“Tenho Trabalho, mas Não Tenho Emprego”: O Perfil do Trabalhador Informal
na Região de Lavras – MG
Autoria: Andreina Del Carmen Camero de Lima, Eliza Rezende Pinto Narciso,
Luís Fernando Silva Andrade, Maria de Lourdes Souza Oliveira
Resumo
O objetivo deste estudo é identificar os fatores que influenciam o trabalhador informal a
permanecer na situação de informalidade na cidade de Lavras – MG e sete cidades
limítrofes. O trabalho caracteriza-se como pesquisa descritiva e utilizou-se método
quantitativo, cuja população foi formada por trabalhadores informais de Lavras – MG e
região. A coleta de dados foi realizada através de questionário e os dados coletados
foram tratados através da análise de cluster e análise discriminante, chegou-se a dois
grupos de trabalhadores: os que têm a intenção de se formalizar e os que pretendem
permanecer na informalidade.
1 1. Introdução
A evolução tecnológica das últimas décadas, no contexto de uma economia
globalizada, impulsionada pelo desenvolvimento dos meios de transporte e pela
evolução das tecnologias de informação e comunicação, forçou uma reestruturação
produtiva, principalmente no setor industrial, onde a força de trabalho humana foi sendo
substituída por novas e modernas máquinas e as grandes corporações transnacionais
buscaram redução de custos e mão-de-obra mais barata. Dessa maneira, o desemprego
pode ser considerado como um problema grave e histórico das economias capitalistas
(FREITAS JR, et al., 2010).
Segundo relatório da Organização Internacional do Trabalho (OIT), referente à
Reunião dos Ministros do Trabalho e Emprego do G-20 realizada em maio de 2012,
observa-se além do aumento da desigualdade salarial, baixo aumento real dos salários,
crescimento do trabalho temporário, entre outros fatores preocupantes e que impõe
dificuldades no estabelecimento de um mercado de trabalho mais inclusivo, destacandose a persistência de elevados níveis de emprego informal, relacionados ao déficit de
criação de empregos formais (OIT, 2012).
Segundo dados da OIT, a economia brasileira caracteriza-se pelo grande número
de trabalhadores no setor informal. Em 2001, este número representava 46,6% do total
de trabalhadores (OIT, 2010). Isto significa que muitos brasileiros encontram-se sem o
amparo das leis trabalhistas e, muitas vezes, em situação de risco ou subemprego, além
dos baixos salários.
No sentido de combater o desemprego e as situações de subemprego e também
para enfrentar suas consequências, como a pobreza e a exclusão social, fazem-se
necessárias ações governamentais, em nível federal, estadual e municipal.
Especificamente sobre o nível municipal, pode-se dizer que as cidades são o ponto de
confluência e protagonismo, em um processo de desenvolvimento local e regional
(FISCHER, 2002) e existe a necessidade de se levar em conta as especificidades de cada
local.
A necessidade de reflexões acerca do aumento do desemprego e do trabalho
informal, bem como os impactos nas dimensões econômica e social, justifica a
relevância de se estudar essa temática, especialmente com um foco voltado para o local.
Deste modo, o objetivo deste estudo é identificar os fatores que influenciam o
trabalhador informal a permanecer na situação de informalidade na cidade de Lavras –
MG e sete cidades limítrofes - Ribeirão Vermelho, Nepomuceno, Ijaci, Perdões,
Itumirim, Carmo da Cachoeira e Ingaí. Para alcançar esse objetivo, pretende-se também
identificar o perfil do trabalhador informal e a intenção desses trabalhadores em relação
a permanecer na informalidade ou mudar para trabalhos formais.
2. Referencial Teórico
2.1. Trabalho, Emprego e Desemprego
Segundo Macêdo (2010), nos últimos anos, existe uma crescente preocupação
com temas relacionados ao campo do trabalho. Percebe-se que tem ocorrido uma
intensificação do trabalho, decorrente de raízes históricas que foram sendo
2 desenvolvidas com o passar do tempo e das diversas transformações ocorridas no
mundo do trabalho (PEREZ, 2012).
O conceito de trabalho, considerando sua etimologia, está relacionado à
expressão romana “tripaliun”, um instrumento de tortura formado por pontas
pontiagudas e que estava associado ao castigo (FERREIRA e MENDES, 2003).
Godelier (1986) aponta que posteriormente se criou o conceito de labor, com origem no
latim. O autor assinala que labor indicava labuta, trabalho árduo, dor e sofrimento.
Cattani (2000) define o trabalho a partir de dimensões ambivalentes, como
sinônimo tanto de opressão quanto de emancipação, tortura (tripallium) e prazer,
alienação e criação. Tais dimensões, para o autor, não se limitam à jornada laboral, mas
repercutem sobre a totalidade da vida em sociedade.
Ademais, deve-se ressaltar que o trabalho representa um sentido essencial na
formação da identidade do indivíduo, pois é através do trabalho que os indivíduos
enxergam e buscam a possibilidade de realizar-se, de expressar suas competências e de
se integrar socialmente (ANDRADE e CARDOSO, 2012). Em uma perspectiva
semelhante sobre a relevância do trabalho humano, Sorj (2000, p.26) argumenta que “o
trabalho, [...] continua a ser um dos mais importantes determinantes das condições de
vida das pessoas. Isto porque o sustento da maioria dos indivíduos continua a depender
da venda do seu tempo e de suas habilidades de trabalho no mercado”.
Para Catani (2000, p.39), o trabalho pode ser conceituado como uma atividade
de produção de bens e serviços, composto pelas condições de exercício dessa atividade.
O trabalho assalariado é considerado pelo autor como o “epicentro dos mecanismos
econômicos, das experiências e das construções sociais”, embora o trabalho possa
também assumir a forma de familiar, independente e comunitário, dentre outras.
O trabalho assalariado pode ser considerado como emprego. No entanto,
segundo o autor supracitado (2000), o desemprego deve ser visto de maneira mais
ampla, não apenas como a ausência de atividade assalariada, mas como uma situação ou
status social. As situações de precariedade do emprego, tais como o subemprego, o
emprego de tempo parcial e a realização de “bicos”, também podem ser consideradas
fontes de angústia e incertezas (Catani, 2000).
Todavia, não se pode falar em uma única modalidade de desemprego. Silva
(2008) classifica o desemprego em três tipos básicos: o desemprego cíclico ou
conjuntural, o desemprego tecnológico, e o desemprego estrutural. O autor também
aponta a importância de se classificar o desemprego, não obstante a dificuldade de fazêlo, pois a falta de uma classificação correta pode ocasionar a elaboração de políticas
públicas inadequadas para a geração de empregos (SILVA, 2008).
Moura (1998) complementa, dizendo que no desemprego conjuntural ocorre a
perda do posto de trabalho pelo indivíduo, mas não a extinção do posto de trabalho.
Dessa forma, o desemprego pode ser entendido como uma situação temporária, a cessar
quando o trabalhador conseguir uma nova contratação. O desemprego tecnológico é
fruto da diminuição relativa da utilização de força de trabalho humana no processo de
produção, face à crescente mecanização e automação. Silva (2008) salienta que em boa
parte dos estudos sobre o tema, o desemprego tecnológico é tratado como integrante do
desemprego estrutural. O desemprego estrutural está relacionado à desproporção
3 qualitativa entre a demanda e a oferta de trabalho, ocasionada pela carência de
trabalhadores qualificados ou inadequados às necessidades do empregador (SILVA,
2008).
Moura (1998) extrapola a questão da classificação dos tipos de desemprego e
argumenta que existem diferentes causas para o desemprego, apontando diversos
ângulos de análise: causas de ordem pessoal ou social; estrutural ou conjuntural; atual
ou com efeitos cumulativos do passado; organizacional, individual ou econômica; local
ou universal; temporária ou permanente, dentre outras.
A diversidade de ângulos sob os quais pode ser analisado o desemprego permite
dizer que se trata de um fenômeno complexo e interligado, impossível de ser atribuído a
uma causa somente. Dessa forma, Moura (1998, p.93) afirma que, “como todo
fenômeno social, o desemprego tem causas múltiplas, interligadas e independentes entre
si”. Uma das consequências do desemprego pode ser a busca por formas alternativas de
trabalho. Dentre as possibilidades de trabalhos alternativos, destaca-se o trabalho
informal, o qual será abordado no tópico seguinte.
2.2. Trabalho Informal
Iriart et al. (2008) apontam que nas últimas décadas o mercado de trabalho
brasileiro tem sofrido densas mudanças. Essas transformações têm refletido um
incremento no número de desempregados e uma diminuição da qualidade dos vínculos
de trabalho, o que é evidenciado por estatísticas que apontam o aumento do número de
trabalhadores não registrados. O Banco Mundial apresenta estatísticas que apontam que
“50% da mão de-obra não rural brasileira estão no mercado informal da economia”. As
taxas são ainda mais altas se considerarmos os grandes centros urbanos, podendo chegar
ao número de 87% de trabalhadores sem carteira assinada, no período de 1992 a 2002
(IRIART et al., 2008, p. 166).
O período entre 1983 a 1989 foi considerado como estável, e somente a partir da
década de 1990 é que o mercado de trabalho passa a ter um aumento na informalidade.
Isso ocorreu devido a dois fatores, o aumento do número de trabalhadores que
trabalham por conta própria e também daqueles que trabalham sem carteira assinada
(ULYSSEA, 2006).
Ramos (2002) assinala que dentre as principais razões desse aumento na
informalidade, podem-se considerar as modificações no arranjo setorial da ocupação na
década de 1990, as quais ocasionaram uma grande ampliação do setor de serviços e em
sentido inverso, a retração da indústria de transformação. Além disso, outro aspecto
importante se refere à elevação do nível de informalidade na indústria de transformação
(ULYSSEA, 2006).
Apesar de existir uma gama extensa de abordagens sobre o conceito de trabalho
informal, Filgueiras, Druck e Amaral (2004) apontam que para conceituar o trabalho
informal, é preciso considerar várias atividades e as diferentes formas de introdução no
mundo do trabalho, e que “estão aí incluídos tanto proprietários de pequenas estruturas
produtivas quanto aqueles trabalhadores que operam total ou parcialmente na
ilegalidade” (OLIVEIRA; IRIART, 2008, p. 438).
4 Além disso, cabe ressaltar que o trabalho informal não representa apenas uma
estratégia revolucionaria criada pelos trabalhadores como forma de atuar contra o
Estado. O trabalho informal pode ser visto como um reflexo do modelo capitalista, que
“concentra a economia, despreza o trabalho formal e coloca em risco a sociedade
salarial, incluindo os mecanismos de coesão e identidade coletivos” (DALBOSCO;
KUYUMJIAN, 1999, p. 216). Os autores afirmam ainda que, atualmente, o trabalho
informal assume o caráter de uma “estratégia de sobrevivência” para um vasto número
de trabalhadores, devido à reestruturação da produção no setor formal, a qual gera o
desemprego. Isso significa que, ao serem trocados pelas máquinas, o trabalho formal se
torna cada vez mais uma vantagem de poucos “e a precarização e a informalidade
condenam a maioria a ocupações precárias de sobrevivência” (DALBOSCO;
KUYUMJIAN, 1999, p. 216).
Como consequência desses novos aparatos organizacionais, Saravia (2006)
corrobora com a ideia anterior, a medida que altas taxas de desemprego começam a
surgir, a precarização das relações de trabalho se torna cada vez mais evidente e a
exclusão da classe trabalhadora atinge números absurdos, causando assim um grande
aumento das desigualdades sociais.
Para Moura (1998), a exclusão social significa o estado do indivíduo privado de
participar das condições gerais que a sociedade propicia aos seus cidadãos. Para este
autor, a exclusão social pode ser causada não apenas pelo desemprego, mas por fatores
como etnia, gênero, nível educacional, moradia em áreas urbanas, rurais ou
metropolitanas, assumindo forma conjuntural ou estrutural.
Em relação à exclusão social causada pelo desemprego, Moura (1998) pontua
que esta se constitui como fenômeno importante, tendo em vista a significante
quantidade de indivíduos atingidos e o fato de agravar outros tipos de exclusão social.
Nesse sentido, Moura (1998) articula uma relação causal entre desemprego, pobreza e
exclusão. Dessa forma, a informalidade é uma alternativa ao desemprego e à exclusão.
Oliveira e Iriart (2008) comentam que vários autores indicam que os trabalhadores que
buscam a informalidade, recorrem a essa opção como forma de ter ganhos melhores e
mais liberdade na profissão.
Para delinear o trabalho informal, Filgueiras, Druck e Amaral (2004) indicam
que o conceito de informalidade atual se dá pela união de dois critérios: o primeiro
relacionado a diferenciação entre o formal e o informal e o segundo critério referindo-se
à legalidade ou ilegalidade das atividades. Deste modo, tem-se o conceito apresentado
pelos autores, em que a informalidade “abarcaria tanto as atividades e formas de
produção não tipicamente capitalistas, sejam elas legais ou ilegais, quando as relações
de trabalho não registradas, mesmo que tipicamente capitalistas (assalariados sem
carteira assinada)” (FILGUEIRAS, DRUCK, AMARAL, 2004, p.215).
No contexto do trabalho informal, outro aspecto relevante é o perfil desses
trabalhadores. Neste tipo de trabalho, geralmente, estão pessoas com um nível mais
baixo de escolaridade, com pouca qualificação profissional e alguns grupos
minoritários, como mulheres e negros (OLIVEIRA e IRIART, 2008). Ademais, as
remunerações costumam ser menor que o mínimo exigido legalmente, é negado aos
trabalhadores o acesso aos benefícios de seguridade social e não têm garantias com
relação à proteção da saúde (IRIART et al., 2008). Na seção seguinte é apresentada a
metodologia utilizada neste trabalho.
5 3. Metodologia
O trabalho caracteriza-se como pesquisa descritiva, que, conforme Triviños
(1987, p. 100, grifo do autor) é o tipo de pesquisa que tem como objetivo “descrever
com exatidão os fatos e fenômenos de determinada realidade”. Assim, a escolha por
este tipo de estudo tem a intenção de verificar um caso, em determinada situação e
população. Zanella (2009) afirma que na administração pública a pesquisa quantitativa é
um tipo de estudo muito utilizado devido a sua capacidade de descrever características
de determinado fato ou fenômeno.
O método adotado foi o quantitativo. Segundo Zanella (2009), a pesquisa
quantitativa caracteriza-se pelo emprego de instrumentos estatísticos, na coleta e no
tratamento dos dados, com a finalidade de medir as relações existentes entre as variáveis
e requer o uso de recursos e técnicas estatísticas (DA SILVA; MENEZES, 2001).
A população estudada na pesquisa foi formada por trabalhadores informais de
Lavras – MG e sete cidades limítrofes - Ribeirão Vermelho, Nepomuceno, Ijaci,
Perdões, Itumirim, Carmo da Cachoeira e Ingaí. O procedimento de coleta de dados foi
através de questionário, com 31 questões, referentes ao perfil demográfico dos
trabalhadores informais pesquisados e às opiniões e intenções sobre a situação de
informalidade. Foram aplicados 228 questionários de acordo com uma amostra não
probabilística por conveniência.
Os dados levantados e as análises foram tabulados e realizados através do
programa estatístico SPSS. Os dados coletados passaram por dois tipos de tratamento
estatístico. As técnicas estatísticas utilizadas foram a análise de cluster, que acabou por
dividir os trabalhadores que tinham intenção de abandonar a informalidade e os que
possuem a intenção de permanecer no trabalho informal, seguida pela análise
discriminante que permitiu constatar as diferenças entre os grupos e características de
cada um.
A análise de clusters ou conglomerados é uma técnica multivariada para o
agrupamento de indivíduos, respondentes ou objetos homogêneos em relação a um
conjunto de variáveis, em grupos desconhecidos (HAIR JR. et al., 2005; MORAES,
2009).
As variáveis escolhidas para definir os grupos foram as que indicavam a opinião
e a intenção dos trabalhadores em relação à situação de trabalho informal.
Justifica-se a escolha da técnica, pois, segundo Hair Jr. et al. (2005), seu foco de
análise é a comparação de objetos com base na variável estatística, não na estimação
dessa variável em si, que caracteriza a análise de agrupamentos como descritiva, sem
base teórica e não inferencial, assim esta técnica está congruente com o objetivo
descritivo da pesquisa.
No momento de proceder à análise de cluster no SPSS foram feitas as opções
pela padronização dos dados, Z scores, e pelo método Ward.
O uso de variáveis padronizadas elimina os efeitos de diferenças de escala não
apenas ao longo das variáveis, mas também para a mesma variável. A necessidade de
padronização é minimizada quando todas as variáveis são medidas na mesma escala de
resposta, como no caso desta pesquisa, e é necessária sempre que variáveis usando
diferentes escalas de medidas são incluídas na análise. Mesmo assim foi feita a opção de
6 padronização através da técnica Z scores, que consiste na conversão de cada variável em
escores padrão, também conhecidos como escores Z, pela subtração da média e da
divisão pelo desvio-padrão para cada variável. O processo converte cada escore de
dados iniciais em um valor padronizado com uma média de 0 e um desvio-padrão de 1
e, em troca, elimina o viés introduzido pelas diferenças nas escalas dos vários atributos
ou variáveis usados na análise (HAIR JR. et al., 2005).
O método de cluster escolhido foi o Ward, um método hierárquico aglomerativo,
que combina os respondentes dentro dos grupos de acordo com o critério do menor
incremento de soma total da distância euclidiana ao quadrado, dentro do cluster.
Segundo explicação de Hair Jr. et al. (2005), baseia-se na perda de informação
decorrente do agrupamento de objetos em conglomerados, medida pela soma o total dos
quadrados dos desvios de cada objeto em relação à média do conglomerado no qual o
objeto foi inserido. Em cada etapa do procedimento de agrupamento, essa soma é
minimizada sobre todas as partições (o conjunto completo de conglomerados desligados
ou separados), o que é obtido combinando-se dois conglomerados da etapa anterior.
Esse procedimento leva à combinação de conglomerados com um pequeno número de
observações. (HAIR JR. et al. 2005).
Moraes (2009) afirma que a solução para a análise de cluster, que seria a
definição do número de clusters, não é única. Para que um agrupamento seja pertinente,
as soluções dependem de muitos elementos e podem gerar muitas soluções de acordo
com a variação de um ou mais elementos e dependem do discernimento e análise do
pesquisador.
Hair Jr. et al. (2005) aconselha computar várias soluções diferentes e então
decidir entre as soluções alternativas pelo uso de um critério a priori, julgamento
prático, senso comum ou fundamentação teórica. Nesta pesquisa, obteve-se pelo
programa SPSS a solução de 2 e 3 grupos, fazendo-se a opção pela utilização de dois
grupos na pesquisa após análise preliminar da técnica discriminante.
Posteriormente foi aplicada a técnica de análise discriminante para se conhecer
as características que diferenciaram os grupos encontrados.
A técnica de análise discriminante é uma forma de tratamento estatístico de um
conjunto de dados, utilizada para identificar o padrão das variáveis que diferenciam
grupos identificados na análise estatística de pesquisas quantitativas, como por
exemplo, a análise de clusters. (MUYLDER et al., 2012).
De acordo com Hair Jr. et al., 2005), a análise discriminante tem como objetivos
principais: determinar combinações lineares das variáveis previsoras para separar os
grupos por meio da maximização da variação entre os grupos em relação à variação
dentro dos grupos (objetos em diferentes grupos são maximamente separados);
desenvolver procedimentos para designar novos objetos, empresas ou indivíduos, cujos
perfis, e não a identidade grupal seja conhecida, para um dos dois grupos; testar se
existem diferenças significantes entre os grupos, com base em seus centróides; e
determinar quais as variáveis mais relevantes para a explicação das diferenças intergrupais.
Assim, a análise discriminante foi utilizada como técnica estatística por permitir
conhecer as variáveis que mais interferiram para a formação dos grupos, devido a
7 análise discriminante estabelecer grupos e avaliar seu grau de diferença, a partir do
cálculo de suas variâncias (MUYLDER et al., 2012).
A escolha da técnica de análise discriminante justifica-se por essa ser
amplamente utilizada para análise de grupos gerados a partir da análise de cluster, e
ainda por ser estatisticamente significante e a precisão de classificação ser aceitável e
servir como embasamento para que o pesquisador faça uma interpretação substancial de
suas descobertas, com posterior exame das funções discriminantes para determinar a
importância relativa de cada variável independente na discriminação entre os grupos
Hair Jr. et al. (2005). Este procedimento foi realizado a partir da técnica de estatística
bivariada denominada tabela cruzada ou cross-tabs, sendo que essa análise
complementar foi feita referente a cada variável considerada discriminante e o cluster de
dois grupos escolhido para a pesquisa.
A seguir serão apresentados os resultados observados a partir das análises acima
descritas.
4. Resultados
A partir das análises descritas, chegou-se a dois grupos, os quais, pode-se
afirmar que representam dois tipos de trabalhadores informais: os que têm a intenção de
se formalizar e os que pretendem permanecer na informalidade. É importante ressaltar
que 87,1% dos casos analisados foram agrupados corretamente e a correlação canônica
foi de 0,777, o que representa uma capacidade de explicação de 60%. A seguir é
descrito o perfil dos grupos de acordo com os dados levantados pela pesquisa.
O grupo 1 é formado por 93 respondentes, das oito cidades estudadas. Dos
respondentes classificados neste grupo 50,5 % são do sexo feminino, 73,9% possuem
idade superior a 30 anos, 42, 4% possuem ensino superior completo, no entanto, 58,1%
nunca fizeram nenhum curso do tipo profissionalizante, 61,5% já trabalharam em algum
tipo de trabalho ou emprego formal e 71% pretendem procurar emprego.
O grupo 2 é composto por 108 trabalhadores informais, a maioria é de homens,
que representam 66,4% dos respondentes deste grupo e a idade de 88,9% dos
entrevistados é superior a 30 anos. Em relação à escolaridade, este grupo possui 21,3%
dos respondentes com ensino superior incompleto e 28,7% com o ensino superior
completo e 72,2% nunca fizeram curso profissionalizante. Dos respondentes, 66,3% já
trabalharam com carteira assinada e 75,9 não pretendem deixar a informalidade.
Em relação às variáveis que entraram na descrição de perfil, cabe afirmar que
segundo o teste Chi-quadrado as variáveis “pretende continuar informal ou procurar
emprego” e “sexo” apresentaram nível de significância a 1%, e a variável “já fez algum
curso profissionalizante” a 5%.
A análise discriminante realizada foi significativa a 1% pelo teste F e apresentou
como variáveis que mais diferenciaram os grupos em ordem de discriminação de acordo
com o teste Wilks’ Lambda, as seguintes variáveis descritas na tabela 1.
8 Tabela 1: Variáveis discriminantes, teste Wilks’ Lambda e teste F.
Variáveis discriminantes
Wilks'
Lambda
Exact F
Se eu tiver oportunidade, vou trabalhar com carteira assinada
,635
,000
Ganho mais no meu trabalho atual do que trabalhando com carteira assinada
,518
,000
É melhor ter férias e décimo terceiro do que trabalhar por conta própria
,461
,000
Quem se atualiza sempre no trabalho, dificilmente perde o emprego
,412
,000
Ganho menos no meu trabalho atual, mas é melhor do que ter emprego
formal ou patrão
,396
,000
Fonte: Elaborado pelos autores (2014).
As variáveis apresentadas são as que caracterizam e diferenciam os grupos
encontrados. E a partir delas é possível descrever os fatores que influenciam as
intenções do trabalhador informal em permanecer ou abandonar a informalidade.
Para fins de análise esses fatores serão categorizados em três tipos: Fator
formalização, que diz respeito aos direitos trabalhistas, representado pelas variáveis “Se
eu tiver oportunidade, vou trabalhar com carteira assinada” e “É melhor ter férias e
décimo terceiro do que trabalhar por conta própria”; Fator econômico, referente a renda
e as variáveis “Ganho mais no meu trabalho atual do que trabalhando com carteira
assinada” e “Ganho menos no meu trabalho atual, mas é melhor do que ter emprego
formal ou patrão”; E o Fator Capacitação indicado pela variável “Quem se atualiza
sempre no trabalho, dificilmente perde o emprego”.
Tabela 2: Categoria de análise dos clusters.
Categorias
Fator
Formalização
Variáveis
Discriminantes
Se eu tiver
oportunidade, vou
trabalhar com carteira
assinada
É melhor ter férias e
décimo terceiro do que
trabalhar por conta
própria
Opinião
Grupo 1:
Mudança Pretende buscar
emprego formal
Grupo 2:
Manutenção Pretende
continuar na
informalidade
Concorda
84
36
Discorda
04
60
Concorda
72
33
Discorda
08
59
9 Fator
Econômico
Fator
Capacitação
Ganho mais no meu
trabalho atual do que
trabalhando com
carteira assinada
Concorda
28
77
Discorda
46
13
Ganho menos no meu
trabalho atual, mas é
melhor do que ter
emprego formal ou
patrão
Concorda
18
49
Discorda
53
33
Quem se atualiza
sempre no trabalho,
dificilmente perde o
emprego
Concorda
88
79
Discorda
0
18
Fonte: Elaborado pelos autores (2014). Através da concordância ou discordância demonstradas acima, pode-se
confirmar a intenção dos grupos em buscar emprego formal ou permanecer na
informalidade. O Grupo 1 está relacionado à intenção de mudança do trabalho informal
para um emprego formal, isso porque podemos inferir que esses trabalhadores
consideram os direitos trabalhistas adquiridos através da carteira assinada, como férias e
décimo terceiro melhores do que a situação de informalidade, admitindo para esse grupo
uma interface maior com a categoria fator formalização. Além do que, parecem
acreditar que o ganho econômico e a renda de quem está formalizado são melhores do
que na situação atual.
Já o Grupo 2 é o grupo da manutenção, dos trabalhadores que pretendem
continuar na informalidade e possuem forte relacionamento com o fator econômico por
concordarem que os ganhos são maiores na informalidade do que em um trabalho
formal, e por preferirem o que ganham à ter que prestar satisfações a figura do patrão.
Além disso, a grande maioria afirma que mesmo tendo a oportunidade não deixaria a
informalidade, mesmo com direitos trabalhistas como férias e décimo terceiro.
Em relação ao fator capacitação pode-se inferir que este é considerado como
importante em ambos os grupos e para ampliar a análise em relação a esta categoria foi
realizada a tabulação cruzada entre às demais variáveis que se referiam à capacitação e
os clusters. As variáveis que apresentaram nível de significância a 1% ou 5% de acordo
com o teste Chi-quadrado foram: “Quem tem conhecimento (estudo, qualificação
profissional), consegue trabalho mais facilmente”, “Quem se atualiza sempre no
trabalho, dificilmente perde o emprego”, “Quem faz curso profissionalizante, tem mais
chance de trabalhar com carteira assinada”.
Tabela 3: Cosstabs variáveis capacitação x clusters Grupo 2:
Manutenção Pretende
continuar na
informalidade
Variáveis
Opinião
Grupo 1: Mudança Pretende buscar
emprego formal
Quem tem conhecimento (estudo,
qualificação profissional), consegue
trabalho mais facilmente
Concorda
90
92
Discorda
0
11
10 Quem se atualiza sempre no trabalho,
dificilmente perde o emprego
Quem faz curso profissionalizante, tem
mais chance de trabalhar com carteira
assinada
Concorda
88
79
Discorda
0
18
Concorda
80
101
Discorda
06
01
Fonte: Elaborado pelos autores (2014).
Essa análise reforça a ideia de que o trabalhador informal, de maneira geral,
considera importante a capacitação e o conhecimento para a manutenção de seu trabalho
ou de um emprego formal. Assim, retomamos a análise da escolaridade nos grupos
analisados de forma a verificar a influência da escolaridade e do fato de ter feito algum
curso profissionalizante.
Tabela 4: Crosstabs escolaridade dos grupos.
Escolaridade
Grupo 1: Mudança - Pretende
buscar emprego formal
Grupo 2: Manutenção Pretende continuar na
informalidade
Ensino fundamental incompleto
2
1
Ensino fundamental completo
3
3
Ensino médio incompleto
20
28
Ensino médio completo
8
16
Ensino superior incompleto
17
23
Ensino superior completo
39
31
Pós-graduação incompleta
2
2
Pós-graduação completa
1
4
Fonte: Elaborado pelos autores (2014).
Tabela 5: Crosstabs realização de curso profissionalizante dos grupos.
Grupo 1: Mudança Já fez algum curso profissionalizante? Pretende buscar emprego
formal
Sim
Não
39
54
Grupo 2: Manutenção Pretende continuar na
informalidade
30
78
Fonte: Elaborado pelos autores (2014).
Devido ao alto nível de escolaridade do grupo 1 e pelo fato de grande maioria
dos respondentes do grupo 2 não terem realizado curso profissionalizante, pode-se
afirmar que a capacitação e instrução pode despertar nos trabalhadores o interesse pela
formalização.
5. Considerações Finais
Este trabalho buscou identificar fatores que influenciam o trabalhador informal
na escolha de sua permanência em situação de informalidade. Através da pesquisa
descritiva quantitativa e das técnicas estatísticas análise de cluster e discriminante,
buscou-se identificar o perfil do trabalhador informal e a intenção dos trabalhadores em
11 permanecer na informalidade ou buscar um trabalho formal, para atingir o objetivo
proposto.
Através da análise de cluster foi possível identificar dois grupos de trabalhadores
informais: aqueles que têm a intenção de se formalizar e aqueles pretendem permanecer
na informalidade. Partindo dos grupos estabelecidos pela análise, foi descrito o perfil
dos trabalhadores em cada grupo, com destaque para a escolaridade que demonstrou ter
um nível alto em ambos os grupos.
Por meio da análise discriminante realizada posteriormente, as características e
intenções dos respondentes pertencentes a cada grupo foram melhor exploradas. As
intenções dos trabalhadores em relação à permanência no trabalho informal estão
relacionadas às vantagens da formalização e a aquisição de direitos trabalhistas e aos
ganhos econômicos obtidos.
Outro fator apontado foi a capacitação, considerado importante por ambos os
grupos, que associado à alta escolaridade dos respondentes pode levar a concluir que a
mão de obra do trabalho informal está qualificada, e que há uma possível falta de postos
de trabalho formal que leva esses trabalhadores a buscarem na informalidade uma
alternativa ao emprego tradicional.
O grupo 1 em especial, que tem a intenção de mudança para um emprego
formal, possui alto grau de escolaridade, ensino superior completo, que nos permite
afirmar que a capacitação é uma forma de se buscar vagas no setor formal bem como
desperta no trabalhador o interesse pela formalização.
Como limitações da pesquisa, observa-se que a atualização dos dados da
pesquisa pode apontar novas tendências e resultados no que se refere ao perfil do
trabalhador informal. Como possibilidades, pode-se citar que novas análises podem ser
realizadas através do banco de dados obtido para observar as atividades predominantes
na informalidade e maneiras de se melhorar as condições de trabalho e minimizar as
situações de precarização, possibilitando criar informações que podem fomentar a
elaboração de políticas públicas em âmbito local para esses trabalhadores.
Por fim, como discutido nas bases teóricas deste trabalho, a contribuição que se
coloca é a do estudo de aspectos ligados ao emprego/desemprego/trabalho em âmbito
municipal, o que pode apontar anseios e aspectos a serem melhor trabalhados pela
Administração Pública no que se refere à políticas públicas para o trabalho informal, a
precarização do trabalho, a situação de desemprego e as exclusões a que os indivíduos
nesta situação se encontram.
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“Tenho Trabalho, mas Não Tenho Emprego”: O Perfil do