesso na Austrália. “Final feliz”, é o que diz a matéria intitulada: “Austrália autoriza viúva a ter
filho usando o sêmen do marido morto”, publicada em 24 de Maio de 2011, no site g1.globo.com15.
A reprodução após a morte envolve muita discussão e alguns questionamentos: a lei deve permitir
que uma criança já nasça órfã? E quais serão os direitos dessa criança? Esse é um ponto polêmico,
porque a princípio ela não teria direito a sucessão, ou seja, a herança, diz a reportagem. O registro
14
Conteúdo disponível no endereço eletrônico: <<http://fantastico.globo.com/Jornalismo/FANT/0,,MUL157903615605,00.html >> Acesso em : 10 de dezembro de 2011
15
Conteúdo disponível endereço eletrônico: << http://g1.globo.com/mundo/noticia/2011/05/australia-autoriza-viuva-a-terfilho-usando-semen-de-marido-morto.html>> Acesso em : 10 de dezembro de 2011
44
em cartório seria feito com o nome do pai, mas sem nenhuma outra repercussão no campo
patrimonial.
Não obstante todas as polêmicas e discussões realizadas quando o assunto são as
novas tecnologias reprodutivas, não podemos deixar de citar os casos freqüentes de mulheres
que já não estão mais em idade reprodutiva engravidando através das técnicas de reprodução
assistida. Alguns casos na Índia tiveram grande repercussão na mídia do mundo todo. O
primeiro foi o da Indiana que engravidou aos 70 anos. O outro caso, também na Índia, foi
destaque do noticiário publicado no site g1.com.br. 16A indiana Bhateri Devi, de 66, anos, deu
à luz trigêmeos no estado de Haryana após se submeter às tecnicas de reprodução assistida em
uma clínica especializada.
Além dos casos citados acima, de mulheres que não estariam mais em condições
reprodutivas favoráveis e se tornaram mães, podemos citar os casos em que as avós geram
seus próprios netos, tudo em nome do amor pelos filhos, como é o caso bastante famoso da
avó que gerou gêmeos, na cidade do Recife no ano de 200718.
De certa forma, esses casos da “vida real” são uma síntese das reconfigurações
reprodutivas, pois trazem a história da concepção, dos vínculos parentais e da questão
jurídica. Pode-se dizer também, que como não há ainda uma legislação sobre o tema e nem
consensos culturais, as atribuições de paternidade e maternidade acabam sendo embasadas e
justificadas segundo os desejos e situações individuais. Cada caso é avaliado conforme a
situação das pessoas em relação ao desejo de procriação.
Nesse sentido, a perspectiva feminista tem apontado mais de um prisma com
relação a essas questões. O objetivo do tópico seguinte é
refletir e apontar as principais
discussões tecidas pelos estudos feministas e de gênero no Brasil, acerca da temática das
novas tecnologias reprodutivas (NTRs).
16
Conteúdo disponvível no endereço eletrônico: << http://g1.globo.com/Noticias/Ciencia/0,,MUL635978-5603,00INDIANA+DE+ANOS+TORNASE+MULHER+MAIS+VELHA+DO+MUNDO+A+TER+BEBES.html>> Acesso em : 10
de dezembro de 2011
Conteúdo disponvível no endereço eletrônico: << http://noticias.terra.com.br/brasil/noticias/0,,OI1944631-EI8139,00Avo+da+a+luz+netos+gemeos+em+Pernambuco.html>> Acesso em : 13 de Abril de 2012.
18
45
3.2 Feminismos, gênero e novas tecnologias reprodutivas
O desenvolvimento das biotecnologias, especialmente no que se refere às
tecnologias voltadas para os processos de reprodução humana assistida, tem imposto desafios
teóricos, políticos e éticos fundamentais para os feminismos no campo da reprodução, dos
direitos e do enfrentamento à mercantilização do corpo e da vida das mulheres.
Partiu-se do pressuposto de que, o acelerado desenvolvimento das tecnologias
aplicadas ao campo da ciência contemporânea, em especial o surgimento das novas
tecnologias reprodutivas, tem conduzido a uma série de transformações. Estas mudanças
perpassam o âmbito familiar, sexual e das relações sexo/gênero, gerando novas formas de
parentesco. Este tópico busca discutir sobre o estado da arte nesse campo.
A relação de alguns autores e autoras dos movimentos feministas com a ciência e,
em especial, com as novas tecnologias reprodutivas, tem sido um tema bastante discutido em
congressos e encontros científicos17 Como comentado inicialmente, pretende-se aqui, abordar
os principais momentos do debate feminista brasileiro na sua relação com as NTRs, no
sentido de problematizar o desejo por filhos tratado nos tópicos anteriores.
De acordo com Marilena Corrêa e Márcia Arán (2008), o termo tecnologia remete
a um ofício, à arte de fabricar, a um instrumento supostamente usado pelo homem para
dominar a natureza. Para as autoras, esse termo reitera os dualismos presentes no pensamento
moderno ocidental, como por exemplo: natural/artificial, organismo/máquina, masculino e
feminino. Essas categorias e dualismos acabam por associar o feminino à natureza e o
masculino à cultura. Lucila Scavone (2006) traz alguns questionamentos acerca dessa
discussão: as tecnologias de reprodução teriam rompido com o dualismo mulher/ natureza
versus homem/cultura ou teriam acentuado? Se elas refletem o avanço da ciência e, portanto,
um estágio do capitalismo, a sua utilização poderia provocar conflitos e acelerar mudanças
nas relações sociais e de gênero?
Segundo Thomas Laqueur (2001), durante muito tempo a mulher foi considerada
inferior ao homem. Na Idade Média, tinha-se como referência o modelo de sexo único de
Galeno, onde a mulher era considerada uma versão imperfeita do homem, uma vez que
possuía o cérebro menor e órgãos sexuais internos e invertidos. Essa explicação foi usada por
muitos anos para justificar o lugar inferior da mulher na sociedade. Na idade moderna, surge o
“ Seminário Latino – Americano Feminismo e Novas Tecnologias Reprodutivas”, realizado em Recife, em julho de 2006. “
Jormadas Novas Tecnologias Reprodutivas Concepitivas: Questões e Desafios” realizadas pelo Núcleo de Identidades de
Gênero e Subjetividades (NIGS), da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), em Florianópolis, 2003.
19
46
modelo dos dois sexos, em que cada corpo apresentava, enfim, suas diferenças. Conceição
Nogueira (2001) apud Adriano Nuernberg (2005) coloca que foi a partir da constatação
científica de igualdade das capacidades intelectuais entre homens e mulheres que se passou a
buscar na identificação dos temperamentos masculinos e femininos formas de associar a
afetividade e docilidade às mulheres e a agressividade aos homens, legitimando, assim, duas
formas de ser e agir conforme o sexo biológico.
Diante do exposto, é necessário situar o/a leitor/a acerca das categorias
sexo/gênero, que segundo Judith Butler (2008), foram pontos de partida para pensar uma
política feminista. De acordo com Linda Nicholson (2000), o termo “gênero” pode ser usado
de duas maneiras diferentes: a primeira delas, em oposição ao termo “sexo”, e se opondo ao
que seria biologicamente dado, descreveria aquilo que é socialmente construído. A outra
maneira é quando falamos de construções sociais que diferenciam “masculino” e “feminino”.
Butler (2008) critica a questão da criação do sexo como uma “norma” que diferencia e que
dita o modo como os corpos devem moldar-se e apresentar-se. Nesse sentido, pensarmos em
“corpos feminimos” e “ corpos masculinos” dissociados de uma interpretação social torna-se
impossível e por essa razão, pensarmos “ sexo” independente de “ gênero” também.
Butler (2008, p. 25) diz que, talvez, o próprio construto chamado “sexo” seja tão
culturalmente construído quanto o gênero; a rigor, talvez, o sexo sempre tenha sido o gênero,
de tal forma que distinção entre sexo e gênero revela-se absolutamente nenhuma. A autora
reconhece a concepção de que o gênero não está para cultura como o sexo para a natureza.
Segundo Maria Luiza Heilborn (1998), as propriedades simbólicas particulares à
constituição do masculino e do feminino são fenômenos da relação hierárquica entre eles. Não
podemos negar as diferenças existentes entre homens e mulheres, porém, devemos estar
atentos ao valor que atribuímos a elas, pois é isso que permite estabelecer as relações de
desigualdade.
Todas essas questões nos fazem refletir acerca dos primórdios do movimento
feminista contemporâneo 18. Alejandra Rotania (2006) define o feminismo como:
(...) pensamento e ação política em um campo de incontestável riqueza
teórica e prática. Nasce como uma ética visceral singular, pois revê e
questiona os conceitos e os valores que historicamente têm levado a ignorar
as mulheres como sujeitos éticos e políticos plenos. Propõe a mudança das
20
Usa-se o termo no singular para efeitos de escrita, embora saibamos que seria mais correto citarmos no plural, pela
diversidade do mesmo.
47
relações de poder hierárquicas entre homens e mulheres, a conquista dos
direitos civis, políticos e sociais e o exercício da autonomia plena em todos
os domínios da vida social e pessoal (p.40).
Segundo Lucila Scavone (2006), foi o movimento feminista que proporcionou
uma maior visibilidade ao corpo e à sexualidade, tratando-os como questões políticas.
Nesse momento histórico (1960-1970), surgia também a pílula contraceptiva,
possibilitando às mulheres decidir se queriam ou não ter filhos e qual o momento mais
adequado. Desse ponto de vista, Lucila Scavone diz que as tecnologias conceptivas foram
bem-vindas, pois estariam contribuindo para romper com o assujeitamento do corpo das
mulheres, especialmente no que se referia à maternidade. Carla Bassanezi (1997) coloca que,
até metade do século XX:
A vocação para a maternidade e a vida doméstica seriam marcas da
feminilidade, enquanto iniciativa, a participação no mercado de trabalho, a
força e o espírito de aventura definiriam a masculinidade. A mulher que não
seguisse seus caminhos, estaria indo contra a natureza, não poderia
realmente ser feliz ou fazer com que outras pessoas fossem felizes (p.609).
No ano de 1949, Simone de Beauvoir, escritora, filósofa existencialista e feminista
francesa, que se tornou referência clássica para pensar a mulher nas sociedades ocidentais,
publicou uma das obras mais significativas para o debate sobre as vicissitudes da condição
feminina, promovendo a desconstrução dessas representações, até então vigentes. Beauvoir
foi uma das primeiras mulheres a afirmar que não existe “instinto materno”. Tal condição foi
imposta à mulher e assumida como algo de “sua natureza”.
Assumindo um salto histórico, chegamos ao final do século XX e início do século
XXI, a partir do que argumenta Donna Haraway (2009), filósofa, bióloga e feminista. Para ela
não existe nada no fato de ser “mulher” que naturalmente una as mulheres. Não existe nem
mesmo uma tal situação “ser mulher”. Essa classificação, ou categoria, é muito complexa,
tendo sido construída a partir de discursos científicos sexuais e outras práticas sociais, que a
própria autora considera questionáveis. Concordando com Donna Haraway, Judith Butler
(2003) aponta a falsa estabilidade da categoria “mulher” e propõe buscar um modo de
interrogação da constituição do sujeito que não requeira uma identificação normativa com o
“sexo” binário.
Lucila Scanove (2006) diz que, uma das idéias básicas do feminismo, no seu
momento inaugural, foi expressa na máxima “nosso corpo nos pertence”, na qual o corpo
48
aparecia como um dos elementos centrais das relações de poder entre os sexos, nos espaços
público e privado (p.14). Diante disso, vemos um discurso feminista abrindo possibilidades
para um debate político sobre os corpos, afirmando suas diferenças e desigualdades
construídas a partir das mesmas, discursivamente.
Retomando nossa idéia principal, o primeiro momento do feminismo no debate
com as novas tecnologias reprodutivas foi de certa forma positivo. Ainda não existiam críticas
a essas tecnologias, pois se acreditava que elas viriam como uma solução para a libertação das
mulheres em relação à maternidade. As tecnologias reprodutivas, seriam, dessa forma, usadas
em benefício das mulheres. Além disso, segundo Lucila Scavone (2006), se a pílula
contraceptiva havia dissociado a sexualidade da reprodução, as tecnologias conceptivas
provocariam a ruptura definitiva.
O segundo momento do feminismo na relação com as NTRs começou no final de
1970 e durou aproximadamente até o começo dos anos 1990 e já apontava críticas a essas
tecnologias. Algumas críticas estão relacionadas à saúde, tanto das mulheres que se submetem
ao procedimento, quanto dos bebês. Outro ponto criticado pelas feministas diz respeito ao fato
de que a maior parte dos procedimentos são realizados no corpo da mulher. Ou seja, essas
técnicas trariam à tona a questão da dominação dos corpos femininos e o reforço à
naturalização que demarca desigualdades de gênero. Além disso, esses estudos trazem o
argumento de que essas tecnologias surgem para, mais uma vez, reafirmar que o modelo
aceito pela sociedade é o modelo de família nuclear, pai - mãe - filhos biológicos. Segundo
Natália Silva e Maria de Fátima Lopes (2008), ao se instituir o modelo de família tradicional
como “normal” ou “natural”, há a reafirmação das dominações de gênero e, dessa forma,
acaba-se por instituir uma forma padrão, um modelo de família e exclui as demais formas,
tornando-as secundárias, inferiores e ilegítimas.
Ainda de acordo com Lucila Scavone (2006), nos anos 1980-1990 havia consenso
na crítica feminista às novas tecnologias conceptivas. Tais críticas abarcavam questões como
a crise do humano e o retorno à naturalização da maternidade. No entanto, os debates do
feminismo pós – moderno trazem novos elementos para a discussão. A esse respeito, Donna
Haraway (2009), traz significativas contribuições ao pensar nas novas tecnologias
reprodutivas como produtos da era ciborgue que estamos vivenciando. A autora denomina o
ciborgue como um organismo cibernético, um hibrido de máquina e organismo, uma criatura
de realidade social e ficção (p. 36). A era do ciborgue é o aqui e o agora, onde quer que haja
um carro, um telefone ou um gravador de vídeo. Somos todos ciborgues! Estamos envoltos
49
em tecnologias de última geração em todas as esferas da nossa vida, desde um simples suco
industrializado, até próteses mecânicas para braços e pernas que se movimentam de acordo
com as informações que o nosso cérebro transmite.
Nesse sentido, quando falamos em tecnologias de reprodução não podemos mais
falar em oposições ou categorias como distintas e separáveis. No mundo tecnológico elas se
misturam, não há separação entre público e privado, homens e mulheres, natureza e cultura,
entre os humanos e as máquinas. De certa forma isso nos parece perigoso, na medida em que
não podemos entender essa tecnologia como neutra, é importante sabermos quem é fruto de
quem, que subjetividades essas novas tecnologias produzem e quais seus efeitos.
No campo das NTRs esta problematização é importante por colocar o debate em
suas distintas nuances, além de situar o quanto o debate científico é permeado por políticas
que formam e conformam corpos, subjetividades e desejos. A preocupação em se estas NTRs
surgem para auxiliar o desejo de mulheres e homens em terem filhos ou se vem aprisionar
desejos, corpos e subjetividades, recolocando as desigualdades de gênero em outras
circunstâncias continuas. Ou seja, será que o palco e as cenas mudam, com a inclusão das
NTRs, possibilitando brechas nos modelos tradicionais e desiguais, ou permanecemos
reafirmando dicotomias da ordem do sexo\gênero?
50
CAPÍTULO 4 - PERCURSO METODOLÓGICO
A presente investigação se caracteriza como um estudo qualitativo de cunho
etnográfico. Segundo Minayo (2000), a abordagem qualitativa favorece a compreensão dos
fenômenos sociais a partir do ponto de vista dos sujeitos envolvidos e implicados na situação
em estudo. Nesse sentido, buscou-se a apreensão dos significados, valores, crenças e atitudes
dos participantes da pesquisa, para então compreender os sentidos de paternidade para
homens que buscaram o processo de Reprodução Humana Assistida.
A pesquisa qualitativa se caracteriza como “(...) a tentativa de uma compreensão
detalhada dos significados e características situacionais apresentadas pelos entrevistados, em
lugar da produção de medidas quantitativas de características ou comportamentos”
(RICHARDSON, 1999, p. 90).
De acordo com Maria Cecília Minayo e Odécio Sanches (1993), um bom método
será sempre aquele, que permitindo uma construção correta dos dados, ajude a refletir sobre a
dinâmica da teoria (p. 239). Ainda segundo os autores, o conhecimento científico é sempre
uma busca de articulação entre uma teoria e a realidade empírica; o método é o fio condutor
para se formular esta articulação.
Pensar qualitativamente um objeto de pesquisa em Psicologia significa mergulhar
no campo da subjetividade e do simbolismo, compreendendo as relações entre sujeito e
objeto, uma vez que ambos são da mesma natureza e é nessa relação que acontece o
envolvimento com empatia aos motivos, às intenções e aos projetos dos atores, a partir dos
quais as ações, as estruturas e as relações tornam-se significativas. Nesse sentido, assumir um
posicionamento distante e neutro diante do outro e do campo torna-se uma tarefa impossível.
Vale ressaltar que em nenhum momento pretendeu-se buscar tal façanha.
De acordo com Norman Denzin e Yvonna Lincoln (2006) a pesquisa com enfoque
qualitativo se define como sendo uma atividade situada que localiza o observador no mundo.
Consiste em um conjunto de práticas que dão visibilidade ao mundo” (DENZIN; LINCOLN,
2006, p. 17).
A pesquisa qualitativa possibilita o uso de vários métodos para buscar
compreender determinados acontecimentos sociais, tais como: entrevistas, grupos focais,
registro de sons e imagens, testes projetivos, observação, etc. Cada olhar, no entanto, dá uma
51
significação diferente à realidade. O compromisso do cientista é mais uma prática
interpretativa no que se propõe a estudar.
Para este estudo optamos por um enfoque etnográfico pautado numa perspectiva
feminista.
Etnografia é um método de pesquisa oriundo da antropologia social, cujo
significado etimológico pode ser “descrição cultural”. Assim, ela representa a tentativa de
estudar a sociedade e a cultura, seus valores e práticas, a partir de sua “descrição densa”,
entendida como mais do que a mera compilação de fatos externos ao pesquisador. Segundo
Geertz,
praticar etnografia é estabelecer relações, selecionar informantes, transcrever
textos, levantar genealogias, mapear campos, manter um diário, e assim por
diante. Mas não são essas coisas, as técnicas e os procedimentos
determinados, que definem o empreendimento. O que o define é o tipo de
esforço intelectual que ele representa: um risco elaborado para uma
“descrição densa” (1989, p. 15).
Gonçalves Filho (1998) reflete belamente sobre tal esforço:
Uma densa descrição impõe-se como detalhada narrativa de fenômenos
intersubjetivos, fenômenos sempre significativos e cuja significação
desprende-se do modo como neles se formou a relação do homem com os
outros homens e com a natureza - [...] uma operação que se abre, não para a
vinculação extrínseca dos fatos mas para a sua interpretação, ou seja, para
a apresentação dos fatos não como apresentação de coisas justapostas mas
como internamente vinculados, reunidos segundo as intenções mais ou
menos conscientes de seus atores (p. 1, negritos do autor).
Oliveira (1998) chama a atenção para as três etapas de apreensão dos fenômenos
sociais, são elas: o olhar, o ouvir e o escrever.
Para o autor, a primeira experiência do pesquisador no campo está ligada a
domesticação teórica de seu olhar, ou seja, quando vamos a campo, seja para realizar
entrevistas ou para observar, já temos uma leitura prévia do que poderemos encontrar, o
objeto sobre o qual dirigimos o nosso olhar, já foi previamente alterado pelo próprio modo de
visualizá-lo. Por esse motivo, podemos dizer que a entrada no campo não é neutra, ela está
amparada pela teoria.
O ouvir e o olhar se complementam quando estamos falando em produção de
conhecimento. Eles não podem ser vistos como totalmente independentes no exercício da
investigação. De acordo com Oliveira (1998), ambas complementam-se e servem para o
pesquisador como duas muletas, que lhe permitem caminhar, ainda que tropegamente, na
52
estrada do conhecimento. A metáfora, propositalmente utilizada, permite lembrar que a
caminhada da pesquisa é sempre difícil, sujeita a muitas quedas. (p. 21).
A fase do ouvir nos remete aos métodos utilizados para se chegar aos objetivos de
uma pesquisa. No caso desse estudo, a entrevista, com um enfoque biográfico e pautado numa
perspectiva etnográfica deve ser compreendida em suas particularidades.
A crítica que Oliveira (1998) faz em seu texto acerca da relação entrevistador/
entrevistado é bastante pertinente:
No ato de ouvir o “informante”, o etnólogo exerce um poder 19
extraordinário sobre o mesmo, ainda que pretenda posicionar-se como
observador o mais neutro possível, como pretende o objetivismo mais
radical. Esse poder, subjacente às relações humanas – que autores como
Foucault jamais se cansaram de denunciar, já na relação
pesquisador/informante desempenhará uma função profundamente
empobrecedora do ato cognitivo: as perguntas feitas em busca de respostas
pontuais lado a lado da autoridade de quem as faz, com ou sem verdadeira
interação entre nativoe pesquisador, porquanto na utilização daquele como
informante, o etnólogo não cria condições de efetivo diálogo. A relação não
é dialógica. Ao passo que transformando esse informante em “interlocutor”,
uma nova modalidade de relacionamento pode e deve ter lugar. (p.23)
Pode-se dizer, então, que é dessa relação dialógica que surge um verdadeiro
“encontro etnográfico”. No meu entender, esse encontro só será realmente possível desde que
o pesquisador tenha a capacidade de ouvir e ser ouvido, sem medo de contaminar o discurso
do interlocutor com elementos de seu próprio discurso. Como se pode perceber, a fase do
ouvir também não é neutra.
É seguramente no ato de escrever, portanto, na configuração final do produto da
pesquisa, que a questão do conhecimento torna-se tanto ou mais crítica.
Geertz apud Oliveira (1998) separa o ato de investigar em dois momentos
distintos. O primeiro seria o “ estando lá”, ou seja, a fase em que o pesquisador vai a campo,
observa e coleta os dados. O segundo momento ele denomina de “estando aqui”. No meu
entender, essa fase também poderia ser chamada de isolamento/reclusão/distanciamento ou
qualquer outra palavra cujo sinônimo indique que o pesquisador deverá voltar-se para a
análise dos dados obtidos, nada além disso. É o momento de trazer os fatos observados –
vistos e ouvidos – para o plano do discurso.
21
Grifo do autor.
53
Sobre essa fase, Oliveira cita Geertz para trazer a importância da etnografia no
âmbito da pesquisa científica e nos propõe a reflexão acerca da autonomia que o pesquisador
tem no exercício de sua escrita, bem como, as implicações dessa autonomia na conversão dos
dados observados.
poder-se-ia entender toda etnografia – ou sociologia, se preferirem – não
apenas como tecnicamente difícil, uma vez que colocamos vidas alheias em
“nossos” textos, mas, sobretudo, por esse trabalho ser “moral, política e
epistemologicamente delicado. (Geertz, p.130).
O exercício de escrita e análise dos dados será pautado pela interpretação. Essa
interpretação, por sua vez, está balizada pelos conceitos básicos das questões teóricas metodológicas a que nos propomos a estudar. A relação é, portanto dialética. Temos os dados
obtidos no/através do campo e a teoria que embasará toda a nossa interpretação dos mesmos.
Este estudo apresenta uma perspectiva teórica/analítica de cunho feminista. Diante
da quantidade de estudos sobre ciência e tecnologia, a pesquisa feminista tentou, por várias
vezes, definir o termo objetividade. Donna Haraway (1995) define o termo „objetividade‟
como um conjunto de saberes localizados, pelos quais o/a pesquisador/a se responsabiliza,
não os atribuindo a “fatos indiscutíveis”. Ela propõe a corporificação da objetividade e
considera que “a política e a ética são a base das lutas a respeito de projetos de conhecimento
nas ciências”. Nossa perspectiva é sempre parcial, por isso é preciso discutir, sim. É preciso
uma “conversa sensível ao poder” a partir de um posicionamento crítico num espaço social de
produção de conhecimento.
4.1 Participantes
Participaram da presente pesquisa um total de 5 homens/pais e suas respectivas
companheiras/esposas que buscaram tratamento nas clínicas particulares especializadas em
Reprodução Humana Assistida na cidade do Recife. Vale ressaltar que as entrevistas
realizadas com as mulheres serviram para ajudar a compreender o contexto da paternidade
nesse processo. Tivemos, entretanto, o foco no discurso dos homens. O número de
entrevistados seguiu o critério de saturação proposto por Denzin e Lincolin (2006). Essa
saturação, segundo os autores, aparece na pesquisa qualitativa ao fim de um certo tempo,
quando os dados obtidos passam a apresentar, na avaliação do pesquisador, uma certa
redundância ou repetição, não sendo considerado relevante persistir na coleta de dados.
54
A idade dos participantes variou entre 29 e 42 anos, tendo a idade de suas esposas
variado entre 33 e 40 anos. Todos os interlocutores se identificaram como pertecentes à classe
média e classe média alta e moravam em bairros tidos como “nobre”, na Região
Metropolitana do Recife e Olinda.
Com relação à profissão, um participante é engenheiro, o outro supervisor de
vendas, outro empresário e dois deles, são funcionários públicos. As profissões de suas
companheiras: três delas eram enfermeiras, uma advogada e uma bióloga. 3 dos entrevistados
são católicos, um é espírita e o outro alega não ter uma religião específica, mas acredita em
Deus. No que diz respeito as suas companheiras, duas delas são católicas, duas são espíritas e
uma delas afirmou ser católica, porém, possui afinidade com o espiritismo.
Quanto ao número de filhos, quatro dos participantes têm filhos adotivos, sendo quatro
deles adotados após o “fracasso” do processo de reprodução assistida, e um adotado após o
“sucesso” do processo. Apenas um participante obteve sucesso na primeira tentativa e teve
filhos gêmeos. Quanto ao número de tentativas das técnicas de R.A, temos os seguintes
dados: um participante tentou 1 inseminação artificial e um bebê de proveta sem sucesso, uma
vez que o seu filho biológico foi concebido de forma natural20 após os fracassos do processo.
O segundo participante tentou 4 fertilizações in vitro e 2 inseminações artificiais sem sucesso,
tendo posteriormente adotado dois meninos (gêmeos), o terceiro participante tentou 2
inseminações artificiais, tendo sido fracassada as duas tentativas e o filho biológico foi
concebido de forma natural, tendo posteriormente adotado um menino. O quarto participante
tentou 1 fertilização in vitro sem sucesso, tendo sido o seu filho biológico concebido de forma
natural, tendo posteriormente adotado um menino e finalmente, o último participante realizou
uma fertilização in vitro com sucesso, ocasionando o nascimento de gêmeos (um menino e
uma menina). Para uma melhor visualização dos dados que caracterizam os participantes foi
elaborado o seguinte quadro-síntese:
22
A expressão “ de forma natural” está sendo utilizada para informar ao leitor que a gravidez foi concebida sem o auxilio das
técnicas de reprodução assistida.
55
QUADRO 1 - SÍNTESE DO PERFIL DOS PARTICIPANTES
Participantes
Oliver, 29 anos


Acredita em
Deus
Cônjuge
Jenny, 33 anos

Católica

Enfermeira
Nível sócio Quant.
–
de filhos
econômico
Classe
Média
1 adotivo
e um
biológico
1
inseminação
artificial e 1
bebê de
proveta
Classe
Média
2
(gêmeos)
adotivos
4
fertilizações
in vitro sem
sucesso
Classe
Média
1 adotivo
e1
biológico
2
inseminações
artificiais e
estimulações
para
ovulação
Classe
Média
1adotivo e
1
biológico
1 fertilização
in vitro sem
sucesso
Classe
Média
2
(gêmeos)
biológicos
1 fertilização
com sucesso
Empresário
Eduardo, 42 anos
Mônica, 39 anos

Católico

Católica

Funcionário
Público

Enfermeira
Romeu, 41 anos
Julieta, 40 anos

Espírita

Espírita

Funcionário
Público

Bióloga
Bernardo, 38 anos
Bianca, 37 anos

Católico

Católica

Supervisor de
vendas

Enfermeira
Tristão, 40 anos
Isolda, 40 anos

Católico

Espírita

Engenheiro

Advogada
Tentativas
de R.A
4.2 Instrumentos
Como instrumento de coleta de dados foram utilizadas entrevistas em
profundidade com enfoque biográfico. Demaziere e Dubar (1999) definem a entrevista
biográfica de investigação como uma “narrativa ou conto” que deve suscitar “ une
56
conduite de recit c’est a dire une mise en forme argumentee de son parcours” (p. 226) e
consiste na recordação de episódios, na sua interpretação e na articulação temporal do
passado, presente e futuro, inserindo-os numa historia com um sentido. Para tanto foi
construída uma questão de partida e algumas perguntas orientadoras que focavam aspectos
que me interessavam explorar.
A questão de partida: “Me fala um pouco sobre a tua história de vida (incluindo aí
namoro, casamento, profissão, desejo por filhos) até chegar ao ponto da Reprodução
Assistida. Podes me falar de forma bem livre, sem se preocupar com a questão de nomes, uma
vez que todos eles serão substituídos por nomes fictícios”. A questão disparadora foi utilizada
tanto para os homens quanto para as suas companheiras/esposas e pretenteu orientar a
construção da narrativa biográfica para a seleção dos episódios mais relevantes para os
entrevistados, propiciando a elaboração da narrativa e argumentos sobre os sentidos e os
significados do seu percurso biográfico.
Segundo Demaziere e Dubar (1999), numa entrevista de investigação biográfica,
cada interveniente, com papéis distintos, utiliza a linguagem para mediar a troca de palavras e
a produção da narrativa. O entrevistado faz uma reflexão retrospectiva e prospectiva do que e
importante na própria vida, que os autores denominam por “travail sur soi”. O entrevistador,
através de uma escuta ativa, é co-produtor da narrativa.
As entrevistas foram marcadas previamente, por telefone ou e-mail e todos os
sujeitos tinham uma ideia, ainda que vaga, sobre o tema da conversa e do meu interesse
pessoal neste trabalho. Na maioria das vezes, foi realizada nas residências dos entrevistados,
tendo sido entrevistados em seus locais de trabalho apenas dois participantes. Na maior parte
dos casos, as entrevistas, tanto dos homens quanto de suas companheiras foram realizadas no
mesmo dia, porém, cada entrevista foi concebida individualmente e gravada em aparelho de
MP4, com a devida autorização.
Não houve um critério para escolha de quem seria
entrevistado primeiro, se os homens ou suas esposas, tal escolha se dava diante da dinâmica
do casal.
Foi dada uma grande liberdade aos entrevistados para narrarem os seus percursos;
no entanto a narrativa assim recolhida é sempre um trabalho conjunto de construção de um
“conto”, porque, ainda que o entrevistador assuma uma escuta mais passiva do que ativa, as
questões que coloca, os comentários que a narrativa lhe sugere, os gestos involuntários de
aprovação ou de distração influenciam a dinâmica de produção do discurso, quero dizer, a
57
seleção de episódios mais significativos, a expressão ou contenção de sentimentos dolorosos e
de emoções.
A narrativa biográfica recolhida e construída através de entrevistas e produzida
pelo autor e co-autor: o primeiro possui a globalidade da matéria-prima, os fatos vividos,
sentidos, pensados, refletidos, alterados e integrados em si; o segundo tem interesse na
produção de uma narrativa que sirva os objetivos da investigação. Juntos constroem esse
produto final, a narrativa biográfica que irá alimentar a produção do conhecimento científico.
4.3 Procedimentos de Coleta de Dados
Antes de iniciar a coleta dos dados, o projeto desta pesquisa foi submetido ao
Comitê de Ética em pesquisa da Universidade Federal de Pernambuco, que sugeriu algumas
alterações. Depois de realizadas as devidas modificações, o mesmo foi aprovado.
Os possíveis participantes dispostos e em condições de participar do estudo foram
encontrados mediante indicações de pessoas do conhecimento da pesquisadora. Após o
contato com os primeiros participantes, a pesquisadora perguntava se eles poderiam indicar
outros sujeitos dispostos e em condições de participar do estudo. Estes, por sua vez,
indicavam outros e assim, sucessivamente, até que as informações fossem suficientes para
atingir os objetivos da pesquisa. Essa técnica é denominada de “bola de neve” (ALVES, 1991,
p. 61). Mediante os esclarecimentos a respeito dos objetivos da pesquisa foi solicitado que
cada participante lesse e assinasse o „Termo de Consentimento Livre e Esclarecido‟. Nesse
momento, os entrevistados foram informados que seria mantido sigilo sobre suas identidades
e todos os nomes citados seriam substituídos por nomes fictícios no corpo do texto e em
futuras apresentações do trabalho em encontros e congressos científicos. Cada entrevista foi
concedida individualmente e gravada, com duração aproximadamente de 40 minutos. Em
seguida, as entrevistas foram transcritas tentando ao máximo ser fiel ao que foi dito por eles.
4.4 Procedimento de Análise dos Dados
O percurso escolhido enquadra-se num paradigma interpretativo (Geertz, 1989,
2001) ou compreensivo, buscando o entendimento dos factos na perspectiva do outro, numa
perspectiva émica (Vieira, 2003), apelando à história de vida do participante. A metodologia
etnográfica e as histórias de vida em específico dão visibilidade ao particular para que, através
deste, se aceda a um outro mais geral sem necessariamente generalizar.
58
Diante do exposto, cabe fazer nesse momento, um melhor delineamento de como e
de que forma os dados foram analisados. A análise aconteceu em 5 momentos distintos: 1.
transcrição total das entrevistas, 2. após a transcrição, todo o material coletado passou por
leituras e (re) leituras, que foram necessárias, uma vez que a cada uma delas, pôde-se
encontrar elementos importantes para análise. Essa fase da análise foi bastante delicada, pois
ajudou a detectar significados que por vezes teriam escapado. 3. Durante a fase das leituras
contínuas, a pesquisadora procurou nas entrevistas os temas que se repetiam, frases que
pareciam possuir significados similares e as metáforas que pudessem implicar imagens
específicas ou mesmo palavras com significados particulares. Isto implicou em sublinhar e
passar para outro papel essas frases, de forma a facilitar a sua organização posterior. 4. Após
esse momento, foram criados 8 eixos de análise, são eles: 1. A busca por “tecnofilhos”; 2. A
masculinidade diante da infertilidade e da im-possibilidde da procriação; 3. Sentimentos
experimentados diante do processo de R.A; 4. Os sentidos de paternidade e de filho biológico;
5. Relacionamento médico – clínica – paciente; 6. A adoção como alternativa; 7. A
conjugalidade no processo de R.A; 8. O discurso religioso no processo de R.A. Vale salientar
que todos os eixos estão em consonância com os objetivos da pesquisa. Por fim, 5. Depois de
criados os eixos e identificados os discursos, o passo seguinte foi o estudo de suas
implicações, ou seja, dos efeitos discursivos. As implicações, ou os efeitos discursivos
baseiam-se na tentativa de interpretação e articulação com as questões teórico-metodológicas
propostas.
Para tanto foi utilizada uma análise a partir da perspectiva de uma “dupla
hermenêutica”, sugerida por Giddens (1984). Dessa forma, busquei desvelar os sentidos que
os participantes construíram de suas ações, balizando com o sentido que eu, enquanto analista,
munida de meu referencial teórico-metodológico construí das ações e interpretações de meus
interlocutores, Geertz (1987).
59
CAPÍTULO 5 - RESULTADOS E DISCUSSÃO
Das entrevistas realizadas com os participantes, emergiram temas – objetos da
discussão que se seguirá adiante. Os dados fornecidos pelos homens que haviam buscado o
exercício da paternidade através da Reprodução Assistida foram analisados e articulados com
o pensamento dos teóricos estudados, conforme os objetivos da pesquisa. Trabalhamos com
recortes das falas dos entrevistados, priorizando aquelas mais representativas de sua opinião,
no caso de conteúdos que se repetem.
A seguir, apresentarei, a partir de suas próprias narrativas, as trajetórias de vida de
cada participante da pesquisa e posteriormente, partiremos para a análise dos temas
emergentes nas entrevistas.
5.1 Narrando trajetórias
5.1.1 Oliver e Jenny
Oliver tem 29 anos, é empresário e casado com Jenny, que tem 33 anos e é
enfermeira. Moram em um bom apartamento em um bairro nobre da cidade do Recife. É pai
de dois filhos: um adotivo de dois anos e oito meses e outro biológico de nove meses. Diz
acreditar em Deus, mas não possui uma religião específica.
Quando entrei em contato com Jenny, ainda por telefone, para marcar as
entrevistas, ela logo disse: “mas você precisa mesmo fazer com ele também?” – disse que
sim, pois o foco da pesquisa era a paternidade. Ela então comentou: “eu aviso logo que eu
acho que ele não vai falar muita coisa não, ele é fechado”. Chegando à residência do casal,
encontro Oliver sentado no sofá assistindo a um desenho animado com o filho mais velho.
Questionei quem gostaria de ser o primeiro/a e logo Oliver se prontificou. Jenny perguntou se
poderia ficar na sala e eu respondi que achava melhor não, já que dessa forma garantia o
sigilo e não haveria interferências externas na entrevista. Ela sorriu e disse que ia aproveitar o
tempo para colocar o filho para dormir.
Após apresentar os objetivos do estudo, solicitei que Oliver lesse e assinasse o
termo de consentimento livre e esclarecido e perguntei se ele tinha alguma dúvida sobre o que
havia lido. Tal procedimento foi padrão para todas as entrevistas. Finalizadas as questões
éticas, começamos a entrevista.
60
Oliver e Jenny começaram a pensar em ter filhos logo após o casamento, tendo
tentado por vias “naturais” e por dois anos consecutivos a gravidez tão desejada. Sem êxito,
decidiram procurar um especialista em Reprodução Assistida. Tentaram várias técnicas e não
obtiveram sucesso. Apesar de Oliver afirmar que não teria dado importância aos tratamentos,
se submeteu a todos eles. Após os fracassos das técnicas, Oliver e Jenny decidiram ir em
busca da adoção, tendo logo em seguida a surpresa do filho biológico por vias naturais.
5.1.2 Eduardo e Mônica
Eduardo tem 42 anos é funcionário público, católico e casado com Mônica, que
tem 39 anos, e é enfermeira. Tentou juntamente com Mônica quatro tentativas de Reprodução
Assistida, sendo duas fertilizações in vitro e duas inseminações artificiais, todas sem sucesso.
Após os tratamentos decidiram adotar dois meninos (gêmeos).
Entrei em contato com Mônica por telefone, marcamos as duas entrevistas para o
mesmo dia. Ela solicitou que eu fosse à noite, depois das 20:00 horas pois era o único horário
que o encontraria em casa. Cheguei ao local às 19:40, subi e fui logo informada que Eduardo
não se encontrava e que tinha ligado a pouco tempo dizendo que chegaria mais tarde. Mônica
disse “isso é ele sem querer falar, arrumando desculpas esfarrapadas” e sorriu. Eu perguntei o
que poderia estar acontecendo para que ele não quisesse fazer a entrevista, já que ela mesma
havia conversado com ele anteriormente e dito que ele tinha aceitado fazer. Mônica
desconversou e disse “vamos começando comigo e se ele chegar a tempo você faz... se não,
eu vejo uma nova data pra você”.
De fato, precisei marcar um novo encontro, dessa vez, no trabalho de Eduardo,
que me recebeu muito bem, bem distante do homem resistente e reservado que eu havia
construído. Fomos até a biblioteca do local e após os procedimentos éticos de praxe, Eduardo
começou a narrar sua história.
Eduardo revelou que quando casou não tinha desejo algum por ser pai, para ele
isso seria uma conseqüência natural do casamento, mas algo que ele nunca tivesse “forçado a
barra” para que acontecesse. O desejo maior pelo filho, de fato era de Mônica, afirma
Eduardo. A busca pelos métodos de Reprodução Assistida partiu da sua esposa, que procurou
as clínicas e referências de médicos especialistas sozinha. Eduardo diz que ele só veio saber
que ela estava procurando tratamento para engravidar quando foi solicitado a participar de
uma reunião com a médica, pois ele precisava participar do processo para fazer alguns
61
exames, como HIV, espermograma etc. Eduardo salienta que foram inúmeras as tentativas,
todas sem sucesso e releva que para ele o processo foi menos traumático do que para Mônica.
5.1.3 Romeu e Julieta
Romeu tem 41 anos, é funcionário público e casado com Julieta, 40 anos, bióloga.
Romeu é espírita e é pai de dois meninos: um adotado e um biológico.
A entrevista de Romeu certamente foi uma das mais emocionantes que fiz. Desde
que entrei em contato com ele, mostrou-se solícito e empolgado com a ideia de falar sobre a
paternidade. Romeu e Julieta casaram e logo após o casamento começaram a pensar em ter
filhos. Foram 3 anos tentando a gravidez, que não aconteceu. Ao final desse período Romeu e
Julieta decidiram recorrer às técnicas de Reprodução Assistida, que foram: duas inseminações
artificiais e algumas estimulações para a ovulação, todas sem sucesso. Quando decidiram
desistir das tentativas, a gravidez aconteceu de forma “natural”. Romeu fala do desejo por
filhos como algo natural e como conseqüência do casamento. Em seu discurso também
podemos ver a força da religião.
O desgaste emocional ocasionado pelo processo foi bastante intenso. Os
sentimentos de frustração e de tristeza foram presentes em todos os momentos. Romeu e
Julieta então, depois de várias tentativas sem êxito, decidiram entrar na fila da adoção.
Chegaram inclusive a fazer o cadastro. Pouco tempo antes da primeira entrevista no juizado,
aquilo que o casal tanto sonhava, estava se tornando realidade. A gravidez do filho biológico
era real.
Ao finalizar a entrevista, pergunto se Romeu gostaria de acrescentar alguma coisa
e ele diz que gostaria de mostrar algo que havia escrito na semana em que descobriram que
Julieta estava grávida. [Nesse momento Romeu pega algumas pastas dentro do armário e
procura o papel onde havia escrito]. Tratava-se de uma carta escrita, bastante emocionante no
dia da descoberta da gravidez de Julieta.
5.1.4 Bernardo e Bianca
Bernardo tem 38 anos, trabalha como supervisor de vendas, é casado há 10 anos
com Bianca, que tem 37 anos e é enfermeira. É pai de dois meninos. Um biológico e um
adotivo.
62
Bernardo começa a entrevista narrando um evento que aconteceu com ele, quando
mais novo. Revelou ter tido papeira duas vezes e como era de interior, todos começaram a
dizer que se a papeira “descesse”, ele não poderia ter filhos. Bernardo diz que desde então, ter
filhos não se tornou algo importante para ele. Porém, após o casamento o desejo se fez
presente. Bernardo diz que o filho passou realmente a ser desejado pelo casal, após descobrir
a doença (endometriose) de Bianca, a princípio, pelo fato de que ele seria o responsável pela
“cura” da doença, uma vez que os médicos afirmavam que essa seria a melhor maneira de
suspender uma menstruação e que o período de 9 meses seria suficiente para uma recuperação
quase que total do organismo da mulher. Posteriormente o filho começou a ser almejado por
outros motivos. Foi-se criando a idéia de ter uma criança e isso desencadeou uma
necessidade: de ser pai e de ser mãe.
O desejo de ser mãe, da mulher é bem maior do que o desejo do homem de ser
pai, afirmou Bernardo. Ele também diz que o trauma do processo foi muito maior para
Bianca, já que todos os procedimentos eram realizados no seu corpo. As injeções de
hormônios, os medicamentos e após a fertilização, o repouso absoluto por 22 dias
justificavam seu comentário.
Ao término da entrevista, enquanto anotava os emails de Romeu e Julieta e me
despedia, eles comentaram acerca da importância do acompanhamento psicológico durante o
processo, o que no caso deles e de muitas pessoas conhecidas não houve. Salientaram a
necessidade do Psicólogo na equipe médica, uma vez que os sentimentos experimentados são
fortes e por vezes contraditórios e ambivalentes.
5.1.5
Tristão e Isolda
Tristão tem 40 anos, é engenheiro e casado com Isolda, 40 anos e advogada. É pai
de um casal de gêmeos. Quando cheguei à residência de Tristão e Isolda, me apresentei como
psicóloga e mestranda da UFPE. Questionei quem gostaria de começar a entrevista e Isolda
logo se prontificou. Após o término da entrevista solicitei que ela o chamasse para realizar a
entrevista, agora com ele, já que a paternidade era o foco do meu estudo. Nesse momento
Isolda dispara o seguinte comentário: “ não sei por que teu foco são os homens, eles não
fazem nada o processo todo”.
Quando chamei Tristão para iniciarmos a entrevista, solicitei que Isolda se
retirasse do local, para não haver interferências. Ela prontamente saiu, sem nenhuma objeção.
63
Após apresentar os objetivos do estudo, Tristão revelou que era bastante
importante minha pesquisa, porque, diferentemente do que as pessoas acham e do que a
própria esposa dele achava, o homem sofre com o processo, mesmo que não demonstre. Ele
começou a entrevista falando sobre o desejo por filhos. Para ele, o desejo sempre esteve
presente, porém, após o casamento se intensificou. Após cinco anos de tentativa por vias
naturais, Tristão e Isolda decidiram buscar o tratamento de R.A. A princípio Isolda realizou
todos os exames e constatou que estava tudo bem, porém, talvez o motivo para que ela não
conseguisse engravidar poderia estar relacionado com questões hormonais.
Após alguns tratamentos e sem obter êxito, Tristão também foi submetido a uma
série de exames, tendo inclusive que realizar uma cirurgia de varicocele 21, já que se
desconfiava que a causa pudesse vir da parte dele. Nesse mesmo período, Tristão e Isolda se
mudaram para o estado de Fortaleza, por motivos de trabalho e lá continuaram o tratamento.
Tristão deixou bem claro na entrevista que a adoção era algo que jamais aconteceria na vida
do casal. Tristão mostrou-se reservado o tempo todo da entrevista na defensiva. As estatísticas
usadas para demonstrar o andamento do processo e a forma mais “seca” de falar sobre suas
emoções são um exemplo disso. Para Tristão, o processo de R.A é mais doloroso para a
mulher do para o homem e coloca que o principal papel do homem no processo é dar suporte.
5.2 Análise das Categorias
A seguir serão apresentados os temas que emergiram durante as entrevistas, bem
como a análise e discussão dos mesmos.
5.2.1 A busca por ― tecnofilhos‖
No que diz respeito à busca por tecnofilhos, vemos que a maior parte dos
entrevistados revela não ter a vontade ou necessidade de ter filhos biológicos a princípio,
porém, esse desejo surgiria após o casamento. Apesar de revelarem que o “filho não teria
tanta importância assim para as suas vidas” todos os homens se submeteram ao tratamento em
23
Varicocele designa a formação de varizes nas veias da região do escroto, onde estão alojados os testículos. A dilatação
dessas veias prejudica o fluxo sanguíneo local, a troca de nutrientes e leva ao acúmulo de substâncias tóxicas e ao aumento de
temperatura. Esses factores podem provocar alterações na quantidade - oligozoospermia - e qualidade dos espermatozóides.
Conteúdo disponivel em: << http://pt.wikipedia.org/wiki/Varicocele>>. Acessado em 28 de Jan de 2012.
64
prol do desejo da companheira, demonstrando dessa forma uma atitude passiva e normativa.
Quando falo normativa, me refiro à procriação como algo “natural” advinda do casamento. De
acordo com Luna (2007), podemos associar tal fato à cobrança por filhos vinda da família
mais ampla, amigos, vizinhos etc.
Eduardo revelou que quando casou não tinha desejo algum por ser pai, para ele
isso seria uma conseqüência natural do casamento, mas algo que ele nunca tivesse “forçado a
barra” para que acontecesse. O desejo maior pelo filho, de fato era de Mônica, afirma
Eduardo. A busca pelos métodos de Reprodução Assistida partiu da sua esposa, que procurou
as clínicas e referências de médicos especialistas sozinha. Eduardo diz que ele só veio saber
que ela estava procurando tratamento para engravidar quando foi solicitado a comparecer a
uma reunião com a Médica, pois ele precisava participar do processo para fazer alguns
exames, como HIV, espermograma etc.
“ ela falava da necessidade... de que, apesar do problema ser com a
minha mulher, dela não poder ter filhos, ela disse que tinha a
necessidade que eu participasse do processo, porque eu precisava
fazer os exames, que seriam importantes para a segurança do
procedimento que ela queria executar (...) então essas reuniões...
também tinham questões de valores, dos honorários, de quem ia
trabalhar nessa empreitada, a equipe...”(Eduardo, 42 anos)
Sobre esse recorte de fala não podemos deixar de abrir um parêntese sobre a
atitude da médica. Em nenhum momento se perguntou a Eduardo sobre o seu desejo ou
vontade em ter filhos. A sua participação no processo já tinha fins pré-definidos: o sucesso do
procedimento. A atitude da médica demonstra uma visão de responsabilidade reprodutiva
apenas feminina, quando ela deveria ser de ambos.
Além disso, palavras usadas por Eduardo em sua fala, como por exemplo:
“segurança do procedimento”, “ empreitada” e “ executar” nos permitem refletir sobre como a
reprodução nesse contexto tem se transformado cada vez mais em algo comercial e
mercantilizado. O corpo, nesse sentido toma proporções de máquina, onde o homem/operário
(médico) irá trabalhar até chegar nos resultados esperados. Haraway (2009) coloca que todos
nós somos ciborgues. Somos um híbrido de máquina e organismo, uma criatura de realidade
social, mas também de ficção. E ainda mais, para a autora, a medicina moderna também está
cheia de ciborgues, de junções entre organismo e máquina, cada qual, concebido como um
65
dispositivo codificado, em uma intimidade e com um poder que nunca, antes, existiu na
história da sexualidade. (p.36).
Eduardo salienta que foram inúmeras as tentativas, todas sem sucesso e releva que
para ele o processo foi menos traumático do que para Mônica.
“então pra ela foi muito traumático, pra mim não foi tanto, muitas
vezes eu queria mais por ela do que por mim, já que ela queria tanto,
pra mim era indiferente.... eu não tinha essa questão por filho, que ele
seria uma condição” (Eduardo, 42 anos).
A esse respeito, Mônica diz:
“Ele não tinha a necessidade, pra ele era indiferente. Eu acho que
para a mulher sempre pesa mais a questão de “ nossa vida pode
mudar”, pode se tornar mais agradável, né? Eu acho que é do instinto
maternal da mulher e que o homem não tem e pra eles não... pra eles
é: “ mas eu não to bem com você?” “ morar aqui não é tão legal?” “
A casa não é tão bonita?” “ a gente não sai?” “ não se diverte?”.
Então assim... a cabeça é diferente”. (Mônica – Conjugue de
Eduardo)
Romeu e Julieta casaram e logo após o casamento começaram a pensar em ter
filhos. Foram 3 anos tentando a gravidez, que não aconteceu. Ao final desse período Romeu e
Julieta decidiram recorrer às técnicas de Reprodução Assistida, que foram: duas inseminações
artificiais e algumas estimulações para a ovulação. Romeu fala do desejo por filhos como algo
natural e como conseqüência do casamento.
“ Antes de pensarmos de uma forma mais concreta... ter um filho... eu
pensava, mas não chegava a ser uma coisa que mexesse de uma forma
muito forte, eu digo isso antes do casamento. Com o casamento, eu
que me casei com uma pessoa que eu amo muito... com o casamento,
a convivência de nós dois fez eu pensar nisso, porque é a vontade de
passar o amor que a gente nutre entre nós dois para outra
criaturinha...”. (Romeu, 41 anos).
66
Sobre esses aspectos, trago um recorte da fala de Oliver.
Oliver e Jenny começaram a pensar em ter filhos logo após o casamento, tendo
tentado por vias “naturais” e por dois anos consecutivos a gravidez tão desejada. Sem êxito,
decidiram procurar um especialista em Reprodução Assistida. Tentaram várias técnicas e não
obtiveram sucesso. Apenar de Oliver afirmar que não teria dado importância aos tratamentos,
também se submeteu a todos eles.
“eu nunca dei tanta importância ao tratamento não, sabe? Eu queria
o filho pelo filho, independente de ser biológico ou não”. (Oliver, 29
anos)
Outro participante – Bernardo – começa a entrevista narrando um evento que
aconteceu com ele, quando mais novo. Revelou ter tido papeira duas vezes e como era de
interior, todos começaram a dizer que se a papeira “desceu”, logo ele não poderia ter filhos.
Bernardo diz que desde então, ter filhos não se tornou algo importante para ele. Porém, após o
casamento o desejo se fez presente.
“ porque quando a gente casa, a gente não casa por outro motivo, ou
outro objetivo que não seja constituir família”. (Bernardo, 38 anos).
“ eu penso o seguinte: a mulher... de uma forma generalizada...
logicamente que existe suas exceções... nasce pra ser mãe. O homem,
alguns sim, outros não, feito eu. Então eu não pensava nunca nisso.
Não sei se é porque minha mãe tinha uma superproteção comigo e ai
surgiu a coisa da papeira e a coisa do interior, né? Então acho que
aquilo ficou “incubido” na minha cabeça”. (Bernardo, 38 anos).
Bernardo revelou que o desejo pelo filho biológico teria surgido após a descoberta
da endometriose de Bianca e, só posteriormente esse desejo tomou outras proporções e atingiu
outras esferas de sua vida, foi-se criando a idéia de ter um filho e isso desencadeou o que ele
mesmo denominou de: necessidade de ser pai e de ser mãe.
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O desejo de ser mãe, da mulher é bem maior do que o desejo do homem de ser
pai, afirmou Bernardo. Ele também diz que o trauma do processo foi muito maior para
Bianca, já que todos os procedimentos eram realizados no seu corpo. As injeções de
hormônios, os medicamentos ingeridos e após a fertilização, o repouso absoluto por 22 dias
justificavam seu comentário.
Como podemos ver, para a maioria dos participantes o filho surge como um
projeto para o futuro. De acordo com Luna (2007), o nascimento do filho é, para esse grupo,
um evento conscientemente planejado pelo casal, um projeto.
Como podemos perceber, alguns homens/ pais falam acerca do desejo de ser mãe
como algo essencial para a feminilidade, ou seja, como algo natural, a ponto que a
paternidade seria primordial para a masculinidade após o casamento. A esse respeito, Costa
(2002) faz a distinção: a paternidade é atribuição da masculinidade como projeto na vida dos
homens, ao passo que a maternidade é atribuição feminina no sentido de confirmar uma
essência preexistente. A maternidade atualizaria sonhos existentes desde o passado, como a
paternidade seria um projeto para o futuro.
Além desse fato, os participantes se colocam como coadjuvantes do processo de
Reprodução Assistida, quando afirmam que o sofrimento e trauma ocasionado pelos
tratamentos teriam um maior peso para as suas companheiras.
5.2.2 As masculinidades diante da infertilidade e da im-possibilidade de procriação
Essa categoria visa analisar se e de que forma a condição da infertilidade e da impossibilidade de procriação “natural” tem afetado a vida dos participantes, incluindo aí as
noções de masculinidades e virilidade.
No discurso de Oliver, podemos perceber também algo peculiar no que diz
respeito à interferência do processo na sua masculinidade/ virilidade:
“não afetou em nada, porque na verdade não teve um diagnostico
né? Por um período se questionou, mas eu fiz uma série de exames e
não acusou nada. Mas nunca me incomodou, nunca passou dos
exames”. (Oliver, 29 anos)
Podemos perceber nessa fala, o poder que o diagnóstico assume quando nos
referimos às questões da masculinidade e virilidade. O fato de não ser o “responsável” pela
68
dificuldade da concepção tira todas as possibilidades de questionamento de sua masculinidade
e virilidade. Porém, apesar do discurso de Oliver, Jenny – sua companheira - revela que:
“... Teve um momento que sim. Quando o esperma dele alterou de um
momento para o outro, aí a gente procurou o urologista, aí o
urologista disse que podia ser varicocele e aí, foi um choque pra ele
dizer: “poxa, a causa sou eu”, a causa do sofrimento dela, sabe? E ai
quando a gente foi para os especialistas, eles disseram que isso não
justificava a infertilidade, essa alteração não justificava. Mas o
abalou. E quanto a mim eu pensei: “ eita! É ele”, “ vai resolver que a
gente vai conseguir”. Por um momento passou isso, né?” (Jenny –
cônjuge de Oliver).
O depoimento sobre a chegada de um diagnóstico de infertilidade e a identificação
da “culpa” são reveladores. Podemos ver na fala de Jenny que ela transmite toda a
responsabilidade do diagnóstico e consequentemente, de seu sofrimento, para Oliver. Segundo
Luna (2007), embora o diagnóstico de infertilidade seja estigmatizante, para as mulheres
entrevistadas por ela e que tinham histórias de tratamento de infertilidade longo e ineficaz,
uma definição negativa que leve à tomada de providências é preferível à liminaridade de uma
indefinição.
Outro participante - Romeu - traz em seu discurso questões referentes à sua
masculinidade e virilidade, quando fala sobre as possíveis causas da dificuldade de
engravidar:
“ (...) a minha produção de espermatozóides é num valor acima do
normal, até bastante acima do normal! Tanto é que quando eu fui no
urologista ele me disse: olhe, se você quisesse, você poderia ter um
filho todo dia, um de manhã, um de tarde e um de noite... um de
manhã, um de tarde e um de noite... “. (Romeu, 41 anos).
Essa fala de Romeu é bastante interessante, uma vez que ele exalta a sua produção
de espermatozóides como se estivesse exaltando a sua masculinidade e reafirmando a sua
virilidade para mim, enquanto entrevistadora e mulher.
69
Para Tristão, o processo de R.A é mais doloroso para a mulher do para o homem e
coloca que o principal papel do homem no processo é dar suporte.
“ (...) obviamente não é um processo simples porque a mulher sofre
muito mais que o homem, a mulher passa por uma expectativa muito
maior durante o tratamento porque depende da geração de óvulos
sadios.. e isso depende do ciclo”. (Tristão, 40 anos).
E pra você, qual o lugar do homem nesse processo? “Dar suporte a
mulher. O maior papel é esse. (...) Porque lembra que o homem só
precisa de 10 minutos e uma revista pra resolver? é uma coisa muito
mais simples pro homem. É claro que você quer ser pai! Óbvio que
você vive a expectativa também, mas para a mulher é maior, ela que
fica fazendo a contagem todo dia, ela que leva as injeções todos os
dias... É claro que a mulher sai muito mais machucada do que o
homem, o homem é mais coadjuvante nesse processo, no processo de
fertilização e consequentemente no processo psicológico. (Tristão, 40
anos)
“E o que vai por conseqüência na relação e aí a gente fez e é uma
coisa muito interessante e aí uma vez feita a inseminação, ai você
volta alguns dias depois pra fazer a contagem e aí é um processo
extremamente racional de novo, porque você tem um filme, as
fotografias de um filme que estão lá as células duplicadas e que você
não entende muita coisa e você tem uma bióloga e você só pode fazer
uma única pergunta: quais são os melhores? E o porque desse ou
daquele ser melhor...então você vai lá, seleciona, tudo de forma muito
fria e calculada”. (Tristão, 40 anos).
De acordo com Menegon e Spink (2006), diante dessa fala de Tristão podemos
ver que, a primeira demanda é ter um bebê. A segunda é ter um bebê de determinada
“qualidade”. As demandas que se inscrevem na ordem da qualidade de um bebê devem ser
exaustivamente debatidas, uma vez que essas suscitam reflexões acerca de questões sexistas e
eugênicas. Em síntese, a discussão acerca das incertezas que envolvem futuras gerações não
pertence à esfera individual e nem à lógica do mercado. Seria ingênuo e reducionista delegar a
70
total responsabilidade por esse debate às pessoas que desenvolvem essas novas técnicas,
tampouco, às pessoas que buscam o serviço, sejam homens ou mulheres. Acredito que quando
falamos em responsabilidades, estas devem também permear os órgãos que formulam as leis
que regulamentam o campo das NTRs, dos comitês de ética, bem como da bioética.
5.2.3 Sentimentos experimentados no processo de R.A
Os sentimentos mais comuns foram: depressão, tristeza, ansiedade, frustração,
impotência, ambivalência de sentimentos de euforia e tristeza. De acordo com Ribeiro (2004),
a impossibilidade de realização da maternidade e da paternidade é um evento que tem facetas
múltiplas. Além dos sentimentos negativos experimentados, existem as perdas: da sexualidade
espontânea, a do filho idealizado, da continuidade genética etc.
Ao falar sobre o processo de Reprodução Assistida, Oliver suspira fundo e
desabafa, trazendo questões relacionadas ao casamento e aos sentimentos experimentados no
processo.
“ embora eu não ficasse “ encucado” com isso, se existe algo que é
muito ruim pra qualquer casamento... qualquer mesmo, é passar por
uma fase dessa. Porque você se sente impotente, no sentido, de assim..
você não tem absolutamente nada a fazer. Você pode até acreditar na
tecnologia, na medicina, mas nada garante, e você está sempre nas
mãos dos médicos. “ acredite, vai dar certo”, “ faça isso, tome isso”,
aí quando chegava na hora do exame que não dava certo, aí
realmente vinha um banho de água fria, era toda uma expectativa em
cima de uma data e quando chegava o resultado era uma sensação
horrível”.(Oliver, 29 anos)
O médico, nesse contexto de procriação medicamente assistida, fica investido de
um poder mágico e onipotente, semelhante às figuras parentais da primeira infância. Ribeiro
(2004) destaca que conseguir ou não conceber um filho nesse contexto pode estar associado a
ser ou não capaz.
Ainda sobre sentimentos:
71
“Rapaz, é o fato de você sair de uma euforia até uma tristeza em
poucos segundos e o sentimento de impotência a todo o momento do
tratamento, principalmente quando os resultados davam negativos”.
(Oliver, 29 anos).
No que diz respeito aos sentimentos experimentados, Eduardo fala em ansiedade e
frustração, principalmente diante dos percentuais de chances de sucesso no procedimento.
Durante a entrevista, Tristão mostrou-se bastante reservado. As estatísticas usadas
para demonstrar o andamento do processo e a forma mais “seca” de falar sobre suas emoções
são um exemplo disso.
“eu digo que os meninos custaram um uno mile, era o valor de um
uno mile zero km completinho”. (Tristão, 40 anos).
“Mas veja, a pessoa tem que tá preparada pra saber que aquilo é um
processo e que você tem que deixar o sentimento de lado e entender
que aquilo ali pode dar errado, se der certo, ótimo, uma vitória, mas
você tem que entrar como se tivesse perdendo. Então você vai e
arrisca. A única idéia que se tem que ter é que aquilo é uma tentativa,
que existe uma probabilidade, uma chance, estatística e é um
processo extremamente estatístico, físico e químico, apenas”.(Tristão,
40 anos).
“então é uma coisa muito racional, ou você entende que é assim ou
você vai dar com a cara na parede e você vai ter problemas porque se
você depositar esperanças nisso, vai ser pior. Você vai ter problemas
durante o processo e após o processo, seja ele que solução for.
Porque é o seguinte... a gente teve um acompanhamento psicológico
na época e o que ficou bem claro pra eles é o seguinte: se o casal ta
preparado pra estar na clínica, ele continua no processo, não importa
o dinheiro, você pode ser milionário, mas a clínica só dava
continuidade ao processo se o casal estivesse preparado para o
processo”. (Tristão, 40 anos).
72
A fala acima nos remete à reflexão sobre o “querer do casal”, citado por Marlene
Tamanini (2003). Segundo um estudo realizado pela autora, na fala dos médicos e das
médicas, era exatamente este “querer do casal” que legitimava todas as práticas. A autora
analisou essa categoria “casal” como sendo hiíbrida e na qual se perde a individuação da
mulher em favor da construção desse híbrido coletivo – casal sem individualizar o homem.
Essa construção se dá porque, mesmo sendo o homem o infértil, ele não é tratado do mesmo
modo que as mulheres no processo de tratamento. Não há uma divisão igualitária de
participação, de riscos, tampouco das responsabilidades durante o tratamento.
5.2.4 Os sentidos de paternidade e de filho biológico
No que se refere aos sentidos de paternidade e de filho biológico, obtivemos
alguns discursos freqüentes associando o filho a um sentimento de completude. Poderiamos,
nesse caso, falar em uma certa valorização da paternidade como parte do papel masculino?
Uma vez que o sentimento de completude só viria através do filho? Mencionou-se também
que o filho seria o maior presente de sua vida e a libertação. Outro participante fala do
compromisso e da responsabilidade de criar filhos. O aprendizado e a relação de amizade
também foram enfatizados. Sobre o sentimento de completude, temos:
“ (pausa longa) não consigo descrever com palavras... é, eu acho
que... não consigo descrever com palavras. Por saber que eu tenho
meu filho, eu me sinto completo”. (Oliver, 29 anos).
Eduardo traz questões para refletirmos acerca das questões de normatização, uma
vez que ele acredita que o nascimento de filhos é conseqüência natural de qualquer
casamento, falando também sobre as noções de paternidade guiadas por modelo de pai
nominal e distantes dos cuidados, apenas aquele que dá o sustento.
“ eu vejo o filho como uma coisa natural, como acontece a vida,
acontece a morte. Eu tive um período sem filhos, pra mim era
tranqüilo, mas pra ela não era. Eu acho que Mônica já casou mal
intencionada, querendo filhos (risos). como filho é uma coisa natural,
73
ser pai também é. Se você é pai dentro de um casamento é uma coisa
super normal e daí é participar, nas despesas ... e aí quando acontece
fora do casamento é traumático se a pessoa for irresponsável, mas se
for responsável... (Eduardo, 42 anos).
Já Romeu e Julieta então, depois de várias tentativas sem êxito, decidiram entrar
na fila da adoção. Chegaram inclusive a fazer o cadastro no Juizado. Pouco tempo antes da
primeira entrevista no juizado, aquilo que o casal tanto sonhava, estava se tornando realidade.
A gravidez do filho biológico era real.
“ eu fui na farmácia e compre o teste pra ela fazer, vi qual era o
melhor e comprei. E aí ela foi no banheiro e colocou no vidrinho e tal
e a gente foi mergulhar o palitinho... e quando a gente mergulhou
esse palitinho, foi a maior felicidade que... a gente até guardou esse
palitinho... ele foi a comprovação da nossa felicidade, do nosso
sonho, aquilo ali foi o fim de três anos de tormento, foi assim... uma
libertação! O maior presente!” (Romeu, 41 anos).
Bernardo fala sobre a paternidade:
“Tem coisa melhor não, do que ser pai. Se tem eu não conheço, viu?
(risos). É maravilhoso... é uma troca, a gente aprende tanto com essas
figurinhas que tu não tem noção. E alem de tudo isso, tem aquela
coisa de você nunca tá só. Uma coisa é você casado hoje e amanha
você pode tá só, com filho raramente você vai ta só amanhã, você
sempre terá companhia. E eu que tive o privilégio grande de ter dois
meninos! Graças a Deus! Eu nunca tive preferência não, sabe? Mas
assim, queria que fosse menino! (risos) Tem até a história que a gente
brinca aqui... “eu não queria passar a ser fornecedor, queria ser
consumidor sempre” (risos), então pra mim foi muito natural e muito
bom”.(Bernardo, 38 anos).
74
Ser pai é a melhor coisa do mundo, tem coisa melhor não! assim...
tem aquela história de que ser mãe é padecer do paraíso, ser pai é
estar no paraíso, é o próprio paraíso (risos). Mãe talvez tenha
algumas complicações, aquela coisa toda e assim, eu não sei se eu
sou um bom pai mas assim... eu sou um pai que deixo meus filhos
muito a vontade, não fico cobrando, não sou assim... eu acho que ser
pai é você criar dois amigos que vão estar com você pro resto da sua
vida. São dois companheiros que eu sei que eu vou poder contar e
precisar e eles vão poder contar comigo. Então ser pai é isso, é um
compromisso. Não é fácil. Quem disser que é fácil tá mentindo,
principalmente no mundo de hoje, do jeito que as coisas estão
acontecendo. É você conquistar uma coisa pro resto da vida! Graças
a Deus! É muito bom ser pai de duas figuras dessas. Eu digo que eles
são meus terroristas, daí você tira! (risos). (Bernardo, 38 anos).
Eu acho que é uma coisa simples. Tenho uma relação de
transparência com meus filhos. ser pai é um sonho, é desenvolver um
papel importante pra um filho.. uma coisa que eu vejo é que ser pai
me fez me tornar um melhor filho. (Tristão, 40 anos).
O filho biológico, de um modo geral, apareceu como um objetivo de todos
entrevistados. As falas dos entrevistados referentes aos sentidos de paternidade apareceram
atreladas aos sentidos de maternidade. “ se ser mãe é padecer no paraíso, ser pai é o próprio
paraíso” . Na pesquisa de Trindade e Borlot (2004), a maternidade foi citada como algo mais
envolvente do que a paternidade. A maternidade apareceu, na maioria das entrevistas, como
parte da estrutura identitária das mulheres, isto é, à medida que elas se tornam mães, elas se
tornam “inteiras”, “completas” e que a maternidade proporcionaria um crescimento e
amadurecimento para as mulheres. Interessante ressaltar que para os homens entrevistados
esse sentimento de completude também foi relevado e o amadurecimento e crescimento que a
convivência com os filhos proporciona também foi citado. A paternidade também foi
apontada por um entrevistado como o “maior presente”. Tais dados vão de encontro com os
dados encontrados por Trindade e Borlot em sua pesquisa. Com relação ao significado da
paternidade, outros elementos apareceram com maior importância, uma vez que o filho não
75
foi, nesse caso, considerado como forma de “realização” ou “complemento”, como fora para
as mulheres.
5.2.5 Reprodução Assistida ou ―desassistida‖? Relacionamento médico-clínica-paciente
Os casais que optam por métodos de concepção medicamente assistida podem
experienciar uma verdadeira revolução em suas vidas. A mais imediata é o fato de que uma
equipe médica começa a fazer parte da intimidade do casal, determinando, inclusive quais os
melhores dias e horários para se ter as relações sexuais. Segundo Ribeiro (2004), a concepção,
nesse caso, deixa de ser conseqüência de uma relação sexual para acontecer a três: o marido, a
esposa e o médico. Trata-se obviamente de uma afirmação com “teor” normativo, quando a
autora coloca as categorias “ homem e mulher”, porém, o sentido revelado pela citação é
demonstrar o lugar que o médico vem assumindo nesses tipos de procedimentos.
No que toca às questões referentes ao serviço, procedimentos e relacionamento
médico x paciente, Oliver demonstrou insatisfação e um certo arrependimento.
“ (...) ela fez um tratamento que ela ficava tomando umas injeções pro
sangue, para ver a compatibilidade com o meu sangue, algo do tipo.
Era um tipo de tratamento alternativo. O médico disse que era o
organismo dela que não estava reconhecendo o meu sangue, minha
genética. É como se ela tivesse sendo atacada por um corpo estranho
e por isso não se desenvolvia. Hoje eu vejo que esse médico vendia
um serviço que não funciona. Se aproveitando, na verdade, da
fragilidade do momento pra poder conseguir dinheiro”. (Oliver, 29
anos).
No caso do recorte acima percebe-se que a entonação dada por Oliver ao falar
sobre a possível “rejeição” de seu sangue e sua genética pelo organismo de Jenny foi de
revolta, como se tal constatação do médico tivesse abalado sua condição masculina e sua
virilidade.
De acordo com Ramirez-Gálvez (2006), o poder de geração da vida da mulher é
deslocado para o medicamento, cuja efetividade, depende, entre outros fatores, da habilidade
76
do médico para indicar a dose certa nos casos certos. A intervenção tecnológica na reprodução
viria a superar a ineficiência da natureza, através da habilidade e capacidade dos especialistas
para a sua execução, seu monitoramento, sua manipulação e o controle do fenômeno da
criação “divina”. (p.29). Ainda de acordo com a autora, a intervenção médica sobre a
infertilidade reforça o papel da Medicina na construção de significados em torno da
sexualidade e da prescrição da procriação, da criação e transmissão de normas sobre o corpo,
a saúde e o comportamento, cujo domínio se exerce mediante a criação ou incitação de
desejos ligados à identidades especificas.
Ainda sobre a insatisfação de Oliver:
“ (...) depois a gente foi numa clínica bem conhecida, do Dr.
Sebastião Teixeira. Lá nós tentamos duas técnicas: inseminação
artificial e o bebê de proveta e eu acho que ele também negligenciou
o caso, não sei se foi porque ele pegou o bonde andando ou se foi por
dinheiro, não posso dizer. Mas ele pulou uma etapa, que era ver se
ela tinha ou não endometriose, era um fator que se existisse, ela não
teria nem natural, nem através de método nenhum.. então eu sinto
como se isso fosse realmente um comércio, me sinto enganado por
eles, embora não tenha propriedade para falar disso, se eu tivesse um
pouco mais de domínio sobre isso, eu questionaria ele e tentava
reaver parte do valor investido, porque o desgaste emocional não tem
preço, não tem como reembolsar, mas o financeiro sim”. (Oliver, 29
anos).
Diante desse trecho da entrevista de Oliver, pode-se refletir sobre como o contexto
da maternidade em laboratório está trazendo uma insistência na idéia de que a mulher só é
feliz se for mãe. O laboratório ou a clínica acabam por construir um lugar para essa mulher,
através de óvulos, espermatozóides, fotos de bebês na sala de espera. O interesse por trás
disso tudo está vinculado ao controlar, medicalizar e intervir nos corpos e/ou utilizá-los para
fins políticos, demográficos, sanitários, higienistas e morais como se fez ao longo de muitos
anos. O que antes era narrado como um ato privado, de intimidade e segredo, torna-se um ato
público, um procedimento médico, assepticamente orientado e controlado e mediado por
trocas econômicas (Ramirez-Gálvez, 2006, p. 32).
77
No que diz respeito à questão financeira, temos:
“ Olhe, eu digo que não valeu a pena porque não teve êxito, não foi
eficaz a busca. Durante o processo a gente não ficou em má situação
porque ela vendeu o carro e com o dinheiro a gente investiu no
tratamento. Veja o interesse dela... ela vendeu o carro em prol desse
filho”.
Ramírez – Gálvez (2006) coloca que, a confluência do capital, da ciência e
tecnologia parece tomar conta dos domínios da vida social, submetendo-as às leis de mercado.
O campo da R.A tornou-se uma indústria que oferece, nos termos de uma lógica de consumo,
uma série de técnicas, produtos e serviços profissionais no novo mercado da infertilidade.
Confesso que fiquei surpresa quando Tristão revelou que a clínica disponibilizava
acompanhamento psicológico e que este, fazia parte do processo. Minha surpresa de deu de
imediato porque até então esse dado não tinha emergido, o que havia me inquietado bastante,
enquanto pesquisadora e psicóloga. Acredito que o psicólogo tem papel fundamental no
processo de Reprodução Humana, uma vez que ele estará constantemente em contato com a
força motivadora de homens e mulheres que os levam a procurar tratamento: o desejo de ter
filhos.
Questionei se ele sabia quais os critérios usados para saber se o casal estava
preparado ou não para dar início ao tratamento:
“vamos lá... as vezes tem casais que projetam nos filhos a solução
para o casamento, porque não tenha dúvidas, que filhos... ou casa e
fica melhor ou separa. Outro aspecto era o das condições
financeiras... despesas e tal. Outro aspecto é que a gente não deve
depositar esperança demais no processo, principalmente quando você
tem uma estatística de 33%, ou seja, vai causar um problema se não
der certo. Então na verdade é uma junção de fatores que precisam
estar bem alinhados e que todos esses fatores em linha vai resultar em
nascimentos de crianças. Então o aspecto psicológico deve estar bem
contornado, bem preparado, os aspectos físicos, químicos e
financeiros...é uma junção de tudo. Então o casal tem que entender
78
isso de uma forma muito fria. Você deve entrar pra perder, se ganhou
é ótimo”. (Tristão, 40 anos).
Podemos ver, que apesar de seu discurso bastante racional sobre o processo de
Reprodução Assistida, a fé no progresso científico fundamenta a opção pelo tratamento,
mesmo com a informação das altas taxas de falha dos métodos ou até mesmo dos percentuais
citados por ele. Nada foi suficiente para a desistência do tratamento, porém, segundo Naara
Luna (2007), a persistência nas tentativas pode resultar em frustração, como é o caso de
Oliver. As falas acima relevam a necessidade de investimento, não só financeiro, mas de
engajamento psicológico nas sucessivas tentativas.
5.2.6 Adoção como alternativa
Quatro dos casais entrevistados recorreram a adoção após o fracasso do
tratamento. Apenas Tristão se mostrou contra a adoção, argumentando sobre a importância da
genética e dos laços biológicos. Segundo Luna (2007), entre os casais que tentam gerar filhos
sem conseguir é comum, após certo período de espera, discutirem outros meios de tê-los: o
tratamento ou adoção. Apesar dos quatro participantes serem pais adotivos, todos revelaram
algumas restrições quanto a adoção. Dentre elas: a falta de tempo para amadurecimento da
ideia de ter um filho, a aparência física, a dificuldade em lidar com uma criança que não tem a
mesma carga genética, a preocupação com a origem da criança e
a dificuldade para
estabelecer vínculo afetivos.
Após os fracassos das técnicas, Oliver e Jenny decidiram ir em busca da adoção.
Quando eu questionei: Por que não ir direto na adoção quando constatada a dificuldade
para engravidar? Eles argumentaram que:
“(Pausa) eu não sei exatamente te explicar o motivo, mas a questão
da religião, uma coisa de crença, talvez a dificuldade tivesse que vir
para que a gente tivesse a coragem de adotar uma criança. (...) é
uma questão de crença realmente... que eu tinha comigo uma
sensação de que teria um filho adotivo, independente de ter dito
79
biológicos ou não, o que poderia talvez não ser confirmado, se eu
tivesse tipo primeiro o biológico...” (Oliver, 29 anos)
Ainda sobre a adoção e o desejo de exercer a paternidade:
“ o problema da adoção não é o filho em si, mas é não ter o tempo de
amadurecer a idéia do filho. Porque na adoção é assim: eu quero ter
um filho adotivo. Você pode tê-lo amanhã na sua casa. Não existe
aquele período de nove meses para a adaptação da idéia de ter um
filho. Eu vou ter um filho e amanhã uma pessoa liga pra você e diz:
olha tem uma criança aqui, vem buscar. A falta de tempo para
amadurecer a idéia do filho, talvez então essa tenha sido a maior
dificuldade na questão da decisão de ter um filho”.
“ no inicio é estranho... independente de querer ser pai ou não, é um
ser humano estranho na sua casa, então.. é uma sensação estranha e
o querer bem vai crescendo ao longo do tempo. Não existe um vinculo
afetivo no primeiro momento. Eu digo com convicção, tanto o
biológico quanto o adotivo, na hora que chega, você sabe da
responsabilidade de ter que cuidar do filho, mas não tem vínculo
afetivo nenhum. Você acha bonitinho, mas não sabe exatamente o que
sente por ele.
Acredito que a possibilidade tecnológica de habilitar as pessoas para terem filhos
do “próprio sangue” traz consigo um cenário no qual a adoção de crianças é desprestiagiada e
pouco visibilizada. Dar visibilidade à adoção de crianças implicaria, pelo menos em um
primeiro momento, indagar o que está acontecendo com esta alternativa enquanto cresce, de
maneira acelerada, a reprodução assistida no país.
Nesse momento eu questionei: ―mas com o biológico teve os nove meses, teve a
preparação...‖
“teve a preparação, mas... (risos), tá, vamos lá. Ele chegou um
pouquinho diferente do adotivo, mas eu não associo isso ao fato dele
ser biológico, mas talvez aos nove meses (...) imagine que você tá
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tendo um filho, mas simplesmente não reconhece ele ainda, é como
uma pessoa querida sua que viajou, quando ela volta você não
reconhece ainda a imagem dela, sabe? Você começa a se acostumar
com a fisionomia pra dizer: era essa pessoa que eu gostava. Foi o
caso do filho biológico, eu sabia que eu gostava dele, tava ali dentro
crescendo... mas a imagem ainda me era estranha. Talvez seja isso
(risos). (Oliver, 29 anos)
O meu questionamento sobre a adoção despertou em Oliver a reflexão sobre
reprodução, filhos biológicos e parentesco. Mesmo sem querer concordar com o que estava
dizendo, Oliver expressa diferenças entre o filho biológico e o adotivo, associando ao fato da
espera e preparação para a chegada deles.
Sobre a adoção, Eduardo deixou bastante claro que tinha algumas limitações e
receios.
“Olhe... no meu ver... na minha concepção, eu acho que só se deve
partir para adoção na ultima hipótese, quando a pessoa tiver certeza
de que não poderá ter filhos pelas vias normais. Enquanto houver
possibilidade, a pessoa deve tentar, buscar. Não obtendo êxito
nenhum, a pessoa deve buscar a adoção. eu acho que é mais fácil
lidar com uma pessoa que tenha suas características genéticas, eu
acho que é muito mais fácil de proporcionar uma harmonia familiar”.
(Eduardo, 42 anos).
Diante do que foi exposto, podemos dizer que as novas tecnologias reprodutivas
conceptivas apesar de serem artificiais, são apresentadas pela maioria dos participantes como
sensíveis à realização de um desejo natural de procriação, provocando dessa maneira, um
deslocamento do que é considerado natural. De acordo com Ramirez-Gálvez (2006), a
experiência de ter um filho genético aparentado, converteu-se em mercadoria: um sonho a ser
lembrado, promovido e reforçado que requer mediação médica e tecnológica para sua
realização e controle. Sobre as questões genéticas, temos um recorte de fala de Eduardo:
“ (...) nós tivemos a sorte deles serem parecidos conosco. Não só
fisicamente.... eles são pretinhos que nem eu e afiladinhos como
81
minha esposa, as pessoas... só se a gente disser... se não disser, as
pessoas não saberiam que eram adotados” (Eduardo, 42 anos).
O discurso de Eduardo demonstra uma preocupação no que diz respeito às
características físicas dos filhos adotivos. A falta de semelhança pode gerar suspeitas, é o que
diz Luna (2007), quando ela se refere à adoção. No diálogo a seguir podemos ver claramente
a preferência, se podemos chamar dessa forma, de Eduardo, por um filho biológico.
Hoje em dia você adotaria outros? Olhe, eu me limito muito. Eu
tenho limitações para adoção por causa dos custos... investimentos,
né? Plano de saúde, escola. Minha esposa deve ter dito que sim, né?
Porque não é ela que paga as contas... se fosse ela... (risos). de vez
enquanto ela vem com a história : eu fiquei louca por essa menina! Ai
eu digo: foi mesmo? Pois vá, porque eu só vou entrar com o título”
(Eduardo, 42 anos).
Quando questionado se por acaso viesse a gravidez de um filho biológico, como
seria...
“seria ótimo! Seria? Seria. Se viesse normalmente, se vier mais, só se
for normalmente, porque não só pela questão de vir o filho... porque
para Mônica seria muito bom, porque uma gravidez traria toda uma
desobstrução dos órgãos dela... podia ser uma coisa boa pra doença
dela. Não ia ter para comparar... comparar com os meninos, ia ser
natural, ia ser mais um”.
Na fala acima percebemos mais uma vez a exaltação do filho biológico e dessa
vez, pautado pelo discurso médico de que somente uma gravidez poderia trazer a “cura” da
endometriose de Mônica.
Tristão deixou bem claro na entrevista que a adoção era algo que jamais
aconteceria na vida do casal.
82
“Eu acho que nunca vai ser um filho meu. Acho que pela questão da
genética, da concepção, não vai carregar a genética e assim...
absolutamente, eu não conseguiria desenvolver um sentimento de
paternidade, eu acho que talvez um sentimento de carinho... mas isso
não é ser pai, eu acho que se não foi gerado, se não foi concebido e
gerado a partir de mim e de uma outra mulher... eu acho que eu
nunca vou... aquela criança nunca vai ser filho. Vai ser uma criança
que você pode gostar muito, vai amar... mas que não é filho. Então se
eu parto do princípio de que não é filho, então não tem considerado
como filho”. (Tristão, 40 anos).
De acordo com Luna (2007), o parentesco revela-se como um idioma de
pertencimento: o “ meu” filho “ mesmo” se opõe ao filho “ dos outros”. Deseja-se a
comunhão de substancia com os filhos, por isso se fala em “minha carne”, “ meu sangue”
(p.189). Ainda para a autora, o “sangue”, “ as características”, “ as células” são símbolos de
comunhão de substância física como um sinal de pertencimento. Na pesquisa realizada por
Trindade e Borlot (2004) acerca da representação social do filho biológico, os elementos
encontrados e que apareceram fortemente nas entrevistas foram: sangue do meu sangue (o
filho sendo parte do casal e a ênfase na importância da gestação); a descendência, dando
continuidade à família; as semelhanças físicas entre pais e filhos; e a pressão social
influenciando as decisões do casal.
Corrêa (2001), coloca que a importância da vinculação genética constatada nas
falas dos entrevistados também foi encontrada num estudo realizado com mulheres que
passaram pela fertilização in vitro, em que a autora concluiu que o “filho é percebido como
um reflexo dos pais não somente no sentido social do termo, mas também e sobretudo como
um reflexo biológico, representação que as tecnologias reprodutivas tendem a reforçar” (p.
144).
Diante de tudo que foi exposto nessa categoria, podemos perceber que apesar de
terem recorrido à adoção como alternativa, o tratamento apresenta-se como prioridade na
vida dos entrevistados.
83
5.2.7 Conjugalidade no processo de R.A
Quando questionados sobre as possíveis interferências do processo de
Reprodução Assistida no relacionamento conjugal, temos um recorte de fala de Oliver, que
declara que apesar do processo não ter atrapalhado o casamento de uma forma mais profunda,
o desejo por filhos acabou se tornando o foco do casal durante anos.
“você esquece um pouco do casamento em si para se voltar para um
foco, somente aquilo ali, como se aquilo fosse tudo e acaba que
depois, quando você olha pra trás, você vê que não ganhou nada, só
perdeu um ano ou dois da sua vida com um foco em algo que não
importa,que não era tão relevante, pelo menos pra mim...”. (Oliver,
29 anos)
Segundo Ribeiro (2004), quando um filho é desejado, e apesar das tentativas de
concepção esse desejo não se realiza, ocorre um hiperinvestimento no projeto de um
descendente. Todos os outros projetos e investimentos da vida, ficam em segundo plano.
Oliver também enfatiza que o processo em si mexeu muito mais com a esposa do que com
ele. Sobre essa questão é importante trazer uma fala de Jenny, quando questionada sobre o
mesmo assunto:
“Chegou. Até porque a ansiedade era muito grande, eu chorava todo
mês quando a menstruação vinha, era um balde de água fria todo
mês. Eu tive depressão, ele também teve depressão. Os dois
precisaram tomar medicamento”. (Jenny – conjugue de Oliver).
Oliver por vezes, se colocava como coadjuvante no processo.
“Eu até tentava ajudá-la, dar um apoio, embora também mexesse
muito comigo, mas eu sei que mexia menos comigo do que com ela”
(Oliver,29 anos).
84
Em pesquisa realizada por Seger (2006) sobre os níveis de estresse de homens e
mulheres que se submetem ao tratamento de R.A. foi verificado que, como os homens se
colocam na posição de prover ajuda financeira e emocional e não expressam sua ansiedade e
dificuldades, quando eles conseguem expor suas emoções, seu grau de estresse é maior do que
o das mulheres. Segundo a autora, os homens parecem ser mais capazes de reprimir os
problemas da (in) fertilidade, porém, eles podem se sentir excluídos do processo de
tratamento, devido ao maior envolvimento das mulheres no mesmo, bem como, expressar
“menos” suas próprias reações de estresse e parecem sentir uma pressão maior de
desempenhar um papel de apoio para as suas parceiras.
No que diz respeito a cobranças dos familiares e amigos acerca do filho, Oliver
destacou a falta de privacidade como o maior problema.
“às vezes você nem quer escutar uma pessoa chegando pra você e
dizer: olha, vai dar certo! (...) chegar nos lugares e já saber que vou
escutar, isso me incomodava um pouco, até porque como meu objetivo
não era necessariamente filho biológico...então já vinha cansando,
porque você acaba ficando sem alternativa, do tipo.. não sei mais o
que conversar com as pessoas... todo familiar que chegava era a
mesma história “ não, vai dar certo”. (Oliver, 29 anos).
Com relação à cobrança explícita por filhos, vimos que raramente ela é posta. A
decisão de ter filhos começa a ser discutida após o casamento. Tal fato corrobora com os
dados de Luna (2007) em sua pesquisa com mulheres das camadas médias que buscavam
tratamento para engravidar. No recorte de fala acima, Oliver fala da sua insatisfação e
inquietude com a cobrança dos familiares e a esse respeito Luna (2007) coloca que, a
expectativa social de que o casal gere filhos é tanto mais forte quanto mais próximas são as
pessoas da rede familiar. Dessa expectativa ou cobrança podem surgir acusações de
incapacidade de gerar, sentimentos de pena para com o casal, a virilidade do homem é posta à
prova etc.
Eduardo diz que o processo interferiu de tal modo na vida do casal que chegaram
a uma separação. Ele associa a “separação de duas ou três semanas” aos insucessos das
fertilizações, mas enfatiza que tal fato tenha abalado apenas o lado de Mônica, não o dele. Seu
85
depoimento revela que a relação conjugal estava, de fato, à beira da ruptura por falta de
filhos.
“ela começou a ter um comportamento complicado. Ela achava que
estava sendo um peso pra mim, ela dizia que se eu tivesse com uma
pessoa que pudesse ter filhos pelas vias normais, eu não estaria
passando por isso, ou seja, ela achava que estava atrapalhando... mas
não era. Ela colocou aquilo na cabeça e achava que era verdade.
Então... é... posteriormente a gente conversou e voltou... aliás (risos),
ela voltou pra casa. E foi aí que a gente tentou a segunda
inseminação e também não obtivemos êxito e foi aí que partimos para
a adoção”.(Eduardo, 42 anos).
De acordo com Luna (2007), os filhos acabam se tornando símbolo e
materialização do amor do casal.
Romeu acredita que um casamento sem filhos se torna limitado e vazio e
acrescentou que o processo de Reprodução Assistida interferiu no relacionamento conjugal,
muito mais por questões relacionadas à frustração e depressão, desencadeada após o início
dos tratamentos. Romeu também traz a questão financeira como desencadeadora de conflitos.
Vejamos:
“Interferiu muito porque assim... eu já ficava meio intolerante com...
porque o sonho dela começou desde a infância dela e o meu sonho
começou a partir do casamento... então ela ficou obcecada por isso! E
isso me dava intolerância porque eu via que aquela ansiedade estava
atrapalhando... já começava a me dar irritação, a me estressar. Então
não foram as técnicas em si, mas sim as conseqüências da espera. E o
que eu to percebendo agora é o seguinte... essa idéia do casamento
sem filhos... é uma idéia minha agora, eu até podia pensar num
casamento sem filhos, era possível pra mim, mas pra ela não. então
eu nunca cheguei a cogitar isso, porque eu já sabia que pra ela era
impossível. Eu acho que poderia, seria um caminho mais cômodo pra
mim. Hoje é que eu tenho essa certeza que o casamento sem filhos
seria muito mais pobre, mas seria possível. Hoje o que a gente tem é
86
uma coisa muito rica e eu não teria aprendido o que eu aprendi até
hoje com o nascimento deles. Eles me ajudaram a superar barreiras
internas que eu tenho dentro de mim e que muito dificilmente eu teria
superado” (Romeu, 41 anos).
“Eu não sei nem dizer dos gastos, mas sei que a gente não tava em
condições favoráveis pra fazer o tratamento. Se fôssemos fazer a in
vitro sairia por 12.000.00 cada tentativa. Então essa questão do valor
angustiava demais, porque era o custo e o desejo andando juntos. A
gente tava precisando se livrar de umas dívidas, a gente tava
apertado e isso constantemente vinha na conversa da gente, tipo... do
valor que a gente podia usar, a questão é de poder mesmo, porque
disposto a gente tava. E assim, mesmo sem chegar na fertilização...
ela precisou tomar umas injeções de Heparina. Então cada injeção
dessa era coisa de 25,00 reais, então toda vez que ela ia pra um
processo de inseminação, ela tinha que passar um período tomando
as injeções de Heparina, eram uns 500,00 só dessa medicação”
Scavone (2006) traz um paradoxo no que se refere às tecnologias reprodutivas que
podem nos ajudar a refletir sobre o recorte de fala acima. Para ela, se antes as mulheres
recorriam às tecnologias contraceptivas, decidindo pela não maternidade, agora recorrem às
tecnologias conceptivas, submetendo-se aos procedimentos técnicos do filho a “qualquer
preço” e do “próprio sangue”. Nem mesmo os desgaste físico e psíquico pelo qual passam as
mulheres que se submetem à implantação de embriões, com as injeções de doses altíssimas de
hormônios e pela insegurança dos resultados, já que o procedimento raramente acontece na
primeira tentativa, são capazes de fazê-las buscar outras alternativas. Além de todos esses
aspectos citados, a questão financeira também apresenta grande relevância. Trata-se, pois, de
um investimento não só econômico, mas que atinge dimensões psíquicas e sociais profundas.
Como podemos ver no recorte de fala acima, apesar do casal possuir uma renda familiar
relativamente alta, a preocupação com os preços dos procedimentos e dos medicamentos se
faz presente a todo o momento. Da mesma forma, a pesquisa de Nascimento (2006), com
casais que buscaram tratamento no SUS também constatou essa dificuldade. Cabe agora
perguntarmos, e então? Quem tem “direito” ao acesso às novas tecnologias reprodutivas pelo
SUS? E de que forma ele vem se dando? Que critérios são utilizados? O sofrimento psíquico
ocasionado pela mesma questão não é o mesmo para ambos?
87
Enquanto Oliver, Eduardo e Romeu falaram sobre as interferências negativas
advindas do processo de Reprodução Assistida no relacionamento conjugal, Bernardo e
Tristão ressaltaram os aspectos positivos.
O processo de reprodução assistida interferiu de alguma forma no
relacionamento de vocês, o conjugal? acho que pra melhor.
Aproximou mais. Querendo ou não a gente vive aquilo. Ela que
passou por todo o “perrengue”, mas quem tá perto vive a mesma
coisa, né? Lógico que ela tem uma mãe super parceira, presente.
Quando ela tava nesse processo, dormiam as duas juntas e eu não
chegava nem perto, mas aquela coisa.. aproximou muito mais a gente,
não tenha dúvidas disso. (Bernardo, 38 anos)
Sobre o relacionamento conjugal:
O processo abalou o relacionamento conjugal? ―Não, pelo
contrário. Mais uma vez eu te repito, não sei se é porque a gente tava
preparado. O mais importante é entender que esse processo não é fácil
e ter consciência dos riscos. Você tá lidando com estatísticas que vão
fazer ou não a gravidez acontecer e que são totalmente alheios a sua
Vontade. Mas tem gente que carrega essa culpa, mas não pode. E nem
pode por a culpa em alguém. Entender que você pode... você fez
cirurgia, fez injeções de hormônios, mas não depende só de você, como
também não depende só dos médicos”. (Tristão, 40 anos).
A fala acima mostra que a consciência dos riscos implicados no processo pode ser
facilitadora para o bem estar do casal durante o tratamento. A maioria dos entrevistados
possui uma crença na eficácia da ciência, como se ela, aliada aos procedimentos médicos
fosse capaz de tudo. Porém, Tristão foge à “regra” quando coloca: “ você fez cirurgia, fez
injeções de hormônios, mas não depende só de você”. O engajamento do entrevistado no
tratamento apresenta uma dinâmica semelhante à dos jogos de azar, que envolve chance e
risco.
88
5.2.8
O discurso religioso no processo de R.A
Esse eixo de análise emergiu de forma inesperada nas entrevistas. O discurso
religioso trazido pelos participantes acerca da Reprodução Assistida pouco é enfatizado nas
pesquisas realizadas até o momento sobre a temática. Tal fato acabou se tornando fator
dificultador no processo de análise dessa categoria, uma vez que a literatura sobre o discurso
religioso nesse contexto é escassa. Desse modo, tratarei dos dados a seguir de forma bastante
particular, ou seja, a partir do que dispus enquanto dados.
Romeu e Julieta casaram e logo após o casamento começaram a pensar em ter
filhos. Foram 3 anos tentando a gravidez, que não aconteceu. Ao final desse período Romeu e
Julieta decidiram recorrer às técnicas de Reprodução Assistida, que foram: duas inseminações
artificiais e algumas estimulações para a ovulação. Romeu fala do desejo por filhos como algo
natural e associa o desejo de exercer a paternidade ao desejo de evolução. Entende-se o
sentido de evolução, não como aquele da espécie, de perpetuação dos genes, mas sim, da
evolução espiritual. Acompanhemos a fala de Romeu:
“Olhe, a questão do desejo por um filho (pausa), é... eu acho que o
desejo por um filho... é... faz parte do desejo da pessoa evoluir, da
pessoa seguir o seu caminho...”. (Romeu, 41 anos).
“ Antes de pensarmos de uma forma mais concreta... eu pensava, mas
não chegava a ser uma coisa que mexesse de uma forma muito forte,
eu digo isso antes do casamento. Com o casamento, eu que me casei
com uma pessoa que eu amo muito... com o casamento, a convivência
de nós dois fez eu pensar nisso, porque é a vontade de passar o amor
que a gente nutre entre nós dois para outra criaturinha...”. (Romeu,
41 anos).
Após o nascimento do filho biológico, a ideia da adoção permaneceu e Romeu e
Julieta decidiram reativar o cadastro no juizado. O discurso religioso entra com bastante força
nesse caso também.
“foi um presente de Deus, é uma história linda e maravilhosa e que
mostra muito claramente a sabedoria divina pra mim e a bondade
89
divina (...) eu acho que um filho é um presente de Deus e é a maior
oportunidade que a gente tem de crescer na vida”.
Bastante interessante essa fala de Romeu, uma vez que ele traz o nascimento do
filho como um presente divino. Ter um filho, nesse caso, aparece como uma questão de
merecimento, da mais pura expressão da “bondade divina” como revela Romeu. A referência
ao discurso religioso por parte de pacientes também surgiu na pesquisa de Nascimento (2006).
Os dados do seu estudo revelaram que apesar da crença em Deus, na ciência e na medicina,
alguns casais buscaram outras alternativas para tentar solucionar o “ problema” da
infertilidade em “ tratamentos religiosos e receitas milagrosas”
O discurso religioso também surge quando Bernardo fala sobre o filho adotivo:
E como foi a decisão da adoção? Como ela surgiu na vida de
vocês?“É assim... do mesmo jeito que a gente procurou fazer tudo pra
ela engravidar e aquela coisa toda, a gente não o procurou.
Normalmente a gente diz: ah, eles estão fazendo uma coisa muito boa
pra alguém, isso não é verdade! Muito pelo contrário. Ele é que fez
tudo de bom pra gente e a gente não escolheu, eu acho que é coisa de
outra vida. Eu sou católico, mas eu acredito muito no espiritismo e eu
sempre comento o seguinte: ele é realmente nosso... não sei a sua
religião, mas eu acredito que ele sempre foi nosso não tem pra onde
correr, talvez ele tenha alguma missão do que a gente viveu junto...
então nunca teve essa coisa de “ ah, vamos procurar por isso”.. Caio
chegou pra gente, a gente não escolheu caio. Não teve aquilo de: eu
quero um menino, galego dos olhos verdes! A gente não escolheu
raça, sexo, cor, nada! Eu digo todo dia que foi ele que escolheu a
gente! E já tinha nome, inclusive escolhido por mim. Eu acho que na
vida não existe coincidência na vida, existe o que tem que acontecer”.
(Bernardo, 38 anos)
Ainda sobre a adoção, Bernardo comenta que a gravidez natural veio de forma
inesperada e que a causa de tal fato se deu porque Caio (o filho adotivo) estava na vida do
casal. Novamente o discurso religioso aparece.
90
“ (...) mas foi uma vitória! E essa vitória veio em cima de quem? De
Caio! Foi caio que trouxe essa vitória pra gente. Por que? Porque
caio desbloqueou tudo! Eu acho que tudo na vida... acho que teve
alguma coisa espiritual. Imagine se desse certo a fertilização? Caio
não estaria aqui com a gente. Então tudo tinha que acontecer dessa
forma! Era o propósito. O propósito era ele chegar! Depois que ele
chegou, aconteceu. A gente tinha que passar por tudo aquilo e Caio
tinha que vir do jeito que ele veio e trouxe tudo de bom pra gente.
Desde que Caio veio nada mais deu errado graças a Deus.
Nessa fala de Bernardo podemos ver que ele utiliza o discurso de que filho adotivo
teria sido o responsável pelo “milagre” do nascimento do filho biológico. Nesse caso, o
hiperinvestimento do filho biológico passa a ser mediado pelo adotivo. De acordo com
Ribeiro (2004), pouco sabemos sobre as repercussões psíquicas nas novas gerações
concebidas a partir dessas tecnologias. O que podemos dizer então do filho que se torna
responsável pelo nascimento de outro? Podemos também analisar esse discurso como um
sendo pautado pela recompensa, ou seja, “nós adotamos uma criança, fizemos uma boa ação e
agora Deus nos recompensou com o filho biológico”. Eis as armadilhas das novas tecnologias
reprodutivas para as subjetividades e histórias daqueles envolvidos no processo.
A análise aqui apresentada buscou compreender os sentidos de paternidade para
homens que buscaram o exercício da paternidade através das novas tecnologias reprodutivas.
Para tanto, perpassei por questões referentes aos sentimentos experimentados por eles durante
o processo de R.A, as questões referentes às masculinidades, à adoção e a relação entre
natural versus biológico, às possíveis interferências do processo no relacionamento conjugal,
bem como, o discurso religioso tão presente em suas falas. De acordo com Tamanini (2004)
Ao entrar nesse campo, o homem expõe publicamente o seu corpo, escolhe participar do
tratamento, desloca a paternidade do cuidado dos filhos para a escolha consciente de fazer um
filho em laboratório, e paga por isso. E esse fato traz a necessidade de ampliar os estudos no
campo da paternidade nesse contexto.
91
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A tecnologia não é neutra. Estamos dentro daquilo que fazemos e
aquilo que fazemos está dentro de nós. Vivemos em um mundo de
conexões – e é importante saber quem é feito e desfeito.
Donna Haraway, 2009.
Com base na análise do material coletado e em consonância com os objetivos da
pesquisa, pode-se tecer algumas considerações:
Os avanços da medicina reprodutiva têm modificado a relação entre sexualidade e
reprodução humana. No deslocamento da reprodução do contexto familiar para o laboratório,
a concepção deixa de ser um ato privado, de práticas eróticas e amorosas, para se constituir
em um evento público, com a participação de uma equipe médica e mediações econômicas.
Este estudo focalizou os sentidos de paternidade para homens de idades variando
entre 29 e 42 anos, casados e de camadas médias que buscaram os serviços/clínicas
particulares especialistas em Reprodução Humana Assistida na cidade do Recife. Percebemos
claramente que os entrevistados atribuíram grande importância ao filho biológico, uma vez
que a adoção surgia, na maioria das vezes como último recurso após sucessivas e diferentes
tentativas de recorrer às várias técnicas reprodutivas disponíveis. Aspectos genéticos e
biológicos foram enfatizados, bem como a descendência e as características físicas, porém,
dentre os sentidos atribuídos à paternidade podemos citar: “a paternidade vista como o maior
presente”, “ ser pai é o próprio paraíso”, “ companheirismo”, “ amizade”, “ cuidado e
responsabilidade” , “completude”. Alternativas como, por exemplo, não ter filhos, foram
descartadas pelos participantes com o argumento de que um “casamento sem filhos seria
vazio”.
O que chama atenção nas falas dos homens/pais, no entanto, é a prevalência da
noção do pai-amigo-companheiro. Na busca em dar sentido às suas opiniões, grande parte dos
entrevistados se vêem em posição mais simétrica do que hierárquica com relação aos seus
filhos. Colocam-se mais como orientadores ou facilitadores das escolhas dos filhos do que
como referências normativas fixas e absolutas.
92
Foi verbalizado por um entrevistado o envolvimento com os filhos desde os
primeiros dias de vida, desempenhando aquilo que alguns chamam de paternagem,
analogicamente às tarefas de cuidados maternos ou maternagem, termos estes usados para
descrever aspectos da atualização contemporânea das funções paternas. Os pais entrevistados
assumem os cuidados básicos de alimentação e higiene de seus filhos. As tarefas de cuidados
para com os filhos pequenos aparecem nos relatos dos entrevistados como atividades comuns,
parte de seu dia-a-dia.
A maioria dos entrevistados afirmou que o desejo pelo filho surgiu após o
casamento e que, a princípio não seria uma condição fundamental para se ter uma vida feliz.
Na realidade, para o segmento da população entrevistada – classe média e classe média alta,
ter filhos passou a ser uma questão de escolha, sendo amplamente utilizados métodos de
regulação da fecundidade. Concepções e práticas reprodutivas são, neste particular,
consistentes com outros aspectos da vida dos sujeitos, marcada pela clara saliência de projetos
individuais, especialmente relativos ao sucesso profissional e econômico. Desta forma, estes
entrevistados antecipam e ponderam as circunstâncias e as implicações de virem a ser pais,
independentemente de expressarem ou não desejos ou projetos definidos a este respeito.
Entretanto, as falas acabam por se tornarem contraditórias, na medida em que,
apesar de afirmarem que o filho não seria condição fundamental, todos os participantes se
submeteram ao tratamento. A força do discurso biologizante pode explicar a busca por
tratamentos emocionalmente desgastantes, caros e que, apesar de negativamente avaliados
pelos participantes, foram procurados mais de uma vez. O que parece estar em jogo aqui é que
a perspectiva ou o desejo de ter filhos remete a um projeto familiar. Claramente, a formação
de um par conjugal constitui pré-requisito à paternidade, não tendo sido referida por qualquer
dos entrevistados a possibilidade de tornarem-se pais solteiros. Nesse sentido, é a chegada de
filhos que concretiza a noção de família.
As recentes descobertas no campo da biologia e da reprodução têm determinado
crescentemente uma hegemonia do discurso biológico sobre a procriação, que passa a ser
tratada, cada vez mais nos dias atuais, como uma questão de reprodução humana. Essa
hegemonia é tributária, ao meu ver, da idéia da crença moderna de que a realidade se constitui
apenas ao que pode ser explicado pelo paradigma racional científico.
A análise dos resultados também nos permite concluir, no tocante ao
relacionamento conjugal que o tempo de tratamento aparece como o gerador de frustrações,
estresses, ansiedade e depressão. Além disso é após as tentativas sem sucesso que os conflitos
entre o casal começam a surgir.
93
Aguardar o teste de gravidez foi o momento de tensão emocional mais sinalizado
pelos entrevistados. Também foram sinalizados pelos homens os tratamentos invasivos
realizados nos corpos das suas companheiras, bem como a tentativa de explicar os
procedimentos.
Vale ressaltar que, apesar de afirmarem que o tratamento de Reprodução Assistida
afeta física e emocionalmente mais suas companheiras, os entrevistados passam por
momentos de extrema ansiedade e experienciam a frustração mensal do ciclo menstrual de
suas esposas como “falhas”. Para eles, as mulheres estão mais envolvidas no processo e por
esta razão, acreditam que se desempenharem bem o papel de “dar apoio” já estão contribuindo
para o sucesso do tratamento. Estas questões vem ao encontro do que o debate sobre gênero e
masculinidades aponta. Ou seja, de que há uma expectativa cultural pela manutenção de
posições de gênero fixas e esperadas, separando o que deve ser da alçada das mulheres e o
que deve ser da alçada dos homens.
O acompanhamento psicológico é evidentemente necessário quando falamos em
Técnicas de Reprodução Assistida, visto que os sentimentos experimentados pelos
homens/pais durante o processo variaram entre: incapacidade, impotência, tristeza, ansiedade,
depressão e ambivalências de sentimentos como por exemplo sair de um estado eufórico para
uma tristeza em poucos segundos. Foi visto também que apesar de, na sua maioria, os
participantes não terem recorrido a um tratamento psicológico, reconheciam a sua importância
e necessidade durante o processo. Assim, os serviços, sejam públicos ou particulares precisam
incluir uma cuidadosa preparação psicológica, com detalhada discussão sobre os aspectos
médicos, pessoais e psicossociais de homens e mulheres que buscam por tal tratamento.
O discurso normatizador de que uma família só é considerada legítima se houver
filhos e estes, de preferência biológicos precisa ser desconstruído. O discurso médico
hegemônico e a medicalização dos corpos demandam reflexões. O que se pode perceber é
que, nessa classe investigada, as informações sobre as técnicas e procedimentos, bem como a
adesão ao discurso médico são grandes. Para alguns entrevistados, o médico assume a posição
daquele que possui a verdade sobre todas as coisas e muitas vezes é endeusado, já em outros
casos, vemos claramente a frustração e insatisfação para com a figura do médico. Ele assume,
nesse caso, a posição ambivalente de ser santificado e crucificado.
Também foi visto, mesmo que em uma minoria dos casos, que a busca pelos
tratamentos se deu sem o conhecimento do homem, tendo sido solicitados após o primeiro
contato de suas companheiras com a equipe médica. Em um caso específico, um participante
só foi contactado pela médica para falar sobre questões financeiras e para a realização de
94
exames, cuja finalidade seria o “sucesso do tratamento”. Não se perguntou em nenhum
momento sobre o desejo do homem em participar do processo. A fonte da imposição feminina
sobre os desejos masculinos está numa construção de gênero compartilhada ou não por ambos
os parceiros, mas claramente referendada pelos homens, segundo a qual as mulheres têm uma
vocação natural para a maternidade. Na visão masculina, ter filhos significaria para a mulher
satisfazer uma condição da natureza, o que justifica ser o projeto feminino de filhos, alheio
aos desejos dos homens. A idéia de que toda mulher quer ser mãe daria às mulheres
autonomia na decisão de prosseguir ou não com uma gravidez, nesse caso, com o tratamento.
Os resultados dessa dissertação apontaram para mim, novos questionamentos. Ser
pai, com esse forte auxilio da ciência, é ser pai no âmbito da natureza? É ser pai de forma
natural?
O que podemos perceber é que a intervenção representada pelas novas tecnologias
reprodutivas tem deslocado as noções relativas ao que é natural ou não. Os dados obtidos
revelaram que a procriação através das técnicas tem sido concebida pelos entrevistados como
“natural” e, por extensão, o desejo por filhos também. Observa-se que, ao mesmo tempo em
que os participantes buscaram um modelo reprodutivo considerado “natural”, as atribuições
de paternidade se alteram e recorrem, ora a parâmetros sociais - no caso da adoção -, ora a
parâmetros biológicos - “ filhos do próprio sangue”- , em sua justificativa.
Talvez devêssemos caminhar no sentido de perceber como a concepção de
natureza e natural transita por vários lugares.
Por fim, em se tratando de tecnologias geradoras de impactos variados, torna-se
importante a reflexão acerca das responsabilidades implicadas no processo. Fala-se da
responsabilidade daqueles que desenvolvem as novas técnicas, daqueles que as aplicam e
daqueles que buscam os serviços. Mas também devemos pensar nas responsabilidades dos
órgãos que formulam as leis que regulamentam o campo das NTRs, de comitês de ética, bem
como da bioética. E por que não falar em poder? Principalmente dos comitês de ética, que
ficam dentro dos hospitais e só favorecem seus próprios pesquisadores? Não obstante tantos
atores envolvidos e tantas responsabilidades delegadas, falo agora das minhas, enquanto
pesquisadora que produzi conhecimento sobre a temática. Acredito que a mais importante
delas é levantar posições críticas em relação à construção dos argumentos e dos conceitos que
estão sendo utilizados nesses debates e discussões para, posteriormente, desconstruir esses
argumentos e detectar de onde eles vêm e para onde eles podem levar.
95
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101
APÊNDICES
102
APÊNDICE –A
Termo de Consentimento Livre e Esclarecido para os homens/pais
Nº da aprovação no comitê de Ética em Pesquisa: CEP/CCS/UFPE Nº 381/10
Contato com o Comitê de Ética: Av. Prof. Moraes Rego s/n - Cidade Universitária, Recife – PE –
CEP: 50670-901, Tel: 21268588
Instituição: Universidade Federal de Pernambuco
Pesquisadores Responsáveis: Karine de Andrade Torres (081) 85551481, E-mail:
[email protected]
e Karla Galvão Adrião (081) 2126 8731, E-mail:
[email protected]
Endereço: Av. Prof. Moraes Rego, 1235 – Cidade Universitária, Recife – PE – CEP: 50670-901
Título do Projeto: A CEGONHA NÃO É MAIS UMA FICÇÃO: A PATERNIDADE NO
CONTEXTO DAS NOVAS TECNOLOGIAS REPRODUTIVAS CONCEPTIVAS.
Este termo de consentimento pode conter palavras que você não entenda. Peça aos pesquisadores que
expliquem as palavras ou informações não compreendidas completamente.
1) Introdução:
Você está sendo convidado (a) a participar da pesquisa sobre a paternidade no contexto das novas
tecnologias reprodutivas conceptivas. Se decidir participar dela, é importante que leia as informações
que serão aqui descritas sobre sua participação. A qualquer momento, você pode desistir de
participar e retirar seu consentimento. Sua recusa não terá nenhum prejuízo em sua relação com os
pesquisadores. Em caso de você decidir retirar-se do estudo, deverá notificar ao pesquisador. É
preciso entender a natureza e os riscos da sua participação e dá seu consentimento livre e esclarecido
por escrito.
2) Objetivo:
Compreender os sentidos de paternidade para homens que buscam os serviços de Reprodução
Assistida da cidade do Recife.
3) Procedimento:
Você deverá responder a uma entrevista sobre as seguintes questões: como se vêem diante da
experiência da infertilidade, como se representam diante de uma sociedade que valoriza questões
relacionadas ao gênero, às sexualidades, à virilidade e à masculinidade, de que forma essa condição
tem interferido em suas relações pessoais e sociais e quais os sentidos que atribuem à paternidade e
ao filho biológico. Pretende-se com esta pesquisa ampliar as discussões acerca da paternidade no
contexto da reprodução assistida buscando enfatizar a necessidade de ações que direcionem um olhar
não somente para as mulheres, como também para os homens que vivenciam tal condição.
4) Riscos e Benefícios:
A presente pesquisa pode apresentar riscos aos participantes. Um possível risco será o de
constrangimento diante da entrevista, o que pode gerar a não colaboração dos mesmos, no que serão
respeitados. No entanto, acredita-se que uma explicação anterior sobre os objetivos e a importância
da mesma, propiciará a colaboração das pessoas. Como benefícios, podemos citar a possibilidade
dos participantes de falarem sobre suas angústias, sentimentos e inquietações acerca de sua condição
e, se necessário, o encaminhamento para psicoterapia. O encaminhamento poderá ser feito para a
103
clínica – escola de Psicologia da UFPE, localizada no 7º andar do Centro de Filosofia e Ciências
Humanas (CFCH). Tentar-se-á alcançar os objetivos da pesquisa da forma menos invasiva possível,
indo até o ponto que o participante consentir. Todos os cuidados serão tomados, tanto durante o
decorrer da coleta dos dados quanto posteriormente, no sentido de oferecer atenção e
esclarecimentos ao participante que o necessitarem.
5) Custos e reembolso:
Sua participação no estudo não acarretará nenhum gasto para você. Informamos que, também, você
não receberá pagamento pela sua participação.
6) Caráter confidencial dos registros:
Os pesquisadores se comprometem a manter em absoluto sigilo todos os dados de caráter
estritamente pessoal e aqueles integrantes de sua identidade específica. Os dados por você revelados
relativos às informações técnicas sobre os objetivos dessa pesquisa, estes sim serão processados,
integrados aos dados dos demais pesquisados e serão publicados, divulgados e amplamente
difundidos para efeito de estudos, ciência e discussão. Você não será identificado quando o material
de seu registro for utilizado, seja para propósitos de publicação científica ou educativa.
7) Declaração de consentimento:
Li ou alguém leu pra mim as informações contidas neste documento antes de assinar este termo de
consentimento. Declaro que fui informado das inconveniências, riscos e benefícios que podem vir a
ocorrer em conseqüência da pesquisa. Declaro que tive tempo suficiente para ler e entender as
informações acima. Declaro, também, que toda a linguagem técnica utilizada na descrição desse
estudo de pesquisa foi satisfatoriamente explicada e que recebi respostas para todas as minhas
dúvidas. Confirmo, ainda, que recebi uma cópia deste termo de consentimento. Compreendo que sou
livre para me retirar do estudo em qualquer momento, sem perda de benefícios ou qualquer outra
penalidade.
Dou meu consentimento de livre e espontânea vontade e sem reservas para participar como
voluntário (a), deste estudo.
________________________________
Assinatura do participante
_______________________
Local e data
Atesto que expliquei, cuidadosamente, a natureza e o objetivo deste estudo, os possíveis riscos e
benefícios da participação no mesmo, junto ao participante. Tenho bastante clareza que o
participante recebeu todas as informações necessárias, que foram fornecidas em linguagem adequada
e compreensível e que ele (a) as compreendeu.
________________________________
Assinatura da pesquisadora
________________________________
Assinatura do pesquisador
________________________________
Assinatura da testemunha 1
_______________________________
Assinatura da testemunha 2
_______________________
Local e data
_______________________
Local e data
_______________________
Local e data
_______________________
Local e data
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APÊNDICE – B
Dados Sócio-demográficos e questão disparadora para as entrevistas.
 Dados sócio-demográficos
Nome (iniciais)
Idade
Escolaridade
Profissão
Situação conjugal
Nível sócio-econômico
Religião
Quantidade de Filhos
Tentativas de Reprodução
 Questão disparadora para as entrevistas
Me fala um pouco sobre a tua história de vida (incluindo aí namoro, casamento, profissão,
desejo por filhos) até chegar no ponto da busca pela Reprodução Assistida. Podes me falar de
forma bem livre, sem se preocupar com questões referentes a nomes, uma vez que todos eles
serão substituídos por nomes fictícios.
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TORRES, Karine de Andrade. A cegonha não é mais uma ficção