www.aquinate.net/atualidades/análises ISSN 1808-5733 São Tomás de Aquino: Doutor da Nova Era do Espírito? Paulo Faitanin/UFF 1. Questão: O livro Tomás de A quino e a N ova Era do Espírito do autor Carlos Josaphat intitula São Tomás como Doutor da Nova Era do Espírito. De especial interesse para esta nota é o Capítulo 11: Tomás nos fala do Espírito Santo, especificamente o número VII: A N ova Era e a nova lei do espírito, onde se lê: Aos S.Tomás muitos títulos, solenes e carinhosos que lhe atribuíram a tradição e a devoção, ajuntamos este de Doutor da N ova Era do Espírito... sobretudo porque vivemos uma outra Nova Era. [JOSAPHAT, C. Tomás de Aquino e a Nova Era do Espírito. São Paulo: Edições Loyola, 1998, p. 275]. Está claro que para dar-lhe este título o autor reconhece no pensamento do Aquinate elementos que o justifiquem, pelo menos, como porta-voz ou defensor de tal doutrina. Esta breve exposição visa responder algumas questões prévias e, logo, de acordo com as respostas, analisar se há consistência doutrinal que justifique atribuir-lhe referido título. Eis as questões: O que é a Nova Era? A Nova Era do Espírito é o mesmo que Nova Era? Respondidas estas questões, eis uma terceira: São Tomás de Aquino pode ser intitulado Doutor da Nova Era do Espírito? 2. Análise: (2.1) O que é a Nova Era? Nova Era (New Age) é uma postura de vida manifesta na cultura, na filosofia, na religião que denuncia o atual estado da humanidade e propõe a abertura a uma nova consciência, segundo uma nova forma de ser espiritual. Sua doutrina se compõe da mistura de elementos das diversas religiões orientais, o espiritismo, as terapias alternativas, a psicologia trans-pessoal, a ecologia profunda, a música, a arte no geral, a astrologia, o gnosticismo e outras correntes. Ganha força na segunda metade do século passado, em meio à crise do iluminismo contemporâneo que professa ao extremo o relativismo, cujo epicentro é a radical postura individualista que coloca na consciência humana a razão última de explicação do universo, do bem e o mal, da salvação do homem, mediante promessas que não pode cumprir e atribuindo-se poderes que não possui. Algumas crenças comuns que quase todos os participantes da Nova Era compartilham: a) o mundo está para entrar em um período de paz e de harmonia assinalado pela astrologia como a era de Aquário ; b) A era de Aquário será fruto de uma nova consciência nos homens. Todas as terapias e técnicas da Nova Era pretendem criar esta consciência e acelerar a vinda da era de aquário; c) Por esta nova consciência o homem vai se dar conta de seus poderes sobrenaturais AQUINATE, n°5, (2007), 365-367 365 www.aquinate.net/atualidades/análises ISSN 1808-5733 e saberá que não há nenhum Deus fora de si mesmo; d) Cada homem, portanto, cria a sua própria verdade. Não há bem e mal, toda experiência é um passo para a consciência plena de sua divindade; e) O universo é um ser único e vivo em evolução ao pleno conhecimento de si e o homem é a manifestação de sua autoconsciência; f) A natureza também é parte do único ser cósmico e, portanto, também participa de sua divindade. Tudo é deus e deus está em tudo; g) Todas as religiões são iguais e, no fundo, dizem o mesmo; h) Há mestres invisíveis que se comunicam com pessoas que já alcançaram a nova consciência e os instruem sobre os segredos do cosmos; i) Todos os homens vivem muitas vidas, vão se reencarnando uma e outra vez até alcançar a nova consciência e dissolver-se na força divina do cosmos. O livro A Conspiração A quariana: Transformações Pessoais e Sociais nos A nos 80 é reconhecido como o manual da Nova Era. [FERGUSON, M. A Conspiração A quariana: Transformações Pessoais e Sociais nos A nos 80. Rio de Janeiro: Ed. Record, 1993]. Para uma visão sintética e histórica ver: FUSS, Michael, 'New Age' in: Dicionário Teologia Fundamental. Petrópolis: Vozes, 1994, pp. 675-676. Conclui-se do exposto que a Nova Era, assim compreendida, manifesta basicamente as seguintes doutrinas: relativismo (que têm por ponto comum a defesa da tese segundo a qual o conhecimento e a moral não são fundados sobre verdade comum, transcendente ou absoluta para todos os homens, senão apenas sobre verdades relativas segundo as convicções individuais de cada sujeito) e pluralismo religioso (todas as religiões têm igual valor, todas conduzem igualmente para a salvação). Note-se que ambas as doutrinas opõem-se essencialmente à doutrina do Cristianismo, como ensina o Magistério da Igreja, como denunciou Ratzinger como Papa Bento XVI e, então, ainda como Cardeal, numa obra publicada pouco antes de sua eleição pontifícia [RATZINGER, J. Fé, V erdade, Tolerância. São Paulo: Instituto Brasileiro de Filosofia e Ciência Raimundo Lúlio, 2007]. Encontram-se elementos da Nova Era, assim entendida, no pensamento daquele que foi considerado o maior conciliador entre fé e razão e defensor da verdade da fé Cristã? Numa primeira tentativa de resposta diríamos que não. Mas cabe antes saber se a Nova Era a que se refere o autor é esta ou não. (2.2) A Nova Era do Espírito é a mesma Nova Era acima professada? Para que não se cometa o equívoco e mesmo a injustiça de mal interpretar o sentido que o autor dá à Nova Era do Espírito em sua obra urge investigar e destacar, em seu próprio texto, o que se entende pelos referidos termos e logo analisar se o que ele propõe se identifica ou não com o que previamente definimos como sendo a Nova Era. a) Para o autor, Tomás escreveu algo que o relacionasse com a Nova Era? Para o autor, sim! O grande Mestre viveu, ensinou e escreveu em clima de Nova Era (p. 9); b) o que é a Nova Era para o autor? O autor distingue três eras: a primeira foi AQUINATE, n°5, (2007), 365-367 366 www.aquinate.net/atualidades/análises ISSN 1808-5733 a do Pai, fecunda em benção só para os judeus; a segunda foi a do Filho, que era isso que se estava vendo e sofrendo e a terceira é a do Espírito Santo, a qual o autor se refere como sendo a Nova Era do espírito (pp. 11-12); c) o que é mais especificamente esta terceira era ou Nova Era do Espírito para o autor? A Nova Era coincide com a globalização com relação à universalidade, distingue-se dela por ligar-se mais ao que é uma inteligência emocional (embora anseie a inteligência pura), enquanto a globalização liga-se ao que é uma razão técnica (p. 192); ela é convergência de doutrinas para a transcendência (p. 195) e que caminha em busca de paz e tranqüilidade (p. 196) com afinidades com os regimes, terapias, naturismo, macrobiótica, hipnose, sofrologia (pp. 196-197) e vai se casar com o utilitarismo social e assume uma visão refletida de tolerância e de aceitação das diferenças (p. 197) na compreensão das vantagens do pluralismo religioso e coroada pelo ecumenismo religioso (p. 197), na abertura à ecologia que leva à mística da terra (p. 197) à fraternidade universal, ao ecumenismo inter-religioso e a uma moral de condescendência, contestando ou deixando entre parênteses seus aspectos dogmáticos sobretudo se eles apelam para a autoridade e a tradição (pp. 197-198), destacando-se a teosofia e a antroposofia como doutrinas filosóficas mestras para a Nova Era (p. 198) que estabelece um recurso que vem a ser a confiança sempre mais nutrida nas energias dispersas, como no sereno da noite, na influência da lua (p. 198), cujos valores e doutrinas passam pela opção pelo pessoal, mas ampliando esta atitude existencial e personalista, insistindo sobre a caducidade da moral legalista e autoritária (p. 199) que converge para um pluralismo moral (p. 200). 3. Conclusão: As referidas passagens bastam para concluir que não há diferença entre o que previamente expusemos como Nova Era e o que o autor define em sua obra como a Nova Era do Espírito Santo. Conclui-se, portanto, que é inconciliável a doutrina do Aquinate e, em especial sobre o Espírito Santo, com as da Nova Era, em que se concebe um 'espírito' pautado num relativismo e pluralismo religioso, cujo ápice é a tomada de consciência pessoal radical. São Tomás de Aquino pode ser intitulado Doutor da Nova Era do Espírito? Não! Confrontando tudo o que dissemos, além de absoluta incompatibilidade entre o que defendeu Tomás e o que apregoa a Nova Era é até contraditório e simplório sustentar, mesmo a título de hipótese, que o Doutor Angélico, Doutor Comum, Doutor Humanidade o fosse da Nova Era. AQUINATE, n°5, (2007), 365-367 367