ID: 61694603
04-11-2015
Tiragem: 33573
Pág: 30
País: Portugal
Cores: Cor
Period.: Diária
Área: 25,70 x 30,60 cm²
Âmbito: Informação Geral
Corte: 1 de 1
A luz será para todos
John C. Mather, o cientista que lidera o projecto internacional do telescópio espacial James Webb,
o anunciado sucessor do Hubble, está hoje no Porto para falar de luz e felicidade
DAVID HIGGINBOTHAM/EMMETT GIVEN/NASA
Conferência
Luís Miguel Queirós
A segunda edição do Fórum do Futuro abre esta noite no Porto com
uma conferência do astrofísico John
C. Mather, da NASA, o cientista que
lidera a vasta equipa internacional
que está a trabalhar para colocar
em órbita, a uma distância de 1,5
milhões de quilómetros da Terra,
o telescópio especial James Webb,
que nos deverá mostrar a formação
das primeiras estrelas e galáxias.
Inaugurar um colóquio internacional que se propõe discutir o
tema da felicidade com uma conferência de um prémio Nobel da
Física é uma dessas provocações
interdisciplinares em que facilmente se adivinha o dedo do vereador
da Cultura da Câmara do Porto,
Paulo Cunha e Silva, que este ano
concentrou o programa do Fórum
do Futuro em apenas cinco dias,
mas aumentou para vinte o número
de sessões, nas quais participarão
60 convidados.
“Queremos que se vá organizando numa lógica de festival, um Paredes de Coura do pensamento”,
diz Cunha e Silva, admitindo que a
escolha de Mather para a sessão de
abertura — marcada para as 21h30
no Teatro Municipal Rivoli — “é reveladora da estratégia” de um fórum que procura alargar o ângulo
de observação do futuro promovendo cruzamentos inesperados entre
físicos, químicos, cientistas sociais,
filósofos e criadores de vários domínios artísticos. A edição inaugural,
em 2014, abriu com o encenador
Bob Wilson, esta começa com um
cientista e fechará, no dia 8, com
um grande nome do design, Stefan
Sagmeister, autor de capas icónicas de discos de Lou Reed ou dos
Rolling Stones.
Uma diversidade que este ano
fica ainda bem sublinhada pelas
presenças simultâneas da artista e
escritora Sasha Grey, uma ex-actriz
de filmes pornográficos, que irá
conversar ao vivo com Julião Sarmento, e do padre Anselmo Borges,
que discutirá com Alexandre Quintanilha e Paulo Rangel os papéis da
religião, da ciência e da política na
busca da felicidade.
Na sessão desta noite, John C. Mather (na foto, em baixo) será acom-
de luz, mas era opaco, porque a luz
não podia passar” explica o físico.
“Mas como os átomos só absorviam
alguma dessa luz, a maior parte já
não encontrava obstáculos, e foi essa luz que chegou até nós.”
Mather “criou uma cosmologia de
precisão”, diz Fiolhais, sublinhando a importância da sua descoberta
de que a radiação cósmica de fundo não é uniforme, o que implica
que havia sítios no Universo onde
se criaram mais átomos, onde havia
mais matéria e se formaram mais
estrelas e galáxias. “Isto é muito importante para podermos perceber
o que aconteceu antes, quando o
Universo era opaco”, conclui.
Não arrumou as botas
Apesar do
prestígio da NASA
no imaginário
popular, Mather
“foi o primeiro
cientista da NASA
a ganhar o Nobel”
panhado pelos físicos portugueses
Carlos Fiolhais, da Universidade de
Coimbra, e Orfeu Bertolami, da Universidade do Porto. Considerando
“emblemático” que o fórum abra
com um físico, Carlos Fiolhais vê
nesta escolha “a sugestão de que a
nossa felicidade não é apenas terrena, que não nos basta o conforto
material para sermos felizes, que
esse conforto também passa por
percebermos de onde vimos e quem
somos”.
E se há cientista que tem contribuído para esse objectivo é o norte-americano John C. Mather, que
recebeu o Nobel da Física em 2006,
juntamente com George Smoot, pelo seu trabalho com o satélite COBE
(Cosmic Background Explorer Satellite), que investigou a radiação
cósmica de fundo no espaço. Apesar do prestígio da NASA no imaginário popular, Mather “foi o primeiro cientista da NASA a ganhar o
Nobel”, observa Carlos Fiolhais.
Já se sabia que esta radiação de
micro-ondas, experimentalmente
demonstrada em 1965, há 50 anos,
por Arno Penzias e Robert Woodrow
Wilson (que viriam a dividir o Nobel
da Física em 1978), está por todo o
Universo, mas o mérito de Mather,
explica Fiolhais, foi ter desenvolvido
instrumentos detectores de grande
precisão para recolher essa radiação
e ter convencido a NASA a aceitar o
projecto de construir um satélite para os colocar no espaço, acima das
perturbações da atmosfera.
A radiação cósmica de fundo, que
é uma das mais sólidas confirmações da teoria do Big Bang, “surgiu
quando o Universo tinha 300 mil
anos, o que são trocos, quase nada,
se pensarmos que a idade do Universo é de 14 mil milhões de anos”,
diz Carlos Fiolhais. Assim, o que o
COBE idealizado por Mather nos
revelou é “o Universo mais antigo
alguma vez visto, e provavelmente
o mais antigo que pode ser visto”.
É que estas micro-ondas, explica,
são “a radiação que se espalhou”
quando um Universo de “partículas
vadias e electrões”, ainda sem estrelas nem galáxias, arrefeceu e se
criaram condições favoráveis para
os electrões se juntarem aos núcleos atómicos, formando os primeiros átomos. Antes da criação dos
átomos, “o Universo estava cheio
Mas até nem será tanto do COBE que
Mather virá falar ao Porto, neste final do Ano Internacional da Luz. “Ao
contrário de muitos prémios Nobel,
que arrumam as botas, Mather [hoje com 69 anos] continuou a trabalhar”, nota Fiolhais, desenvolvendo
novos detectores que irão integrar
o telescópio espacial James Webb
[na foto], que deverá ser colocado
no espaço a 1,5 milhões de quilómetros da Terra, num ponto em que as
atracções gravitacionais da Terra e
do Sol se equilibram.
O que se pretende com este sucessor do Hubble, resume o físico
português, é ver a formação das
primeiras estrelas e galáxias e verificar se há condições de vida longe
da Terra, ou mesmo fora da nossa
Via Láctea. O lançamento do James
Webb, um projecto internacional
que envolve a Agência Espacial Europeia — “há componentes que estão a ser construídos em Portugal”,
adianta Fiolhais — está previsto para 2018, mas a escalada dos custos
pode atrasar o calendário. “Já vai
em nove mil milhões de dólares,
dez vezes mais do que se previa no
início”, diz, observando que “não é
só cá que temos derrapagens”.
Para o físico, “procurar a luz mais
antiga é uma forma de nos alumiarmos, de ficarmos menos às escuras
no Universo”, e o lançamento do
telescópio James Webb responde
a esse desejo que Goethe exprimiu
nas suas últimas palavras: “Mais
luz!” E Carlos Fiolhais conclui: “Esperamos ver os primeiros sóis que
se formaram, e quando os virmos,
essa luz será para todos.”
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A luz será para todos / Público / 04.11