REGULAMENTAÇÃO DE SAFS PARA RECUPERAÇÃO E CONSERVAÇÃO DE ÁREAS LEGALMENTE PROTEGIDAS Roberto Ulisses Resende Agrônomo, Secretaria do Meio Ambiente do Estado de São Paulo, [email protected] RESUMO Este trabalho trata da regulamentação feita pela Secretaria do Meio Ambiente do Estado de São Paulo para o uso de Sistemas Agroflorestais em situações com restrições legais, como Áreas de Preservação Permanente e de Reserva Legal, Mata Atlântica em estágio médio de regeneração na pequena propriedade ou posse rural familiar, além de outras situações nas propriedades rurais em geral, envolvendo intervenções em vegetação de Mata Atlântica em estágio inicial de regeneração ou o uso de espécies nativas. Os conceitos aqui apresentados foram incorporados em normas de alcance estadual adotadas pelo Estado de São Paulo. Palavras-chave: Sistemas agroflorestais, legislação, licenciamento, recuperação florestal, políticas públicas. 1. INTRODUÇÃO Os Sistemas Agroflorestais (SAFs) são sistemas de uso da terra nos quais espécies perenes lenhosas (árvores, arbustos, palmeiras e bambus) são intencionalmente utilizadas e manejadas em associação com cultivos agrícolas e/ou animais (MINISTÉRIO DO DESENVOLVIMENTO AGRÁRIO, 2008). Podem então ter maior ou menor diversidades de espécies, diferentes composições ou arranjos temporais (simultâneos ou sequenciais). Dentre as diferentes definições disponíveis, a equipe da Secretaria do Meio Ambiente de São Paulo adotou a seguinte síntese para Sistemas Agroflorestais: Sistemas de uso e ocupação do solo em que plantas lenhosas perenes são manejadas em associação com plantas herbáceas, arbustivas, arbóreas, culturas agrícolas, forrageiras e/ou em integração com animais, em uma mesma unidade de manejo, de acordo com um arranjo espacial e temporal, com alta diversidade de espécies e interações entre estes componentes. Podem ser assim considerados uma ampla variedade de sistemas, desde a combinação de poucas espécies exóticas (pastagem com eucalipto) até arranjos mais complexos que incorporem os princípios sucessionais, priorizando a proteção da biodiversidade e simultaneamente a produção de alimentos. Estes se inserem em diferentes propostas e situações, combinando escalas de produção, situações fundiárias, grau de comprometimento com transição agroecológica, etc. De modo geral, os SAFs propiciam a incorporação das árvores na paisagem agrícola, conciliando produção e recuperação ambiental. Observam-se ganhos ambientais em diversos aspectos: i) nos solos tem-se a melhoria nas propriedades físicas, diminuição da erosão, aumento da matéria orgânica e da ciclagem de nutrientes; ii) contribuem para a regulação do ciclo hidrológico e alteração do balanço de radiação e do microclima; iii) aumentam a fixação de carbono e iv) contribuem para a proteção e aumento da biodiversidade, em especial ao favorecer a recuperação ambiental. Os SAFs têm o potencial de aumento de produção e de renda, especialmente na agricultura familiar, além de constituir uma interessante estratégia para recuperação e conservação dos recursos naturais. Favorecem a adoção de práticas inovadoras, combinando o manejo florestal com agricultura e criações. 2. METODOLOGIA Observam-se algumas limitações ao aumento da utilização destes sistemas no Estado de São Paulo, destacando-se a necessidade de maior integração das experiências práticas com a pesquisa científica, do conhecimento dos aspectos econômicos e da disseminação das tecnologias. Assim, é preciso construir políticas públicas e programas de pesquisa e de desenvolvimento que ampliem o potencial transformador das iniciativas, hoje basicamente desenvolvidas por organizações da sociedade civil. Inclui-se aí a necessidade de se esclarecerem os procedimentos normativos relacionados, visando maior segurança normativa e orientação técnica para os agricultores e técnicos que desenvolvem o tema. Neste sentido, deve-se inicialmente definir para quais situações existe a necessidade de regulamentação da utilização de SAFs. Na maioria dos casos, sua implantação e utilização não dependem de licenciamento; a decisão sobre as práticas a serem usadas subordina-se a aspectos técnicos, culturais e econômicos. Em algumas situações, pode ser feito algum tipo de certificação, conforme critérios específicos. Entende-se que existem três situações perante o licenciamento ambiental nas quais a implantação de SAFs: i) não é permitida conforme a legislação ambiental; ii) independe do licenciamento ou iii) deve ser submetida a algum tipo de licenciamento. No primeiro caso incluem-se intervenções em áreas com vegetação de Mata Atlântica primária ou secundária em estágio avançado de regeneração em qualquer tipo de propriedade rural ou em estágio médio de regeneração para propriedades que não as pequenas. Na segunda situação estão todos os casos em que não haja interferência com áreas protegidas conforme o Código Florestal e a Lei da Mata Atlântica, como, por exemplo, quando a área não possui vegetação nativa ou esta apresenta estágio pioneiro de regeneração. Assim, a regulamentação do assunto por parte do Poder Público é necessária apenas em determinadas áreas e condições sujeitas a restrições decorrentes da legislação ambiental, a saber: a) Nas Áreas de Preservação Permanente (APP) localizadas em pequena propriedade ou posse rural familiar, desprovidas de vegetação nativa ou recobertas por vegetação secundária de Mata Atlântica em estágio inicial de regeneração. A utilização de SAFs nestas situações, uma vez definida como de interesse social, é permitida, desde que seja caracterizada como ambientalmente sustentável, não descaracterize a cobertura vegetal nativa ou impeça sua recuperação, e não prejudique a função ecológica da área. Estas definições seguem o disposto no artigo 2º inciso V da Lei 4.771, de 21/9/65, alterada pela MP 2166-67/01, Art. 1º, § 2º, item V, alínea “b” e o disposto no Artigo 2º, inciso II-b da Resolução Conama 369/06. b) Nas Reservas Legais (RL) definidas no Código Florestal, conforme o tipo da propriedade ou posse rural: b.1) Na pequena propriedade ou posse rural familiar, os SAFs podem ser usados de maneira permanente nas Reservas, como estratégia de manejo e também como de recuperação: o Segundo o artigo 16º § 3 da Lei 4.771, de 21/9/65, alterada pela MP 2166-67/01, podem ser computados os plantios industriais ou de árvores frutíferas ornamentais, compostos por espécies exóticas, cultivadas em sistema intercalar ou em consórcio com espécies nativas para cumprimento da manutenção ou compensação da área de Reserva Legal. b.2) Nas demais categorias de propriedades, os SAFs podem ser adotados em uma estratégia de recuperação das Reservas Legais: o Conforme o disposto no artigo 44º § 2 da Lei 4.771, de 21/9/65, alterada pela MP 2166-67/01, a recomposição da Reserva Legal pode ser realizada mediante o plantio temporário de espécies exóticas como pioneiras, visando a restauração do ecossistema original, de acordo com critérios técnicos gerais a serem estabelecidos pelo Conama. Este entendimento está presente no Decreto 53.939, de 6/1/09 (artigos 6º e 7°), que regulamenta a implantação de Reserva Legal em São Paulo. Também figura na Lei nº 12.927, de 23/4/08, que dispõe sobre a recomposição de Reserva Legal, no âmbito do Estado de São Paulo, faculta ao proprietário optar por recompor a vegetação no próprio imóvel por meio do plantio de espécies arbóreas exóticas, intercaladas com espécies arbóreas nativas de ocorrência regional ou pela implantação de Sistemas Agroflorestais (SAF), conforme princípios e diretrizes nela constantes. Desta forma, os SAFs podem ser usados na recomposição de Reservas Legais, se prevista a retirada das espécies exóticas após um período em que elas exerçam a função de apoiar a sucessão da vegetação, conforme definido em projeto. c) Áreas recobertas por vegetação secundária de Mata Atlântica em estágio médio de regeneração localizada em pequena propriedade ou posse rural familiar, desde que não inseridas em Áreas de Preservação Permanente. Segundo o disposto no artigo 3º, inciso VIII, combinado com o artigo 23, da Lei 11.428, de 22/12/06, que dispõe sobre a utilização e proteção da vegetação nativa do Bioma Mata Atlântica, é possível nesses casos a implantação de SAFs, desde que não descaracterizem a cobertura vegetal e não prejudiquem a função ambiental da área. d) Áreas recobertas por vegetação secundária de Mata Atlântica em estágio inicial de regeneração, desde que não inseridas em Áreas de Preservação Permanente. Segundo o disposto no artigo 25 da Lei 11.428, de 22/12/06, que dispõe sobre a utilização e proteção da vegetação nativa do Bioma Mata Atlântica, o corte, a supressão e a exploração da vegetação secundária em estágio inicial de regeneração do Bioma Mata Atlântica serão autorizados pelo órgão estadual competente. Sendo o licenciamento do corte raso passível nessas áreas, também é possível a implantação de SAFs como prática que preveja o corte seletivo da vegetação nativa. e) Uso de espécies nativas em situações que não as descritas acima. Alguns dispositivos do Código Florestal (artigos 12 e 19 da Lei 4.771, de 21/09/65), regulamentados pela Instrução Normativa nº 08 de 24/8/04, do Ministério do Meio Ambiente, que trata do plantio e condução de espécies florestais, nativas ou exóticas, indicam a necessidade do licenciamento da exploração de essências nativas cultivadas. 3. CONCLUSÃO Conclui-se que é possível o uso e manejo de SAFs em APPs e em áreas recobertas por vegetação secundária de Mata Atlântica em estágio médio de regeneração, no caso específico da agricultura familiar, (situação caracterizada como de interesse social) e mediante prévia autorização do órgão ambiental competente, desde que sejam atendidos os seguintes requisitos: 1 - ser ambientalmente sustentável; 2 - não descaracterizar ou impedir a recuperação da cobertura vegetal nativa; 3 - não prejudicar a função ecológica da área. Nas APPs, essas funções são: a preservação de recursos hídricos, da paisagem, da estabilidade geológica, da biodiversidade, e do fluxo gênico de fauna e flora, além da proteção do solo e a garantia do bem-estar das populações humanas. Para a Reserva Legal, as funções são: o uso sustentável dos recursos naturais, a conservação e reabilitação dos processos ecológicos, a conservação da biodiversidade e o abrigo e proteção de fauna e flora nativas. Estes requisitos não são detalhados na legislação referentemente aos casos das Reservas Legais e do uso de espécies nativas. Entretanto, a legislação determina a necessidade do licenciamento por parte do órgão competente. Desta forma, entende-se ser pertinente e necessária a edição de norma estadual sobre o assunto, regulamentando o uso de SAFs nos casos acima definidos. Além de prever e regulamentar o licenciamento pelo órgão estadual, essa norma deve estabelecer parâmetros ecológicos e de projeto para delimitar o atendimento aos requisitos definidos na legislação. Os seguintes parâmetros são então propostos: a. Fisionomia florestal e cobertura permanente do solo; b. Manejo com uso restrito de insumos agroquímicos; c. Princípio sucessional: o manejo deve permitir a sucessão florestal com diversos grupos sucessionais, presença de espécies e de grupos ecológicos diferentes, formando um sistema de múltiplos estratos (herbáceo, arbustivo, arbóreo) com regeneração das espécies nativas e acúmulo de serapilheira; d. Diversidade mínima de espécies nativas arbóreas. No caso de São Paulo, foi definido o valor mínimo de trinta espécies nativas arbóreas; e. Percentual máximo dos indivíduos de espécies exóticas no total das árvores e arbustos e quantidade máxima da mesma espécie; f. Densidade mínima de espécies arbóreas ou arbustivas e quantidade mínima de árvores nativas/ha; g. Não utilização de espécie-problema (espécie invasora); h. Preparo e manejo do solo com revolvimento mínimo, sem aração ou gradagem; i. Não utilização da área para pastejo direto, sendo permitida, no caso de sistemas silvopastoris, a colheita de forrageiras para fornecimento fora da APP. A tabela 1 resume os dispositivos definidos na Resolução SMA 44/2008 de São Paulo. Tabela 1 – Situações e tipos de propriedade Tipo de Vegetação (Mata Atlântica) Situação da área APP RL Outras Tipo de propriedade Primária Secundária em estágio avançado Secundária em estágio médio Secundária em estágio inicial Pioneiro/ inexistente Pequena/familiar Não Não Possível Possível Possível Outras Não Não Não Não Não Pequena/familiar Não Não Possível Possível Possível Outras Não Não Não Não Possível Pequena/familiar Não Não Possível Possível Possível Outras Não Não Não Possível Possível Destaca-se que para a garantia da diversidade é exigido um número mínimo de espécies arbóreas nativas. Já para as espécies exóticas é definido um número máximo de indivíduos. Busca-se assegurar a fisionomia florestal, definindo-se uma densidade de plantio ou manutenção de espécies arbóreas existentes. As restrições ao acesso de animais nas áreas com SAFs visam garantir a regeneração de espécies nativas e a sucessão florestal. Define-se espécie-problema (ou espécie invasora) como aquela nativa ou exótica que forme populações fora de seu sistema de ocorrência natural ou que exceda o tamanho populacional desejável, interferindo negativamente no desenvolvimento da recuperação florestal, tais como Leucaena spp, Pinus spp, Brachiaria spp, dentre outras. Uma diretriz adotada é que, em função das especificidades das diversas situações acima descritas, os parâmetros devem ser fixados em níveis diferentes. De modo geral, estes devem ser mais restritivos nas APPs próximas de corpos d’água (incisos “a”, “b” e “c” do artigo 2º do Código Florestal) do que as demais, e em ambos os casos, mais restritivos que nas Reservas Legais. A definição destes parâmetros também deve considerar o percentual de APP e da área a ser manejada com SAFs na propriedade e no entorno desta. Tais áreas, em função do caráter experimental e inovador da prática e da própria definição legal destas (pequena propriedade e situação de APP), vão ter normalmente pequenas extensões, devendo então ser considerado o conjunto da paisagem. A definição de pequena propriedade ou posse rural familiar é importante nessa regulamentação, uma vez que determina a maioria das situações aqui tratadas. Esta é feita em duas leis diferentes, o Código Florestal (no Artigo 1º, § 2°) e a Lei da Mata Atlântica (no Artigo 3, inciso I). Embora sejam praticamente idênticas, diferem no limite de área previsto para esta categoria. Desta forma, entendese que devam ser adotadas as definições conforme cada situação. No caso da das APPs, deve ser adotada a definição do Código Florestal (30 hectares) e para a vegetação secundária de Mata Atlântica em estágio médio, a da Lei 11.428/06 (50 hectares). Estes conceitos são utilizados em três normas estaduais em São Paulo: i) a Lei nº 12.927, de 23/4/08, que dispõe sobre a recomposição de Reserva Legal, ii) o Decreto 53.939, de 6/1/09, que regulamenta a implantação de Reserva Legal, e iii) a Resolução SMA 44 de 30/6/08, que define critérios e procedimentos para a implantação de Sistemas Agroflorestais. 4. Referências bibliográficas BRASIL. Lei 4.771 de 21 de setembro de 1965 BRASIL, Lei 11.428, de 22 de dezembro de 2006 ESTADO DE SÃO PAULO, Lei nº 12.927, de 23 de abril de 2008 ______________________ Decreto 53.939, de 6 de janeiro de 2009 ______________________, SECRETARIA DE ESTADO DO MEIO AMBIENTE, Resolução SMA 44 de 30 de junho de 2008 MINISTÉRIO DO DESENVOLVIMENTO AGRÁRIO, Manual Agroflorestal para a Mata Atlântica. Brasília, 2008. MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE, Instrução Normativa nº 8 de 24 de agosto de 2004.