X Encontro Nacional de Educação Matemática Educação Matemática, Cultura e Diversidade Salvador – BA, 7 a 9 de Julho de 2010 UM NOVO OLHAR PARA O TEOREMA DE EULER Inácio Antônio Athayde Oliveira Secretária de Educação do Distrito Federal [email protected] Ana Maria Redolfi Gandulfo Universidade de Brasília [email protected] Resumo: Um novo olhar para o Teorema de Euler é uma proposta de mini-curso para ser apresentado no X ENEM em Salvador, BA, destinado a professores de matemática do nível médio. O principal objetivo consiste em estudar o famoso teorema de Euler, experimentar suas aplicações e explorar algumas de suas generalizações. Serão definidos os elementos geométricos básicos dos poliedros convexos, calculada a característica de Euler dessas figuras e demonstrado experimentalmente o teorema de Euler, bem como as aplicações desses conceitos. Visando generalizar esse teorema, o trabalho incluirá a construção de figuras espaciais tais como os conjuntos poliédricos e das figuras disco, toro e banda de Möbius, entre outras. A característica de Euler será calculada em cada uma dessas figuras. A abordagem dinâmica dos temas mediante atividades, experiências e demonstrações, inclui construções geométricas e a manipulação de modelos matemáticos. Todos os materiais e as correspondentes soluções serão colocados a disposição dos professores participantes. Com este curso procura-se incentivar o estudo dos conceitos geométricos, promover o uso de materiais didáticos em sala de aula e que os professores adquiram experiências que os tornem multiplicadores perante os colegas na escola em que ensinam. Palavras-chave: Euler; Característica; Poliedros. Histórico A seguinte relação V A F 2 (1) é conhecida como a Fórmula de Euler em reconhecimento a Leonard Euler (1707-1783) que a publicou em 1750, com a formulação que para cada sólido limitado por superfícies planas, o número de faces aumentado pelo número de vértices excede por dois o número de arestas. Tudo indica que Euler não tinha uma prova satisfatória dessa identidade, mas ficou convencido da sua validade pela consideração de numerosos exemplos. Segundo algumas fontes, Descartes (1596-1650), por volta de 1639, tinha conhecimentos sobre os elementos de um poliedro referentes ao número de V vértices, A arestas e F faces, mas não foram achadas evidências de seu conhecimento da fórmula (1). No início do século XIX apontaram-se evidências indicativas que a relação (1) não pode ser verdadeira na generalidade afirmada, pois surgiram casos de exceções. Assim, resultou em um Anais do X Encontro Nacional de Educação Matemática Minicurso 1 X Encontro Nacional de Educação Matemática Educação Matemática, Cultura e Diversidade Salvador – BA, 7 a 9 de Julho de 2010 número de reformulações da versão básica da Fórmula de Euler e na introdução dos vários parâmetros que substituíram o valor 2 no segundo membro de (1). Poliedros Para unificação da linguagem, em cada tema definiremos os elementos básicos e investigaremos suas propriedades, segundo o tratamento em (Coxeter, 1961; Gandulfo, 2007). Poliedro é a figura formada por um conjunto finito de polígonos com as propriedades: i) A intersecção de dois polígonos do conjunto é um lado ou é um vértice ou é vazia. ii) Todo lado de um polígono é lado de um e somente mais um polígono do conjunto. iii) Dois polígonos com um lado comum não pertencem ao mesmo plano. As faces do poliedro são os polígonos que o definem e os lados e vértices desses polígonos são, respectivamente, as arestas e os vértices do poliedro. Um poliedro é convexo se está contido num dos semi-espaços em relação ao plano por cada uma de suas faces. Caso contrário, o poliedro é não-convexo. Os poliedros podem ser classificados pelo número de faces: tetraedro (3), hexágono (6), decaedro (10), etc. Atividade 1 - Construa poliedros utilizando a definição acima.. Faça um registro dos elementos e classifique cada um dos poliedros construídos. Atividade 2 – Determine a soma dos ângulos internos das faces de um poliedro convexo que concorrem em cada vértice do poliedro. Um poliedro é regular se ele é convexo, todas suas faces são polígonos regulares e em cada vértice concorre o mesmo número de faces. Atividade 3 – Construa todos os poliedros regulares possíveis. Atividade 4 – Faça uma tabela o número de faces(F), de vértices(V), de arestas (A), número de lados das faces (p) e o número de arestas por vértice (q) dos poliedros da Atividade 3. Anais do X Encontro Nacional de Educação Matemática Minicurso 2 X Encontro Nacional de Educação Matemática Educação Matemática, Cultura e Diversidade Salvador – BA, 7 a 9 de Julho de 2010 Os poliedros regulares são cinco. “Os pares de valores {p,q} são chamados os símbolos de Schläfli para os cinco poliedros convexos regulares.” (Kappaff, 1990) Fig1 – Poliedros regulares O teorema de Euler para poliedros convexos Inicialmente trataremos da demonstração mais conhecida, aplicando método de indução. Teorema de Euler. Se P é um poliedro convexo com F faces, A arestas e V vértices então vale a relação V A F 2. Demonstração. Consideramos um poliedro convexo P qualquer, com F faces, V vértices, A arestas e dele é retirada uma face, dando o poliedro Pn . Suponhamos que no poliedro aberto ficam Fn faces, Vn vértices, An arestas, queremos provar que eles verificam a relação Vn An Fn 1 (2) Verifique que (2) é válida para Fn 1 , levando em conta que neste caso temos um polígono convexo P1 de k lados, logo Vn k e An k . Portanto Vn An Fn k k 1 1 . Pelo método de indução finita, com respeito ao número de faces da figura, ´´ suponhamos que a relação (2) é válida para um poliedro aberto P de F ' faces, o qual possui V ' vértices e A' arestas, isto é, V ' A' F ' 1 (3) Para provar que (2) também é válida para um poliedro aberto Pn com F ' 1 faces, o qual possui F ' 1 Fn faces, Vn vértices, An arestas tais que: Fn F ' 1 ; An A' p q Vn V ' p q 1 ( q arestas coincidiram) ( q arestas coincidindo, q 1 vértices coincidem). Calcule (2) aplicando as considerações anteriores e (3), de onde Vn An Fn V ' p q 1 A' p q F ' 1 V ' A' F ' Em conseqüência, (2) é válida para Pn . Anais do X Encontro Nacional de Educação Matemática Minicurso 3 X Encontro Nacional de Educação Matemática Educação Matemática, Cultura e Diversidade Salvador – BA, 7 a 9 de Julho de 2010 Considere agora o poliedro P com F faces, V vértices, A arestas, levando em conta que Vn V , An A e Fn F 1 , então obtemos para P a identidade V A F 2 . Na seguinte demonstração do Teorema de Euler, de autoria de A. M. Legendre, são usadas projeções de poliedros na esfera e elementos de trigonometria esférica. Segundo em (Lima, 1991). Temos: Demonstração do Teorema de Euler por A. M. Legendre - Sejam um poliedro convexo P, com V vértices, A arestas e F faces e uma esfera E, de raio r, com centro em O, ponto interior do poliedro P. Suponhamos, sem perda de generalidade, que as faces de P são triângulos, pois se não é esse o caso, sempre é possível decompor cada face em triângulos utilizando diagonais. Esse processo de triangulação não modifica o número de V A F , pois toda vez que traçamos uma diagonal em uma face, a quantidade V não altera, enquanto cada uma das quantidades A e F aumentam uma unidade, esses aumentos se cancelam na expressão V A F . Projetando radialmente o poliedro P sobre a esfera E, teremos uma decomposição de E em triângulos esféricos T, dispostos de maneira similar à disposição no poliedro P. Em particular, a esfera E fica recoberta por F triângulos esféricos T, com um total de V vértices e A lados. Na Figura 2 o triângulo esférico t, sobre a esfera E, é projeção Fig. 2 radial do triângulo T. Pelo Teorema de Girard , e são ângulos internos de um triângulo esférico, medidos em radianos, então a , R2 a foi fundamental para que Legendre demonstrasse o Teorema de R2 onde a é a área desse triângulo. Essa fórmula Euler. Assim para cada um desses triângulos T, vale o teorema de Girard. Portanto, segue que S A , onde S é a soma das medidas em radianos dos ângulos internos dos R2 triângulos esféricos T e A é a área do triângulo esférico T. O número total de triângulos esféricos é F e a soma total das medidas em radianos dos ângulos internos desses F triângulos é dada por Anais do X Encontro Nacional de Educação Matemática Minicurso 4 X Encontro Nacional de Educação Matemática Educação Matemática, Cultura e Diversidade Salvador – BA, 7 a 9 de Julho de 2010 S . F F R (4) 2 A soma dos ângulos em torno de cada vértice é 2 , logo S 2 . V (5) e a área da superfície esférica E é 4 r 2 , portanto Substituindo (5) e (6) em (4) resulta A 4 R 2 2 .V . F (6) 4 R 2 de onde segue que R2 2V F 4 , em conseqüência 2V F 4 . Para obtermos uma relação entre F , número de triângulos esféricos T, e A , número total de lados desses triângulos T, basta perceber que todo triângulo T tem três lados, e toda aresta é lado de dois triângulos T, assim 3F 2 A , então F 2 A 2F . 2V F 4 Portanto que pode ser expresso como 2V 2 A 2F 4 , assim V A F 2 . Característica de Euler para poliedros No teorema de Euler temos que todos os poliedros convexos a V A F 2 é válida. O membro esquerdo da equação é chamado de característica de Euler. Podemos representar essa expressão da seguinte forma, utilizando a letra grega : V A F P (7) Onde a característica de Euler para os poliedros convexos tem valor dois. Assim, a característica de Euler do octaedro é: Octaedro 6 12 8 2 . Na figura 3 cada face do octaedro foi divida em 4 partes, mediante o traçado de segmentos de retas perpendiculares. Nesta figura os pontos (A) ou (B) serão considerados novos vértices, as linhas como (AB) serão novas arestas e as áreas como (ABCD), novas faces. Assim teremos 32 faces, 56 arestas e 26 vértices, então Octaedro 2 6 56 32 2 , portanto, o resultado da característica de Euler permanece inalterado. Desenhando linhas malucas sobre o octaedro, criando uma porção de novas arestas, vértices e faces, obterá sempre a mesma característica de Euler dois. Isso nos mostra que Anais do X Encontro Nacional de Educação Matemática Minicurso 5 X Encontro Nacional de Educação Matemática Educação Matemática, Cultura e Diversidade Salvador – BA, 7 a 9 de Julho de 2010 mesmo deformando o octaedro a característica de Euler continuará sendo dois. Como apresentado na Figura 4. A deformação pode ser tal que o octaedro acabe virando uma esfera. Fig. 3 Fig. 4 Atividade 05 - Verificar a relação de Euler V + F = A + 2 para os poliedros construídos. Atividade 06 - Abrir os poliedros confeccionados na atividade 04 para descobrir uma possível planificação para os mesmos. Desenhar no papel pontilhado as planificações encontradas. Tente descobrir outras planificações para os mesmos poliedros. O octaedro e a esfera são topologicamente idênticos, isto é, o octaedro é homeomorfo a esfera. Podemos verificar o que falamos anteriormente, se construirmos o octaedro com massa de modelar. Experimentalmente, é possível transformá-lo em uma esfera sem rasgar e nem efetuar corte algum em sua superfície. Um poliedro ser homeomorfo à esfera, intuitivamente, significa que ele pode ser inflado apresentando um formato esférico, ou seja, um poliedro ser homeomorfo à esfera significa que todo o conjunto de polígonos que forma o poliedro pode ser deformado, sem destruir ou criar novas intersecções entre eles, de forma a se transformar em uma esfera. A seqüência a seguir mostra o processo com um octaedro. Ver Figura 5. Fig. 5 Anais do X Encontro Nacional de Educação Matemática Minicurso 6 X Encontro Nacional de Educação Matemática Educação Matemática, Cultura e Diversidade Salvador – BA, 7 a 9 de Julho de 2010 Um poliedro é convexo se toda reta que contém algum ponto do seu interior intercepta o poliedro em exatamente dois pontos. Os poliedros convexos estão incluídos entre os poliedros homeomorfos a esfera: basta fixar um ponto do interior, que chamaremos de ponto base e usar as retas que passam por esse ponto para deformar o poliedro até que se transforme uma esfera com centro no ponto base. Um exemplo bastante conhecido é o poliedro convexo com 12 faces pentagonais regulares congruentes e 20 faces hexagonais regulares congruentes, a popular bola de futebol. Assim, dizemos que um poliedro é homeomorfo à esfera se o conjunto de polígonos que formam o poliedro quando inflado for levado ao formato de uma esfera, sem que criem novas intersecções ou destruam as intersecções já existentes. Isso só é possível com objetos topologicamente iguais. Icosaedro Truncado Fig. 6 Porém as coisas mudam se o espaço tiver um furo. O Teorema de Euler na sua forma básica (1) é válido para a fronteira de poliedros convexos 3-dimesionais limitados e fechados. Características de Euler de conjuntos poliédricos Conforme Euler mesmo achava essa fórmula é válida para todos os poliedros, mas se vê facilmente que há uma falha quando pensamos em generalizar esta fórmula para todos os poliedros. Provavelmente, Euler não considerou a figura espacial representado na figura abaixo. A relação V A F 2 é tratada para poliedros sem “buracos”. Aqui, por exemplo, temos V 16 , V A F 2, pois A 32 e F 16 16 32 16 0 . no qual se tem Assim a relação Fig. 7 mencionada não é válida. Dizemos que a relação V A F 2 é utilizada somente para poliedros sem nenhum “buraco”, e então, reescrevendo a fórmula para poliedros em geral temos: V A F 2 2g (9) g é chamado o gênero da superfície, representa o número de buracos do poliedro. Anais do X Encontro Nacional de Educação Matemática Minicurso 7 X Encontro Nacional de Educação Matemática Educação Matemática, Cultura e Diversidade Salvador – BA, 7 a 9 de Julho de 2010 O primeiro membro da equação (9) geralmente é chamada de característica de Euler e denotada por (P), de modo que (9) possam ser exprimidos novamente como V A F (P) (10) As equações (1), (9) e (10) relacionam os números dos vértices, das arestas e das faces do poliedro às propriedades topológicas dos próprios poliedros. Os dois poliedros abaixo têm um furo, isto é, g = 1, assim a relação V A F 2 2 g é válida para o poliedro da Figura 9. Conforme em (Grünbaum, 1994). Fig. 8 Fig.9 Entretanto, esta solução simples não é aplicável em todos os casos. O poliedro mostrado na Figura 8 igualmente tem g = 1, mas V = 16, A = 24 e F = 10, assim V A F 2 ; logo as relações (9) e (10) não são totalmente verdadeiras. A coisa muda se o objeto tiver um furo. Se a fizermos sobre a superfície do toro o mesmo que fizemos com o octaedro (traçando linhas onde serão construídas faces, arestas e vértices) e depois contarmos, acharemos um número de Euler igual a zero, isto é, (P) 0 . O toro é uma figura espacial com um furo, é topologicamente diferente do octaedro e da esfera. Seguindo o raciocínio da massa de modelar, não dá para transformar uma esfera de massa em um toro sem cortar ou rasgar alguma coisa. Figura 10 Em particular a característica de Euler: da esfera é S 2 , do plano projectivo é (P) 1, do disco é D 1 , do toro é T 0 e da fita de Möbius é M 0 . Para cada conjunto poliédrico P a relação (4.2) constitui uma generalização para conjuntos poliédricos das equações V A F 2 , V A F 2 2g V A F (P) dadas para poliedros. Anais do X Encontro Nacional de Educação Matemática Minicurso 8 e X Encontro Nacional de Educação Matemática Educação Matemática, Cultura e Diversidade Salvador – BA, 7 a 9 de Julho de 2010 Atividade 07 - Construir quatro conjuntos poliedros possíveis que satisfaz a fórmula V A F 2 2 g . Complete a tabela abaixo. Poliedros Número de faces F Número de vértices V Número de arestas A (P) Atividade 08 - Este material pode ser bastante explorado no laboratório de ensino de matemática de qualquer escola. Agora, elabore uma atividade que você possa utilizar em suas aulas. Conclusão O teorema de Euler que relaciona faces, arestas e vértices de um poliedro é um resultados que há décadas vem sendo estudado por vários geômetras e que devido a simplicidade do seu enunciado e a generalidade de sua validez, tornou-se um resultado atraente e popular. A utilização dos materiais didáticos para desenvolver as atividades propostas neste mini-curso trará aos professores uma oportunidade de abordar os conteúdos de geometria envolvidos neste teorema. Além disso, fornece uma alternativa didática as aulas, através da utilização de materiais concretos para serem usados tanto em sala de aula ou em um possível laboratório de matemática. Sendo este um espaço ausente em nossas escolas, principalmente na rede pública. Portanto, pretendemos formar professores multiplicadores no que diz a respeito de atividades voltadas para o laboratório de ensino em matemática. Referências Coxeter, H.S.M., (1961) Introduction to Geometry. New York: Wiley. Gandulfo. A. M. (2007) Notas de aula do Curso de Especialização: Matemática para Professores. Brasília: UnB. Anais do X Encontro Nacional de Educação Matemática Minicurso 9 X Encontro Nacional de Educação Matemática Educação Matemática, Cultura e Diversidade Salvador – BA, 7 a 9 de Julho de 2010 Grünbaum, B., Shephard G. C. (1994) A new look at Euler's theorem for polyhedra. Amherst : American Mathematical Monthly. Kappaff, J. (1990) Connections: the geometric bridge between art and science. New York: McGraw-Hill. Lima, E. L. (1991) Meu Professor de Matemática e outras histórias. Rio de Janeiro: Sociedade Brasileira de Matemática. Anais do X Encontro Nacional de Educação Matemática Minicurso 10