O MÉTODO DE EXAUSTÃO E SUA CONTRIBUIÇÃO PARA O DESENVOLVIMENTO DO CONHECIMENTO MATEMÁTICO Mauro Lopes Alvarenga Licenciando em Matemática Universidade Católica de Brasília RESUMO Este trabalho vem nos dar uma pálida idéia sobre a vida e a obra de um dos maiores matemáticos de todos os tempos, Arquimedes de Siracusa. Dentro de seus feitios, Arquimedes aprimorou um método, atribuído a Eudoxo, chamado de método de exaustão, muito utilizado para se determinar áreas e volumes de figuras geométricas. Devido ao rigor que Arquimedes impunha em suas demonstrações utilizando o método de exaustão, daremos aqui uma mera introdução deste método e suas aplicações feitas em: A Quadratura da Parábola, Medida do Círculo e Método de Equilíbrio; Sendo que, neste último, o método de exaustão é utilizado para se provar o resultado obtido na etapa anterior (aplicação de O Método de Equilíbrio). 1. INTRODUÇÃO O nosso interesse principal no ramo da matemática grega reside no trabalho de Arquimedes, a quem de acordo com a maioria dos historiadores, deve-se a antecipação (ou mesmo a invenção) do cálculo integral. Em relação às suas obras, destacaremos algumas, seu mais famoso método demonstração: o método de exaustão; além de seus efeitos, seus fundamentos e suas contribuições para o desenvolvimento do conhecimento matemático, e um método particular para chegar aos resultados: o método do equilíbrio. Arquimedes quase sempre chegava a conclusões pelo método do equilíbrio (método do próprio Arquimedes) e depois demonstrava estas conclusões pelo método de exaustão (creditado a Eudoxo). 2. HISTÓRICO Arquimedes de Siracusa (287 – 212 a.C.) é considerado consensualmente o maior matemático da antiguidade. Superou todos os outros pela quantidade e dificuldade dos problemas que tratou, pela originalidade de seus métodos e pelo rigor de suas demonstrações. Interessava-se tanto pela matemática pura quanto pela aplicada e criou dois ramos da física (estática e hidrodinâmica). Tornou-se famoso por suas invenções mecânicas, algumas delas utilizadas na defesa da cidade de Siracusa contra o ataque das tropas romanas comandadas pelo general Marcelo durante a segunda guerra Púnica (218 – 201 a.C.). Segundo a lenda, Arquimedes foi morto por um soldado romano durante a tomada da cidade enquanto estudava um diagrama geométrico na areia. Mas o episódio da morte de Arquimedes é cheio de informações desencontradas, cada um relatando um tipo de situação. O certo é que sua morte muito afligiu Marcelo; e que Marcelo sempre considerou quem o matou como assassino; e que ele procurou os parentes de Arquimedes e os honrou com muitos favores. “Em seu trabalho, desenvolveu também o método de exaustão, creditado a Eudoxo, pelo qual se aproxima a quantidade desejada pelas somas parciais de uma série ou pelos termos de uma seqüência. Obteve aproximações da área de um círculo comparando-a com as áreas de polígonos regulares inscritos e circunscritos”. (Boyer, 1995). A mais notável das contribuições feitas à matemática se traduz no desenvolvimento inicial de alguns dos métodos de cálculo integral. Segundo Dieguez (2003): “Arquimedes foi o primeiro a deduzir a lei das alavancas e das roldanas e a descobrir porque os barcos flutuam. Gostava de máquinas e inventou um grande número de engenhos úteis e extremamente eficientes, como um aparelho de bombear água denominado “Parafuso de Arquimedes”, que até hoje é usado em algumas partes do mundo, e terríveis catapultas de guerra, com os quais se podiam lançar pedras de um quarto de tonelada a um (1) quilômetro de distância. Seu prestígio era tão grande, que se atribuía a ele até façanhas improváveis, como a de ter montado um jogo de espelhos capaz de concentrar a luz solar e incendiar navios de guerra no mar.” As contribuições de Arquimedes na matemática foram bastante significativas, como na determinação de áreas de figuras cilíndricas, parabólicas e elípticas. Determinou também volumes do cone e da esfera utilizando para isso métodos bastante rigorosos. O método de exaustão é o fundamento de um dos processos essenciais do cálculo infinitesimal. No entanto, enquanto no cálculo se soma um número infinito de parcelas, Arquimedes nunca considerou que as somas tivessem uma infinidade de termos. Para poder definir uma soma de uma série infinita seria necessário desenvolver o conceito de número real que os gregos não possuíam. Não é, pois, correto falar do método de exaustão como um processo geométrico de passagem para ao limite. A noção de limite pressupõe a consideração do infinito que esteve sempre excluída da matemática grega, mesmo em Arquimedes. Mas, no entanto, o seu trabalho foi, provavelmente, o mais forte incentivo para o desenvolvimento posterior da idéias de limite e de infinito no século XIX. De fato, os trabalhos de Arquimedes constituem a principal fonte de inspiração para a geometria de século XVII que desempenhou um papel importante no desenvolvimento do cálculo infinitesimal. Apesar da grande originalidade dos trabalhos de Arquimedes, ele não teve discípulos diretos na Grécia. Mas os matemáticos árabes interessaram-se pelo método da exaustão desde o século IX. Conforme Boyer (1995): “Para achar áreas e volumes, o versátil Arquimedes usou sua própria versão primitiva do cálculo integral, que, de alguma maneira, é muito semelhante, quanto ao espírito, ao cálculo atual. Numa carta a Eratóstenes, Arquimedes expôs seu “método da alavanca” para descobrir fórmulas de áreas e volumes. Mas, quando publicava provas para essas fórmulas, ele utilizava o método de exaustão para se ajustar aos padrões de rigor da época.” Deve-se notar que a frase “método de exaustão” não era usada pelos gregos antigos, sendo uma invenção moderna; mas está tão firmemente estabelecida na história da matemática que continuamos a fazer uso dela. 2 Ainda, conforme Boyer (1996): “Segundo Arquimedes, foi Eudoxo (408 – 355 a. C.) que forneceu o axioma que hoje tem o nome de Arquimedes, às vezes, chamado axioma de Arquimedes e que serviu de base para o método de exaustão, o equivalente grego de cálculo integral. O axioma diz que: dadas duas grandezas que têm uma razão (isto é, nenhuma delas sendo zero), pode-se achar um múltiplo de qualquer delas que seja maior que a outra. Esse enunciado eliminava um nebuloso argumento sobre segmentos de reta indivisíveis, ou infinitésimos fixos, que às vezes aparecia.” (Boyer, 1996). Do axioma de Eudoxo (ou Arquimedes) é fácil, por uma redução ao absurdo, provar uma proposição que formava a base de método de exaustão dos gregos: Proposição: Se de uma grandeza qualquer se subtrai uma parte não menor que sua metade e do resto novamente subtrai-se uma parte não menor que sua metade, e assim por diante, se chegará por fim a uma grandeza menor que qualquer outra predeterminada da mesma espécie. Demonstração: em linguagem matemática moderna, temos: seja M uma grandeza qualquer; 1 ε uma grandeza prefixada e ≤ r < 1 . Fazendo M − Mr = M1 , segue que M1 = M (1 − r ) , 2 mas M 1 − M 1 r = M 2 M 2 = M 1 (1 − r ) M 2 = M (1 − r ).(1 − r ) M 2 = M (1 − r ) 2 , sabe-se que M 2 − M 2r = M 3 M 3 = M 2 (1 − r ) M 3 = M (1 − r ) 2 .(1 − r ) M 3 = M (1 − r ) 3 ... 1 Repetindo sucessivamente chegamos a M N = M (1 − r ) N . Como 0 < 1 − r ≤ , temos que 2 N tende a zero com o crescimento de N . Daí, encontra-se N , tal que (1 − r) M N = M (1 − r ) N < ε , qualquer que seja o valor dado para ε . “Esta proposição que chamaremos de ‘propriedade de exaustão’ equivale à seguinte formulação moderna: se M é uma grandeza dada, ε uma grandeza 1 prefixada de mesma espécie e r é uma razão tal que ≤ r < 1 , então podemos 2 N achar um inteiro N tal que: M (1 − r ) < ε , para todo n > N . Isto é, a propriedade de exaustão equivale a dizer que lim M (1 − r ) n = 0 . Ainda mais, os n→∞ gregos usaram essa propriedade para provar teoremas sobre as áreas e volumes de figuras curvilíneas.” (Boyer, op cit). Neste contexto, Arquimedes fez aplicações muito importantes do chamado “método de exaustão”, as quais contribuíram para marcar a importância deste método na matemática antiga e para o desenvolvimento de grande parte da matemática como concebemos hoje. No entanto, nem Arquimedes nem qualquer outro matemático grego apresentam o método de exaustão sob a forma de um resultado geral aplicável a todas as figuras (ou pelo menos a mais de um caso). Dada a figura, observava-a e tentava formar figuras circunscritas e/ou inscritas, valendo-se das propriedades daquela figura particular. Era este, ao menos, o procedimento 3 empregado nas primeiras obras. Isto quer dizer que o método era particular (usado de forma diferente) para cada problema Este método, que se tornou o modelo grego nas demonstrações de cálculos de áreas e volumes, era muito rigoroso, no entanto, tinha um grande senão: o resultado para ser provado, tinha de ser conhecido a priori. Arquimedes, sem dúvida, calculava integrais, mas como não as conhecia e pela semelhança com a idéia de cálculo integral dos tempos modernos, foi atribuído a esse processo o nome de método de exaustão. De onde concluímos que Arquimedes foi o precursor da integração. Arquimedes era um estudioso da matemática e autor de vários trabalhos dos quais muitos foram perdidos. Das obras que foram preservadas, destacam-se as seguintes em ordem cronológica: Sobre o Equilíbrio das Figuras Planas I; A Quadratura da Parábola; Sobre o Equilíbrio de Figuras Planas II; Sobre a Esfera e o Cilindro; Sobre as Espirais; Sobre os Cones e os Esferóides; Sobre os Corpos Flutuantes; A Medida de um Círculo; O Contador dos Grãos de Areia. Dessas obras citadas, iremos mostrar a aplicação do método da exaustão em duas delas: A Quadratura da Parábola, A Medida de um Círculo. A terceira aplicação será da obra O Método, perdida até 1906. Nesta aplicação, mostraremos o método de equilíbrio de Arquimedes. Ainda existem outros textos perdidos ou incompletos (corrompidos por traduções) como o Livro dos Lemas. 3. APLICAÇÕES DO MÉTODO 3.1 A Quadratura da Parábola Dos tratados onde houve aplicação do método de exaustão, o mais popular era a Quadratura da Parábola. Sabe-se que, na matemática grega, a determinação de áreas e volumes fazia-se por comparação com áreas conhecidas, como, por exemplo, a área do quadrado. Quadratura (ou quadrar) era o nome que se dava a essa determinação. Medir uma figura geométrica, para os geômetras gregos, não era encontrar um número, mas sim uma figura conhecida com o mesmo comprimento, área ou volume da primeira. Nessa perspectiva, o que se coloca não é o problema de calcular a medida de uma área, mas o problema de determinar a relação entre duas áreas: a área que se quer conhecer e uma área já conhecida, comparando-as. As secções cônicas eram conhecidas havia mais de um século quando Arquimedes escreveu, mas nenhum progresso fora feito no cálculo de suas áreas. A prova pelo método de Exaustão é longa e elaborada, mas Arquimedes provou rigorosamente que a área K de um segmento parabólico é quatro terços da área de um triângulo T tendo a mesma base e a mesma altura do segmento parabólico. 4 É nesse tratado que encontramos o hoje usualmente chamado axioma de Arquimedes: “Que o excesso pelo qual a maior de duas áreas diferentes excede a menor pode, sendo somada a si mesma, vir a exceder qualquer área finita dada.” Isto elimina o infinitésimo ou indivisível fixo já discutido no tempo de Platão e é basicamente o mesmo axioma da exaustão que Arquimedes admitiu que um lema semelhante a esse já era usado por geômetras de antes, “pois é por seu uso que demonstraram que círculos estão para si na razão dupla de seus diâmetros, e que esferas estão entre si na razão tripla de seus diâmetros; e ainda que toda pirâmide é um terço do prisma de mesma base que a pirâmide e mesma altura; também, que todo cone é um terço do cilindro de mesma base que o cone e mesma altura.” (Boyer, 1996) Para demonstrar esse resultado, que depende de muita intuição, Arquimedes usa o método de exaustão. Inscreve no segmento parabólico um triângulo de mesma base e altura. A seguir, em cada um dos segmentos parabólicos resultantes, inscreve igualmente um triângulo, e continua a inscrever triângulos nos segmentos parabólicos resultantes em cada etapa. Prova então que para cada triângulo os dois triângulos construídos sobre seus lados têm uma área total que é 1 4 da área do triângulo dado. Dessa forma ele exaure o segmento parabólico, removendo sucessivamente esses triângulos inscritos. A área total pode ser aproximada por uma soma de áreas que, agrupadas adequadamente, levam a uma progressão geométrica em que cada termo, salvo o primeiro, é 1 4 do anterior. A soma de tal progressão geométrica é 4 3 do primeiro termo. Cuidadosamente, Arquimedes mostra que a área do segmento parabólico não pode exceder 4 3 da área do primeiro triângulo inscrito e, da mesma forma, que não pode ser menor que esse valor. Assim ele chega à conclusão desejada e, evitando a armadilha dos infinitésimos e das operações com limites, atinge um nível de rigor insuperado até o século XVIII. Arquimedes define o que significa base, altura e vértice de um segmento de parábola: a base é a reta que interrompe a parábola, a altura é a perpendicular máxima que pode ser traçada da curva até a base e o vértice o ponto a partir do qual a altura é traçada. As outras alturas dos outros triângulos traçados são obtidas por interseções da curva (parábola) com retas paralelas à altura máxima da parábola. Essas retas são traçadas tendo como referência de partida, os respectivos pontos médios em que foi divida a base da parábola (ver figura 1). Esclarecido como formar o polígono inscrito na parábola, este polígono se aproxima da parábola, isto é, pode ser inscrito nesta um polígono de tal forma que os segmentos restantes sejam menores do que qualquer grandeza determinada. Explicando melhor, Arquimedes inscreve sucessivos triângulos no segmento de parábola, calcula a área desses triângulos e vai obtendo valores cada vez mais próximos do pretendido, somando as áreas dos sucessivos triângulos. Assim, demonstra que a área do segmento de parábola é igual a 4 3 da área do triângulo com a mesma base e altura do segmento. No entanto, Arquimedes não prolonga as somas até o infinito. Ele deduz o seu valor demonstrando que não pode ser nem maior, nem menor que esses 4 3 . Pois bem, nomeando as partes resultantes do processo de quadratura da parábola temos: seja P o segmento de parábola e T0 o triângulo inscrito (ver figura 1); nos dois segmentos restantes são escritos outros dois triângulos, t01 e t02 , de mesma base e altura. Seja a soma destes T1 . Nos quatro segmentos de parábola formados são inscritos os triângulos t11 , t12 , t13 , e t14 , cuja soma é T2 . 5 T0 T , T2 = 1 e assim 4 4 por diante, isto é, os “pedaços” que são acrescidos ao triângulo não só se tornam cada vez menores, mas cada um é igual a 1 4 do anterior. Precisamos demonstrar, mediante as propriedades da parábola, que T1 = Figura 1 Fonte: Scientific American Brasil nº 7, 2005. Para isso, considere a figura 2. Por meio de convenientes rotações e translações podemos supor que qualquer parábola assume a forma y = ax 2 , com a > 0 . Suponha o segmento 1 parabólico limitado pela reta y = b , b > 0 . Mostremos que T1 = T0 (os demais triângulos 4 2b b a seguem os mesmos cálculos): da figura 2 segue facilmente que T0 = = b b . Em D a 2 1 temos x = 2 b 1 e y= a 2 b a 2 , ou y = b 1 b b . Daí, D , . A reta r passando pelos 4 2 a 4 pontos A e C é da forma r : y = mx , onde ( A é a origem) m = b b = a b b a = ab . Assim, r : y = ab x . 6 Figura 2 Seja s a reta perpendicular a r passando por D . Temos que s : y = − x b s: y = − + k . Como D é ponto da reta, segue que = 4 ab 2 + ab x 2 + ab k= . Assim, s : y = − + . 4a 4a ab − O ponto F é a interseção das retas r e s . Isto significa que x= F (2 + ab ) ab . Agora, 4a(1 + ab ) (2 + ab ) ab , b(2 + ab ) . 4a(1 + ab ) 4(1 + ab ) y = ab x = ab ⋅ (2 + ab ) ab 4a (1 + ab ) = 1 x + k , ou seja, m 1 b 2 a + k , donde segue que ab ab x = − x ab + 2 + ab , ou 4a b(2 + ab ) . Portanto temos 4(1 + ab ) 7 Para calcular a área do triângulo t 01 temos que achar a sua altura h , que é a distância do ponto D a F : h = d ( D, F ) = simples d ( A, C ) = At01 = chegamos b a h= a 2 + b2 = (2 + ab ) ab − 1 4a (1 + ab ) 2 b 4 1 + ab b + ab 2 . a . b a A Assim, 2 + b(2 + ab ) b − 4(1 + ab ) 4 base a área do mesmo do 2 . Com cálculos triângulo triângulo t 01 é é: 1 b + ab 2 b ⋅ . Daí, a área dos triângulos t 01 e t 02 somadas é T1 , onde 2 a 4 1 + ab b + ab 2 b b b T0 ⋅ = = . O processo é essencialmente o mesmo para provar a 4 4 1 + ab 4 a T que T2 = 1 e os demais. 4 T1 = Voltando ao cálculo da área do segmento parabólico, basta perceber que o polígono construído (ver figura 1) se aproxima efetivamente do segmento da parábola e que T0 + T1 + T T T T 4 4 T2 + T4 + ...+ Tn + ...= T0 , ou melhor, T0 + 0 + 20 + 30 + + n0 + → T0 . 3 4 4 4 4 3 Em linguagem atual, pensando em repetir o processo infinitamente, teríamos ∞ ∞ 1 1 1 1 4 1 4 pois a série converge para , já que ela T0 1 + + + ... + n + ... = T0 = T , 0 n n 4 16 4 3 3 n =0 4 n=0 4 1 é a soma de uma progressão geométrica infinita de razão . Sendo assim, a soma de seus 4 1 1 4 termos é dada por: = = . 1 3 3 1− 4 4 O elegante é observar que mesmo não pensando no infinito (soma de infinitos termos), Arquimedes encontra a soma exata da série. 3.2 A Medida de um Círculo Em A Medida de um Círculo, obra composta por apenas três proposições, Arquimedes demonstra primeiro que a área A de um círculo de raio r é igual a de um triângulo cuja base é rC igual à circunferência C do círculo e cuja altura é r , ou seja, A = . Resulta disso que a 2 razão da área do círculo pelo quadrado de seu raio é igual à razão da sua circunferência por seu diâmetro. Esta razão comum é o que chamamos hoje de π . Já se tinha em mente, naquela época, um valor aproximado para π de 3,16 descoberto pelos egípcios no século XV a.C., aproximadamente. Eles partiram de um quadrado inscrito e outro circunscrito à circunferência 8 e, em seguida, dobrando-se os lados dos respectivos quadriláteros, obtendo-se com isso dois polígonos de oito lados, calcularam a razão entre os perímetros dos octógonos inscritos e circunscritos e o diâmetro da circunferência. Arquimedes também quis descobrir a razão entre o comprimento de uma circunferência e o seu diâmetro. A diferença e que Arquimedes partiu de um hexágono regular inscrito e outro circunscrito à circunferência e calculou os perímetros dos polígonos obtidos dobrando sucessivamente o número de lados até chegar a um polígono de 96 lados. O resultado obtido por Arquimedes descrito na matemática atual 10 1 equivale a considerar que 3 < π < 3 , que, em decimais, teríamos o seguinte intervalo: 71 7 3,14084 < π < 3,142858 . Arquimedes calculou a área de um círculo descobrindo os limites entre os quais essa área se estende e depois estreitando pouco a pouco esses limites até mais ou menos a área real. Para isso, inscreveu dentro do círculo um polígono regular e depois circunscreveu o círculo com um polígono similar. Figura 3 O processo utilizado por Arquimedes consistia na utilização de dois hexágonos e, através da duplicação de seus lados e da repetição do processo, Arquimedes, finalmente, chaga a um polígono de 96 lados. Em seguida, calculou a área do polígono interno que estabelecia o limite inferior da área do círculo. Feito isso, calculou-se também a área do polígono externo, 9 que fixava o limite superior. E assim, através desse processo, chegou-se a um valor aproximado para a área do círculo a qual figurava, rigorosamente, entre esse dois limites. Bastante contribuição teve para a matemática ao utilizar essa inovação de fazer uso da aproximação no lugar da igualdade precisa. Arquimedes percebeu que com freqüência bastava fazer duas aproximações comparativamente fáceis de uma resposta que propusesse um limite inferior e um outro superior – entre os quais residiria a resposta. Quanto maior a exatidão exigida, mais estreitos os limites. Por exemplo, no diagrama anterior, os lados de um polígono podiam ser aumentados indefinidamente, reduzindo assim a diferença entre os limites superior e inferior até um resultado infinitesimalmente pequeno. Assim teve início o cálculo, embora outros 2.000 anos ainda fossem necessários antes que alguém desenvolvesse essa idéia. Isso só aconteceu a partir de 1666, quando Newton formulou os elementos essenciais do cálculo diferencial. Utilizando os recursos da matemática moderna, refinada e tendo a figura 3 como apoio, vamos mostrar a aproximação feita para π , partindo de dois polígonos de 96 lados, um inscrito e outro circunscrito à circunferência, assim como Arquimedes considerou. Considere, também, o raio da circunferência igual a 1. 1 360 360 ⋅ , ou seja, β = . Das relações trigonométricas em um 2 96 192 l l l 360 triângulo retângulo, temos senβ = 2 = , mas = sen , o que nos dá aproximadamente 1 2 2 192 l = 0,0654381656 , sendo l o lado do polígono inscrito. Temos α = 360 e 96 β= Sendo a o apótema do polígono inscrito, por Pitágoras temos: a 2 = 1 − l 2 2 = 1− l2 , ou 4 l2 = 0,9994645875 . Agora, calculando a área At de um dos 96 triângulos do 4 l ⋅a polígono inscrito (ver figura 3) temos: At = . Resulta que a área do polígono inscrito é 2 l ⋅a Ap = 96 ⋅ At = 96 ⋅ = 48 ⋅ l ⋅ a , onde 48 ⋅ l = p , semi-perímetro do polígono inscrito. Disso 2 resulta que encontramos: Ap = 48 ⋅ l ⋅ a , ou Ap = 3,1393502030 , aproximadamente. a = 1− Considerando agora o triângulo maior, do polígono circunscrito, formando o mesmo ângulo L L β , temos: tgβ = 2 . Então = tgβ , ou L = 0,0654732008 , aproximadamente. Como o 1 2 apótema do polígono circunscrito é o raio r = 1 da circunferência, podemos calcular a área L ⋅1 L = e a área do AT de um dos 96 triângulos do polígono circunscrito. Assim, AT = 2 2 10 L = 48 ⋅ L (ou o 2 semiperímetro do polígono circunscrito). Temos, AG = 48.L = 48.0,065463008 , resultando polígono circunscrito será (polígono grande): AP = 96 ⋅ AT = 96 ⋅ AG = 3,1427145996 , aproximadamente. Portanto, de nossos cálculos, com valores bem próximos aos de Arquimedes, temos: Ap ≤ AC ≤ AG , onde AC = π ⋅ r 2 é a área do círculo. Como r = 1 , segue que 3,1393502030 ≤ π ≤ 3,1427145996 . 3.3 O Método de Equilíbrio de Arquimedes: o volume da esfera O método de exaustão é rigoroso, mas estéril. Em outras palavras, uma vez conhecida uma fórmula, o método de exaustão pode se constituir num elegante instrumento para prová-la, mas o método, por si só, não se presta para a descoberta inicial do resultado. Quanto a esse aspecto, o método de exaustão assemelha-se muito ao princípio de indução matemática, ou seja, será que esta propriedade vale sempre, para qualquer situação? Como, então, Arquimedes descobriu as fórmulas que tão elegantemente demonstrava pelo método de exaustão? Com a descoberta feita em 1906 por J. L. Heiberg, na biblioteca de um mosteiro em Constantinopla, a questão teve, finalmente, esclarecimento. Através de uma cópia de um tratado escrito por Arquimedes, cujo nome ficou conhecido como O método e que se encontrava perdido desde os primeiros séculos de nossa era. Esse texto foi escrito por volta do século X num pergaminho e, depois, por volta do século XIII, foi raspado para em seu lugar ser escrito um texto religioso. Com o tempo, o texto apagado voltou a ficar visível em alguns trechos. Felizmente, foi possível restaurar a maior parte do texto original. Para descobrir, então, suas fórmulas, Arquimedes usou o Método de Equilíbrio ou lei das alavancas. Considere a figura 4 abaixo: teremos equilíbrio se o produto do peso X pela distância x entre o ponto de suspensão de X e o fulcro for igual ao produto do peso Y por sua distância y ao fulcro (esses produtos são, por vezes, chamados de momento). Figura 4 Para Eves (1997): “Esse método diz que para determinar uma área ou um volume, corte a região correspondente num número muito grande de tiras planas ou de fatias paralelas 11 finas e (mentalmente) pendure esses pedaços numa das extremidades de uma alavanca dada, de tal maneira a estabelecer o equilíbrio com uma figura de área ou volume e centróide (centro de massa) conhecidos. Arquimedes não se satisfazia com esse procedimento, daí porque ele recorria ao método de exaustão para fornecer uma demonstração mais rigorosa em casos como o que acabamos de focalizar. Pelo Método de Equilíbrio pode-se ver a fertilidade da idéia que consiste em considerar toda grandeza como sendo formada de um número muito grande de porções atômicas, embora essa idéia não tenha uma fundamentação precisa.” A aplicabilidade do método será ilustrada aqui com a segunda proposição de O Método, segundo o qual o volume da esfera é 4 vezes o volume de um cone com base igual ao círculo maior da esfera e altura igual ao raio. (Anteriormente Demócrito tinha conhecimento de que o volume de um cone é 1 3 do volume do cilindro de mesma altura e mesmo raio). Arquimedes descobriu esse teorema através de uma engenhosa condição de equilíbrio entre as seções circulares de uma esfera e um cone, de um lado, e os elementos circulares de um cilindro de outro, como mostra a figura 5. Figura 5 Fonte: Eves (1983) Seja r o raio da esfera. Coloque a esfera com seu diâmetro polar ao longo de um eixo horizontal x com o pólo norte N na origem. Construa o cilindro e o cone de revolução 12 obtidos girando o retângulo NABS e o triângulo NCS (que é um triângulo retângulo isósceles com lados de comprimento 2r) sobre o eixo x . Agora corte nos três sólidos finas fatias verticais ( assumindo que eles são cilindros achatados) à distância x de N e de espessura ∆x . Os volumes destas fatias são aproximadamente: esfera : πx(2r − x)∆x, cilindro : πr 2 ∆x, cone : πx 2 ∆x Tome fatias correspondentes da esfera e do cone e os pendure pelos seus centros em T onde TN = 2r. O momento (o momento de um volume sobre um ponto é o produto do volume pela distância do ponto ao centróide do volume) combinado destas duas fatias sobre N é: [πx(2r − x)∆x + πx 2 ∆x]2r = 4πr 2 x∆x . Isto, podemos ver, é quatro vezes o momento da fatia cortada do cilindro quando aquela fatia é pendurada onde está. Somando um número grande destas fatias acharemos: 2r[volume da esfera + volume do cone] = 4r[volume do cilindro], ou 8πr 2r[volume da esfera ] = 8πr 4 , ou 3 volume da esfera = 4πr . 3 Isto, que nos é narrado em O Método, foi o modo como Arquimedes descobriu fórmula do volume de uma esfera. Mas a consciência matemática dele não lhe permitia aceitar o tal método como uma prova, daí Arquimedes forneceu uma demonstração rigorosa por meio do método de exaustão. Se a imprensa fosse invenção dos tempos antigos, certamente O Método de Arquimedes teria um significado maior no desenvolvimento do cálculo. Durante quase dois milênios, o trabalho permaneceu essencialmente desconhecido já que foram feitas poucas cópias. A redescoberta de O Método de Arquimedes foi um feito memorável. DISCUSSÃO E CONCLUSÃO Sabemos que hoje em dia o Cálculo Integral é largamente usado em diversas áreas do conhecimento humano e aplicado para a solução de problemas não só de matemática, mas de Física, Química, Astronomia, Economia, por exemplo. Mas para se chegar a métodos refinados, como os de agora, o conhecimento matemático passou por diversas lapidações e contradições que duraram séculos para se resolverem. Arquimedes, pelas obras produzidas, pelo grau de rigor que se auto-exigia em suas demonstrações e pelo seu fabuloso raciocínio geométrico parecia ser um matemático que não condizia com o tempo em que vivia, pois, de longe, pensava muito além dos demais matemáticos contemporâneos, principalmente quando se falava em geometria. Sem dúvida alguma, a matemática arquimediana contribuiu bastante para o surgimento da matemática 13 moderna, já que, partindo de seus postulados foi-se capaz de se chegar a resultados mais convincentes e elaborados e que não exigiam todo aquele rigor presente nos trabalhos de Arquimedes. Com relação ao método de exaustão, que já sabemos que foi criado por Eudoxo, Arquimedes foi quem o aplicou de maneira mais elegante, aproximando-se da atual e verdadeira integração. O que podemos concluir com isso, a sua influencia no desenvolvimento do conhecimento matemático. O interessante é que nenhum matemático clássico dizia: “vamos recorrer ao método de exaustão para encontrarmos a solução do problema”. De fato, esse termo (método de exaustão) é uma invenção tardia, por volta do século XVII. Mas, entender o método de exaustão e suas aplicações e resultados não é nada trivial. O que iremos encontrar nos livros referentes ao assunto são algumas poucas e repetidas informações, além de rigorosas demonstrações nada fácil de se interpretar e tirar conclusões. Isso vem a mostrar que grande parte das obras e dos manuscritos feitos por Arquimedes foram perdidos e o que se tem hoje em dia é fruto de espinhosas traduções e interpretações muitas vezes contraditórias. Conclui-se, assim, que não se pode dar uma idéia de sua obra traduzindo os resultados para a nossa linguagem, já que uma tradução desse tipo transformaria nosso texto em um fraco elenco de resultados facilmente dedutíveis mediante as técnicas refinadas que conhecemos atualmente. Então, para estudar e reconstruir as contribuições de Arquimedes é preciso mergulhar na sua rigorosa matemática da idade antiga. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS AABOE, Asger. Episódios da matemática antiga (coleção fundamentos da matemática elementar). Rio de Janeiro: SBM, 1984. ALVES, José Afonso Rodrigues. Lição de cálculo diferencial e integral. Goiânia-Go: Universa, 2004. BORN, Margareth E. Curso de história da matemática: origens e desenvolvimento do cálculo. Brasília: Universidade de Brasília. BOYER, Carl B. Cálculo - tópicos de história da matemática para uso em sala de aula. São Paulo: Atual Editora Ltda, 1995. v. 6. ______. História da matemática. 2. ed. São Paulo: Edgard Blücher Ltda, 1996. EVES, Howard. Great moments in mathematcs. Dolciani Mathematical Exposition nº 5, USA: The Mathematical Assiciation of American, 1983. ______. Introdução à história da matemática. 2. ed. São Paulo: Unicamp, 1997. REVISTA GALILEU. Especial Eureca: Eureca – A matemática divertida e emocionante. 94p. Edição Especial (2003). SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL. Coleção Gênios da Ciência: Arquimedes, pioneiro da matemática. Nº 7. 98p. Edição Especial (2005). STRATHERN, Paul. Arquimedes e a alavanca em 90 minutos (coleção 90 minutos). Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1998. Mauro Lopes Alvarenga ([email protected]) Curso de Matemática, Universidade Católica de Brasília EPCT – QS 07 – Lote 01 – Águas Claras – Taguatinga – CEP.: 72966-700 14