ANTÓNIO MOURATO Um casal, magnificamente trajado, símbolo dessa nova era de felicidade, contemplava, junto ao sítio onde fora demolido o rochedo, a passagem de barcos engalanados de bandeiras. A seu lado estava o engenheiro Yola que recebia, orgulhoso, os agradecimentos pela obra realizada. Mais abaixo, junto ao rio, lavradores pulavam de contentamento e acenavam com os chapéus para as tripulações dos barcos, que lhes respondiam com gestos exuberantes ou então dançando e cantando ao som de uma guitarra. Simbolizavam estes, o progresso comercial, que ganhara definitivamente novo fôlego com o alargamento da navegação do rio. Era o perfeito idílio económico: “eis como agora é próspero e feliz o Douro Superior, graças à nossa sábia Companhia”, gritava agora Baptista Ribeiro, fazendo o contraponto com a primeira aguarela. Todavia, a realidade não era assim tão fantástica, em 1810. Pensa-se que só por volta de 1820, se começaram a formar as primeiras grandes quintas de produção de vinho no Douro Superior e o seu desenvolvimento não foi fulgurante81. No mapa da região elaborado em 1842, por J. J. Forrester pode verificar-se que as áreas consagradas à produção de vinho no Douro Superior eram ainda diminutas e ainda em 1876 se notava grande atraso dessa região, relativamente ao Alto Douro82. Os adversários da Companhia reconheceram que a obra do rompimento do Cachão era muito boa e digna de elogio, mas, por outro lado, censuravam aquele organismo de pouco ou nada fazer para atenuar as dificuldades que o rio apresentava à navegação. Desce o barco pelo Rio, e de quarto em quarto de legoa encontra hum baixo, ou escolho, denunciavam. Mas a Companhia é que não se esquecia de cobrar os 40 réis por cada pipa, para quebrar os escolhos83.... Além disso, continuavam incultos muitos terrenos nas margens do Douro, afirmavam84. Ou seja, acusavam, na prática, a Companhia de não saber tirar qualquer partido da grande obra que realizara, à semelhança do que fazia com tudo o resto. Baptista Ribeiro respondia com as suas aguarelas que isso não era verdade: ali estavam os barcos cheios de pipas para comprovar que tal como a Companhia fizera do Alto-Douro uma espécie de paraíso, o mesmo já estava a acontecer com o Douro Superior, a quem arrancara de estado lastimável, visível na primeira imagem. Ao mesmo tempo, os textos de propaganda pró-Companhia anunciavam já o gosto com que os habitantes do Douro Superior cultivavam as suas terras, agora muito mais valorizadas85. Baptista Ribeiro executou estas aguarelas quando era ainda aluno da Aula de Desenho da Real Academia da Marinha e Comércio86. Não admira portanto, que nelas estejam patentes as influências do seu percurso escolar. No que respeita à composição, revelam a influência de um pintor paisagista alemão chamado Jakop Phillip Hackert, do qual existiam na Aula de Desenho da Academia Real da Marina e Comércio diversas estampas87, uma das quais Baptista Ribeiro copiou no seu exame de 180888. Já a aplicação da tinta, muito diluída, em pequenas pinceladas desenvoltas 206