Periscópio – Boletim eletrônico da Fundação Perseu Abramo e
Secretaria Nacional de Formação Política do PT
Edição nº14
São Paulo, março de 2002
II Fórum Social mundial
abre nova era da luta pelos direitos
Em Porto Alegre, expandiu-se e consolidou-se um campo internacional que recria a legitimidade
para uma nova e rica convergência entre ação política e movimentos sociais.
Nem mesmo a poderosa ofensiva conservadora desencadeada pelo governo Bush, a partir dos
atentados de 11 de setembro, conseguiu deter o fluxo de crescimento dos movimentos políticos e
sociais críticos e alternativos à globalização neoliberal. São impressionantes os números do II
Fórum social Mundial: 15.230 delegados de 4.909 organizações sociais, vindos de 131 países. Ao
todo, a organização do Fórum contabilizou 51.300 participantes, que protagonizaram na capital
gaúcha centenas de seminários, oficinas, passeatas e festas inesquecíveis. Mais de 11.500 jovens
compareceram ao Acampamento Internacional.
Cresceu de forma significativa a participação de africanos e asiáticos. Para dezembro deste ano,
está prevista a realização de um Fórum Regional Afro-asiático, provavelmente em Nepal. Além do
Brasil que compareceu com 8.503 delegados, os países que tiveram maiores delegações foram:
Itália, 979; Argentina, 929; França, 682; Uruguai, 465 e EUA, 406.
Em Porto Alegre, reuniram-se também o Fórum Parlamentar Mundial (com 1.115 representantes),
o Fórum de Autoridades Locais (mais de 200 prefeitos de 29 países), o Fórum preparatório ao
encontro de cúpula mundial Rio + 10 sobre desenvolvimento sustentável, além de um encontro
internacional de juizes. Foi instituída uma rede parlamentar internacional, cuja coordenação
caberá a quatro parlamentares latino-americanos e três europeus.
A luta pela paz foi um dos temas centrais do Fórum. A idéia de que um “Mundo sem guerras é
possível” ganhou as ruas de Porto Alegre, na passeata de 50 mil que terminou nas margens do rio
Guaíba, local da abertura oficial do II FSM. Durante o Fórum, foi organizada uma sessão simbólica
de orçamento participativo, na qual se votaram destinações alternativas aos 800 bilhões de
dólares que são gastos pelos governos do mundo anualmente em armamentos. Uma mesaredonda com a presença de quatro personalidades ganhadoras do Prêmio Nobel da Paz e da ONG
Médicos sem fronteiras foi, sem dúvida, um dos momentos mais expressivos.
Um novo campo político
Mais além dos números, a novidade histórica do Fórum Social Mundial só pode ser avaliada à luz
da evolução político cultural das últimas décadas. A grande ofensiva neoliberal, iniciada com as
vitórias de Thatcher e Reagan, e que projetou as suas sombras até os anos noventa, provocou
uma sucessão de conjunturas regressivas no que diz respeito à luta pelos direitos democráticos e
sociais.
O que o Fórum Social cria, no plano internacional, é um novo campo político capaz de conferir
legitimidade a um novo ciclo de lutas por direitos. E, no interior deste ciclo, uma cena histórica
propícia à reconfiguração das utopias do socialismo democrático. Assim como o pós-guerra foi o
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cenário da institucionalização e generalização de direitos sociais e 1968 marcou o início de uma
nova sensibilidade perante os chamados direitos da quarta geração (de mulheres, negros,
homossexuais, ecológicos), o Fórum Social Mundial deve ser interpretado como o palco de
gestação de uma nova era de direitos. Direitos que poderíamos chamar, na linha de Norberto
Bobbio, como de quinta geração, que têm por identidade exatamente o fato de que para se
efetivarem dependem de mudanças profundas na ordem política e econômica mundial.
Este tema foi percebido com acuidade pela professora da Unicamp, Maria da Gloria Gohn, no
ensaio “De Seattle a Gênova”. Uma radiografia dos movimentos antiglobalização”, publicado no
Folhetim do dia 27 de janeiro. Nele, se diz que o movimento anti-globalização “tem elaborado
uma nova gramática no repertório das demandas e dos conflitos sociais, trazendo novamente as
lutas sociais para o palco da cena pública e a política para a dimensão pública - tanto na forma de
operar, nas ruas, quanto no conteúdo do debate que trouxe à tona: o modo de vida capitalista
ocidental moderno e seus efeitos destrutivos sobre a natureza.”
Podemos identificar seis dimensões desta “nova gramática” em formação, que recolhe elementos
da herança dos movimentos de 68 em uma nova visão de esquerda, para além da divisão histórica
entre as tradições da social-democracia e da URSS.
A primeira dimensão é a de criar uma agenda convergente para lutas emancipatórias do “norte” e
do “sul” do planeta. Com epicentro no sul, O Fórum vai além dos horizontes terceiro-mundistas
integrando questionamentos aos valores da civilização do capitalismo avançado.
A segunda dimensão é uma resultante da primeira: a convergência entre demandas
“materialistas” (de carecimento físico e social) e aspirações pós-materialistas (de modos de vida
alternativos). Os anticapitalismos ou movimentos tópicos de resistência são incentivados assim a
alargar o seu campo de visão para novos modelos civilizatórios.
Em terceiro lugar, as noções de homogeneidade e unidade são substituídas pelas de diversidade e
convergência. As redes associativas e as coordenações são, por excelência, as formas
organizativas de um movimento que preza tanto o respeito às diferenças quanto a luta contra as
opressões da desigualdade. O pluralismo daí resultante vitaliza os procedimentos democráticos
como modo de construção e de relação entre os atores.
Uma quarta dimensão parece ser a combinação das experiências institucionais com os
movimentos sociais, fincando uma forte raiz nestes últimos. Nem a fé estatista nem uma defesa
acanhada da “autonomia” dos movimentos sociais, alheios às dinâmicas mais amplas de
democratização do poder político e econômico. O que parece crescer é a própria noção de espaço
público, de cidadania ativa, da qual o orçamento participativo é a estrela principal.
Uma quinta dimensão parece ser a afirmação de uma ética da não violência (que inclui também
um vasto repertório de ações de desobediência civil) como chave para a luta emancipatória. O
Comitê de Organização Internacional do Fórum negou o credenciamento a uma delegação do ETA
basco, que faz uso de métodos terroristas. Não basta que a reivindicação pela qual se luta seja
justa; é preciso também que os caminhos da emancipação também incorporem os valores de
justiça e liberdade.
Uma última dimensão parece ser a renovação da cultura anti-imperialista da esquerda, não mais
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atrelada a alinhamentos automáticos a campos ou poderes geograficamente ou politicamente
delimitados. A crítica ao governo dos EUA esteve no centro do II Fórum Social Mundial mas a
partir de uma perspectiva universalista, contrária à qualquer assimetria de poderes e riquezas
entre Estados, nações, etnias e religiões.
O II Fórum e as eleições presidenciais
A presença da mídia (cerca de 1.050 veículos de todo o mundo), a carta do secretário-geral da
ONU especialmente dirigida ao FSM, bem como a própria presença de organismos como a OIT,
Unesco e Unicef atestam o impacto do II FSM sobre a conjuntura mundial. O próprio Fórum
Econômico Mundial, desta vez reunido em New York e não em Davos, introduziu em sua agenda
vários temas de alcance social, embora sua dinâmica global estivesse claramente configurada pela
agenda imposta pelo governo Bush.
Impossibilitada de ignorar o evento, a mídia brasileira em geral procurou dois caminhos de
tratamento editorial: ou frisou a suposta falta de propostas do evento, concentrando notícias no
que o Fórum abrigava de eventualmente excêntrico ou burlesco, ou buscou aproximá-lo da “nova
sensibilidade social” do Fórum Econômico Mundial.
Mas, ao contrário, o que predominou no II Fórum Social Mundial foi o espírito de traduzir a crítica
em uma agenda propositiva alternativa (com os chamados “painéis de convergência”) e aproximar
o ciclo de manifestações internacionais das dinâmicas de lutas continentais e nacionais. Para este
ano, serão realizados Fóruns Regionais na Europa Mediterrânea, na Califórnia, em Quito (latinoamericano), além do afro-asiático já citado. Entre as mobilizações propostas, está, por exemplo, a
realização de plebiscitos em países da América Latina sobre a adesão à Alca.
Não deixa de ser sintomático que o recente encontro de cúpula da chamada “Terceira Via”
realizado na Suécia, ao qual compareceu Fernando Henrique Cardoso e reuniu doze chefes de
Estado, não tenha chamado a atenção sequer da mídia local quanto mais da mídia internacional
(embora fartamente coberto pela imprensa governista brasileira). O charme de Tony Blair na cena
internacional ficou seriamente comprometido com o seu papel de coadjuvante à sombra do
Pentágono na recente guerra do Afeganistão.
Respeitando a natureza pluralista e supra-partidária do evento, as lideranças e militantes do PT
tiveram forte presença no Fórum. Um dos principais animadores desta nova cultura política que o
enriquece e põe em contato com os novos ares do mundo, o PT tem o grande desafio de traduzir
nestas próximas eleições presidenciais o espírito do II Fórum Social Mundial. Isto é, incentivar
esta nova convergência entre movimentos sociais e atores políticos em torno a vastas e
promissoras jornadas de luta pelos direitos.
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Eleições na CNI revelam impasses do empresariado
A financeirização e a desnacionalização da economia brasileira nos anos noventa
aprofundaram as carências históricas da ação política dos empresários.
As eleições para a Confederação Nacional da Indústria, a serem realizadas em julho, expressam o
mal estar vigente no meio empresarial. Aquele que é apontado como o provável próximo
presidente da entidade - o deputado federal peemedebista Armando de Queiroz Monteiro Neto - é
alvo, segundo a revista Carta Capital, de processos judiciais por fraude, tem a instituição
financeira da família (o Banco Mercantil de Pernambuco) em liquidação desde 1996, além de ser
acusado de desviar recursos da Federação das Indústrias do Estado de Pernambuco para sua
eleição. O atual presidente da CNI, Fernando Bezerra, senador pelo Rio Grande do Norte, foi
afastado do cargo de ministro no ano passado por irregularidades na utilização de recursos da
Sudene.
O conflito não expõe apenas a face problemática das relações de certas lideranças empresariais
com as leis e com a ética. Opõe interesses e lideranças do sul e sudeste ao norte e nordeste: a
candidatura à presidência da CNI do deputado paulista do PFL e ex-presidente da Fiesp, Carlos
Eduardo Moreira Ferreira, que tinha o apoio de Jorge Gerdau, Lázaro Brandão, Antônio Ermírio de
Moraes soçobrou diante do controle do voto da maior parte das federações estaduais pelos
empresários nordestinos. O empresário paulista decidiu, afinal, ser vice na chapa de Monteiro.
Mesmo a candidatura de Stefan Salej, ex-presidente da Federação das Indústrias de Minas Gerais
e relacionado ao PSDB, não teve fôlego.
A CNI é a organização de cúpula dos industriais, que segue o modelo corporativo herdado da era
varguista, assentado em bases territoriais e em contribuições compulsórias. É uma máquina
sindical poderosa: seu orçamento anual em 2001 foi de 2,38 bilhões de reais. A maior parte deste
montante financia escolas e clubes do Serviço social da Indústria (Sesi) e do Serviço Nacional de
Aprendizado Industrial (Senai).
Como se sabe, a representação de interesses dos empresários industriais tem uma estrutura dual,
formada pelas organizações corporativas (sindicatos, federações e confederação nacional) e
associações nacionais setoriais de caráter voluntário, como as do ramo eletro-eletrônico, de
autopeças, máquinas e equipamentos, farmacêutica e química. Tradicionalmente, a Fiesp, pelo
seu peso, ocupa posição destacada no cenário nacional frente ao descolamento de representação
real da CNI em relação aos setores mais dinâmicos da indústria. Nos anos noventa, no entanto, a
dinâmica regionalizada de conflitos instigados pela chamada “guerra fiscal” tornou a voz da Fiesp
mais colada a sua base de interesses regional. A manchete do jornal Valor Econômico, do dia 15
de fevereiro, sobre as eleições na CNI, é sintomática do vazio de representação pública do setor
industrial: “Um chefe embaraçoso para o lobby da indústria”. O que se procura é a relegitimação
do espaço público e da voz da indústria na cena política nacional.
Financeirização e crise de identidade
O ensaio “Globalização financeira e as associações de bancos na América Latina”, de Ary Cesar
Minella (professor de Sociologia Política da Universidade Federal de Santa Catarina) nos ajuda a
entender como a “voz” da indústria foi abafada pela “voz” dos bancos nos anos noventa. O
neoliberalismo foi o modo como se expressou no Brasil a fase contemporânea do capitalismo
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chamada de “financeirização global da riqueza” ou “acumulação sob dominância financeira”. Sua
essência está, nos diz Ary Minella, “na elevada transferência de recursos excedentes para a órbita
financeira - vale dizer para as instituições financeiras e para aqueles segmentos empresariais e
sociais que também compartilham desta vantagem”.
São quatro os fenômenos centrais associados a este processo de financeirização. O primeiro deles
é a expansão do número de pequenos e médios bancos vinculados aos maiores grupos privados
nacionais, que utilizam seu capital para auferir as vantagens lucrativas abertas pelos negócios
com títulos públicos e privatizações. No Balanço Anual 2000, a Gazeta Mercantil constatou que
dentre os cem maiores grupos nacionais, 26 incluem instituições financeiras em sua rede, a
maioria deles como empresa central.
O segundo fenômeno foi a aceleração da concentração bancária. De acordo com dados do Banco
Central, em março de 2001, os dez maiores bancos (incluindo o BNDES) controlavam 72,14% dos
ativos totais de todo o sistema, 65,47% dos títulos e valores mobiliários e 73,96% das operações
de crédito e arrendamento mercantil.
A terceira dimensão relevante da transformação nesta área é a expansão dos bancos estrangeiros.
O controle destes sobre os ativos passou de 9,6% em 1989 para 33,1% em dezembro de 2000
(dados do Banco Central). Entre os dez maiores bancos privados em março de 2001, seis eram
controlados pelo capital estrangeiro. O avanço dos bancos estrangeiros levou à criação de uma
entidade própria para defender seus interesses, a Associação Brasileira dos Bancos Internacionais
(ABBI). Em outras quatro entidades brasileiras da área financeira, 53% dos cargos de direção são
ocupados por representantes de bancos estrangeiros ou bancos associados ao capital estrangeiro.
A quarta expressão deste processo de financeirização é a intimidade com os centros de poder da
área econômica. Lembra Ary Minella: “quando o presidente Sarney assumiu o governo, indicou
para presidente do Banco Central um banqueiro, presidente da então Associação Brasileira de
Bancos Comerciais (ABBC - hoje denominada Associação Brasileira de Bancos). O atual presidente
do Banco Central provém do universo financeiro internacional e pode ser o símbolo deste processo
de globalização financeira. Mais que um símbolo, pode-se interpretar como uma garantia a mais
de que as políticas a serem adotadas estarão sob o escrutínio direto daqueles que se constituem
os intelectuais orgânicos dos grandes interesses da área”.
A vez dos lobbies
Se a direção da área econômica do governo mostrou-se extremamente porosa aos agentes dos
interesses financeiros, a gestão Fernando Henrique foi reticente no que diz respeito à abertura de
canais institucionalizados de negociação com representações de interesse. É o caso, por exemplo,
das chamadas câmaras setoriais que foram na prática postas de lado.
O ensaio de Eli Diniz e Renato Boschi, apresentado no XXV Encontro Anual da Associação Nacional
da Pós-Graduação em Ciências Sociais (Anpocs), intitulado “Reconfiguração do mundo
empresarial: associações de representação de interesses, lideranças e ação política”, sistematiza
as mudanças ocorridas.
Perderam força e audiência organizações como o Instituto de Estudos para o Desenvolvimento
Industrial (IEDI), alimentado por setores do empresariado nacional. Aliás, quando da
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comemoração dos dez anos do IEDI, em junho de 1999, o empresário Paulo Cunha, presidente do
conselho de administração do Grupo Ultra, chegou a afirmar que “o governo federal cometeu
tantos equívocos em sua política econômica que a população está assustada e o Brasil se tornou
um país sem esperança”. Fernando Henrique retrucou publicamente à época: “as oligarquias
industriais e financeiras que vivem chorando pela falta de esperança no Brasil, estão chorando por
um passado no qual foram beneficiadas e que não vai voltar”.
Levantamento recente realizado pelo Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de
Janeiro demonstrou, no entanto, que a desnacionalização da indústria deu um grande salto na
década de noventa. O capital estrangeiro, que correspondia a 36% do faturamento dos 350
maiores grupos do país em 1991, passou para 53% no final de 1999. Ao contrário do alardeado, o
investimento estrangeiro mais substituiu o nacional do que expandiu a capacidade produtiva do
país, não tornou o Brasil um grande exportador de manufaturados e colaborou para aumentar o
déficit externo.
A Fiesp, que em 1990 havia formalizado sua plena adesão ao modelo neoliberal no documento
Livre para crescer: Proposta para um Brasil moderno, foi realçando ao longo dos anos noventa
uma postura mais crítica. A atual gestão, de Horácio Lafer Piva, já tomou posse em 1998 com um
discurso crítico à prioridade conferida pelo governo às questões financeiras. Em novembro do
mesmo ano, surgiu no Rio de Janeiro o “Movimento Compete Brasil”, lançado por oito
organizações empresariais, advogando a necessidade de ampliar as compras no próprio país de
equipamentos, peças e serviços nas áreas de petróleo, gás natural e petroquímica. Estes podem
ser considerados, assim, movimentos reativos à dinâmica de financeirização antes descrita.
A década de noventa viu progredirem duas novas modalidades de ação empresarial. Da
experiência na Constituição de 1988 e das iniciativas de revisão constitucional, emergiu o forte
movimento chamado “Ação Empresarial”, sob a direção de Jorge Gerdau, reunindo dirigentes das
maiores confederações e associações mais importantes em favor de reformas orientadas para o
mercado. Esta nova atenção para os lobbies no Congresso nacional levou à formação do COAL
(Conselho de Assuntos Legislativos) na CNI. Devido à fragmentação de interesses, não há
propriamente uma bancada dos empresários industriais no Congresso.
A segunda novidade é a rearticulação dos espaços corporativos institucionalizados, na esteira das
privatizações. Nestes espaços, como as agências reguladoras dos setores telefônicos, elétricos,
coabitam agentes institucionais e privados em novas redes de interesse. Um caso expressivo foi a
criação da Organização Nacional da Indústria do Petróleo (ONIP), da qual participam a Agência
Nacional do Petróleo (ANP), o BNDES, a Finep, o governo do Rio de Janeiro, as companhias
petrolíferas bem como a indústria fornecedora instalada no país.
Empresários e eleições
Seria interessante analisar como estas mudanças repercutiram sobre a cultura política dos
empresários.
Ao que tudo indica, elas vieram alimentar carências históricas do empresariado no Brasil, no que
diz respeito a sua capacidade de ser uma base social capaz de alimentar, por sua própria
dinâmica, um projeto nacional para o país. Além disso, a financeirização, ao descolar lucratividade
e crescimento da massa salarial, mina o espaço para o florescimento de um liberalismo social,
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capaz de fazer a mediação da ótica do mercado com os interesses e direitos de quem vive do
trabalho.
O que acaba prevalecendo é um conglomerado de interesses balcanizados, regionalizados, sob
intensa rivalidade, encimado pelo domínio do setor financeiro. Quem precisa de crédito está, neste
contexto de juros estratosféricos e redução de subsídios, em crise permanente. Constituem a
massa de pequenos e médios empresários e mais aqueles que dependem, em grande medida, do
mercado interno e do consumo popular.
A candidatura Serra, com suas promessas de retomar uma política industrial ativa e criar
condições para a diminuição dos juros, certamente pretende responder a este mal estar
empresarial. Propõe-se nesta medida, sem causar rupturas com a ordem financeira estabelecida,
reposicionar os interesses industriais frente aos dos grandes agentes financeiros. Mas ele não
acolhe os interesses e direitos do mundo do trabalho. Depois de um prolongado silêncio, Serra
pronunciou-se favorável à nova ofensiva sobre os direitos do trabalho em curso no Congresso,
com as reformas na CLT. Ao se posicionar assim, ele se alinha a uma certa consciência
empresarial que fez muito ruído nos anos noventa em torno aos “custos do trabalho”. Mas sua
candidatura está certamente muito longe de responder à montante de interesses contrariados no
meio empresarial por uma década de neoliberalismo.
Contra os crimes sem nome, a estratégia da democracia
O lançamento de propostas democráticas para responder aos desafios da segurança
é o antídoto para a perversão da cena pública na qual a banalização
do crime convive com os delitos inomináveis de opinião.
Como alertou o sociólogo Luiz Eduardo Soares em ensaio na revista Teoria & Debate número 47,
de fev/abril de 2001, a ausência clara e firme de uma posição da esquerda sobre o tema da
segurança pública dá lugar a conjunturas políticas regressivas, nas quais forças conservadoras
estimulam posturas e propostas agressivas até mesmo em relação aos padrões mínimos de
convivência democrática e aos direitos humanos. Os meses de janeiro e fevereiro deste ano
tipificam uma dinâmica política desta natureza.
Em um curto período de quatro meses, o PT teve dois de seus principais prefeitos assassinados Toninho, de Campinas, e Celso Daniel, de Santo André - além de um rol de lideranças ameaçadas
de morte. Lideranças democráticas de todas as forças políticas do país cobraram a apuração dos
crimes. Revelando um sentimento antipetista agressivo, a figura de Celso Daniel passou a ser
violentamente atacada e todo tipo de suspeição sobre as motivações do crime passaram a ser
insistentemente abordadas. O empresário Sérgio Gomes da Silva, que acompanhava Celso Daniel
na noite do seu sequestro, foi transformado no principal suspeito do crime em matéria de capa da
revista Época (a edição do dia 25 de fevereiro da revista volta ao tema). A vida pessoal de Celso
Daniel, seus familiares, a administração de Santo André passaram a ser alvo de suspeição sem
fundamento algum. Raros foram os veículos nacionais, como o jornal Valor Econômico (na coluna
de Fernando Abruccio) e a revista República, que resguardaram as virtudes da figura pública de
Celso Daniel.
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O surto anti-petista atingiu o clímax na cobertura da libertação do publicitário Washington
Olivetto. Retornou-se ao caso de Abílio Diniz, no qual os sequestradores presos foram obrigados a
vestir camisetas do PT às vésperas das eleições presidenciais de 1989. Dez anos depois, a pedido
do próprio governo Fernando Henrique, o PT intermediara as negociações visando o processo de
extradição dos presos em greve de fome e à beira da morte. Passou-se, então, agora a acusar o
PT, em rádios e outros veículos, de incentivar sequestros. O jornal Folha de São Paulo chegou a
falar em “cumplicidade ideológica” do PT com os sequestradores.
No próprio jornal Folha de São Paulo, do dia 14 de fevereiro, José Dirceu, presidente do PT, assim
concluiu o artigo O sequestro da verdade:”Quando a Folha insinua a conivência do PT com
sequestros, quando lança dúvidas sobre nosso compromisso democrático ou fala em nome dos
eleitores de outubro, infelizmente, está sequestrando a verdade e fazendo o jogo daqueles que,
nos últimos anos, se beneficiaram da corrupção e do crime organizado, que o PT combate sem
tréguas - verdadeira e única razão dos ataques que temos sofrido”.
No dia 27 de fevereiro, o Departamento de Investigações sobre o Crime Organizado de São Paulo
descartou a possibilidade de o prefeito de Campinas, Toninho, ter sido vítima de crime com
motivações políticas. Antes, uma “solução” para o caso já havia sido fornecida pela polícia de
Campinas, mas não conseguiu se manter. Agora, atribui-se ao bando de Andinho, formado por
sequestradores, a autoria do assassinato. O Secretário de Assuntos Jurídicos e da Cidadania de
Campinas, Nelson Roberto, afirmou, no entanto, que a versão parece ser “um blefe”.
Segurança e democracia
O lançamento do documento “Segurança Pública para o Brasil”, do Instituto Cidadania e que deve
contribuir para o programa da chapa liderada pelo PT às eleições presidenciais, é a primeira
grande iniciativa política para firmar o ponto de vista democrático no tratamento da questão. Nas
suas 108 páginas, fruto de um ano e três meses de seminários e consultas a especialistas, o
documento faz um diagnóstico e indica os caminhos para uma mudança profunda no acesso do
cidadão brasileiro à paz e à segurança no seu cotidiano.
A origem da situação calamitosa do país nesta área tem nome e endereço. Os órgãos do Estado
voltados para a segurança carregam as marcas da transição conservadora (que manteve os vícios
do aparato policial herdado do período do regime militar) e da ineficiência em função de não
terem sido áreas prioritárias de investimento e modernização. Combatem-se crimes do século XXI
com a cabeça e métodos do século XIX.
Na verdade, aqui como na saúde, previdência e ensino, o descaso com o que é público incentiva o
mercado privado, criando um dualismo de acesso a estes serviços para ricos, classes médias e
pobres. Como demonstra o economista e advogado Ib Teixeira, da Fundação Getúlio Vargas, o
gasto atual do setor privado com segurança é de aproximadamente 60 bilhões de reais (25 bilhões
em seguros de vidas, carros e outros bens; 5 bilhões em vigilantes privados e 30 bilhões em
sistemas de proteção). O gasto do conjunto do setor público é de 37 bilhões.
Assim como a prioridade à medicina privada, não protege o cidadão de posses da epidemia da
dengue, os gastos bilionários em segurança privada não são suficientes para proteger sequer os
ricos da violência. Em 2001, 380 mil carros foram furtados ou roubados (21% da produção anual
de veículos).O país já tem cerca de cem mil veículos blindados.
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Por outro lado, a produção massiva de miséria, desigualdade e desemprego pelas políticas
neoliberais cria legiões disponíveis para o crime, especialmente entre os jovens do sexo
masculino. A violência é a senha de quem não tem direitos.
O pensamento conservador sempre argumenta que a defesa dos direitos humanos impede o
combate à violência. Talvez o maior mérito do documento do Instituto Cidadania, além do
tratamento integrado dos aspectos técnicos, jurídicos, institucionais, gerenciais e sociais que
configuram um verdadeiro norte democrático de políticas públicas para a área de segurança, seja
o de desmistificar o senso comum conservador.
Três exemplos que poderiam ser multiplicados. A ausência de controle externo sobre as polícias
civis e militares favorece todo tipo de associações com o crime organizado. A não diferenciação do
regime carcerário para aqueles que são réus primários ou que praticam pequenos delitos levam a
que os presídios funcionam como escolas de crime ao invés de recuperação. Luiz Eduardo Soares
lembra que na Inglaterra, 80% dos casos de ilícito penais recebem penas alternativas à prisão; no
Brasil, este índice é de cerca de 2%. Atualmente o poder de indiciar em inquéritos policias é do
delegado. Dados da Polícia Civil paulista revelam que apenas 25.031 dos 523.396 boletins de
ocorrência resultam em denúncias do Ministério Público. Daí decorrem danos irreparáveis aos
cidadãos indiciados, mas inocentes, que terão contra si o preconceito estampado em folhas
corridas. Por isso, o documento do Instituto Cidadania propõe o controle externo da atividade
policial, delegando ao Ministério Público a responsabilidade por traçar as diretrizes gerais dos
inquéritos, tal como ocorre em várias democracias ocidentais.
Democracia nas urnas
No dia 17 de março, os petistas com o prazo de pelo menos um ano de filiação, irão às urnas para
escolher o candidato do PT às eleições presidenciais. Decisão do Encontro Nacional do partido, as
prévias permitirão aos petistas escolher entre Lula e Eduardo Suplicy, os candidatos escritos. Mais
uma vez, o PT se destaca dos outros partidos brasileiros: será o único a processar
democraticamente, através de consulta às bases, a escolha de seu candidato à presidência.
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