Faculdade de Medicina de Lisboa Ética e Deontologia Médica Contracepção e Deficiência Mental Será a esterilização uma opção eticamente aceitável? Novembro 2009 Ana Oliveira, Raquel Machado, Sandra Alves Breve História Breve História da Esterilização (1) Início séc. XX – Eugenistas Americanos inspirados no Darwinismo social defendem Esterilização Involuntária. 1907 – Governos criam as primeiras leis sobre Esterilização Involuntária. Até 1927 – Leis consideradas inconstitucionais pelos tribunais. Breve História da Esterilização (2) 1927 – Supremo Tribunal dos EUA permite esterilização involuntária. Caso Buck vs. Bell: The judgment finds. . .that Carrie Buck „is the probable potential parent of socially inadequate offspring, likewise afflicted, that she may be sexually sterilized without detriment to her general health and that her welfare and that of society will be promoted by her sterilization. . ..‟ It is better for all the world, if instead of waiting to execute degenerate offspring for crime, or to let them starve for their imbecility, society can prevent those who are manifestly unfit from continuing their kind. The principle that sustains compulsory vaccination is broad enough to cover cutting the Fallopian tubes. Three generations of imbeciles are enough [“Buck v. Bell,” 1927]. Breve História da Esterilização (3) 1934 – Kentucky Law Journal: Since time immemorial, the criminal and defective have been the “cancer of society.” Strong, intelligent, useful families are becoming smaller and smaller; while irresponsible, diseased, defective families are becoming larger. . ..To prevent this race suicide we must prevent the socially inadequate persons from propagating their kind, i.e., the feebleminded, epileptic, insane, criminal, diseased, and others [Skinner, 1934]. Até 1960: + 60,000 homens e mulheres americanos foram esterilizados segundo as leis estatais. Breve História da Esterilização (4) 1942 – “Procreation is one of the basic civil rights of man” by Skinner v. Oklahoma 1945 – Enfraquecimentos dos ideais eugénicos – em resposta à aplicação destes principios pelos Nazis. Séc XXI – Esterilização involuntária apenas tendo por base a defesa do bem-estar dos individuos com deficiência mental. De modo a evitar a repetição das atrocidades do passado, alguns doentes vêem-lhes difilcultado o acesso a serviços médicos que lhes seriam benéficos! Conceitos/Informação Base Métodos Contraceptivos Não-cirúrgicos Cirúrgicos • Contraceptivos orais • Laqueação de trompas • Contraceptivo em adesivo • Histerectomia transdérmico ou injectável • Injecções de acetato de medroxiprogesterona de depósito (DMPA) • Dispositivo Intra-Uterino (DIU) sem / com progesterona (levonorgestrel) Esterilização Métodos cirúrgicos de contracepção irreversíveis. • Voluntária – quando resulta da livre escolha de um indivíduo competente. • Involuntária – quando aplicada a um indivíduo incapaz de dar consentimento. • Compulsiva – quando imposta pela legislação. Deficiência Mental –DSM-IV A. Funcionamento intelectual significativamente inferior à média (QI≤70). B. Défices ou insuficiências concomitantes no funcionamento adaptativo actual (em pelo menos duas das seguintes áreas: comunicaçao, cuidados próprios, vida familiar, aptidões sociais/interpessoais, uso de recursos comunitários, autocontrolo, aptidões escolares funcionais, trabalho, ócio, saúde e segurança.) C. Início antes dos 18 anos. Deficiência Mental –DSM-IV Deficiência Mental Ligeira: QI entre 50-55 até 70 Deficiência Mental Moderada: QI entre 35-40 até 50-55 Deficiência Mental Grave: QI entre 20-25 até 35-40 Deficiência Mental Profunda: QI abaixo de 20-25 Deficiência Mental, Gravidade Não Especificada: Quando há forte suspeita de Deficiência Mental mas a inteligência do sujeito não é avaliável pelos testes usuais. Capacidade e Competência Capacidade – Faculdade que permite tomar decisões informadas – determinada por avaliação médica. Competência – Grau de capacidade de executar uma tarefa determinação legal com base nas informações médicas e depoimentos. A capacidade e a competência variam com o tipo de decisões e com o tipo de tarefas a executar. Pertinência do Tema + 50% dos pais de crianças com deficiência mental consideram a esterilização Preocupações: • Gravidez indesejada; • Abuso sexual; • Incerteza da eficácia dos métodos anticonceptivos; • Incapacidade de manter um casamento e/ou de tratar de um filho; • Higiene/controlo menstrual; • Medo de hemorragia. Caso Clínico – Trissomia 21 • Mulher, 18 A, com Trissomia 21 • Deficiência mental moderada • Vive com os pais • Mantém trabalho com responsabilidades mínimas • Pais solicitam esterilização da filha • Quando questionada, afirma: “I want to be a mommy.” Caso Clínico – Trissomia 21 Será que se deve proceder à esterilização nesta doente? Opções possíveis: 1. Após avaliação, no caso de se verificar capacidade de tomar decisões reprodutivas, permite-se que ela decida. 2. Esterilização a pedido dos pais. 3. Contracepção não permanente e educação sexual. Deficiência Mental e Competência para decisão reprodutiva (Diekema, Involuntary Sterilization of persons with mental retardation: an ethical analysis) Deficiência mental – classificação segundo capacidade A) Com total capacidade; B) Com capacidade limitada; C) Ausência de capacidade; ...de tomar decisões de natureza reprodutiva (esterilização, contracepção, gravidez/parto e parentalidade) consentimento informado responsabilização pelas consequências A) Total Capacidade Compreensão básica de : - Terapias ou procedimentos - Riscos e benefícios Tomada de decisão Parentalidade Como se avalia? B) Capacidade Limitada Apenas com uma das duas capacidades: B) Parentalidade A) Tomar decisões de natureza reprodutiva Possível trauma emocional no caso de esterilização compulsiva Evitar a esterilização: - Subjectividade das avaliações - Possibilidade aquisição Esterilização dificilmente justificável Alternativa: restringir capacidade futura de mais competências reprodutivas. reprodutiva Casamento? C) Ausência de Capacidade - Ausência permanente de competências em qualquer uma das áreas relacionadas com a reprodução. Dependência de outrem para a tomada destas decisões - A ausência total de capacidade é uma condição necessária mas não suficiente para a esterilização involuntária - Condições essenciais a verificar: - Medicamente necessário - “Best interest” (benefícios > riscos) - Alternativas são ineficazes Avaliação + Autorização do tribunal Respeito pela Autonomia Dever moral de respeitar o direito a ter pontos de vista, fazer escolhas e agir sem pressões ou coacções. “A esterilização involuntária representa claramente uma violação ao principio de respeito pela autonomia se realizada contra o desejo de um individuo competente.” “ Não se pode respeitar a autonomia se esta não existir” (Diekema, Involuntary Sterilization of persons with mental retardation: an ethical analysis) Algoritmo para avaliação da indicação para esterilização Paransky, O. e Zurawin, R. Menstruation and contraception in Retarded Adolescents. J Pediatr Adolesc Gynecol 2003. Portugal: Código Deontológico da OM CAPÍTULO VI – ESTERILIZAÇÃO - Artigo 66.º (Laqueação tubária e vasectomia) 1. Os métodos de esterilização irreversível, laqueação tubária e vasectomia só são passíveis de ser permitidos a pedido do próprio e com o seu expresso e explícito consentimento pleno, após esclarecimentos detalhados sobre os riscos e sobre a irreversibilidade destes métodos. 2. Excepto em situações urgentes com risco de vida, é desejável a existência e um período de reflexão entre esta prestação de esclarecimentos e a tomada final da decisão. 3. É expressamente vedada aos médicos a prática de métodos de esterilização irreversíveis por solicitação do Estado ou outras partes terceiras, ou de qualquer outra forma sem consentimento plenamente livre e informado do doente, prestado nos termos do n.º1 deste artigo. 4. Em casos de menores ou incapazes, os métodos de esterilização irreversíveis só devem ser executados após pedido devidamente fundamentado no sentido de evitar graves riscos para a sua vida ou saúde dos seus filhos hipotéticos e, sempre, mediante prévio consentimento judicial. Questões em aberto Questões em aberto (1) Como se avalia o “best interest”? Esterilização a pedido dos pais: Conflito de interesses? Quem é o principal beneficiado? Fará sentido falar em defesa do direito à procriação em deficientes mentais profundas que não têm qualquer interesse nesta? Questões em aberto (2) Poderá a esterilização induzir uma falsa sensação de segurança que faça os cuidadores estar menos atentos a questões como as DST e o abuso sexual? Será que a protecção excessiva das mulheres com deficiência mental, relativamente à esterilização, não acaba por negar-lhes um direito? A reter... A reter... (1) Deficiência mental corresponde a um largo espectro, não implica incapacidade, e nunca poderá por si só ser indicação para esterilização; É essencial uma avaliação multidisciplinar e repetida Esterilização involuntária é um procedimento potencialmente destrutivo da identidade social e biológica; A esterilização não protege do abuso sexual. A reter... (2) Guidelines mais recentes: médicos devem preferir sempre os métodos menos permanentes e invasivos, associados a menor risco ; Em mulheres com capacidade de parentalidade não deve haver interferência nos seus direitos reprodutivos - é importante avaliar o grau de funcionamento e independência - em caso de dúvida, a esterilização involuntária não deve ser feita A escolha a nível reprodutivo inclui tanto o direito de recusar a esterilização como o de optar por esta. A reter... (3) Deverão ser feitos todos os esforços no sentido de obter consentimento do doente Doente que se recusa a cooperar/ demonstra medo Reconsiderar se o procedimento corresponde ao “best interest”/ Optar por métodos menos invasivos A reter... (4) Não se deve negar ou dificultar demasiado a esterilização tendo por base o medo de repetir os erros do passado. “A century ago, the eugenics movement led to widespread forced sterilization of vulnerable populations. Subsequent moral outrage produced laws that strongly discouraged or prohibited sterilization of the developmentally disabled. Ironically, this legacy may represent a burden for developmentally disabled women today.“ (Pharm,H. In the patient’s best interest? Revisiting sexual autonomy and sterilization of the developmentally disabled. West J Med 2001;175:280) A reter... (5) Objectivo final: fazer o melhor pela mulher com deficiência mental. No caso de conflito de interesses: a vontade da pessoa com deficiência mental deve prevalecer. “Legal prohibitions do not relieve clinicians of responsability for considering relevant medical and ethical issues and from advocating for patients.” ( Pharm,H. In the Patient’s best interest? Revisiting sexual autonomy and sterilization of the developmentally disabled) Bibliografia Caralis, D. et al, Permanent sterilization of mentally disabled individuals: A case study. Surgery 2009; 146:959-63. Diekema, DS. Involuntary sterilization of persons with mental retardation: an ethical analysis. Mental Retardation and Developmental Disabilities Res Rev 2003; 9:21-6 . Eastgate, G. Sexual health for people with intellectual disability. Salud Publica Mex 2008; 50: S255-59. Giami, A. Sterilization and sexuality in the mentally handicapped. Eur Psychiatry 1998; 13:11s-19s Paransky, O. e Zurawin, R. Menstruation and contraception in Retarded Adolescents. J Pediatr Adolesc Gynecol 2003; 16: 223-35. Pharm, H. In the patient's best interest? Revisiting sexual autonomy and sterilization of the developmentally disabled. West J Med 2001; 175:280-83 Servais, L. et al, Sterilisation of intelectualyy disabled women. Eur Psychiatry 2004; 19: 428-32