JUVENTUDE E ESCOLA NOVA DURANTE A ERA VARGAS
Eliezer Raimundo de Souza Costa, UFMG
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Palavras chaves: Juventude; Escola Nova; Era Vargas
Em 1932 foi lançado “O Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova – A reconstrução
educacional no Brasil – ao povo e ao governo”. Esse documento era uma “interpelação e
exigência pública para que Estado e governo assumissem uma responsabilidade sobre a
nação”1.
Caberia a esse Estado criar e manter instituições para que a República fosse
efetivamente coisa pública. Daí o clamor em favor da escola pública 2, que possibilitasse a
incorporação de todos os setores sociais em idade escolar, de 7 a 15 anos.
A palavra “novo”, expressão de “Educação Nova”, deve ser cercada de alguns
cuidados, pois, a sua utilização costuma reivindicar para si a novidade, negando outras
experiências anteriores ou mesmo que por ventura lhe tenham sido fonte de inspiração. “O
Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova” quando publicado em 1932, estava inserido
então, numa nova ordem que ao pretender se apresentar como “nova”, devia negar a anterior,
desconsiderar experiências passadas.
Nesse sentido, Alessandra Frota Martinez de Schueler e Ana Maria Bandeira de Mello
Magaldi3 no texto “Educação escolar na Primeira República: memória, história e perspectivas
de pesquisa” fazem referência à variedade de experiências inovadoras no campo educacional,
não só referentes ao período dos anos iniciais da República, como também em relação ao
período imperial. As autoras citaram Ângela de Castro Gomes e José Veríssimo, cada um
dentro de seu tempo, argumentando que uma das dificuldades de se historicizar e avaliar as
experiências educativas do primeiro período republicano estava exatamente no modelo
federalista aplicado que facultava a cada região liberdade para definir o seu sistema.
Entre as inovações no campo educacional oriundas da Primeira República, elas
destacaram, em primeiro lugar, a experiência de Caetano de Campos em São Paulo, ao criar
não só a Escola Modelo, como construí-la sobre dado padrão arquitetônico que daria
centralidade para a questão educacional. Daí derivou o modelo dos Grupos Escolares, com
seus sistemas de seriação e aplicação de métodos pedagógicos, com destaque naquele
momento para o “método intuitivo”, assim como a melhor organização e racionalização do
sistema escolar 4. Sobre o método intuitivo e sua “lição de coisas”, Vera Teresa Valdemarin 5
diz que esse método ganhou espaço no Brasil a partir das últimas décadas do século XIX com
a pretensão de se constituir na base para a modernização das formas de ensinar, propondo a
substituição do caráter abstrato e pouco utilitário da instrução. A autora pesquisou manuais
que circularam no Brasil entre o final do século XIX e o início do XX, tanto para professores
quanto para alunos explicando o seu sistema de funcionamento:
(...) o ato de conhecer tem início nas operações dos sentidos sobre o mundo
exterior, a partir das quais são produzidas sensações e percepções sobre fatos e
objetos que constituem a matéria-prima das ideias. As ideias assim adquiridas
são armazenadas na memória e examinadas pelo raciocínio, a fim de produzir
julgamento. 6
Deve-se notar que os Grupos Escolares, embora surgidos no tempo republicano e, de certa
forma, podendo mesmo ser elevados no campo da educação a um tipo de símbolo da
República, não substituíram sistemas anteriores vindos do Império que, a propósito, ainda
mobilizavam a maior quantidade de alunos. Schueler e Magaldi ainda chamaram a atenção
para as atividades que tinham por objetivo formar o caráter cívico e patriótico do estudante,
aproveitando para tanto as festividades cívico-nacionais, como elementos característicos do
período. Também destacaram movimentos erigidos em luta contra o analfabetismo, como a
Liga Brasileira contra o analfabetismo de 1915. Não podemos deixar de lembrar do
surgimento da Associação Brasileira de Educação (ABE) em 1924, portanto dentro da
Primeira República. Essa associação, que trazia em si nesse momento uma configuração por
vezes indefinida, se colocou como “porta voz da causa educacional”. Apesar das diversidades
que existiram no seu interior, como a oposição entre liberais e católicos, entre os defensores
da escola pública laica e os da religiosa, Fernando de Azevedo demonstrou em seu livro “A
Cultura Brasileira” (1942) que, foi daí que surgiu, no Brasil, o movimento Escola Nova, que
propunha, além da escola pública, uma forma de superação do vigente federalismo em busca
de um sistema educacional centralizado. Derivou também a preocupação com o cientificismo
aplicado aos processos educativos, ou seja, pensar a educação como um processo organizado
de forma científica e, por isso, o cuidado com a profissionalização do professor.
Apresentando-se, portanto, como a novidade, o Manifesto se amparava em estudos
científicos, com os quais pretendia romper com aquilo que dizia ser a empiria dominante na
educação até então. Vale lembrar que os pioneiros, conforme apresentado por Marcos Cezar
de Freitas, nutriam uma clara rejeição ao modelo de república que havia vigorado no Brasil
até a Revolução de 1930, pois, segundo eles, aquele modelo teria rompido com o significado
próprio da palavra república, ser pública. Clamar por uma educação ancorada em
conhecimentos científicos, portanto, não só representava a possibilidade de fazer a república
ser pública, como também, como aspiravam e projetaram alguns de seus formuladores,
também ser moderna. Assim como pensavam os formuladores desse movimento na Europa e
nos Estados Unidos da América do Norte, o documento demonstrava a necessidade de se
mudar o foco do processo educativo, do exterior para o interior do educando, pois, para eles,
seriam as expectativas, as curiosidades e os desejos internos do aprendiz que deveriam
conduzir a aprendizagem. Fica evidenciada aqui a participação ativa do educando no seu
processo de aprendizado que é “favorável ao intercâmbio de reações e experiências”, sendo
levado “ao trabalho e à ação por meios naturais que a vida suscita quando o trabalho e a ação
convêm aos seus interesses e às suas necessidades.”7 A condução da educação de forma não
espontânea se fundava, portanto, em estudos científicos, de forma que, de acordo com as
necessidades psicobiológicas, os pioneiros não deixavam de prestar atenção à correspondência
entre os graus de ensino e as etapas da evolução intelectual. “O que distingue da escola
tradicional a escola nova, não é, de fato, a predominância dos trabalhos de base manual e
corporal, mas a presença em todas as suas atividades, do fator psicobiológico do interesse
(...)”.8 Assim, alertava o documento, a ordem dos programas da escola tradicional, organizada
segundo o ponto de vista da lógica formal dos adultos, deveria obrigatoriamente ser quebrada,
modificada em favor de outra lógica baseada na natureza e no funcionamento do espírito
infantil, ou do educando. Vale acrescentar que, de acordo com esse esquema, a educação
passaria a ser considerada pela perspectiva geracional, o que equivale a dizer que, os métodos
pedagógicos deveriam ser adotados em conformidade com a idade do educando, portanto,
além de centrar a aprendizagem naquele que aprende, a proposta implicava pensar de forma
científica quais seriam as capacidades do sujeito no seu momento de aprendizagem.
A fim de tornar o processo educativo mais próximo da realidade vivida pelo aluno e
que, portanto, ela pudesse ajudar a formá-lo para viver no mundo real, o Manifesto dizia ser
preciso que a escola se organizasse como a comunidade externa, uma comunidade em
miniatura, para que o aluno se sentisse em contato com a vida ativa ao seu redor, podendo
apreciá-la e senti-la de acordo com as suas aptidões e possibilidades.
A escola nova (...) deve ser organizada de maneira que o trabalho seja o seu
elemento formador, favorecendo a expansão das energias criadoras do
educando, procurando estimular-lhes o próprio esforço como elemento mais
edificante em sua educação e preparando-o, com o trabalho em grupos e todas
as atividades pedagógicas e sociais, para fazê-lo penetrar na corrente do
progresso material e espiritual da sociedade de que proveio e em que vai
viver.9
A escola secundária organizada no Brasil com a vitória da Revolução de 1930, em
primeiro lugar sob a gestão de Francisco Campos e, depois de Gustavo Capanema se dividia
em dois estágios, sendo um de caráter de formação geral e, o outro que, poderia ser o clássico
ou o profissionalizante. O movimento Escola Nova constituiu-se na sua base intelectual,
sobretudo porque pretendia colocar nas mãos do aprendiz a tarefa de aprender. Dessa forma,
em direção à autorregulação, os intelectuais escolanovistas traziam perspectivas pedagógicas
assentadas sobre o esforço de cada aprendiz, como dizia o próprio Francisco Campos:
A verdadeira educação concentra o seu interesse antes sobre os processos de
aquisição do que sobre o objeto que eles têm em vista, e a sua preferência
tende não para a transmissão de soluções já feitas, acabadas e formadas, mas
para as direções do espírito, procurando criar, com os elementos constitutivos
do problema ou da situação do fato, a oportunidade e o interesse pelo
inquérito, a investigação e o trabalho pessoal em vista da solução própria e, se
possível, individual e nova.10.
Getúlio Vargas, ainda como candidato a presidência da República em 1930, havia
apontado a educação como um dos problemas nacionais. Aliás, desde o término da Primeira
Guerra Mundial que movimentos e teóricos do nacionalismo pensavam a educação e a saúde
como reais possibilidades de redenção do Brasil no seu processo de constituição nacional.
Adalson de Oliveira Nascimento11 demonstrou que a instrução e a educação da criança e do
jovem foi uma preocupação que chegou até a década de 1930, ganhando tratamento mais
específico a partir de 1937, com o Estado Novo. Francisco Campos, mentor da Constituição
de 1937, propunha um lugar de destaque para a pedagogia, que deveria ter como meta
primordial a juventude. Essa constituição definia que caberia ao Estado criar instituições
destinadas a promover a disciplina moral e o adestramento físico da juventude para que ela
estivesse habilitada a cumprir seus deveres para com a nação. O resultado desse movimento
foi a proposição em 1938 da Juventude Brasileira, instituída oficialmente pelo Decreto Lei
2.072, de 8 de março de 1940. De acordo com esse decreto a Juventude Brasileira deveria
promover, “dentro ou fora das escolas, a educação cívica, moral e física da juventude, assim
como da infância em idade escolar” 12.
Definir a juventude enquanto categoria de estudo não é algo fácil. Giovanni
Levi
e
13
Jean Claude Schimitt são reticentes em relação a uma exata delimitação dessa etapa da vida
que preferem caracterizar pelo caráter limite, fugindo a delimitações rígidas, seja do ponto de
vista da quantificação demográfica ou jurídica. Para eles
ela se situa no interior das margens móveis entre a dependência infantil e a
autonomia da idade adulta, naquele período de pura mudança e de inquietude
em que se realizam as promessas da adolescência, entre a imaturidade sexual e
a maturidade, entre a formação e o pleno florescimento das faculdades
mentais, entre a falta e a aquisição de autoridade e de poder. 14
Se Levi e Schmitt demonstraram dificuldades para delimitar exatamente a juventude, o
artigo 10 do decreto lei 2.072, que criou e estabeleceu a Juventude Brasileira, a enquadrava na
faixa etária de 11 a 18 anos e afirmava que, todas as pessoas dessa faixa, matriculadas em
estabelecimentos de ensino oficiais, seriam inscritas de forma obrigatória na Juventude
Brasileira.
De acordo com Adalson de Oliveira Nascimento, tanto a Juventude Brasileira quanto o
escotismo, inseridos na realidade brasileira nessa primeira metade do século XX, partilhavam
de um contexto fortemente nacionalista que buscava promover uma educação voltada para a
valorização do civismo, do patriotismo, da devoção e fidelidade ao interesse público. A
juventude brasileira seria educada para uma cidadania sem restrições, desde que respeitasse as
normas que regulassem a organização social e política.
Havia no Brasil uma outra experiência voltada para a juventude escolar anterior à
criação da JB, que eram os grêmios estudantis dos estabelecimentos de educação secundária.
Mário Casasanta publicou um artigo na Revista do Ensino de Minas Gerais através do qual
orientava a organização desses instrumentos dentro da Escola, tomando por referência a
Escola Normal Modelo de Belo Horizonte.15 Para Casasanta, os grêmios tinham a função de
estimular o aprendizado e o desenvolvimento dos alunos em vários aspectos da dinâmica
escolar e social, favorecendo a prática da democracia, uma vez que deveriam oferecer
igualdade de oportunidade para todos os seus membros, a vivência cívica, dado o seu grau de
organicidade, como também o desenvolvimento acadêmico, tendo em vista os trabalhos
produzidos. De acordo com o mesmo autor, a experiência de se organizar grêmios pelo
mundo afora estava, na maioria das vezes, relacionada ao estudo da literatura e da língua
nacional, mas, também considerava que essas organizações desenvolviam o senso de
participação, de organização, disseminação de tradições, a vida em democracia e,
principalmente quando consideramos os objetivos educativos do movimento Escola Nova, o
aprender fazendo.
Os grêmios foram, portanto, instituições escolares que patrocinavam a organização dos
alunos para diversos fins. De acordo com a documentação encontrada na Escola Normal
Modelo de Belo Horizonte, eles eram “literários”, “lítero-pedagógicos”, “musicais” e, “de
ciências”; no Colégio Pedro II do Rio de Janeiro, de acordo com jornais produzidos e
publicados pelos próprios grêmios, eram literários e de ciências. Quanto aos jornais, sobre os
quais há referências nas duas escolas, não encontrei nenhum exemplar na Escola Normal de
Belo Horizonte, mas, no Colégio Pedro II, no seu Núcleo de Memória (NUDOM), encontrei
alguns exemplares de cinco títulos diferentes.
A Escola Normal Modelo de Belo Horizonte e o Colégio Pedro II do Rio de Janeiro
foram duas escolas com formatos diferentes. Enquanto a primeira tinha por função formar
professoras, era destinada ao ensino de estudantes do sexo feminino e tinha característica
profissionalizante que, conforme a definição proposta pela Reforma Capanema, não previa a
continuidade de estudos, fechando-se o ciclo nessa fase; a segunda ainda carregava consigo
nesse tempo a característica de uma escola de elite. Vale destacar que o Colégio Pedro II foi
uma instituição de ensino que, dentro da configuração da escola secundária, apresentava
perspectiva propedêutica, uma vez que seu objetivo era preparar os estudantes para seguir os
estudos universitários, com um direcionamento para estudantes do sexo masculino 16.
Também, de acordo com os objetivos político-educacionais característicos do período,
sobretudo considerando a Reforma Capanema, a educação reservada às mulheres era aquela
que poderia fazer delas boas esposas e donas de casa, zelosas de seus deveres domésticos que
incluíam, por exemplo, puericultura, higiene e economia doméstica. 17 Apesar dessas
diferenças, as duas instituições estavam voltadas para a educação da juventude brasileira. 18 O
meu propósito na pesquisa é identificar o sujeito aqui em foco no seu campo de atuação, no
espaço em que vivenciou a experiência de ser estudante. Embora dentro do espaço escolar, o
objetivo é demonstrar a sua prática, a sua escrita estudantil fora da sala de aula, nas atividades
desenvolvidas junto aos grêmios e um de seus produtos, os jornais escolares.
Antônia Simone Coelho Gomes registrou em sua tese de doutorado 19, defendida na
Faculdade de Educação da Universidade Federal de Minas Gerais em 2008 que, em uma
longa busca, deparou-se com a quase inexistência de “produções em que a escrita infantil,
escolar ou não, fosse privilegiada como objeto ou fonte de investigação”
20
. Motivada por
isso, acabou se defrontando com materiais de escrita escolar de alunos, os Álbuns de Pesquisa
do Grupo Escolar Melo Viana, da cidade mineira de Carangola. Depois de analisá-los e
explicar seu processo de produção, as mediações que, com certeza, sofreram, dado a ausência
de erros e correções, sugeriu que esses artefatos devem ser compreendidos como integrantes
da cultura material escolar, uma vez que são “reveladores de práticas educacionais „(...) seja
através dos sentidos atribuídos pelos sujeitos a esse objeto, seja pela identificação das marcas
presentes que expressam as múltiplas experiências de produção, negação e apropriação de
culturas‟”21. A escrita escolar permite compreender de que maneira determinadas sociedades
em determinados tempos faziam uso da escrita e distribuíam no seu interior as capacidades de
escrever e ler. O material que analiso nessa pesquisa é produto da escrita de alunos. Os livros
de atas dos grêmios e os jornais estudantis se apresentam dentro desse perfil. No caso dos
jornais do Colégio Pedro II, também são publicados textos de professores, mas, a maioria
deles são de autoria dos alunos. Acredito que, assim como percebeu Antônia Simone Coelho
Gomes em seus “Álbuns de Pesquisa” que a escrita ali registrada foi fruto de alguma
mediação, parece-me também ser o caso dos registros que levantei, sobretudo em relação aos
jornais.
Na Escola Normal Modelo de Belo Horizonte foram encontrados aproximadamente
trinta livros de atas de grêmios para o período compreendido entre 1930 e 1945. É no interior
desses livros que pretendo resgatar a autoria do jovem secundarista, interpretar a sua
experiência de ser estudante na Escola Normal de Belo Horizonte no período. Alguns desses
livros trazem em si grande quantidade de atas que abarcam longos períodos como, por
exemplo, o “Livro de actas do conselho de estudantes – 1935-1944”. Mesmo não tendo
estabelecido um padrão de regularidade para a ocorrência das reuniões dos grêmios, foi
possível perceber que elas costumavam variar entre quatro a seis sessões de cada grêmio por
ano, podendo existir casos em que ocorria mais de uma em um mesmo mês. São atas de
reuniões ordinárias, reuniões de posse de diretoria, eventos especiais e atividades correlatas;
alguns apresentam os estatutos de sua agremiação. Todos são manuscritos. Algumas vezes um
livro era aproveitado por mais de uma agremiação, ampliando-se, portanto, a quantidade de
material para pesquisa.
Com relação à estrutura organizativa dos grêmios, era comum a eles a seguinte
estrutura organizacional: tinham presidente, vice-presidente, 1ª secretária, 2ª secretária, 1ª
tesoureira, 2ª tesoureira, oradora, conselho fiscal e bibliotecária. No “livro de atas, do Gremio
Litero Educativo ‘Olavo Bilac’, das alunas do 1º ano do curso de preparatorio da Escola
Normal, 7 de julho de 1937”, há uma descrição de cada um desses papéis e, um dado de
grande significado: apesar do grêmio ser aberto a todos os estudantes, no caso desse estatuto
estava definido que somente poderia fazer parte da diretoria as alunas que fossem designadas
pela professora de português. Depois dessa designação ocorreria a eleição por voto secreto
entre as mesmas para definir a composição da diretoria. Ainda sobre o funcionamento dos
grêmios é preciso acrescentar que faziam o fechamento de suas sessões uma apresentação
artística, com recital ao piano, ao violão e canto coral, a leitura de texto literário ou a
declamação de poemas; toda a parte artística era de execução das alunas e sócias do grêmio;
havia a presença de alguma pessoa que representasse a autoridade da escola, quando não o
próprio diretor, algum ou alguns professores.
Alguns desses livros traziam trabalhos realizados pelas alunas. Esses trabalhos
costumavam ser um texto de cunho literário, onde se apresentava uma biografia de
determinado autor, muitas vezes o patrono do grêmio, como Olavo Bilac, Júlia Lopes de
Almeida, Alphonsus Guimarães, Francisca Julia, entre vários outros; também costumavam
apresentar textos sobre temas de algumas disciplinas; textos que expressavam determinada
curiosidade do momento; havia também homenagem para determinada personalidade ou
determinado evento. Consta também referência a jornais e revistas circulando na instituição,
não se evidenciando o grau de autonomia deles em relação à escola e ao próprio grêmio.
O livro de “Atas do Clube de Ciencias Naturais da Escola Normal de Belo Horizonte”
apresentou em 02 de agosto de 1932 a sessão de instalação do mesmo. Dessa data até o dia 29
de setembro do mesmo ano foram realizadas seis sessões. Com relação a esse clube é
importante destacar o caráter de ciências, diferindo da grande maioria dos grêmios que eram
de natureza literária. Com relação a esse aspecto, o professor Dr. Mário Campos, presidente
de honra do clube destacou em sua fala o critério adotado na elaboração dos estatutos, que
previa o estudo das ciências naturais na própria natureza, e não em museus através de animais
empalhados e plantas emurchecidas e fragmentados minerais. Na reunião do dia 15 de
setembro, a quinta do clube, houve apresentação de um trabalho intitulado “Botânica: a raiz”,
pela aluna Dayse Moyle. O destaque da palestra foi que, acompanhando a proposta inicial,
houve, além de ilustrações, a realizações de algumas experiências em torno do tema. Nesse
clube, não havia fechamento artístico das reuniões.
No “Livro de actas do Conselho de Estudantes – 1935-1944” há referências à revista
“Azas”. Apesar de não ter encontrado nenhum exemplar dela nos arquivos do Instituto de
Educação de Minas Gerais (antiga Escola Normal Modelo de Belo Horizonte), existem
algumas indicações no texto das atas sugerindo que ela fosse editada pelas alunas. Numa das
primeiras atas, o diretor da Escola, Firmino Costa, apresentou a disposição de recorrer ao
governador para solicitar a sua impressão gratuita e, em outra, datada de 14 de março de 1937,
estabeleceu-se que, a partir daquela data ela seria custeada pelas alunas, através de
contribuição mensal.
Em um trabalho apresentado pela aluna Maria Emília de Siqueira, cujo título era
“Indianismo”, no livro de “trabalhos literarios do Gremio Olavo Bilac – turma auri-rosa”,
ela se propôs a explicar o uso da expressão índio para designar os primeiros habitantes do
Brasil. Para desenvolver o tema ela apresentou três grandes textos que a orientaram: a Carta
de Pero Vaz de Caminha, o Relatório do Piloto Anônimo e os escritos de Jean de Lery. O que
deve ser destacado é o caráter da pesquisa autônoma elaborada pela aluna para ser
apresentada para todos os membros do grêmio.
Enquanto em Belo Horizonte encontrei apenas referência a jornais e revistas, no
Núcleo de Memória do Colégio Pedro II do Rio de Janeiro (NUDOM) identifiquei números
esparsos de alguns títulos editados e publicados pelos grêmios da instituição. Dessa forma,
são os jornais de grêmios que possibilitarão identificar algumas características do jovem
estudante secundarista do Colégio Pedro II do Rio de Janeiro durante a Era Vargas (1930-45).
Em contrapartida, nenhum registro documental, como os livros de atas de Belo Horizonte, foi
encontrado no Rio de Janeiro.
Foram encontrados os seguintes títulos de jornais: O Ateneu, O Tangará, Muirakitan,
Pronome, Noticiário, Ciências e Letras, O Arauto, O Atalaia. Enquanto dos três primeiros foi
encontrado uma quantidade razoável de exemplares, dos demais a quantidade foi
relativamente pequena, sendo que de “O Atalaia”, apenas 2 exemplares/número. Esses jornais
foram editados pelos grêmios do Colégio. A identificação da agremiação a que pertence o
jornal aparece normalmente abaixo do seu título: O Ateneu, Revista literária do Colégio
Pedro II, Muirakitan, “órgão do grêmio literário Melo e Souza”, O Tangará, do grêmio
literário Gonçalves Dias, Noticiário e Pronome, “órgão dos alunos do Colégio Pedro II”; o
“Ciências e Letras” do grêmio científico e literário Pedro II.
Esses jornais apresentavam grande variedade de temas, desde questões relativas ao
colégio, como a formação de um novo grêmio, o lançamento de um novo jornal (sugerindo a
não concorrência entre eles), a criação de clubes de estudo (de várias disciplinas), a
composição de bancas para exames especiais, textos de orientação dos professores, textos
literários, seja dos professores ou dos alunos, notícias variadas que ecoaram de alguma forma
na sociedade local, notícias sobre esporte envolvendo o colégio, etc. O Ateneu, por exemplo,
que se apresentava como “revista literária”, trazia uma característica particular em relação aos
demais, pois costumava apresentar um conteúdo diretamente ligado a questões de literatura,
seja discutindo determinado autor seja apresentando textos, poemas, crônicas, dos próprios
integrantes do grêmio ou de seus professores.
Do ponto de vista da composição gráfica apresentavam diferentes quantidades de
páginas. O Tangará tinha em torno de 12 páginas, o Ateneu, em torno de 30, Muirakitan, entre
12 e 16 e O Pronome, o menor deles, entre 4 e 6 páginas.
A edição do Jornal Muirakitan de setembro de 1938 apresentou em um editorial,
intitulado “Perseverando”, as festividades em torno da celebração do centenário do Colégio
Pedro II e de cinco anos de existência do Grêmio Literário Mello e Souza. Segundo o texto
são “cinco anos de esforços com o fito único de aprimorar a nossa cultura intelectual e
moral, a fim de corresponder à dedicação de nossos mestres, dignificar o instituto que nos
acolhe e honrar a pátria que tanto estremecemos”. O texto fez uma breve apresentação de
algumas das realizações do grêmio. Para principiar, citou as reuniões culturais, onde os
gremistas “revelaram o seu amor pelas letras, quer declamando produções de nossos
melhores escritores, quer fazendo ouvir suas criações originais em prosa e verso”. Algumas
dessas reuniões costumavam contar com a presença de professores que aproveitavam a
ocasião para “preciosos ensinamentos”. Dentre as realizações festivas, conta a ocorrida em
agosto, de aniversário do Colégio, como citado acima . Contando com a participação de
vários professores e poetas convidados, alguns alunos foram destacados para declamar
poesias dos presentes. Como parte da celebração, aconteceu a participação das alunas e exalunas da Escola Nacional de Música que executaram várias peças musicais. Também o
editorial citou a premiação realizada na mesma sessão de festividade dos vencedores do
concurso literário promovido pelo Grêmio naquele ano.
O editorial do jornal apresentou essas realizações como “cumprimento de seus
deveres”, concluindo que
Como se vê, o Grêmio continua perseverante, procurando corresponder à
simpatia do eminente diretor, dr. Clóvis Monteiro, ao apoio dos ilustres
professores, à boa vontade com que funcionários de todas as categorias nos
auxiliam e estimulam, para não esmorecermos na tarefa que nos cumpre
realizar.
Na edição seguinte, do mês de novembro de 1938, o editorial foi de autoria do
Professor Pedro do Coutto. O tom do discurso é de enaltecer os esforços do grêmio dizendo
que ele cumpre o destino de todos aqueles que estudaram no colégio, mantendo a tradição de
seus velhos bacharéis. Para o professor, no trabalho desenvolvido pelo grêmio junto aos
alunos com vistas ao cultivo das boas letras “cumpre que tenha lugar de preeminência o
esforço constante e consciente em prol da volta do Colégio à altura em que já esteve em
antigos tempos, quando ele de fato representava a nossa cultura humanística, tão descuidada
ultimamente”. Pedro do Coutto acentuou a participação do Professor João Baptista de Mello e
Souza como orientador do grêmio assim como a sua própria, na condição de professor e exdiretor da instituição, fiel aos processos clássicos de ensino. Nesse ponto, o articulista chama
atenção para o papel do grêmio como cultor e divulgador da cultura humanista e
profundamente brasileira, desprezando processos de outros países, inadaptáveis à realidade
brasileira.
Com relação ao detalhe apresentado por Pedro de Coutto, cabe uma discussão que
necessita maior aprofundamento. Em primeiro lugar, há um conflito entre o ministério da
justiça, na figura de Francisco Campos, e outros setores do Estado brasileiro, como os
ministérios da Educação, Gustavo Capanema, da Guerra, Eurico Gaspar Dutra e, das Relações
Exteriores, Osvaldo Aranha. O que ficou evidenciado aqui foi a vinculação de Francisco
Campos com projetos de Estado em voga na Europa, sobretudo o modelo italiano, e a rejeição
desses pelos demais. Em segundo, diante de alguma proeminência que setores ligados à Igreja
Católica ganharam sob o
ministério Capanema,
houve um aprofundamento do
questionamento ao movimento escolanovista, principalmente na figura de dois de seus
maiores nomes, Anísio Teixeira e Fernando de Azevedo, que foram acusados de importadores
de projetos estranhos à realidade brasileira.
Feita essa pausa, o que pretendi ressaltar em relação ao jornal Muirakitan, do Grêmio
Literário Mello e Souza, é que ele resultou do trabalho dos próprios alunos, em primeiro
lugar, em segundo que, os textos publicados passaram por algum processo de mediação
(como já havia apontado Antônia Simone Coelho Gomes), tanto que, no número de novembro
há uma sessão intitulada “Por via aérea” onde os editores pedem desculpas aos colaboradores
que não tiveram seus textos publicados e, por fim, esse mesmo número apresenta uma
passagem do livro “Ariel” de José Enrique Rodó onde o autor faz um apelo à juventude, com
suas qualidades criadoras a fim de remover o pessimismo dominante na América Latina frente
ao surto fantástico dos Estados Unidos:
A juventude, que assim significa, na alma dos indivíduos e das gerações, luz,
amor e energia, existe e significa, também, o processo evolutivo das
sociedades. Os povos que sentirem e considerarem a vida como vós outros,
isto é, dessa maneira, terão por si a fecundidade, a força e o domínio, ou a
hegemonia do futuro.
Os grêmios estudantis foram tomados nesse texto como uma experiência educativa da Era
Vargas, sob orientação das propostas educacionais do movimento Escola Nova. De acordo com os
seus postulados, o ato de aprender se torna mais significativo quando o aprendiz aprende fazendo. Os
grêmios estudantis foram aqui considerados instituições escolares que estimulavam os estudantes,
notadamente os secundaristas, a desenvolverem o seu aprendizado em atividades fora da sala de aula,
embora dentro do ambiente escolar.
Os grêmios, assim como um dos seus produtos, os jornais, foram tratados como processos de
aprendizagem para determinada categoria de estudantes, aqueles que se encontravam na última fase do
ensino secundário, fosse do curso clássico, característico do Colégio Pedro II, fosse do curso
profissionalizante, da Escola Normal de Belo Horizonte. Organizar as reuniões, distribuir funções,
julgar os textos que deveriam ou não ser editados, escrever para publicação, eram tarefas que deveriam
criar nesses estudantes autonomia e o sentido de autorregulação, portanto, bem de acordo com os
postulados escolanovista e, numa perspectiva ufanista, típica dos anos 1930, jovens comprometidos
com os valores nacionais e patrióticos. Esperava-se desses jovens estudantes o comprometimento com
o futuro do país.
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MAGALDI, Ana Maria Bandeira de Mello e SHUELER, Alessandra Frota Martinez de.
Educação escolar na Primeira República: memória, história e perspectivas de pesquisa. In
http://www.scielo.br/pdf/tem/v13n26/a01v1326.pdf
NASCIMENTO, Adalson de Oliveira. Educação e civismo. Movimento escoteiro em Minas
Gerais (1926-1930). In Revista Brasileira de História da Educação. Campinas/SP: Autores
Associados, 2004.
SCHWARTZMAN, Simon et al. Tempos de Capanema. Rio de Janeiro: Paz e Terra; São
Paulo: EDUSP, 1984.
VALDEMARIN, Vera Teresa. Lições de coisas: Concepção científica e projeto modernizador
para a sociedade. In Cadernos CEDEWS 52. Cultura Escolar: história, práticas e
representações. Campinas SP: Unicamp, 2000. pp 74-87.
XAVIER, Libânia Nacif. O Manifesto dos pioneiros da educação nova como divisor de águas
na história da educação brasileira. In XAVIER, Maria do Carmo (org.). Manifesto dos
pioneiros da educação. Um legado educacional em debate. Rio de Janeiro: Editora FGV; Belo
Horizonte: FUMEC, 2004. pp 21-38
XAVIER, Maria do Carmo (org.). Manifesto dos pioneiros da educação. Um legado
educacional em debate. Rio de Janeiro: Editora FGV; Belo Horizonte: FUMEC, 2004.
O Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova – A reconstrução educacional no Brasil – ao
povo e ao governo. In Revista HISTEDBR On-line, n. especial, p. 188-204, agosto de 2006.
1
FREITAS, Marcos Cezar. Pensamento republicano e reconstrução social no(s) Manifesto(s): formas e falas. In XAVIER,
Maria do Carmo (org.). Manifesto dos pioneiros da educação. Um legado educacional em debate. Rio de Janeiro: Editora
FGV, 2004. P. 208.
2
Escola Pública é entendia não como estatal, considerando sua origem, mas como um serviço que se destina a todos,
portanto, na sua função, ela é pública, independentemente de, na origem ser estatal ou privada.
3
MAGALDI, Ana Maria Bandeira de Mello e SHUELER, Alessandra Frota Martinez de. Educação escolar na
Primeira
República:
memória,
história
e
perspectivas
de
pesquisa.
In
http://www.scielo.br/pdf/tem/v13n26/a01v1326.pdf
4
Também a respeito: FARIA FILHO, Luciano Mendes de. Dos pardieiros aos palácios. Cultura escolar urbana
em Belo Horizonte na Primeira República. Passo Fundo (RS): UPF, 2000.
5
VALDEMARIN, Vera Teresa. Lições de coisas: Concepção científica e projeto modernizador para a sociedade.
In Cadernos CEDEWS 52. Cultura Escolar: história, práticas e representações. Campinas SP: Unicamp, 2000. pp
74-87.
6
Idem. P. 76-77.
7
O Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova – A reconstrução educacional no Brasil – ao povo e ao governo. In Revista
HISTEDBR On-line, n. especial, p. 188-204, agosto de 2006. P. 196.
8
Idem. p. 196
O Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova – A reconstrução educacional no Brasil – ao povo e ao governo.
In Revista HISTEDBR On-line, n. especial, p. 188-204, agosto de 2006.
10
Francisco Campos, 1933. apud DALLABRIDA, Norberto. A reforma Francisco Campos e a modernização
nacionalizada do ensino secundário. Educação, Porto Alegre, v 32, n 2, p. 185-191, maio/ago. 2009.
http://revistaseletronicas.pucrs.br/ojs/index.php/faced/article/viewFile/5520/4015.P. 189.
11
NASCIMENTO, Adalson de Oliveira. Educação e civismo. Movimento escoteiro em Minas Gerais (19261930). In Revista Brasileira de História da Educação. Campinas/SP: Autores Associados, 2004. p. 44.
12
Decreto-Lei nº 2.072, de 8 de março de 1940. In GOMES, Moacyr Fayão de Abreu. O Livro da Juventude
com o Manual de Instrução pré-militar. Rio de Janeiro: Zélio valverde, 1944.
13
LEVI, Giovanni; SCHIMITT, Jean Claude. Introdução. História dos Jovens – Da antiguidade à era moderna,
vol. 1. São Paulo: Cia. das Letras, 1996.
14
Idem. p. 8.
15
COSTA, Eliezer Raimundo de Souza. Saber acadêmico e saber escolar: História do Brasil, da historiografia à
sala de aula na primeira metade do século XX. Dissertação de mestrado. Belo Horizonte: Faculdade de Educação
da UFMG, 2008.
9
16
O Colégio Pedro II, desde sua fundação, em 1838 foi destinado à educação de meninos. Entre os anos de 1883
e 1885 ele recebeu um número pequeno de alunas que, ao final do período, julgou-se que elas deveriam
frequentar a Escola Normal ou a de Artes e Ofícios, sendo, por isso, providenciado a transferência. De acordo
com Esgragnolle Dória, até a publicação de seu livro em 1937, o Colégio permanecia destinado à educação do
jovem masculino. DÓRIA, Esgragnolle. Memória Histórica do Colégio Pedro II: 1837-1837. Brasil: INEP, 1995.
p. 152-155.
Rosana Llopis Alves, no texto “Trajetória femininas no Colégio Pedro II”, publicado nos anais da ANPUH,
2009, descreve o ingresso de estudantes do sexo feminino no CPII a partir de 1926.
17
SCHWARTZMAN, Simon et al. Tempos de Capanema. Rio de Janeiro: Paz e Terra; São Paulo: EDUSP,
1984.
18
O Colégio Pedro II trabalhava com dois tipos de escolas, o Internato e o Externato. De acordo com alguns
textos publicados pelo jornal estudantil “Muirakitan”, há referências a estudantes do sexo feminino no externato
no ano de 1938, corroborando o texto já citado de Rosana Llopis Alves.
19
GOMES, Antônia Simone Coelho. Álbuns de Pesquisa: Práticas de escrita como expressão da escolarização da
infância (1930-1950). Tese de Doutorado FAE/UFMG. Belo Horizonte, 2008.
20
Idem p. 19.
21
Idem p. 24.
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juventude e escola nova durante a era vargas