PATIO REVISTA PEDAGÓGICA Nº 3 - nov 1997/jan 1998 Para que serve a escola? Um Modelo para Prioridades Educacionais numa Sociedade de Informação Fredric M. Litto Uma das vantagens de ter vivido um bocado de anos é poder lembrar eventos significativos do passado e que permitem entender os que estão por vir. Lembro, por exemplo, que quando universitário, na segunda metade da década de cinqüenta, li um trabalho publicado pelo Centro para o Estudo de Instituições Democráticas ("think-tank" patrocinado pela Fundação Ford), demostrando que a "automação" (termo antigo para o que hoje chamamos de informática) inevitavelmente causaria a demissão em massa de trabalhadores no mundo todo. Lembro que era prevista a demissão de quarenta mil ascensoristas, em apenas um ano, devido à implementação de elevadores automáticos. De lá para cá, a previsão tem se concretizado, com uma força brutal, desempregando dezenas de milhões de pessoas, deixando-as sem a preparação apropriada para sua sobrevivência profissional. Só agora, quarenta anos depois, os responsáveis pela meta-organização da sociedade (formas de educar, de estimular atividades econômicas das pessoas, de estruturar a previdência social e a aposentadoria) começam a tomar medidas corretivas; mas fazem isso, com freqüência, miópicamente, paliativamente, desapaixonadamente. Estamos, nos deparando, neste fim de século, com um dilema crucial: como educar os jovens para uma sociedade futura cuja natureza desconhecemos em detalhes, mas que certamente será diferente, em muitos aspectos fundamentais, do passado e do presente? Se concordarmos que a função da Educação é a preparação de pessoas para o seu futuro (e não para o nosso passado), então uma visão através do parabrisa será mais útil do que aquela vista pelo espelho retrovisor. Ninguém pode saber com exatidão como será o futuro, nem o futuro mais próximo. Não sabemos, por exemplo, as conseqüências, a curto, médio e longo prazos, das possibilidades da clonagem humana ou dos resultados do Projeto Genome, que está mapeando o sistema genético do ser humano e que deve ser concluído nos próximos anos. Mas essa incerteza não pode nos deixar imobilizados, presos no que David Thomburg chama de "paralisia paradigmática", isto é, insatisfeitos com a maneira do passado de realizar "uma educação", mas com medo de errar com maneiras novas.1 Os oito anos de atuação da Escola do Futuro da USP, laboratório interdisciplinar, investigando as novas tecnologias de comunicação em suas aplicações educacionais, 2 tem levado os seus pesquisadores a conceber algumas linhas diretrizes, o resultado de conquistas tecnológicas e sociais contemporâneas, e imaginar sua projeção no futuro; talvez, possam servir como termos de referência, itens para debate e reflexão, por parte daqueles encarregados de fazer o macroplanejamento de qualquer empreendimento educacional. Como qualquer paradigma, é efêmero, sujeito a modificações e adaptações; mas, pelo menos serve para fomentar a discussão e, espera-se, a ação. Está ficando claro para nós que é útil, com a finalidade de decidir uma linha de ação em planejamento educacional, identificar e distinguir objetos (metas), meios de atingir estes objetos (maneiras), e conteúdo apropriado (material). Neste sentido, é conveniente lembrar que a sociedade contemporânea está passando por uma série de modificações estruturais que nos obrigam a reavaliar aquilo que estamos fazendo por uma série de modificações estruturais que nos obrigam a reavaliar aquilo que estamos fazendo em Educação, e tentar alinhar este esforço à realidade que existe fora da instituição acadêmica. Por exemplo, muitas carreiras estão sumindo no cenário nacional e internacional de trabalho devido à informática e à globalização; por outro lado, carreiras novas estão surgindo. Li recentemente um estudo indicando que 70% das carreiras que serão importantes por volta do ano 2010 ainda não existem. Um outro estudo que li citou o fato de que mais de 50% dos formados em universidades norteamericanas nas últimas décadas t êm trocado de carreira alguns anos após completar os seus estudos. Como deve o educador responsável agir nessas condições? Isto é, se a velocidade de mudanças na sociedade é tão grande como preparar os jovens que est ão conosco hoje para um mundo de valores e de trabalho diferentes dos atuais? David Thomburg de novo nos ajuda com sua observação de que enquanto no passado a metáfora que explicava como funciona a vida foi o ato de "subir uma montanha", isto é, realizar pequenos passos cumulativos levando até um patamar onde poderíamos descasar; agora, devido à complexidade e à velocidade de mudanças, é mais apropriado usar a metáfora da "corredeira", isto é, cada um de nós est á num bote, num rio caudaloso, cheio de pedras, correndo risco de nos afundar, e temos que tomar decisões estrat égicas e táticas com rapidez, sem nenhuma garantia de encontrar um lugar seguro para aportar. Neste cenário meio sombrio e assustador, como preparar o aluno para ser um remador e navegador que no mínimo sobreviverá, mas que esperamos venha a ter êxito como profissional e como cidadão? Acredito que o objetivo, a meta principal, de toda a Educação hoje tem que ser preparar o futuro adulto para pensar sistematicamente e ecologicamente. [ver Figura 1.] Exatamente o oposto da nossa Educação atual, organizada para empurrar os jovens com fatos históricos e científicos potencialmente úteis no futuro, mas a curto prazo aplicáveis apenas no exame vestibular para entrada numa universidade, a nova meta da Educação tem que ser não o que pensar, mas, sim, como pensar. Processos e não produtos são importantes no futuro, porque permitem adaptações e atualizações rápidas. Fritjof Capra, autor do celebre O Tao da Física, tem um novo livro, The Web of Life (A Teia da Vida), que argumenta convincentemente que os principais problemas de nosso tempo não podem ser compreendidos isoladamente, mas, sim, têm que ser vistos de forma interconectada e interdependente.3 Ele identifica formas de pensar que são "holísticas" (vendo o mundo como um todo, integrado, e não como uma coleção desassociada de partes) e "ecológicas" (reconhecendo a fundamental interdependência de todos os fenômenos e o fato de que, como indivíduos e sociedade, estarmos inseridos e, em última análise, dependente de, processos cíclicos da natureza). Capra exemplifica: "Uma visão holística de, vamos dizer, uma bicicleta significa ver a bicicleta como um todo funcional e compreender a conseqüente interdependência das suas partes. Uma visão ecológica da bicicleta inclui aquilo, mas adiciona a percepção de como a bicicleta está inserida no seu ambiente natural e social — de onde vieram os materiais usados na sua fabricação, como o foi manufaturada, como o seu uso afeta o meio ambiente natural e a comunidade que a usa e assim por diante". Um Modelo para Prioridades Educacionais numa Sociedade de Informação META Saber Pensar Ecologicamente/Sistematicamente/Criticamente MANEIRA Capacidades Básicas Atitudes baseadas em Competências Valores Humanos PRISMA As Múltiplas Inteligências MATÉRIA PRIMA As Disciplinas Acadêmicas História Arte Literatura Matemática Educação Física Geografia Múscia Línguas Ciências Capra observa que novas formas de pensar estão intimamente ligadas aos novos valores, e que é urgente preparar novas gerações para um equilíbrio entre formas antigas (porém ainda úteis) de pensar e formas novas. Ele chama as antigas de auto-afirmativas ("self-assertive") e as novas de integrativas: Pensamento Auto-afirmativo Integrativo racional intuitivo análise síntese reducionista holistico linear não-linear Valores Auto-afirmativos Integrativos expansão conservação competição cooperação quantidade qualidade dominação parceria A metáfora central da ecologia, Capra anota, é a rede (network), em oposição à hierarquia (estrutura de poder); é provável termos uma mudança na organização social de hierarquias para redes, e que em vez de um paradigma baseado em valores antropocêntricos (centrados no ser humano) surgirá um paradigma baseado em valores ecocêntricos (centrado na terra), reconhecendo o valor inerente de vida não humana. A partir desses conceitos, evidentemente, surge um novo sistema de ética, radicalmente diferentes do atual. Fica claro que indivíduos que estão sendo preparados para sobreviver no futuro terão que entender os princípios básicos da ecologia: interdependência, reciclagem, parcerias, flexibilidade, diversidade e sustentabilidade. Um exemplo predileto de pensamento ecológico é a questão de como devo ir e vir da minha casa até a USP todos os dias: são nove quilômetros e tenho a opção de ir a pé, ou de patins, de bicicleta, de fusquinha ou de MercersBenz. É uma questão de quanto estou disposto a gastar para me locomover com velocidade, segurança, conforto e prestígio e qual o efeito da minha decisão no meio-ambiente que habito. Quando passei um ano na Stanford University em 1987-88, com bolsa do CNPq para fazer pesquisas, percebi que quem chegava diariamente no campus de pé ou de patins ou de bicicleta era respeitado porque estava cuidando da sua saúde, protegendo o meio ambiente e tornando desnecessária a construção de estruturas para estacionamento de carros; e quem chegava de MercesBenz era considerado um "metido a besta". Voltando ao Brasil após a longa ausência, fui surpreendido por um sistema de valores diferentes: quem chegava ao campus a pé, de patins ou de bicicleta era considerado um pobre coitado, e quem chegava de Merceds-Benz era "o bom", "o vencedor". Aprender a tomar decisões que envolvem "trade-offs", trocas que representam as coisas que tem que ser sacrificado para obter algo desejado, é a essência do pensamento ecológico. Pensamento sistêmico é, na verdade, intimamente relacionado à ecologia, mas as limitações de um pequeno artigo como o presente não permitem elaborar mais detalhadamente as sobreposições entre as duas áreas. É mister lembrar, porém, a importância de qualquer aluno, em qualquer nível dos seus estudos, estar consciente do seu meta-pesamento, isto é, de saber como resolveu qualquer problema. Pensamento sistêmico significa pensar em termos de conexões, relações, contexto, interações entre os elementos de um todo; de ver coisas em termos de redes, teias e comunidades. Como demostra Capra, no Web of Life, é o oposto de análise (cartesiano): pensamento analítico significa descobrir algo para poder entendê-lo, enquanto pensamento sistêmico significa colocá-lo no contexto de um todo maior. Levar o aluno a saber pensar sistematicamente envolve capacita-lo a ver "processos" em qualquer fenômeno, de ver mudanças (reais ou potenciais), crescimento e desenvolvimento, de compreender coisas através do conceito de gestalt (um todo é maior do que a soma das suas partes); de reconhecer que as nossas percepções são condicionadas pelos nossos métodos de questionamento e que a objetividade em ciência é muito mais uma meta do que um fato. Ver o mundo em termos de sistemas interconectados envolve conhecimento de cibernética (padrões de controle e comando), e de como lidar com complexidade e com estruturas dinâmicas.4 Se a nossa meta é pensamento ecológico e sistêmico, quais são os meios para levar o aluno até ela? São as capacidades e habilidades que, como o pensamento ecológico e sistêmico, sabemos capazes de serem transferidos para qualquer profissão, qualquer área de trabalho, em qualquer parte do mundo. A melhor expressão que tenho visto até agora dos detalhes que compõem a "maneira" de atuar no mundo, isto é, de habilidades básicas que podem ser aprendidas na escola "saber-fazer" de quem trabalhará no século 21, é o celebrado relatório do Ministério de Trabalho norteamericano representando as conclusões de uma força — tarefa de empresários, cientistas e educadores que estudou "O Que o Trabalho Exige das Escolas". 5 O relat ório identifica, inicialmente, uma estrutura básica para cada aluno, adquira durante os anos de estudo em escolas de primeiro e segundo graus: capacitação básica (leitura, redação, operações aritm ético-matemáticas, escuta e fala); capacitação cognitiva 6 (pensar criativamente, tomar decisões, solucionar problemas, perceber com acuidade, saber como aprender e raciocinar); e qualidades pessoais (responsabilidade, auto-estima, sociabilidade, auto-gerenciamento e integridade/honestidade). (Ver Figura 2) Em seguida, o relatório identifica cinco tipos de competência (com relação a recursos, a aspectos interpessoais, a informação, a sistemas e a tecnologia). Essas compet ências são diferentes do conhecimento técnico ou intelectual de uma pessoa, mas são tão importantes quanto aqueles. E são importantes tanto para quem trabalhará no chão de uma fábrica quanto para quem trabalhará em gabinete executivo. Como diz o relatório" essas competências "representam os atributos que o empregador de alto-desempenho de hoje procura no funcionário de amanhã". Alto-desempenho se refere aos ambientes de trabalho caracterizados pela combinação entre tecnologia e pessoas em configurações novas, bem como pelo compromisso incessante com a excelência, com a qualidade do produto ou serviço, além da satisfação de quem solicita ou compra o produto ou servi ço. É o oposto da mentalidade que diz "O ótimo é o inimigo do bom". As próprias escolas t êm que ser convertidas em organizações de auto-desempenho. A sobrevivência tanto nas organizações quanto de indivíduos dependerá mais de sua capacidade de funcionar com alto-desempenho do que de outros fatores, como monopólios, patentes, territórios exclusivos, sigilo ou localização. E as escolas que não se adaptarem á nova realidade serão colocadas à margem do processo, como alguns estudos recentes já demostram convicentemente. 7 (Ver Figura 3) Não há dúvida, também, de que o trabalho no futuro será feito em grupo, com indivíduos diferentes se juntando a outros profissionais com características complementares, de forma a fornecer, como equipes, produtos ou serviços solicitados por terceiros (organizações ou outros indivíduos). No Brasil em geral não se leva a sério a questão de ensinar as técnicas e os comportamentos adequados ao trabalho em grupo. Todo os especialistas em "team-building" (construção de equipes) trabalham exclusivamente em nível empresarial, enquanto as escolas acreditam que trabalho-em-grupo é uma coisa natural, espontânea e indutiva; e não é. A preparação de professores daqui em diante tem que incluir técnicas de preparação de alunos para cooperação, sendo o "trabalho em grupo" uma estratégia na sala de aula, o papel do professor (abrindo mão do poder e fazendo parte do time com alunos).8 Provavelmente não haja nesta segunda metade do século 20, uma teoria tão importante para a educação em todos os seus níveis e em todas as suas formas quanto o conjunto de idéias sobre "múltiplas inteligências" formuladas por Howard Gardner, psicólogo da Faculdade de Educacão da Harvard University. 9 Como toda boa teoria, fornece aplicações e levanta novas questões sobre como os aprendizes são diferentes uns dos outros e porque temos de modificar as estratégias educacionais atuais que representam uma "linha de montagem" na qual todos os inputs e outputs são iguais. As novas tecnologias de comunicação nos permite individualizar a aprendizagem, deixando cada aluno navegar sobre vastos repositórios de informação textual, imagética e sonora, isolando os assuntos que lhe agradam, aprofundando-se nas categorias de informação que se afinam com o seu "saber" individual de aprendizagem. Desde que o educador não interprete erradamente as idéias de Gardner, fazendo o aluno se conformar com um padrão pré-estabelecido pelo professor, os conceitos de Gardner podem servir como um excelente prisma refratando a luz que surge das disciplinas acadêmicas. 10 O mundo do nosso passado industrial exigia que todos os alunos tivessem o mesmo tipo de educação (principalmente capacitação lingüística e lógica-matemática); a sociedade atual exige pessoas detentoras de muitos tipos diferentes de capacitação, com talentos variados, sobrepostos e mutáveis. Como o prisma no laboratório de óptica, que distribui a luz num amplo espectro, a teoria das múltiplas inteligências usada no planejamento educacional, cria condi ções para a produção de pessoas diferentes. Ela nos mostra como levar o aluno do material acadêmico, que serve como suporte até chegar às metas finais, permitindo que cada um adquira, do seu próprio jeito, através do seu pr óprio estilo individual de aprendizagem (como se fosse sua impressão digital, o seu timbre de voz), uma parte das capacitações cognitivas e dos conhecimentos gerais que nós, como educadores, consideramos importantes e colocamos diante do aprendiz que é, em última análise, o principal responsável para sua própria educação. O que dizer das disciplinas acadêmicas, cujo domínio são pode ser mais a meta da Educação? Acredito que o seu lugar continua sendo importante em todo o processo, mas apenas se for bem interpretado. Na porta de entrada da Biblioteca da Indiana University, onde fiz pós-graduação, está gravada a seguinte frase do filósofo norte-americano do início do século, Josiah Royce: "Educação é aquilo que você lembra depois que você esqueceu tudo que aprendeu na escola". No meu tempo de estudante, falávamos do valor intrínseco de conhecimento. Sou mais cético hoje devido às mudanças sociais e tecnológicas que apareceram, fazendo com que a sobrevivência de cada um, como unidade econômica, esteja mais precária. As disciplinas acadêmicas tradicionais têm sua justificativa hoje por duas razões: primeiro, para servir de matéria prima para os exercícios intelectuais formativos representados pelas capacitações básicas e as competências já discutidas acima; e segundo, pela preparação não-vocacional do futuro cidadão, isto é, para que tenha uma vida rica em experiências não relacionadas ao seu trabalho. Sabemos que no futuro muitas pessoas terão uma jornada de trabalho mais curta do que a atual, e sobrará tempo para o lazer, estruturado ou não. Tendo sido exposto na escola à literatura, às artes, à história e a geografia e às ci ências, o futuro cidadão terá condições de acrescentar mais a sua vida em termos de prazer, crescimento emocional e sabedoria. Acredito que este modelo, apresentado na Figura 1, seja útil para nos ajudar a orientar nossas ações no planejamento de aprendizagem em qualquer nível. Mas é provisório e efêmero, porque já estão surgindo novas idéias fundamentais na ágora onde estas questões são debatidas as quais certamente mudarão os pilares dos nossos conceitos sobre o papel e o funcionamento da Educação na sociedade. Capra, em The Web of Life, argumenta convincentemente que o paradigma ditado pela Física (cartesiano) determinava a visão-do-mundo de todo o Ocidente (o universo visto como um sistema mecânico composto de tijolos fundamentais de construção, o corpo humano visto como uma maquina, a vida em sociedade vista como uma luta competitiva pela existência, e a crença em progresso material sem limites, alcançado através de crescimento econômico e tecnológico). Essa perspectiva esta sendo substituída rapidamente por um novo paradigma ditado pela Biologia (o universo visto como um e muitos organismos, entes auto-reprodutivos, se auto-organizados, levando a examinar as coisas em termos de seus relacionamentos externos, os seus contextos, a sua conectividade, o seu crescimento e evolução). Estas idéias complementam duas outras correntes intelectuais que têm implicações fortes para mudanças em Educação: a inteligência artificial e a vida artificial. No primeiro caso, trata-se de um campo de investigação, já com quarenta anos de atuação, examinando os processos cognitivos no ser humano e suas possíveis aplicações na construção de máquinas "inteligentes". Seria fácil demais descartar as conclusões das pesquisas deste campo como sendo anti-humanísticas; pelo contrário, os estudos que tenho lido são difíceis mas absolutamente humanísticos, tanto nos seus pontos de partida quanto nas conclusões.11 No segundo caso, a vida artificial, trata-se do estudo de sistemas criados artificialmente (robots que exploram e constróem, vírus de software que matam outros vírus). Esse segmento inclui pelo menos algumas das características, ou propriedades, de "vida real" (por exemplo, crescimento, reprodução, automanutenção, auto-regulamentação, exigência de nutrientes e energia). Uma série de investigações foi publicada recentemente, com conclusões que questionam uma multitude de pressupostos que temos sobre a evolução e sobre o comportamento humano.12 Acredito que elas merecem nossa atenção e discussão, porque elas apontam novas direções para a Educação, obrigando-nos a reconsiderar os modelos que usamos no passado para explicar e justificar as nossas ações, mesmo os modelos que estamos criando nos dias atuais. Capacidades Básicas Leitura • Localiza, compreende e interpreta informação escrita em prosa e documentos (incluindo manuais, gráficos e horários) para executar tarefas • Aprende, a partir de textos, determinando a idéia principal ou mensagem essencial • • • Identifica detalhes relevantes, fatos e especificações Infere ou localiza o sentido de vocábulos desconhecidos ou técnicos Julga a precisão, relevância, estilo e plausibilidade de relatórios, propostas ou teorias de outros autores Redação • Comunica pensamento, idéias, informação e mensagens por escrito • Registra informação exaustivamente e com precisão • Compõe e cria documentos tais como cartas, direções, relatórios, propostas, gráficos, fluxogramas • Usa linguagem, estilo, organização e formato apropriados ao assunto em pauta, seu propósito e provável destinatário • Inclui documentação de apoio e fornece detalhes de comprovação • Verifica, edita e faz revisão para garantir informação correta, ênfase apropriada, forma, gramática, ortografia e pontuação Aritmética • Executa computações básicas • Usa conceitos básicos numéricos como números inteiros e porcentagens em situações práticas • Faz estimativas razoáveis de resultados aritméticos sem ajuda de calculadora • Usa tabelas, gráficos, diagramas e mapas para obter ou transmitir informação quantitativa. Matemática • Aborda problemas práticos através de escolha apropriada de uma variedade de técnicas matemáticas • Usa dados quantitativos para construir explanações lógicas para situações do mundo real • Expressa idéias e conceitos matemáticos oralmente e por escrito • Entende o papel do acaso na ocorrência e na previsão de eventos Escutar • Recebe, atende, interpreta e responde a mensagens verbais e outras deixas como linguagem corporal, em formas apropriadas para: • compreender • aprender • avaliar criticamente • apreciar • apoiar o falante Falar • Organiza idéias e comunica mensagens orais apropriadas para os ouvintes e situações • Participa em conversações, discussão e apresentações de grupo • Seleciona um meio apropriado para transmitir uma mensagem • Usa linguagem verbal e outras deixas como linguagem corporal apropriada em estilo, tom e nível de complexidade para o público e a ocasião • Fala com clareza e comunica uma mensagem • Compreende e responde ao feedback do ouvinte • Faz perguntas quando necessário CAPACIDADES COGNITIVAS Pensar criticamente • Usa a imaginação livremente, combinando idéias ou informação em maneiras novas • Faz conexões entre idéias aparentemente sem relação • Reformula metas em maneiras que revelam novas possibilidades Tomar decisões • Especifica metas e impedimentos • • • Gera alternativas Considera riscos Avalia e escolhe as melhores alternativas Solucionar problemas • Reconhece que um problema existe (isto é, que há uma discrepância entre o que é e o que devia ou poderia ser) • Identifica possíveis razões para a discrepância • Elabora e implementa um plano de ação para solucioná-lo • Avalia e monitora o progresso de algo e faz revisões do plano conforme os achados Ver Coisas com a Imaginação • Organiza e processa símbolos, imagens, gráficos, objetos ou outra informação (por exemplo, imagina um prédio a partir de uma planta; a operação de um sistema a partir de um desenho esquemático: o fluxo de atividades de trabalho a partir de descrições narrativas; o gosto de uma comida a partir de uma receita) Saber como Aprender • Reconhece e pode usar técnicas de aplicar e adaptar novo conhecimento e capacidades tanto a situaçõers conhecidas quanto àquelas em mudança • Está conscientizado com relação à ferramentas tais como estilos pessoais de aprendizagem (visual, aural, etc.), estratégias formais de aprendizagem (tomar notas, agrupar itens que compartilham algumas características), e estratégias informais de aprendizagem (conscientização de premissas falsas nãoidentificadas que podem levar a conclusões inválidas) Raciocinar • Descobre uma regra ou princípio latente na relação entre dois ou mais objetos e o aplica na solução de um problema (por exemplo, usa lógica para tirar conclusões a partir de informação disponível; extrai regras ou princípios a partir de um conjunto de objetos ou texto escrito • Aplica regras ou princípios numa nova situação, ou determina que conclusões estão corretas quando dado um conjunto de fatos e um conjunto de conclusões QUALIDADES PESSOAIS Responsabilidade • Demonstra um alto nível de esforço e perseverança com relação ao alcance de suas metas • Trabalha esforçadamente para atingir excelência nas suas tarefas, criando alto padrão de exigências, tomando cuidado com detalhes e demonstrando alto grau de concentração mesmo quando a tarefa é desagradável • Demonstra alto padrão de freqüência, pontualidade, entusiasmo, vitalidade e otimismo ao abordar e completar tarefas Auto-estima • Acredita no seu valor intrínseco e mantém uma visão positiva de si mesmo • Demonstra conhecimento de suas capacidades e habilidades • Está conscientizado com relação ao seu impacto sobre os outros • Conhece suas próprias capacidades e necessidades emocionais e sabe como cuidar delas Sociabilidade • Demonstra compreensão, amigabilidade, adaptabilidade, empatia e boa educação tanto em situações novas quanto em situações de grupo já existentes • Afirma-se tanto em situações sociais conhecidas quanto em desconhecidas • Relaciona-se bem com os outros • Responde conforme a situação exige • Tem interesse naquilo que os outros dizem Auto-Gerenciamento • • • Avalia, criteriosamente, seu próprio conhecimento, capacidades e habilidades Determina metas pessoais bem-definidas e realistas Monitora o próprio progresso no tocante ao alcance de metas e se automotiva através de conquista de metas • Exibe autocontrole e responde ao feedback sem emoções e sem atitude defensiva • É altamente auto-motivado Integridade/Honestidade • É digno de confiança • Reconhece quando está enfrentando uma decisão ou demonstrando comportamento que rompe com valores pessoais ou sociais comuns • Compreende o impacto de violação dessas crenças e códigos numa organização, em si e em outros • Escolhe um plano de ação ética As Competências What Work Requires of Schools SCANS – The Secretary's Commission on Achieving Necessary Skills. As Competências • Recursos • Interpessoal • Informação • Sistemas • Tecnologia RECURSOS Saber Alocar Tempo • Seleciona atividades relevantes relacionadas com metas, e as organiza em ordem de importância • Aloca tempo para atividades e compreende, prepara e segue um horário Saber Alocar o dinheiro • Usa ou prepara orçamentos, incluindo previsões de custos e receita • Mantém registros detalhados para acompanhamento de desempenho orçament ário, fazendo ajustes apropriados Saber Alocar Material e Outros Recursos • Adquire, armazena e distribui materiais, suprimentos, peças, equipamentos, espaços ou produtos para o seu melhor aproveitamento Saber Alocar Recursos Humanos • Avalia conhecimentos e capacidades e distribui o trabalho apropriadamente • Avalia desempenho e fornece feedbeck INTERPESSOAL Saber Participar como Membro de Equipe • Trabalha cooperativamente com outros e contribui para o grupo com idéias, sugestões e esforço Saber Ensinar para os Outros • Ajudar os outros a aprender Saber Servir Clientes/Fregueses • Trabalha e se comunica com clientes e fregueses para satisfazer as suas expectativas Saber Exercer a Liderança • Comunica pensamentos, sentimentos e idéias para justificar a posição • Encoraja, persuade, convence ou motiva um indivíduo ou grupo, incluindo saber desafiar, com responsabilidade, procedimentos, politicas ou autoridade existente Saber Negociar • Trabalha em favor de um acordo que pode envolver a troca de recursos específicos ou resolver interesses divergentes Saber Tabalhar com Diveridade Cultural • Trabalha bem com homens e mulheres, com uma variedade de origens étnicas, sociais ou educacionais INFORMAÇÃO Saber Adquirir e Avaliar a Informação • Identifica a necessidade de informação • Obtém a informação de fontes existentes ou as cria • Avalia sua relevância e precisão Saber Organizar e Manter a Informação • Organiza, processa e mantém registros escritos ou computadorizados e outras formas de informação de maneira sistemática Saber Interpretar e Comunicar a Informação • Seleciona e analisa informação • Comunica os resultados a terceiros usando métodos orais, escritos, gráficos, pictorais ou multimídia Saber Usar Computadores para Processar Informação • Emprega computadores para adquirir, organizar, analisar e comunicar informação SISTEMAS Saber Compreender Sistemas • Entende como sistemas sociais, organizacionais e tecnológicos funcionam e operam efetivamente dentro deles Saber Monitorar e Corrigir Desempenho • Distingue tendências • Pode prever o impacto de ações nas operações de sistemas • Diagnosticar desvios no funcionamento de um sistema/organização • Toma as medidas necessárias para a correção do desempenho Saber Melhorar e Planejar Sistemas • Faz sugestões para modificar sistema existentes para melhorar produtos ou serviços e desenvolvem sistemas novos ou alternativos TECNOLOGIA Saber Selecionar Tecnologia • Julga qual conjunto de procedimentos, ferramentas ou máquinas, incluindo computadores e seus programas, produzindo os resultados desejados Saber Aplicar Tecnologia à Tarefa • Entende a intenção geral e os procedimentos para a preparação e operação de máquinas, incluindo computadores e seus sistemas de programação Saber Manter e Troubleshoot a Tecnologia • Pode prevenir, identificar ou solucionar problemas em máquinas, computadores e outras tecnologias Notas 1 Education, Technology and Paradigms of Change for the 21st Century. São Carlos, California: Starsong Press, 1989; ver, também, seus Edutrends 2010: Restructuring, Technology, and the Future of Education (Starsong, 1991) e Education in the Communication Age (Starsong, 1993). 2 Uma detalhada visão da Escola do Futuro e seus grupos de pesquisa está em Fredric M. Litto, "Repensando a Educação em Função de Mudanças Sociais e Tecnologias Recentes" in Vera Barros de Oliveira, org., Informática em Psicopedagogia (São Paulo: SENAC, 1995), pp. 85-110. 3 The Web of Life: A New Scientific Understanding of Living Systems (New York: Anchor Books, 1996); A teia da Vida (São Paulo: Cullrix, 1997). 4 Neste sentido, quero agradecer meu colega Prof. Dr. Alexandre Romiszowski, pela recomendação da leitura de Thomas F. Green, Predicting the Behavior of the Educational System (Syracuse, N.Y.:Syracuse University Press, 1980), uma aplicação de pensamento sistêmico a todo o processo educacional, com alguns resultados surpreendentes. 5 U.S. Departament of Larbor, What Work Requires of Schools. A Scans Report for America 2000. SCANS -The Secretary’s Commission on Achieving Necessary Skills. Washington, D.C. 1991. U.S. Departament of Larbor, Learnig a Living: A Blueprint for High Performance. A SCANS Report for America 2000. Washington, D.C., 1992. 6 Também as vezes chamadas "higher order thinking skills" (capacitações cognitivas de mais alta ordem). 7 Neil Postman, The end of Education: Redefining the Value of School. New York: Alfred A. Knopf, 1995; Lewis J. Perelman, School´s Out: Hyperteaming, the New Technology, and the End of Education. New York: William Morrow, 1992. Ivan Illich, Sociedade sem Escola. Petrópolis: Vozes, 1985. 8 Elizabeth G. Gohen, Designing Groupwork: Strategies for the Heterogenous Classroom. New York: Teachers College, Columbia University, 1994. 9 Estruturas da Mente: A Teoria das Múltiplas Inteligências. Porto Alegre: Artes Médicas, 1994. 10 Será mera coincidência encontrarmos no verbete "Refranger" do Dicionário Aurélio o exemplo "A educação histórica da escola não só forma; também deforma as nossas perspectivas e refrange os nossos raios visuais" (Fidelino de Figueiredo, Entre Dois Universos)? 11 Em três visitas que fiz ao Media Lab do M.I.T. no início desta década, observei que quase todos os pesquisadores tinham na sua prateleira de livros uma cópia de Valentino Braitenberg, Vehicles: Experiments in Synthetic Psychology. Cambridge, Massachusetts: M.I.T. Press, 1994, e subseqüentemente tenho usado a obra com êxito nas minhas aulas na USP. Também importantes são John Pollock, How to Build a Person: A Prolegomenon, Cambridge, Massachussetts: M.I.T. Press, 1989, e Douglas Hofstadter, Fluid Concepts and Creative Analogies: Computer Models of the Fundamental Mechanisms of Thought. New York: Basic Books, 1995. 12 Ver Christopher G. Langdon, ed. Artificial Life. Santa Fe Institute Studies in the Science of Complexity vol. 6. Reading, Massachusetts: Addison-Wesley, 1989; Christoper G. Langdon et al, eds. Artificial Life II. Santa Fe Institute Studies in the Sciences of Complexity Vol. 10. Reading, Massachusetts: Addison-Wesley, 1992; Steven Levy, Artificial Life. New York: Pantheon Books, 1992; Stephen Prata, Artificial Life Playhouse: Evolution at Your Fingertps. Corte Madeira, California: Waite Group Press, 1993. Fredric M. Litto é Professor Titular de Mídias Alternativas da ECA/USP, Coordenador Científico da Escola do Futuro da USP, Vice-Presidente do Instituto de Tecnologia ORT de São Paulo e Presidente da ABED-Associação Brasileira de Educação a Distância. Fonte: LITTO, Fredric M.. Um Modelo para Prioridades Educacionais numa Sociedade de Informação. Pátio Revista Pedagógica. Porto Alegre: Artes Médicas Sul. v.1, n.3, nov 1997/jan 1998.