PARA NÃO REPETIR PALAVRAS EM REDAÇÕES: HIPERÔNIMOS E PERÍFRASES
Escrever um texto de qualidade exige, dentre outros fatores, que palavras somente
sejam repetidas caso haja real necessidade de ênfase estilística para essa repetição. Do
contrário, deve-se evitar ao máximo o uso reiterado de um vocábulo.
Para isso, podemos usar sinônimos e perífrases.
Os sinônimos de que trataremos aqui são os hiperônimos, isto é, aqueles que,
semanticamente, apresentam-se mais amplos que seus correspondentes, num jogo de
metonímia (a parte pelo todo). Por exemplo, ao me referir a um “físico” e, em seguida,
possuindo o texto o mesmo referente, se me reporto novamente a ele, mas desta vez
como “cientista”, usei um sinônimo hiperônimo, pois nem todo cientista é físico, mas todo
físico é cientista (“cinetista” é mais genérico, semanticamente, do que “físico”).
Já a perífrase é um conjunto de palavras que, na sua totalidade, remete a alguma
ideia que pode ser percebida no texto.
Muitas vezes, uma ideia vem torneada por esse conjunto perifrástico, que, não
raro, até, atenua-a, modaliza-a, suaviza-a. Em muitos casos, as perífrases ocorrem para
evitar repetição vocabular, como dissemos, quando o autor, com o intuito de não repetir
uma palavra, utiliza, para ela, uma de suas características, por meio de perífrase.
É preciso, no entanto, tomar cuidado para não incorrer nas chamadas
PERÍFRASES VICIOSAS, que são aquelas que podem, muito bem, ser substituídas por
uma única palavra. Ocorre que, muitas vezes, entretanto, o autor opta por usar uma
dessas perífrases para lançar mão de um eufemismo (figura de linguagem que se
aproxima da atenuação), para ser “politicamente correto”, para não ir diretamente a um
ponto, digamos, polêmico.
Por isso, são tão comuns as perífrases eufemísticas em expressões do meio
político, social, educativo etc.; por exemplo:
“Desvio de verbas públicas”,
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“mão de obra excessiva ao mercado de trabalho”,
“contingente excessivo”,
“populações em situação de risco social”,
“comunidades populares”,
“população com problemas de nutrição”,
“alunos com déficit cognitivo”,
“excluídos sociais”,
“tarifa de contribuição governamental”,
“tributo para a conservação da estrada”,
“tentou usar subterfúgios ilícitos”...
É fácil substituir cada uma das perífrases acima por palavras que as definam e que
cheguem direto ao ponto, sem rodeios.
Experimente, num exercício, substituir cada uma daquelas perífrases escritas
acima por uma única expressão. Você observará que, não raro, a expressão substituta
poderá ser até grosseira, ofensiva, e, em muitos casos, não incorrerá em exatidão
vocabular, como no caso de substituir “populações em situação de risco social” por
“marginais”.
Por outro lado, percebemos a nítida tentativa de obscurecer a gravidade do fato
com o uso de palavras mais amenas na substituição de “mão de obra excessiva ao
mercado de trabalho” por “desempregados”, ou “tributo para a conservação da
estrada” por “pedágio”.
É bem verdade que, para evitarmos a tão aludida repetição desnecessária, viciosa,
pode-se (e deve-se) usar um termo por outro, quando não houver distorção do significado.
Ou seja, um texto poderia estar assim redigido:
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“No último ano, aumentou-se em 5% os pedágios de rodovias federais. Segundo
consultores, os tributos para a conservação das estradas tiveram de ser reajustados
em função de taxas extraordinárias.”
Portanto, como nos demais casos da vida, fica a regra de ouro: o bom senso.
Obviamente, como mostramos, o uso direto de algumas expressões poderia, em
alguns casos, ser agressivo. Foi o caso de substituir-se “populações em situação de
risco social” por “marginais”.
Devemos considerar, no entanto, para refletirmos um pouco sobre a questão
sociológica que isso encerra, que a pura e simples modificação das palavras que
nomeiam não é capaz de resolver o verdadeiro problema “nomeado”. Como diz
HENRIQUES (2011, p. 105), não podemos deslocar para o léxico um problema da
sociedade, com “a ideia ingênua de que basta substituí-las [as palavras] para que a
discriminação diminua ou acabe”. Ainda segundo ele (id. ib) “A hipálage” ´palavras
preconceituosas´ tem um lado perigoso: desloca para o léxico um problema da sociedade
[....]”
É preciso, portanto, ter-se bom-senso para não se usarem perífrases que
demonstrem enorme preocupação em se ser “politicamente correto”, ou que, por serem
redundantes, acabem sendo inexpressivas e viciosas.
No entanto, como dissemos há pouco, muitas vezes a perífrase vem como forma
expressiva – e bem-vinda, portanto – de substituir a monotonia da expressão.
EXEMPLO:
Observe o trecho abaixo, e, em seguida, veja como separamos os hiperônimos e
as perífrase que utilizamos para evitar a sua repetição. Repare, logo abaixo, como o fato
de o tema deste pequeno texto ser os eventos internacionais sediados no Rio de Janeiro,
este hiperônimo é o que possui mais perífrases e, em um caso (Rock´n Rio), hipônimo:
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O Rio de Janeiro vive uma espécie de êxtase por causa dos inúmeros eventos
internacionais que sediará nos próximos anos. Vive-se, por toda a cidade
maravilhosa, uma sucessão de obras, cujo intuito é preparar o berço do samba para
as ocasiões especiais. Além dos importantes acontecimentos esportivos, haverá
também um de música pop (o Rock´n Rio) e um de música clássica (a aguardada
inauguração da Cidade da Música, na Barra da Tijuca), todos com igual visibilidade
no cenário mundial. O povo carioca acompanha atentamente o passo a passo das
construções que darão lugar às epopeias atléticas e artísticas. A terra natal de VillaLobos e de Zico está mais do que em evidência.
(Marcelo Moraes Caetano, In.: Diário de Notícias, Portugal, 2011)
HIPERÔNIMO 1: Rio de Janeiro.
PERÍFRASES 1: cidade maravilhosa, berço do samba, povo carioca, terra natal de
Villa-Lobos e de Zico.
HIPERÔNIMO 2: eventos internacionais.
PERÍFRASES 2: ocasiões especiais, importantes acontecimentos esportivos,
um de música pop, o Rock´n Rio, um de música clássica, inauguração da Cidade da
Música, epopeias atléticas e artísticas.
HIPERÔNIMO 3: obras.
PERÍFRASE 3: o passo a passo das construções.
HIPERÔNIMO 4: Internacionais
PERÍFRASE 4: cenário mundial
HIPERÔNIMO 5: visibilidade
PERÍFRASE 5: mais do que em evidência.
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TIPOS DE PERÍFRASE: LEXICAL E MORFOLÓGICA:
Até aqui, estudamos a perífrase lexical, que é aquela em que, com um conjunto de
palavras, dá-se um torneio à ideia, de modo que se chegue a ela, digamos, de maneira
indireta. Vimos que ela pode ser expressiva (evitando repetições enfadonhas), viciosa,
“politicamente correta” (tentando omitir a realidade etc.).
A perífrase MORFOLÓGICA é a que se dá com locuções de todo tipo: adjetiva,
adverbial, verbal. Também pode ser chamada de SEQUÊNCIA ou, em alguns casos, de
LOCUÇÃO.
EXEMPLOS:
“[....] Sou do ouro, eu sou vocês
Sou do mundo, sou Minas Gerais
Eu sou da América do Sul” [....]
(BORGES, 2012)
Observe:
Sou “dourado” / “áureo”
Sou “mundial” / ”cosmopolita” / “universal”
Sou “sul-americano”
Sobre locuções verbais, HENRIQUES (2011, p. 104) levanta as seguintes
possibilidades:
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(a)
verbo ter ou haver + particípio = tempo composto [tinham
ou haviam saído]
verbo ser ou estar + particípio de verbo transitivo direto 1 =
(b)
voz passiva [era, estava ou ficava cercado pelos alunos]
(c)
verbo ir + infinitivo = aspecto aproximativo de ação ou
estado [ia falar / vai ser]
(d)
verbo estar + gerúndio (ou presposição “a” + infinitivo) =
aspecto durativo [estou escrevendo ou estou a escrever]
(e)
verbo ir (sem indicar ação) + gerúndio = aspecto durativo.
O Autor exclui perífrases em que o auxiliar mantém sua significação semântica,
como em “fomos conversando até o aeroporto”, “precisamos de conversar” etc. (op.cit.)
De nossa parte, lembramos, também, que há os auxiliares acurativos, que, além de
manterem sua significação original, apontam aspectos verbais (inceptivo, incoativo,
permansivo, iterativo etc.), como em “começou a chover”, “parou de falar”, continuou a
escrever”, “permaneceu cantando”, “desatou a correr” etc.
REFERÊNCIAS:
BORGES,
Lô.
Para
Lennon
e
Mac
Cartney.
In.:
http://www2.uol.com.br/cante/lyrics/Lo_Borges_-_Para_Lennon_e_McCartney.htm
<Acessado em julho de 2012>
CAETANO, Marcelo Moraes. Desafios da Redação. Rio de Janeiro: Editorda Ferreira, 2012
HENRIQUES, Claudio Cezar. Léxico e semântica: estudos produtivos sobre palavra e significação.
Rio de Janeiro, Campus-Elsevier, 2011
1
Acrescentamos alguns verbos transitivos indiretos que aceitam passagem para a voz passiva, como obedecer,
desobedecer, aludir, pagar, perdoar, responder. Márcia Magalhães Bichara defendeu Dissertação de Mestrado na PUCRio, sob orientação de Eneida do Rego Monteiro Bomfim, em que estuda minuciosamente verbos com transitividades
além da direta que aceitam passagem para a voz passiva.
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