PROJETO DE ESPAÇOS LIVRES PÚBLICOS DE LAZER PARA TODOS
Vera Helena Moro Bins Ely (tutora e orientadora)
Juliana Castro Souza (orientadora)
Vanessa Goulart Dorneles (colaboradora)
Ani Zoccoli (acadêmico)
Mirelle Papaleo Koelzer (acadêmica)
Osnildo Adão Wan­Dall Junior (acadêmico)
Grupo PET Arquitetura e Urbanismo
Universidade Federal de Santa Catarina
RESUMO
Nos centros urbanos, o espaço público livre, além de proporcionar lazer, garante a
inclusão dos usuários com diferentes habilidades e restrições. Entretanto, a existência de
barreiras físicas, informativas e atitudinais, muitas vezes restringe o uso desses espaços.
Para a elaboração de espaços livres públicos acessíveis torna­se, então, essencial o
estudo das restrições e limitações apresentadas pelos usuários, cujo resultado foi
sistematizado nas Tabelas de Restrição do Usuário, que consideram componentes de
acessibilidade, definidos por BINS ELY e DISCHINGER (2004). A partir destas tabelas,
elaboraram­se croquis de soluções projetuais que consideram as normas de
Acessibilidade e os princípios de Desenho Universal.
1. INTRODUÇÃO
O espaço público livre possui grande importância no contexto das cidades. Sua função,
além de proporcionar lazer, é garantir a plena inclusão de usuários com diferentes
habilidades e restrições, e, portanto, sua socialização. A existência de barreiras físicas,
informativas e atitudinais, muitas vezes restringe o uso desses espaços, ocasionando
situações de constrangimento às pessoas com restrições, e dificultando, ou até mesmo
impedindo, a participação das mesmas em diversas atividades. Conseqüentemente, tem­
se a perda do conceito de integração e convívio.
Segundo dados do IBGE 2000, cerca de 14,5% da população brasileira é portadora de
alguma deficiência: físico­motora, cognitiva ou sensorial. É papel do arquiteto a
elaboração de espaços acessíveis a todos os usuários, independente do tipo físico, idade
ou restrições que possam apresentar.
Para a elaboração do projeto de um espaço público livre acessível torna­se, então,
essencial a compreensão das restrições e limitações apresentadas por diferentes
usuários e a busca por respectivas soluções projetuais. Os resultados do estudo das limitações e restrições do usuário foram sistematizados em
forma de tabelas, classificadas conforme os componentes de acessibilidade
(informação/orientação, deslocamento, uso e comunicação), definidos por BINS ELY e
DISCHINGER (2004).
A partir das tabelas foram elaborados croquis explicativos de soluções projetuais
desenvolvidas pelos pesquisadores, considerando as exigências da ABNT NBR
9050/2004 (Associação Brasileira de Normas Técnicas – Norma Brasileira de
Acessibilidade) e os princípios de Desenho Universal.
Neste artigo são apresentados, além do referencial teórico, um exemplo de Tabela de
Restrição (no caso visual total) e alguns croquis ilustrativos de soluções projetuais com
identificação das restrições atendidas em cada solução. O presente material é parte
integrante da pesquisa “Desenho Universal aplicado ao Paisagismo”, que está sendo
desenvolvida pelos autores da presente publicação.
2. DESENVOLVIMENTO
2.1 Acessibilidade
O conceito de acessibilidade está relacionado aos conceitos de inclusão social e de
cidadania. (SANTOS, 1987).
A acessibilidade espacial diz respeito às condições dos ambientes, de forma a permitir o
acesso, o deslocamento, a orientação e o uso dos equipamentos por qualquer indivíduo,
sem necessitar o conhecimento prévio das características do mesmo. É garantida por leis
(como a Lei Federal n° 10.098), decretos (como o Decreto n° 3.298) e pela ABNT NBR
9050, revista em 2004.
2.2 Deficiência ou restrição?
É fato que as pessoas apresentam características diferentes entre si, podendo ser
portadoras de deficiências ou não. Conforme Panero e Zelnik (2002, p.37), “o chamado
‘homem médio’ simplesmente não existe”.
Para o projeto de espaços acessíveis é importante a diferenciação dos conceitos de
deficiência e restrição. A Lei Federal nº 10.098 de 2000, conceitua “pessoa portadora de deficiência ou com
mobilidade reduzida” como sendo aquela que apresenta limitação, temporária ou
permanente, na sua capacidade de relacionar­se com o meio e utilizá­lo. A ABNT NBR 9050/2004 conceitua deficiência como a “redução, limitação ou inexistência
das condições de percepção das características ou de mobilidade e de utilização de
edificações, espaço, mobiliário, equipamento urbano e elementos [...]”. (ABNT, 2004, p.3).
Entende­se por restrição toda a dificuldade que uma pessoa possa apresentar na
realização das atividades da vida diária, podendo ser oriunda ou não de alguma
deficiência.
Como exemplo, podemos citar as pessoas com deficiência auditiva parcial, que utilizam
aparelhos de audição para o cumprimento de suas atividades diárias. Nesse caso,
identifica­se a deficiência, mas o uso de tecnologia assistiva não restringe a realização de
tarefas.
Uma mulher grávida exemplifica a situação contrária, em que não se caracteriza
deficiência, mas sim limitações temporárias, como subir escadas e carregar objetos
pesados.
Assim, as deficiências estão relacionadas às modificações fisiológicas que ocorrem nos
indivíduos, e também às características dos ambientes, já que esses podem limitar as
ações dos usuários se não forem projetados adequadamente. É o caso de uma criança que não alcança os interruptores pelo fato de serem projetados
em alturas adequadas para os adultos. Portanto, não há existência de deficiência, mas
sim de restrição provocada pelo meio.
Nesse trabalho adotou­se a classificação de restrições indicada por Bins Ely et al (2003),
que as divide em quatro grupos: Restrição sensorial: “[...] refere­se às dificuldades na percepção das informações do meio
ambiente devido a limitações nos sistemas sensoriais (auditivo, visual, paladar/olfato,
háptico e orientação)”. (BINS ELY et al, 2003, p.19)
Restrição físico­motora: “[...] refere­se ao impedimento, ou às dificuldades encontradas
em relação ao desenvolvimento de atividades que dependam de força física,
coordenação motora, precisão ou mobilidade”. (BINS ELY et al, 2003, p.19)
Restrição psico­cognitiva: “[...] refere­se às dificuldades no tratamento das informações
recebidas ou na sua comunicação através da produção lingüística devido a limitações no
sistema cognitivo”. (BINS ELY et al, 2003, p.19)
Também podem ser identificadas as restrições múltiplas, que decorrem da associação de
mais de um tipo de restrição, como no caso do idoso que, devido ao processo de
envelhecimento, pode apresentar restrições sensoriais associadas às restrições físico­
motoras ou cognitivas, e vice­versa. 2.3 Os Espaços Livres
Segundo SOUZA (2003), espaços livres são espaços projetáveis, geralmente não
edificados, que possuem algum elemento configurador. Quando se trata de um espaço
livre urbano, por exemplo, esse elemento pode ser o próprio entorno, as vias e as
edificações adjacentes.
Os espaços livres exercem importante papel na sociedade contemporânea. Eles possuem
função social (à medida que proporcionam encontro e lazer e promovem a socialização
dos indivíduos); função organizacional (organizam a infra­estrutura da cidade e
configuram o desenho urbano); função ecológica (estruturam áreas de proteção
ambiental) e função cultural (já que fortalecem a identidade local).
SOUZA (2003) classifica os espaços livres em diferentes categorias espaciais, de acordo
com a propriedade (público X privado) e com a função (circulação X permanência).
Assim, os lotes residenciais e de condomínios, os pátios institucionais e clubes semi­
privados, caracterizam­se como espaços livres privados e de permanência. As praças e
parques são tidos como espaços livres públicos de permanência, e as ruas, autopistas,
calçadões e boulevards são considerados espaços públicos de circulação.
Todas essas categorias de espaços livres são muito importantes, pois modificam a
paisagem urbana e interferem na configuração e escala da cidade. No presente artigo nos deteremos à categoria dos espaços livres públicos de
permanência.
2.4. Elaboração das Tabelas de Restrição do Usuário
Foram elaboradas dezesseis tabelas, classificadas conforme os tipos de restrição (físico­
motora, sensorial e psico­cognitiva), cujo cabeçalho indica o tipo de restrição abordada. A
primeira coluna contém as limitações dos usuários, conforme os quatro componentes de
acessibilidade (orientação, deslocamento, uso e comunicação (BINS ELY e
DISCHINGER, 2004)). A tabela ao lado refere­se ao usuário deficiente visual total, e
descreve as limitações do usuário quanto ao deslocamento, informação e orientação. Na segunda coluna (restrição/atividade) são descritas atividades em que se apresentam
dificuldades ou impedimentos. Na terceira coluna, descrevem­se as necessidades em
termos espaciais para a adequação do ambiente, favorencendo seu uso de maneira ideal
Na quarta coluna são descridas as das exigências da ABNT NBR 9050/2004 frentes às
necessidades espacias requeridas por cada restrição e atividade desempenhadas pelos
usuários. Finalmente, na última coluna, são dadas sugestões de projeto que visam a total
integração do usuário e a universalização do ambiente. Segue abaixo um exemplo de
tabela, que se refere ao usuário deficiente visual total, e discrimina algumas das
limitações encontradas por esse no uso e no deslocamento.
Figura 01 – Tabela de Restrição do Usuário –
Visual Total
3. RESULTADOS DE PESQUISA
Para melhor compreensão das tabelas, todos os resultados obtidos foram ilustrados na
forma de croquis. Apresentam­se exemplos com diferentes ambientes de um espaço público livre, em que
cada letra no desenho representa uma solução projetual, descrita abaixo da figura. Ressalta­se que em alguns casos, a adequação de um ambiente para um tipo de usuário
beneficia a todos os demais, atribuindo conforto e segurança ao espaço. Figura 02 – Passeio
A figura 02 ilustra o passeio em um parque urbano. A diferenciação no tratamento dos
pisos por cor, textura e desenho determina as áreas de circulação e de permanência
(onde estão situados os mobiliários).
O piso guia (A) indica ao deficiente visual o percurso livre de obstáculos. Esse piso se
destaca pela cor e ranhuras que, pelo tato, apontam o sentido a ser seguido, permitindo o
deslocamento de forma segura e independente.
A regularidade do piso e a dimensão do passeio (B) favorecem o deslocamento do
cadeirante, que pode assim executar as manobras necessárias. A criação de uma faixa exclusiva para o mobiliário (C) permite que a área de circulação
esteja livre de obstáculos, diminuindo os perigos ao usuário. Figura 03 – Faixa de Mobiliário
A figura 03 exemplifica a faixa exclusiva para o mobiliário. A iluminação (A) deve ser
adequada para a fácil leitura, contribuindo também para a compreensão e segurança do
ambiente.
Os equipamentos, no caso a lixeira (B), devem ter dimensão e design apropriados para
atender a diversidade de usuários: altura adequada e formas simples, de fácil
compreensão.
O mobiliário (C) deve possuir medidas ideais e formato anatômico, sendo confortáveis ao
usuário. A presença de apoios facilita os movimentos de sentar/levantar para os idosos,
por exemplo. As cores são usadas para contrastar com o piso e com a vegetação,
facilitando a identificação pelas pessoas com restrição visual. As extremidades
arredondadas dos bancos proporcionam segurança e durabilidade, evitando acidentes e
quebra. O lay­out dos bancos é adequado para as pessoas com deficiência auditiva, já
que possibilita a leitura labial.
Nas áreas de estar devem ser previstos espaços para aproximação da cadeira de rodas
(D), permitindo a socialização e evitando situações de constrangimento ao cadeirante.
Figura 04 – Terminal de Informação
Na figura 04 ilustra­se um terminal de informação com tecnologia assistiva. A informação
deve ser representada de diferentes maneiras (A) para que possa ser compreendida por
todos os usuários. O deficiente visual total a recebe através da escrita em braile, sinais
sonoros e mapas táteis. A legibilidade da informação (tamanho adequado da fonte,
contraste de cores) favorece os deficientes visuais parciais e os demais. A presença de
imagens e pictogramas facilita a compreensão de todos, principalmente das crianças e
deficientes cognitivos. O piso sinalizador (B) transmite ao deficiente visual a informação de existência do
terminal de informações.
O pergolado com vegetação (C) torna­se referencial para localização do terminal de
informações e para orientação no espaço, além de conferir maior conforto ambiental. Figura 05 – Áreas de Estar
A figura 05 exemplifica uma área de estar. A localização dos bancos (A), situados
próximos à vegetação, proporciona maior integração entre o usuário e o meio natural,
configurando espaços de contemplação. A água (B) é um ótimo elemento paisagístico, podendo ser utilizado como referencial.
Além do efeito visual (que transmite sensação de frescor e bem­estar), produz diferentes
efeitos sonoros, dando movimento à paisagem. O usuário pode também interagir com o
meio, brincando na água, por exemplo.
A vegetação, no caso uma árvore frondosa (C), pode também ser utilizada como
referencial, devido ao seu impacto visual, cheiro e som (a partir da atração de animais. A escolha de espécies vegetais com diferentes formas, texturas e odores (D) explora os
demais sentidos, além da visão.
Figura 06 – Área de estar com acesso por
rampa e escada
A figura 06 ilustra uma área de estar com acesso por rampa e escada. Por estarem
implantadas no mesmo local, oferecem igualdade de condição para a tomada de decisão,
quando podem optar pela forma de acesso que mais lhe convenha, conforme suas
habilidades e condições.
O mobiliário apresenta design apropriado para a aproximação da cadeira de rodas e
carrinhos de bebês, por exemplo, evitando a segregação de uso. Devido à rotação dos
bancos (por meio de trilhos nivelados ao chão), os usuários podem escolher a posição em
que se sentarão.
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
O ambiente acessível é aquele facilmente compreendido, que permite ao usuário seu
deslocamento e participação com segurança, conforto e autonomia nas diversas
atividades nele realizadas.
Um espaço público livre deve considerar a diversidade de seus usuários, garantindo a
todos a acessibilidade espacial por meio do acesso à informação, deslocamento, uso de
equipamentos e comunicação.
Assim, o projeto de um espaço público acessível exige profundo conhecimento das
capacidades e limitações apresentadas pelos respectivos usuários, que foram explícitas
nas dezesseis “Tabelas de Restrições dos Usuários”, elaboradas e exemplificadas nos
croquis ilustrativos.
O material resultante da pesquisa será posteriormente disponibilizado aos estudantes e
profissionais interessados na elaboração de projetos de espaços livres acessíveis, tendo
assim grande importância para a comunidade acadêmica.
5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ABNT – ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR 9050/2004 –
Acessibilidade a edificações, mobiliário, espaços e equipamentos urbanos, 2 ed. Rio de
Janeiro: ABNT, 2004.
BRASIL. Decreto n° 3.298, de 20 de dezembro de 1999 – Regulamenta a Lei n° 7.853,
de 24 de outubro de 1989 sobre a Política Nacional para a Integração da Pessoa
Portadora de Deficiência. Brasília, 1999.
BRASIL. Lei Federal n° 10.098, de dezembro, 2000. Estabelece normas gerais e
critérios básicos para a promoção da acessibilidade das pessoas portadoras de
deficiência ou com mobilidade reduzida, e dá outras providências. Brasília, 2000.
DISCHINGER, Marta. BINS ELY, Vera Helena Moro. MACHADO, Rosângela.
DAUFENBACH, Karine. SOUZA, Thiago Romano Mondini de. PADARATZ, Rejane.
ANTONINI, Camile. Desenho Universal em Escolas: acessibilidade na rede escolar
municipal de Florianópolis. Florianópolis: PRELO, 2004. 190 p.: il.
INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA – IBGE. Projeção da
população do Brasil: 1980­2050. Disponível em: <http://www.ibge.gov.br/>. Acesso em:
12 de outubro de 2005.
PANERO, Julius. ZELNIK, Martin. Dimensionamento humano para espaços interiores.
Um livro de consulta e referência para projetos. Barcelona: Editora Gustavo Gili, 2002.
320 p. Tradução Anita Regina Di Marco, arquiteta.
SANTOS, Milton. O espaço do cidadão. São Paulo: Nobel, 1987. Coleção espaços.
SOUZA, Juliana Castro. Análise da Paisagem: Instrumento de Intervenção nos Espaços
Livres da Lagoa da Conceição – Florianópolis. 2003. 103 p. Dissertação (Mestrado em
Engenharia de Produção) – Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis.
Contatos:
Vera Helena Moro Bins Ely: [email protected]
Juliana Castro Souza: [email protected]
Vanessa Goulart Dorneles: [email protected]
Ani Zoccoli: [email protected]
Mirelle Papaleo Koelzer: [email protected]
Osnildo Adão Wan­Dall Junior: [email protected]
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