SIMULAÇÃO NO ENSINO EM SAÚDE: REFLEXÕES SOBRE APLICAÇÃO
PRÁTICA, FORMAÇÃO EM SAÚDE E ÉTICA.
Raphael Raniere de Oliveira Costa1
Soraya Maria de Medeiros2
João Bosco Filho3
Maria Betânia Maciel da Silva4
Resumo:
O grande desafio contemporâneo da educação formativa em saúde é ser capaz
de desencadear a visão do todo. Com a necessidade de proporcionar a
integralidade em saúde, as novas premissas em educação propõem a
aprendizagem que envolve a auto-iniciativa, alcançando dimensões afetivas e
intelectuais mais estáveis e duradouras, utilizando a problematização como
estratégia, evidenciando o conceito de aprender fazendo, vinculando o
processo de ensino-aprendizagem aos cenários práticos. Assim sendo, a
simulação apresenta-se como poderosa ferramenta neste contexto. O trabalho
tem por objetivo refletir sobre os aspectos positivos da simulação como
metodologia de ensino em saúde, considerando a análise do processo de
construção de cenários práticos de situações simuladas. A partir de um ensaio
reflexivo, discute-se a simulação como metodologia de ensino em saúde a
partir da perspectiva da formação integral dos sujeitos. Para tanto, discute-se
os valores humanísticos e subjetividade, competências técnicas, éticas como
eixos periféricos pertinentes a essa proposta. Neste sentido reflete-se sobre a
contribuição da simulação como instrumento potencialmente transformador da
prática formativa em saúde e atenta-se para a construção de cenários
simulados com objetivos que pontuem aspectos éticos, técnicos e sociais
necessários a prática profissional mais próxima de uma lógica integral e
complexa.
Descritores: Simulação. Formação em Saúde. Ética.
1 – Enfermeiro. Especialista em Vigilância Sanitária. Mestrando do Programa de PósGraduação em Enfermagem da Universidade Federal do Rio Grande do Norte- UFRN. E-mail:
[email protected]
2 – Enfermeira. Doutora. Docente do Departamento de Enfermagem da Universidade Federal
do Rio Grande do Norte – UFRN. E-mail: [email protected]
3 – Enfermeiro. Doutor em Educação. Docente da Universidade Potiguar – UnP. E-mail:
[email protected]
4 – Enfermeira. Mestre em Enfermagem. Docente da Universidade Potiguar – UnP. E-mail:
[email protected]
1 – INTRODUÇÃO:
O grande desafio deste início de século está na perspectiva de se
desenvolver a autonomia individual em íntima coalizão com o coletivo. A
educação deve ser capaz de desencadear uma visão do todo, tanto no quesito
interdependência. quanto na perspectiva de transdisciplinaridade, além de
possibilitar a construção de redes de mudanças sociais, com a conseqüente
expansão da consciência individual e coletiva¹
Portanto, um dos seus méritos está na crescente tendência à busca de
métodos inovadores, que permitam uma prática pedagógica ética, crítica,
reflexiva e transformadora, ultrapassando os limites do treinamento puramente
técnico, para efetivamente alcançar a formação do homem como um ser
histórico, inscrito na dialética da ação-reflexão-ação¹.
Nesse contexto, as discussões sobre o processo de formação em saúde
perpassam pela construção de novas estratégias de ensino que sejam capazes
de tornar a formação pertinente, atendendo às necessidades de construção de
competências e habilidades não só no campo técnico, mas também diante de
uma nova postura ética e política.
Contemplando essa necessidade e aliando à compreensão de que a
reprodução e repetição de procedimentos auxiliam na fixação de informações e
práticas, a simulação como metodologia confere a idéia de ensino baseado em
tarefas reproduzindo situações em um modelo artificial. Assim, esta estratégia
no âmbito do ensino em saúde contribui de forma significativa para melhor
assimilação das informações adquiridas no processo de formação, podendo
possibilitar a eliminação/diminuição de erros na prática clínica.
Compreendendo que essa modalidade metodológica contribui de forma
direta para o desenvolvimento de competências e habilidades no contexto de
formação em saúde, o estudo tem por objetivo: refletir sobre os aspectos
positivos da simulação como metodologia de ensino em saúde, a partir da
análise do processo de construção de cenários práticos de situações
simuladas. Espera-se que este estudo possa contribuir para o aguçamento de
ideias no que concerne ao processo de formação em saúde a partir da
contextualização dos aspectos éticos intrínsecos a temática.
2 – TECENDO AS DISCUSSÕES
Nos últimos anos, o Sistema Único de Saúde (SUS) tem buscado
mudanças no modelo assistencial, com a finalidade de torná-lo mais efetivo na
resposta às necessidades da população. Para tanto, a formação do profissional
de saúde é um dos grandes desafios do SUS, o que exige, para uma formação
com qualidade.
Ao reconhecer a importância de uma formação voltada para atender aos
princípios e diretrizes do SUS, ou seja, para a universalidade, a equidade, a
integralidade e o controle social, os espaços institucionais de formação em
saúde assumem também um compromisso com a transformação do ensino,
que deve ter como perspectiva a formação de um profissional crítico e reflexivo,
com competências técnicas, éticas e políticas capazes de intervir de modo
efetivo frente aos problemas de saúde presentes nas realidades nas quais
estejam inseridos.
Para tanto, é preciso trazer para o espaço da formação, novas reflexões
sobre a vida e sobre o ser humano, que não podem mais ser compreendidos
de modo isolado, estanques, reduzidos somente à dimensão biológica. É
preciso reconhecer que esse sujeito está inserido em um contexto que,
recursivamente, o constrói e é construído por ele.
Uma destas modificações consiste na utilização crescente da simulação
como instrumento facilitador da prática, de procedimentos práticos e avaliação
de competências. Uma vez que através de situações simuladas o discente
pode repetir inúmeras vezes um procedimento que até então só tinha
oportunidade de executá-los nas práticas supervisionadas, ficando sujeitos a
limitações éticas e técnicas.
Nessa perspectiva, a simulação pode ser definida como “técnica” em
que se utiliza um simulador, considerando-se simulador como um objeto ou
representação parcial ou total de uma tarefa a ser “replicada”², em síntese, é
uma tentativa “de replicar alguns ou quase todos os aspectos essenciais da
situação clínica, para que a situação possa ser mais facilmente compreendida
e gerenciada quando ocorre para a prática clínica real”³.
No tocante ao EBT (Ensino Baseado em Tarefas), temos que nessa
modalidade metodológica o discente é confrontado com um problema e
sequencialmente submetido a um processo de busca de subsídios para sua
resolução. Além disso, este assume um papel ativo na aquisição de conceitos
necessários para compreensão e resolução dos problemas confrontados4,
pontuando assim a proposta das metodologias ativas tão discutidas no cenário
do ensino superior nos dias atuais.
3 – COMPREENDENDO A RELEVÂNCIA E SUGERINDO MUDANÇAS
Como toda metodologia de ensino, a simulação também é dotada de
limitações, entretanto, reconhecer a relevância da introdução desta no contexto
da formação em saúde se faz necessário tão quanto fazer algumas
considerações sobre os cuidados requeridos ao planejar uma atividade prática
que evolva tal percurso metodológico.
Assim, considera-se que as construções desses cenários práticos
devem levar em conta a inserção de objetivos que perpassem e contemplem
habilidades e sensibilidade, de modo a minimizar os problemas decorrentes do
tecnicismo utilitarista que, na maioria das vezes, desviam-se do foco da
observação dos fatores subjetivos daqueles que serão alvo das aplicações de
procedimentos no âmbito terapêutico.
Dessa forma, na medida em que são realizadas simulações de parto, por
exemplo, repetindo exaustivamente as manobras pertinentes a tal, é de suma
relevância também considerar os aspectos subjetivos que envolvem esse
momento de grande significância na vida da figura feminina.
Além dos questionamentos sobre o método e as limitações econômicas,
técnicas, científicas e culturais, são necessárias refletir sobre a importância de
mesclar à objetividade e prática dos cenários de simulações a subjetividade e
valores éticos e morais pertinentes a tal.
Essa necessidade surge a partir da própria sociedade, que ao mesmo
tempo em que condena e repudia as práticas experimentais em pessoas e
animais,
exige
destes
profissionais
habilidades
e
competências
que
ultrapassem a esfera prática. E, por ser a simulação uma metodologia que é
dotada da dinâmica técnica, a observação da utilização desta deve ser
corriqueira, de modo a evitar a fragmentação do pilar da humanização. Nesse
contexto, o desafio para aqueles que fazem da simulação uma ferramenta de
ensino-aprendizagem no ensino da saúde, consiste em agregar valores
humanísticos a práticas tecnicistas, contribuindo assim para uma formação
mais pertinente as necessidades dos sujeitos e do Sistema Único de Saúde.
4 – REFLEXÕES FINAIS
Portanto, percebe-se que a implementação da simulação no espaço
acadêmico é de suma relevância, tanto por ser capaz de proporcionar
melhorias na associação da teoria e prática numa perspectiva dialógica, quanto
por se tratar de atividades integrativas e estimularem a capacidade cognitiva e
a tomada de decisões rápidas.
Os inúmeros relatos de descasos e a falta de comunicação entre
profissionais da área da saúde e pacientes retratam e evidenciam a imagem de
uma formação deficiente no quesito sensibilização/humanização. Reflexos
estes que são, também, frutos da desagregação de saberes e fragmentação do
conhecimento. Assim a necessidade de construção de cenários, para as
práticas de simulação, com a inserção de objetivos que pontuem o campo
subjetivo dos sujeitos se torna real e relevante nesse processo de construção
de conhecimento.
Refletindo sobre os aspectos estruturais dos cenários para as
simulações em saúde, sugere-se que durante esta edificação a decomposição
dos seus elementos básicos seja inserida a proposta dos objetivos mais
subjetivos que pontuem as premissas da humanização, de modo que o
professor facilitador possa atentar para tais observações. Dessa forma, assim
como o aprendizado de modo padronizado fornecido pela repetição das
técnicas, o discente possa ser estimulado a incorporar tais hábitos no contexto
das suas ações, reproduzindo corriqueiramente estas condutas, reforçando o
seu papel ético, técnico e social.
Dessa forma, a elaboração dos cenários práticos devem conter objetivos
gerais e específicos que contemplem a unificação desse dualismo, e que a
moldagem dessa estratégia metodológica permita a aplicação de abordagens
técnicas e a construção da articulação de diversos saberes e práticas de forma
que esta atenção em saúde não adquira características fragmentadas.Sendo
assim, a aquisição de competências e habilidades com a perspectiva de visão
complexa proporciona benefícios que contempla o despertar dos fatores
subjetivos pertinentes a tal de modo que as possibilidades de erros na prática
clínica possam ser eliminados ou reduzidos e que o atendimento humanizado
possa ser ofertado.
REFERÊNCIAS
1 – Mitre SM, Batista RS, Mendonça JMG, Pinto NMM, Meirelles CAB, Porto
CP, Moreira T, Hoffmann LMA. Metodologias ativas de ensino-aprendizagem
na formação profissional em saúde: debates atuais. Ciência & Saúde Coletiva
(Rio de Janeiro) 2008; 13 (2): 2133-2143.
2 - Ziv A, Wolpe PR, Small SD, Glick S. Simulation-based medical education:
an ethical imperative. Acad Med 2003; 78(8):783-8.
3 – Morton PG. Creating a laboratory that simulates the critical care
environment. Critical Care Nurse 1995; 16(6), 76-81.
4 - Pazin Filho A, ScarpeliniS. Simulação: definição. Medicina (Ribeirão Preto)
2007; 40(2): 162-6.
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