Revista dos Transportes Públicos - ANTP - Ano 26 - 2004 - 3º trimestre PLANEJAMENTO ESTRATÉGICO de transportes, objeto do conhecido Livro Branco, os respectivos valores a serem agregados à economia, o realismo dos cronogramas e as perspectivas concretas de financiamento. Europa/2020: um mega-plano estratégico de transportes AN P Frederico Bussinger Consultor. Foi diretor do Metrô de São Paulo e do porto de Santos (Codesp), presidente da CPTM e secretário executivo do Ministério dos Transportes Os números são impressionantes: 600 bilhões (± US$ 770 bilhões), aproximadamente 50% mais que todo o PIB brasileiro de 2003. Essa é a dimensão do mega-projeto previsto para as duas próximas décadas, denominado de Rede Trans-Européia de Transportes, aprovada pela Comissão Européia em meados de 2003, em Bruxelas. Ele resulta do relatório elaborado pelo GT, coordenado pelo ex-comissário de Transportes Karel van Miert e composto pelos 15 países membros, pelos 12 então em processo de adesão e pelo Banco Europeu de Investimento (BEI). Visto sob outro ângulo, tais investimentos são quase 50 vezes maiores que os R$ 35 bilhões estimados para serem investidos no Estado de São Paulo, no mesmo período, pelo Plano Diretor de Desenvolvimento dos Transportes - PDDT, elaborado por sua Secretaria dos Transportes. Aquele GT analisou, durante 6 meses e 10 reuniões plenárias, mais de 100 projetos propostos pelos diversos países e, alem de re-confirmar cinco, ainda pendentes dos trabalhos do Grupo Christophersen (1994), confirmados posteriormente também pelos Conselhos de Essen e Dublin, selecionou outros 22 novos projetos que abrangem todos os modais de transportes, debutando as auto-estradas marítimas no Mediterrâneo, Báltico e Atlântico. Chama a atenção, também, a construção de uma ponte ligando a Sicília à Itália continental, além da implantação de uma malha ferroviária dedicada ao transporte de cargas, cuja primeira linha, a Betuwe Line, já se encontra em estágio bastante avançado de implantação: 160 km, a partir do porto de Rotterdam – Holanda, 125 km/h de velocidade comercial e capacidade nominal de movimentação de 175 milhões de toneladas/ano. Na sua análise o GT levou em consideração diversos aspectos técnicos e econômicos, a adequação de cada projeto à política européia 83 Dos projetos selecionados 18 deverão estar iniciados até 2010 e têm inaugurações previstas praticamente para cada um dos anos vindouros, a começar pela Ferrovia Lisboa-Faro e Lisboa-Valladolid, em 2004. O conjunto desses primeiros projetos envolve cerca de 40% do valor total dos investimentos previstos, ou seja, 235 bilhões (± US$ 300 bilhões), o que representa 0,16% do PIB europeu durante o período. Segundo a atual comissária, Loyola de Palacio, “... esse plano é indispensável para que o sonho do mercado interno europeu, funcionando plenamente, se transforme em realidade”. E acrescenta: “Seu objetivo maior é prover artérias que possibilitem a circulação e a aproximação de pessoas e bens no mercado interno”; mas, alem disso, “... tais investimentos injetarão dinamismo na apática economia européia”. Essa é, também, a base da exposição de motivos para encaminhamento do plano ao Parlamento Europeu, para aprovação final. Sua estratégia, para consecução dos objetivos estabelecidos, é a eliminação progressiva de um conjunto de gargalos (tal como também propõe o PDDT e o fez o Desobstruindo as artérias para o desenvolvimento, elaborado pelo Ministério dos Transportes em 1993). Dentre aqueles principais destacam-se as ligações trans-Alpes e trans-Pirineus. Alem disso, o plano tem como diretrizes: Melhorar as ligações com os países da Europa central e oriental e melhor explorar as alternativas modais mais eficientes em termos energéticos e econômicos, e mais amigáveis ambientalmente: é nesse contexto, p.ex., que se inserem as auto-estradas marítimas e a revitalização de hidrovias e ferrovias o que, evidentemente, promoverá uma alteração na atual matriz de transportes continental. O grande desafio (também lá na Europa!) será a concepção e montagem de uma estrutura de financiamento que suporte projetos dessa dimensão, matéria sobre a qual o relatório dedica um capítulo especial. Para tanto, “... é imprescindível que seja estabelecido um marco regulatório mais claro, homogêneo e estável, a fim de que o setor privado seja encorajado a assumir maior parcela dos riscos dos empreendimentos e faça fluir maiores parcelas de seus fundos para financiar a implantação de infra-estruturas”, diz o coordenador do GT; no linha das PPP, atualmente tão em evidência entre nós. As modificações para tanto, propostas pelo relatório, estão focadas nos direitos de concessão, na metodologia de tarifação pelo uso da infra-estrutura, e nos mecanismo de garantia de empréstimos. 84 Europa/2020: um mega-plano estratégico de transportes Apesar da busca por maior envolvimento do setor privado, também a participação do setor público está sendo repensada: propõe-se a ampliação tanto dos percentuais (para 75% dos investimentos totais) como dos prazos de financiamento (para 35 anos) do BEI, além do aumento de 10% para 20% como participação da Comissão nos projetos trans-fronteiras. Evidentemente que as características físicas, a ocupação espacial, a natureza e a dimensão dos fluxos, o ponto de partida e a dimensão dos projetos são bastante distintos do caso brasileiro. No entanto, em termos de objetivos, de ênfases estratégicas, de limitadores (qualitativos) e de metodologia há muitas analogias que podem ser feitas entre Europa e Brasil, o mais importante dos quais talvez seja o tratamento a ser dado aos marcos regulatórios (algo a que damos pouca atenção!) e sua interação com a estrutura de financiamento dos projetos. Merece ser acompanhado! 85