O cavalo e a água – Um vice-conceito ou uma esteticidade seletiva
Monica Aiub
São Vicente
e-mail: [email protected]
Por que fazer pelos outros o que não desejam para si? Isso não é liberdade, muito menos
autonomia. Seria um bem?
Mas... como formar um cidadão para que se tenha condições de escolher o que quer para si?
Em que momento da vida é possível ter essa condição?
Até que ponto o papel do professor é “obrigar”, “forçar” o aluno a estudar? Até onde
podemos exigir de profissionais que assumam uma consciência de seus papéis sociais?
Dizia o querido amigo e professor Itagyba: Eu posso levar o cavalo até a fonte, mas não
posso obrigá-lo a beber a água.
Até que ponto “obrigar o cavalo a beber a água” não é tirar-lhe a liberdade? Mas seria essa
liberdade legítima ou apenas fruto de não se ter percebido uma necessidade de beber a
água? Será que, se deixado ao lado da fonte, o cavalo beberia a água quando estivesse com
sede, ou morreria seco com a fonte a seu lado, sem saber o que fazer com ela?
Vivo diversos papéis existenciais que se contradizem nesse ponto. Como professora, qual a
medida? Levo o cavalo até a fonte, mostro para que serve a água, como é bom bebê-la
(bom para mim) quando se tem sede e... obrigo-o a experimentar? Às vezes em medida tão
própria para mim, mas imprópria para ele a ponto de causar um afogamento. E se esse
afogamento fizer-lhe significar a água como um mal e levá-lo a morrer de sede? Mas
preocupa-me que morra de sede ao lado da fonte por falta de hábito, por desconhecimento.
Haveria um equilíbrio entre ambas posições? Qual a medida?
Como presidente da Associação Paulista de Filosofia Clínica vivo a mesma situação. Há
atitudes que deveriam vir, na minha representação, de cada um dos associados, mas, volta e
meia vejo-me “obrigada” a levar um copo d’água para um, a atirar um pouco de água no
outro, a mergulhar alguns na fonte e segurar um pouco (não o suficiente para que se
afoguem, apenas para um despertar). Estaria eu errada? Penso, sinceramente, que sim, pois
ao fazer isso, intervenho na vida do outro de modo direto e não tenho esse direito. Mas por
que faço então? Porque, na minha representação, temos um objetivo comum e esses
“banhos”, às vezes, são necessários. O problema é errar a medida e ao invés do banho
gerar um afogamento... Novamente... Qual a medida?
Como mãe... a mesmíssima dúvida. Há momentos de total intervenção. Mas para cumprir
esse papel são necessários. Erro, muitas vezes, devido à dificuldade que tenho em intervir
nas escolhas alheias.
Como amiga, intervenho na medida do permitido. Prefiro não interferir a interferir na hora
errada, ou excessivamente. Posso achar que o outro está errado, mas não tenho o direito de
invadir seu modo de ser, de impor-lhe o meu.
E como filósofa clínica? Meus direitos diminuem, ou melhor, acabam.
Mas voltando ao cavalo, e se ele estiver morrendo de sede e não quiser beber a água, devo
deixa-lo morrer?
Na clínica, a escolha é sempre do partilhante. Nem por isso devo eximir-me da obrigação
de levá-lo a pensar e avaliar as possibilidades, as prováveis conseqüências de suas ações,
suas necessidades, os caminhos possíveis a serem trilhados... afinal, é para isso que o
partilhante nos procura, para que possamos auxiliá-lo a resolver uma questão que não
consegue resolver sozinho, ou para descobrir o que ocorre com ele para que sua vida esteja
nessa situação, ou ainda, para ajudá-lo a encontrar caminhos.
Porém, a escolha pelo caminho, a decisão tomada, a solução encontrada são escolhas que
competem a ele. Mesmo que eu não concorde com o caminho escolhido, não me cabe
julgar, nem decidir pelo outro. Costumo contar em aula o caso de uma partilhante que me
procurou devido a uma insatisfação com o trabalho. Durante a clínica fizemos vários
planejamentos de possibilidades de mudança de profissão, avaliamos uma a uma, eram
muitos os fatores envolvidos – depois de toda a análise, ela decidiu-se por manter-se na
profissão, porque, depois de ter analisado as demais possibilidades, descobriu ser esse o
caminho que queria para sua vida. Interiormente, fiquei contrariada, afrontou meus
Princípios de Verdade, mas a vida era dela e não minha. Encontrei-lhe há poucos dias e
agradeceu-me, relatando a felicidade com que vem desenvolvendo seu trabalho.
Outro caso semelhante foi o de uma moça que me procurou por problemas no casamento.
Na minha representação, o melhor a ser feito era livrar-se do “estorvo” que era o marido
(eu teria feito isso há muito tempo). Para ela, a opção foi manter o casamento, modificar
alguns tópicos de sua Estrutura de Pensamento, e mesmo com algum sofrimento, continuar
na mesma situação. Durante o trabalho encontramos diferentes Dados de Semiose para que
ela pudesse dizer ao marido o que sentia e queria. A situação melhorou um pouco, e ela
continuou com seu príncipe, na minha representação: um sapo boi.
Mas volto à pergunta: qual a medida?
Penso ser um equilíbrio. Não o equilíbrio ditado pela mídia, nem pela ciência, muito menos
pelo senso comum. O equilíbrio interno do ser, aquela medida que precisamos aprender
para andar de bicicleta sem cair para um lado ou para o outro, aquele movimento constante,
no nosso ritmo, dando-nos a segurança necessária para um pedalar tranqüilo, sem que
precisemos nos esforçar, a cada pedalada, para nos mantermos em movimento e não em
queda.
Qual a medida em clínica? A medida do partilhante, estabelecida, demonstrada, informada
na Interseção. Se não sei a medida é porque não é hora de intervir.
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