Português 2011/2012 Ana Oliveira – Daniela Oliveira – Luciana Oliveira – Raquel Ferreira Nome: Adolfo Correia da Rocha Pseudónimo: Miguel Torga Nacionalidade: Portuguesa Naturalidade: S. Martinho de Anta Nascimento: 12 de Agosto de 1907 Morte: 17 de Janeiro de 1985 Atividades literárias: Poesia, prosa, peças de teatro, ensaios e discursos. Atividades profissionais: Médico (Faculdade de Medicina, Coimbra) Obras publicadas: Ansiedade (1928); Rampa (1930); Bichos (1940); Portugal (1950); Diário I a XVI (1941/1993) Aparelhei o barco da ilusão E reforcei a fé de marinheiro. Era longe o meu sonho, e traiçoeiro o mar. (Só nos é concedida Esta vida Que temos; E é nela que é preciso Procurar O velho paraíso Que perdemos.) Prestes, larguei a vela E disse adeus ao cais, à paz tolhida. Desmedida, A revolta imensidão Transforma dia a dia a embarcação Numa errante e alada sepultura... Mas corto as ondas sem desanimar. Em qualquer aventura, O que importa é partir, não é chegar. Miguel Torga, POESIA COMPLETA Este poema remete-nos para a viagem que é o percurso de vida do “eu” e do ser humano em geral. Tal como as outras viagens, esta também tem as suas fases, sendo que estas correspondem aos preparativos para o embarque, “aparelhei o barco” (v. 1), o reforço da tomada de decisão por parte do sujeito poético, “e reforcei a fé de marinheiro” (v. 2), a partida, “(…) larguei a vela” (v. 12), a despedida de quem/do que fica, “e disse adeus ao cais” (v. 13), e a navegação propriamente dita, “(…) corto as ondas sem desanimar” (v. 18). O sujeito poético refere no poema a decisão de enfrentar a vida e de lutar pelos seus objetivos, independentemente de saber se consegue a concretização das suas aspirações pessoais, razão que o leva a afirmar, no final, “em qualquer aventura / O que importa é partir, não é chegar”. As estrofes que se encontram entre parenteses (discurso parentético) criam uma interrupção neste relato. Ao aparentar uma cumplicidade com o leitor, visível na mudança da primeira pessoa do singular para a primeira pessoa do plural, o sujeito lírico explicita as razões da sua atitude, apresentando-as como uma regra de conduta que ele propõe para a humanidade: o Homem, durante a sua breve vida, a única que “nos é concedida” (v. 5), deve ter como ideal a busca e a (re)conquista da felicidade do “velho paraíso” (v. 10). Estas reflexões, para além de serem marcadas pelo uso de parenteses, são ainda assinaladas pela alteração da marca do discurso na primeira pessoa do singular (“aparelhei” (v. 1), “reforcei” (v. 2), “meu” (v. 3)), para a primeira pessoa do plural (“nos” (v. 5), “temos” (v. 7), “perdemos” (v. 11)). Podemos compreender ainda melhor o recurso aos parenteses, se tivermos em conta que o sujeito poético retoma o tema da preparação da viagem, na estrofe seguinte, logo após os parenteses. Em suma, o discurso parentético evidencia a reflexão sobre a efemeridade da vida a que todos estamos sujeitos. A irregularidade formal nas duas estofes, visível na irregularidade rítmica e métrica, remete para irregularidade da vida, visto que esta é constituída por altos e baixos idênticos às fases de uma viagem. Esta suposição é suportada pela métrica de cada estrofe e pela vivacidade rítmica do poema que enfatiza, através da unidade que dá aos versos, o sentido que o sujeito aí quer transmitir: a fragilidade da existência humana e a revolta do sujeito face às forças que provocam uma “paz tolhida” (v. 13). Para além do seu caráter sonhador, expresso na primeira estrofe, (“aparelhei o barco da ilusão” (v. 1), “o meu sonho” (v. 3), “procurar/ O velho paraíso”(vv. 10, 11)), o sujeito poético revela-se insatisfeito, pois rejeita um modelo de vida limitado, evidenciado pela expressão “paz tolhida” (v. 13). Além disso, é determinado e corajoso, uma vez que persiste na concretização do seu objetivo, apesar das adversidades a enfrentar, (“traiçoeiro/ O mar” (vv. 3, 4), “corto as ondas sem desanimar” (v. 18)). Revela, ainda, ser lúcido, já que tem consciência de que nem mesmo a ilusão pode alterar a precariedade da existência humana (vv. 14-17) e, finalmente, é aventureiro, pois declara o gosto pela aventura: “Em qualquer aventura, / O que importa é partir, não é chegar.” (vv. 19, 20). Neste quadro de René Magritte, intitulado “O Sedutor”, observamos, em primeiro plano, o mar e uma caravela pintada como se fizesse parte deste. Em segundo plano observamos as nuvens. Conseguimos imaginar a viagem de uma caravela num mar calmo no qual se veem nuvens a aproximar, o que sugere o incerto futuro. A forma como o barco está pintado dá-nos a ideia de este ser uma ilusão no meio do vasto oceano. Podemos considerar que este barco é sedutor, pois remete-nos para a ideia de uma viagem longa e turbulenta mas segura, já que, aparentemente, o barco está preparado para uma viagem deste tipo. As viagens feitas num barco como este requeriam uma longa preparação, da mesma forma que a viagem da vida o requer. Desta forma, podemos considerar o sujeito poético um tripulante deste navio na viagem da vida. Bibliografia: Português 10 - Guia de estudo, porto editora, 2011 http://pt.wikipedia.org/wiki/Miguel_Torga www.truca.pt/ouro/biografias1/miguel_torga.html