Mergulho recreativo da SSI – Latinoamerica e o patrimônio cultural subaquático O ponto de partida para essa nossa reflexão é a necessidade de mudança de atitudes do mergulho recreativo, nesse novo milênio, para com os sítios arqueológicos subaquáticos no mundo, e em particular na América Latina. Essa nova tendência de um relacionamento responsável por parte dos visitantes desses bens culturais – os mergulhadores –, interage com a Convenção da UNESCO para a Proteção do Patrimônio Cultural Subaquático, adotada em novembro de 2001. Esta Convenção entende que os vestígios arqueológicos submersos, testemunhos materiais de atividades humanas passadas, compõem a herança cultural de todos os povos, ou seja, da humanidade. E, portanto, não podem ser explorados em benefício de uma minoria. Logo, reconhece a ciência arqueológica sistemática como sendo a única maneira investigativa e interpretativa de se intervir com responsabilidade sobre esse patrimônio e de se produzir conhecimento sobre ele. Assim, condena a idéia errônea que se criou no universo do mergulho recreativo, de que a Arqueologia Subaquática é um ramo do mergulho. Mito criado por aventureiros do século passado, que deu origem a exploração irresponsável e a retirada de objetos de sítios arqueológicos submersos para a exploração comercial (“caça ao tesouro”), pessoal (“caça ao suvenir”) ou para mera ilustração da história. Neste contexto, preocupada com o futuro do patrimônio cultural subaquático nos países latino-americanos – vítimas de poderosos lobbies de empresas de "caça ao tesouro", que assediam as autoridades em nome da “livre iniciativa”; e de atitudes de alguns indivíduos em promover a “caça ao suvenir” – a SSI Latinoamerica recusa quaisquer compromissos de seus agentes com essas atividades. A SSI – Latinoamerica acredita que o desrespeito e a depredação do patrimônio cultural subaquático – bens de características únicas e não renováveis –, principalmente dos restos de navios naufragados, deve-se ao desconhecimento, à desinformação. Por isso passa, a partir desse momento, a exigir por parte de seus agentes (escolas e instrutores), informações voltadas à conscientização e à educação patrimonial na preparação dos mergulhadores recreativos. Essas novas atitudes, que demonstram explicitamente uma mudança na mentalidade do mergulho recreativo, fazem diferença não só do ponto de vista ético do mergulhador recreativo, mas também no produto a ser oferecido no mercado. Pois, preconizam uma harmonia entre o patrimônio ambiental e o patrimônio cultural. Assim, da mesma maneira que se retiraram das vitrines e dos ambientes das lojas (escolas) de mergulho, das aulas de mergulho e do mergulho, as idéias de suvenires naturais (conchinhas, corais, etc.); pretende-se agora, a mesma atitude em relação ao patrimônio cultural. Os objetos provenientes de sítios arqueológicos subaquáticos, que servem de adornos decorativos, também devem sair das vitrines e dos ambientes das lojas (escolas) de mergulho. O mesmo deve acontecer com as aulas de mergulho, e principalmente com as aulas de Mergulho em Naufrágio (que devem ser revistas), nas quais o instrutor deverá servir de exemplo dessa nova relação de respeito com os bens culturais submersos; e enfim o próprio mergulho, e em particular o Mergulho em Naufrágio, que deverá acontecer desprovido das déias dos “suvenires de aventuras”, e ser voltado unicamente a oportunidade de contemplar embaixo d’água uma página da história. Gilson Rambelli é Mestre e Doutor em Arqueologia pelo Museu de Arqueologia e Etnologia da Universidade de São Paulo (MAE-USP); Responsável pelo Centro de Estudos de Arqueologia Náutica e Subaquática (CEANS) do Núcleo de Estudos Estratégicos da Universidade Estadual de Campinas (NEE / UNICAMP); Membro do International Committee on Underwater Cultural Heritage / International Council of Monuments and Sites (ICUCH / ICOMOS); Instrutor da Nautical Archaeology Society (NAS - UK).