UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ JULIANA DE OLIVEIRA E SILVA EFEITOS DO AVANÇO URBANO-TURÍSTICO E PORTUÁRIO EM COMUNIDADES PESQUEIRAS DE PONTAL DO PARANÁ - PR PONTAL DO PARANÁ 2006 UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ JULIANA DE OLIVEIRA E SILVA EFEITOS DO AVANÇO URBANO-TURÍSTICO E PORTUÁRIO EM COMUNIDADES PESQUEIRAS DE PONTAL DO PARANÁ - PR Monografia apresentada como requisito parcial à obtenção do título de Bacharel em Oceanografia, com ênfase em Gestão Ambiental Costeira, no Centro de Estudos do Mar, Setor de Ciências da Terra, Universidade Federal do Paraná. Orientadora: Prof.ª Dr.ª Naína Pierri Estades PONTAL DO PARANÁ 2006 SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO ....................................................................................................... 1 1.1 CONTEXTUALIZANDO A PESCA ARTESANAL OU DE PEQUENA ESCALA .. 1.2 UMA BREVE CONTEXTUALIZAÇÃO DA EVOLUÇÃO DAS POLÍTICAS NACIONAIS DO TURISMO ................................................................................... 1.3 INSTALAÇÃO PORTUÁRIA NO MUNICÍPIO DE PONTAL DO PARANÁ .......... 1.4 JUSTIFICATIVA ................................................................................................. 1.5 DEFINIÇÃO DE OBJETIVOS ............................................................................. 1.6 CONTEÚDO TEMÁTICO .................................................................................... 2 5 7 8 11 12 2 13 ANTECEDENTES HISTÓRICOS DA OCUPAÇÃO LITORAL DO PARANÁ: O CASO DE PONTAL DO PARANÁ ........................................................................ RECAPITULANDO A HISTÓRIA DA REGIÃO: ANTECEDENTES À URBANIZAÇÃO (ATÉ A DÉCADA DE 1940) ....................................................... 2.2 EVOLUÇÃO DOS PROCESSOS DE OCUPAÇÃO TERRITORIAL NO LITORAL SUL PARANAENSE ............................................................................ 2.3 O USO BALNEÁRIO EM PONTAL DO PARANÁ ............................................... 2.4 DINÂMICA MIGRATÓRIA DE FLUXOS POPULACIONAIS: A OCUPAÇÃO CONTÍNUA LITORÂNEA .................................................................................... 13 3 ÁREA DE ESTUDO ................................................................................................ 19 4 MATERIAIS E MÉTODOS ..................................................................................... 25 5 RESULTADOS ....................................................................................................... 31 5.1 VILA DO MACIEL ................................................................................................ 5.1.1 Histórico da ocupação da vila ......................................................................... 5.1.2 Moradores, casas e infraestrutura atual da vila ............................................. 5.1.3 Caracterização da atividade pesqueira e de coleta da comunidade ............... 5.1.4 Breve resgate dos modos de vida e costumes ............................................... 31 31 34 36 38 5.2 IPANEMA IV ........................................................................................................ 5.2.1 Histórico da ocupação: A vila de pescadores Ipanema IV .............................. Oportunidades e atividades relacionadas ao turismo ...................................... Moradores, casas, e infraestrutura atual da vila .............................................. Caracterização da atividade pesqueira e de coleta da comunidade ............... Breve resgate de seus modos de vida e costumes antigos ............................ 42 42 45 48 49 51 5.3 PRAIA DE BARRANCOS ................................................................................... 5.3.1 Histórico da ocupação do vilarejo .................................................................... 5.3.2 Oportunidades e atividades relacionadas ao turismo ...................................... 5.3.3 Moradores, casas, e infraestrutura atual da vila .............................................. 5.3.4 Caracterização da atividade pesqueira e de coleta da comunidade ............... 5.3.5 Resgate dos costumes e modos de vivência ................................................... 55 55 58 60 61 64 2.1 5.2.2 5.2.3 5.2.4 5.2.5 14 15 17 5.4 PONTAL DO SUL ................................................................................................ 5.4.1 Histórico da ocupação do balneário ................................................................. 5.4.1.1 O caso da Ponta do Poço e Pontal II: o desenho dessa ocupação ............... 5.4.1.2 O caso do Antigo Embarque .......................................................................... 5.4.1.3 Formação do bairro de pescadores da Vila Nova ......................................... 5.4.1.4 Mangue Seco: do bairro de pescadores à região mais habitada do balneário ....................................................................................................... 5.4.2 Oportunidades e atividades relacionadas ao turismo ...................................... 5.4.3 Moradores, casas, e infraestrutura atual da vila .............................................. 5.4.4 Caracterização da atividade pesqueira e de coleta da comunidade ............... 5.4.5 Breve resgate cultural do balneário ................................................................. 68 68 69 72 73 73 5.5 QUADRO-SÍNTESE DA SITUAÇÃO ATUAL DAS VILAS: USOS E CONFLITOS ........................................................................................................ 91 5.6 MAPAS GEORREFERENCIADOS DOS USOS NA FAIXA DA ORLA PRINCIPAL DE PONTAL DO SUL ...................................................................... 93 6 DISCUSSÃO ......................................................................................................... 103 7 CONCLUSÃO ....................................................................................................... 107 REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 110 ANEXO 1 - QUESTIONÁRIO SOCIOAMBIENTAL ................................................... 113 75 79 81 85 1 1 INTRODUÇÃO O município de Pontal do Paraná, no Estado do Paraná, ainda abriga em seus balneários populações de pescadores que se encontram ameaçadas por diferentes processos. De um lado, sob o contexto da crescente diminuição de recursos pesqueiros advindos da pesca predatória, os pescadores artesanais encontram-se mais frágeis, tendo ameaçadas sua fonte direta de renda e, para os mais pobres, de alimento. Por outro lado, o avanço urbano e turístico, tem trazido problemas, e também oportunidades para estes pescadores. Em termos de oportunidades, são oferecidos aos pescadores infraestrutura e serviços que melhorem suas condições de vida, além de ampliarem e melhorarem as oportunidades de venda dos seus produtos e as possibilidades de desenvolverem outras atividades complementares de geração renda. Porém, ao mesmo tempo, o avanço urbano supõe um processo de pressão para que eles saiam das áreas mais próximas à praia. Local este, onde tradicionalmente implantam suas moradias, os barracos de abrigo dos barcos e apetrechos, os locais de venda dos peixes, e, a formação de um sistema integrado, que facilita o trabalho e a colaboração de toda a família e dos demais pescadores nas atividades. Esse processo, que já foi “violento” no momento em que se fizeram os loteamentos que precederam à formação dos balneários atuais, continua presente, na medida em que ainda existem áreas adjacentes às praias ou à baia não loteadas, ou com baixa densidade de construção/ocupação com fins turísticos. Isso tende a separar o lugar da pesca do lugar de moradia, e até do lugar de venda dos produtos, somando dificuldades para o desenvolvimento das atividades, para o envolvimento familiar, e para as formas de cooperação entre pescadores. Na mesma hora, cidade e turismo trazem problemas (ambientais, de segurança, entre outros) e uma cultura com valores e costumes diferentes, que contribuem à perda de identidade dos pescadores, criando, especialmente nas crianças e jovens, expectativas que tendem a afastá-los de sua origem. Este conjunto de elementos permite concluir que, se não forem tomadas algumas medidas que reconheçam o direito dessa população tradicional a ocupar esse espaço e desenvolver seu modo de vida, ela estará destinada a desaparecer, não por opção própria senão, principalmente, pela força das pressões econômicas e diferentes formas de violência. 2 Tal como nos demais estados litorâneos, o Paraná vem desenvolvendo iniciativas de ordenamento territorial como parte do direcionamento das atividades com potencial de adensamento e de geração de impactos, além de existir maior disponibilidade de informações de interesse para elaborar zoneamentos ecológicoeconômicos. Esse procedimento fundamentou-se no Plano Nacional de Gerenciamento Costeiro (PNGC) e tem como objetivo estabelecer normas e planos específicos de gestão frente aos problemas de conflito de uso, e o desdobramento na perda da qualidade dos recursos marinhos. Este projeto propõe estudar a situação das comunidades de pescadores do município de Pontal do Paraná, localizadas em lugares geográficos com diferentes graus de isolamento em relação à centros urbanos, à presença de turistas e às instalações portuárias. O objetivo é sua caracterização geral - populacional, socioeconômica e cultural -, focando compreender os efeitos positivos e negativos para as condições de vida e identidade cultural dessas comunidades, advindos dos processos de avanço urbano, turístico e portuário. Devido a pouca existência de estudos que foquem estes aspectos na área e ao fato de que estas situações caracterizam não somente os balneários a serem analisados, mas o litoral paranaense como um todo, justifica-se esta proposta de pesquisa. Considera-se que ampliar estes conhecimentos possibilitará a introdução de medidas apropriadas para a efetiva defesa desta população específica nos planos de desenvolvimento regional e municipal, assim como nas propostas de gerenciamento costeiro que venham a instrumentá-los. 1.1 CONTEXTUALIZANDO A PESCA ARTESANAL OU DE PEQUENA ESCALA A pesca é uma atividade extrativista de grande importância sócio-econômica mundial, pois além de geradora de renda e provedora de fontes fundamentais de proteína, é responsável pelos meios de subsistência de inúmeras comunidades pesqueiras das regiões costeiras do mundo. Estas áreas, constituem a base econômica e cultural de um amplo setor social, o da pesca artesanal. Calcula-se que 25% da captura mundial se dá mediante a pesca artesanal, e 40% do pescado é para consumo doméstico (PAYNE, 2001). Segundo a Organização das Nações 3 Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO) (2004), nos países em desenvolvimento, a pesca costeira está 90% a cargo de pescadores artesanais, sendo que na América do Sul existem aproximadamente 677 mil pescadores artesanais. A pesca artesanal no Brasil, assim como no mundo, sofre da falta de informações, tanto de cunho biológico como, principalmente, socioeconômico. As principais carências estatísticas se referem a tipos de emprego e renda, de tecnologias empregadas e os aspectos organizativos dos pescadores artesanais. As principais causas relacionadas a esta ausência de informação estão ligadas à complexidade da atividade e também à falta de atenção política para o setor (VASCONCELLOS et alii, no prelo). Andriguetto Filho (1999) também aponta esse fato, comentando que o relativo desconhecimento científico sobre a pesca artesanal não lhe confere sua devida importância enquanto setor econômico. De um modo geral, a pesca sediada no estado é de pequena escala ou “artesanal”, com uma produção ainda não corretamente avaliada, mas provavelmente de importância mais regional e de menor expressão no cenário nacional (ANDRIGUETTO FILHO et alii, 1998). Segundo Paiva (1997), entre 1980 e 1994, esta modalidade foi responsável por 92,2 % da produção desembarcada na região. Richter (2000) aponta que o Estado do Paraná contribui com 1.375,5 toneladas desse total. A urbanização dos pescadores artesanais é um fator importante em muitos estados, sobretudo nas regiões Sudeste/ Sul, onde já em 1970, cerca de 70% deles viviam em áreas urbanas e periurbanas. Essa urbanização está relacionada a diversos fatores, como por exemplo, o aumento do turismo e da especulação imobiliária, o abandono das atividades agrícolas e extrativistas e a implantação de unidades de conservação de proteção integral; estes resultam em deslocamentos “forçados” destes pescadores, que passam a viver em locais com pouca infraestrutura, geralmente longe da praia e de seu lugar de trabalho. (VASCONCELLOS et alii, no prelo). Segundo o Diagnóstico do Município de Pontal do Paraná (FUNPAR, 1999), o litoral paranaense, antigamente habitado por indígenas, foi colonizado pelos portugueses, já no fim do século XVI. Passou por diversas fases de desenvolvimento econômico e sucessivos ciclos de auge e crises que, entre outras coisas, levaram, 4 em um primeiro momento, à constituição de uma população de agricultores/pescadores, e posteriormente, somente de pescadores. Essa mudança foi impulsionada, no início da década de 1930, com a crise da agricultura de queimada, o que intensificou o êxodo rural dos pequenos agricultores, bem como sua migração para as vilas ribeirinhas, estuários e centros portuários. Este movimento coincide com a melhoria das condições de conservação do pescado em gelo, além de um aumento da demanda. É preciso lembrar que as vilas ribeirinhas localizam-se em “terrenos de marinha”, de domínio da União 1 , logo, sem pressões de ocupação, além de marginais para a agricultura (ANDRIGUETTO FILHO, 2002). Vários órgãos possuem competência para autorizar obras nas praias, sendo que conflitos dessa natureza são frequentes. A União encontra-se muito distante das realidades locais, e a maior parte das atividades a serem realizadas apenas nos limites dos municípios não enseja interesse nacional que justifique autorização a ser expedida pelo Poder Público Federal. Todavia, essa autorização deve ser feita com cautela, visando ao bem comum e não a interesses puramente políticos. Obras, atividades na praia, ou em suas proximidades, exigem um licenciamento ambiental e estudo prévio de impacto ambiental, porém quando esse licenciamento é realizado por órgãos administrativos incompetentes, torna-se inválido (FREITAS, 2006). Atualmente, existem aproximadamente 60 vilas de pescadores rurais ou urbanas, no interior das baías e na frente oceânica, distribuídas pelos sete municípios litorâneos do estado do Paraná. Estas vilas podem se apresentar de várias formas, desde pequenos povoados exclusivamente pesqueiros, acessíveis somente por água, até bairros urbanos. Foram identificadas originalmente 103 vilas, embora haja diversos outros agrupamentos menores de pescadores em meio ao tecido urbano da orla sul, nos municípios de Pontal do Paraná, Matinhos e Guaratuba (ANDRIGUETTO FILHO, et alii, 1998). Nas áreas urbanas, pôde-se verificar certo grau de dispersão, mas os pescadores, de um modo geral, apresentaram-se concentrados no mesmo bairro ou vizinhança, onde nem toda a 1 Dentre os bens da União, relacionados no Art. 20 da Constituição Federal, encontram-se os terrenos de marinha e seus acrescidos, as praias marítimas, as ilhas oceânicas e costeiras e o mar territorial. Terrenos da marinha são os encontrados a uma distância de trinta e três metros, medidos horizontalmente para a parte da terra, da posição da Linha da Preamar Média (LPM) de 1831 (Artigo 2º, do Decreto-lei 9760/46): Estes, situados no continente, na costa marítima e nas margens dos rios e lagoas, até onde se faça sentir a influência das marés; e os que contornam as ilhas situadas em zonas onde se faça sentir a influência das marés (PDU, 2002). 5 população é de pescadores (ANDRIGUETTO FILHO, et alii, no prelo). Constatou-se que 43 das 103 vilas desapareceram ou sofreram forte redução da população nas últimas décadas, o que sugere estarem em vias de desaparecer. O fenômeno acontece em todos os municípios do litoral. Inversamente, há uma dinâmica de concentração populacional em algumas vilas, especialmente em bairros urbanos e nas entradas das baías (ANDRIGUETTO, 2005). O litoral do Paraná apresenta uma grande diversidade de modalidades de pesca, descritas em parte por Loyola e Silva et alii (1977), Sociedade de Pesquisa em Vida Selvagem (SPVS) (1992a, 1992b) e, mais recentemente, por Andriguetto Filho (1999, 2002), Chaves (2002) e Chaves, Pichler e Robert (2002). A pesca paranaense tem como alvo cerca de 66 espécies de peixes com importância comercial, dentre pelo menos 200 conhecidas para a Baía de Paranaguá (CORRÊA, 1987). Os camarões constituem o recurso economicamente mais importante (ANDRIGUETTO FILHO, 2002), conquistando uma produção de camarão de 4.904 toneladas, enquanto que, a produção de pescado foi de 1.363 toneladas (RICHTER, 2000). Em conjunto com as normas legais ambientais que, de certa maneira, cerceiam os pescadores de atividades comuns de extração de recursos naturais, existem inúmeros outros fatores causadores de conflitos no setor pesqueiro artesanal do país, podendo-se citar, entre outros, a escassez de recursos, a urbanização, o turismo, a expropriação das terras de origem, a intervenção industrial-portuária e a disputa com a pesca industrial (VASCONCELLOS et alii, no prelo). 1.2 UMA BREVE CONTEXTUALIZAÇÃO DA EVOLUÇÃO DAS POLÍTICAS NACIONAIS DO TURISMO O turismo surge como atividade econômica organizada em meados do século XIX. Desde então, esta atividade tornou-se uma incontestável agente condicionadora do (re) ordenamento do espaço, sendo responsável pela organização de muitas sociedades. É uma atividade que necessariamente consome 6 espaço, pois os locais a serem desenvolvidos necessitam de infraestrutura (CRUZ, 2002). O modo como se dá a apropriação de um determinado espaço pelo turismo, vai depender da política pública de turismo deste lugar. Na ausência dessas políticas, o turismo vai se delineando de acordo com interesses próprios de particulares (CRUZ, 2002). Uma revisão histórica sobre políticas nacionais de turismo no país mostra que nem sempre essas políticas foram claramente explicitadas. Apenas, a partir de 1990, valorizou-se essa atividade no país, ganhando importância entre as políticas públicas setoriais. Um marco, dessa fase, foi a Política Nacional de Turismo, instituída durante o primeiro mandato do presidente Fernando Henrique Cardoso (1995 – 98) (CRUZ, 2002). A região litorânea do estado do Paraná, seguindo a tendência geral da costa brasileira, enfrentou processos “violentos” derivados da ocupação voltada ao uso balneário-turístico, já que esta se deu intensa e muito rápida, levando-se em questão o curto período em que ocorreu. Estes processos se deram sem um devido planejamento prévio, de maneira desordenada, trazendo uma diversidade de impactos socioambientais. Apenas muito recentemente foi aprovada a nova Lei Estadual, nº.12.274/98, que considera como Áreas Especiais de Interesse Turístico e Locais de Interesse Turístico, diversas localidades dos municípios litorâneos paranaenses. Preconizado no Art. 2º, por decreto, em comum acordo entre o Estado e os municípios abrangidos, especificam-se as condições para aproveitamento dessas áreas e locais, bem como para o parcelamento das áreas declaradas como de interesse e proteção especial (PDU, 2002). Além de vários aspectos que determinam o tipo, a natureza e as obrigatoriedades para a realização de interferências e obras no meio costeiro, destacam-se: a preservação das florestas e de quaisquer formas de vegetação natural, dos estuários dos rios, áreas lagunares e restingas, bem como da fauna existente; a preservação de edificações e sítios de valor histórico, artístico e arqueológico; o estímulo e assistência às atividades regionais típicas, em especial as ligadas à pesca, turismo e artesanato; a adoção de normas e padrões que disciplinem o processo de parcelamento do solo urbano através de lei de loteamentos; e a adoção de normas e padrões que disciplinem o processo de uso e 7 ocupação do solo urbano através das leis de zoneamento e de edificações (PDU, 2002). 1.3 INSTALAÇÃO PORTUÁRIA NO MUNICÍPIO DE PONTAL DO PARANÁ Nos últimos 30 anos, no Brasil, cresceram violentamente as atividades produtivas agrícolas, grande parte das quais escoam seus produtos pelo porto de Paranaguá, gerando diversos processos e impactos, alguns dos quais afetam a pesca, como a grande circulação de barcos e a contaminação das águas (FRANCO, 2004). Este crescimento da economia do estado vem sobrecarregando as atividades portuárias existentes, sugerindo a implementação de novas áreas destinadas a esses fins (TERPAR, 2006). Atualmente virá a se instalar um Complexo Portuário em Pontal do Paraná, na região de Ponta do Poço, na entrada do Estuário da Baía de Paranaguá, ao Sul Oeste do Canal da Galheta. Este local é visado para esta atividade, devido à sua posição geográfica favorável, bem como a profundidade de seu calado natural (Canal da Galheta), em torno de 13,7 metros, o que permite uma navegação com maior segurança, além de necessitar de menor interferência das atividades de dragagem deste canal de acesso (TERPAR, 2006). Esta região permaneceu com sua cobertura vegetal relativamente intocada até o início dos anos 1980, anteriormente, haviam sido instaladas ali, empresas do ramo industrial (KRELLING, 2004). O futuro porto suprirá grande parte desse fragmento de Mata Atlântica, ocasionando perturbações às espécies de fauna e flora que ali habitam, além da interferência nos processos de usos dos recursos naturais pelos moradores locais. Nas épocas de maior atividade, três empresas operavam na região: Tenenge (hoje pertencente ao Grupo Odebrecht), a CBC S.A. (subsidiária da Mitsubishi no Brasil) e a Techint (empresa multinacional da área de construções em geral) (KRELLING, 2004). No início de 2005, a empresa Techint reativou seus trabalhos na região, com a construção de uma plataforma de petróleo. A iminência do novo porto vem desencadeando uma série de conflitos fundiários entre população local e proprietários dessas terras. Os moradores da 8 região vêm sendo pressionados a abandonarem seu local habitual de vivência; fato este que resultou em um acordo entre ambas as partes interessadas, trazendo ao mesmo tempo benefícios e desvantagens aos pescadores. 1.4 JUSTIFICATIVA No Município de Pontal do Paraná, a ocupação urbana intensificou-se a partir da década de 70, principalmente devido à abertura da rodovia PR-412, que viria a fazer a ligação rodoviária entre o município e a BR-277, estrada que liga Curitiba à cidade de Paranaguá. A abertura dessa estrada (PR-412) é um marco na história da evolução urbana de Pontal do Paraná, principalmente porque facilitou sobremaneira o acesso ao município. Antes disso, só podia ser feito através de embarcações ou pela antiga estrada do Guaraguaçú, semelhante a uma trilha, fazendo com que a vinda de pessoas de Curitiba ou Região Metropolitana - hoje feita em poucas horas – fosse, na época, bastante penosa (ANGELOTTI, 2004). Com as facilidades de acesso ao litoral, surgiu um movimento de intensa ocupação na região, de maneira rápida e desordenada, o que não poupou o meio ambiente em questão e as populações locais, dessas formas de pressão. Ao se fazer uma análise do histórico da ocupação recente, verificou-se que, antes da construção da rodovia PR-412 as construções predominantes eram casas e ranchos de pesca, concentrados em pequenos agrupamentos. As principais atividades econômicas até meados da década de 70 eram a pesca artesanal e, principalmente, as lavouras de subsistência, tendo a mandioca como principal produto, sendo a base da alimentação dessas populações. Em consequência a abertura de estradas, o turismo acelerou, e muitas atividades nesta área começaram a surgir: hotéis, pousadas, restaurantes, bares, etc. Atividades estas, voltadas, exclusivamente, ao bem-estar do turista. Porém, a falta de um melhor planejamento, o qual integrasse a população local dentro destas atividades turísticas, gerou maiores contrastes sociais, o que de um lado fortaleceu a economia para os investidores externos, mas resultou em pobreza e perda da identidade sociocultural pelos nativos. 9 Os balneários de Ipanema, Barrancos, Pontal do Sul e Vila do Maciel, localizados no município de Pontal do Paraná, se caracterizam por ainda habitarem comunidades pesqueiras tradicionais. Estes locais apresentam diferentes graus de integração ou isolamento de centros urbanos, bem como de presença do turismo, especulação imobiliária e portuária, que os acompanham: • O balneário de Ipanema, encontra-se em uma região de maior desenvolvimento econômico (principalmente advindo de atividades turísticas locais) e urbano, maior facilidade de acesso, e melhor infraestrutura. Remanescentes de populações nativas ainda moram ali, destacando a presença de um bairro irregular de pescadores, no Ipanema IV, localizado entre a Avenida Beira Mar e a praia, na área de restinga, em frente aos prédios voltados ao mar; • A região de Barrancos, apesar de estar compreendida entre dois balneários mais desenvolvidos (Atami e Shangri-lá) e ser de fácil acesso, ainda apresenta características ambientais pouco alteradas, vegetação bem preservada, com poucas construções. Os moradores são, em sua maioria, membros de famílias tradicionais pesqueiras; • Pontal do Sul, último balneário do município, sentido norte, também se encontra em uma área mais urbanizada, com bastante influência turística e atualmente alvo principal de um projeto de implantação de um terminal portuário. Tem sua população tradicional distribuída em pequenos assentamentos ou então dispersa pela malha urbana, sendo estas áreas regularizadas fundiariamente ou não, já que esta localidade tem uma maior diversificação de casos de ocupação e uso do território. É o único balneário de Pontal do Paraná que geograficamente apresenta uma face voltada à mar aberto e outra porção do território com face para o estuário; e • Já o Maciel, região mais isolada de Pontal do Paraná e de difícil acesso (pois este só é realizado por meio de embarcações), se caracteriza por ser um ambiente ainda bem preservado e com ausência de urbanização. A comunidade local é um vilarejo rural-costeiro de pescadores. A pressão fundiária é muito evidenciada, já que esta vila e suas adjacências estão sendo analisadas como “alvos” de implantações de futuras atividades turísticas e, principalmente econômicas, no caso atual, a instalação do futuro porto. 10 Estes diferentes graus de desenvolvimento urbano e presença de turismo nos balneários e os possíveis investimentos futuros provocam efeitos e reações singulares a cada comunidade específica. Quando a expectativa é direcionada a piorar a situação econômica, incentiva a migração dos pescadores para outros locais, na procura de se defenderem ou até de melhorarem de vida. O problema é que existe maior possibilidade de que estes setores pobres cheguem aos corredores suburbanos de cidades vizinhas, onde as condições socioambientais acabam sendo mais precárias que as dos seus lugares de origem. Essas flutuações acabam por agravar os problemas relacionados à pobreza, deixando clara a inexistência de políticas públicas eficientes que protejam e permitam que estes pescadores e suas famílias vivam dignamente de suas atividades extrativistas econômicas e de subsistência. Regiões do litoral paranaense, como as que serão objetos do estudo, são de grande importância sociocultural e histórica, pois estes lugares, nos quais ainda existem traços de populações tradicionais pesqueiras, já foram caracterizados no passado, por serem exclusivamente agropesqueiros, onde estas pessoas tinham uma relação direta com a terra e o mar, retirando destes ambientes naturais os recursos necessários à sua subsistência. Com o avanço econômico governado pela lógica capitalista de ocupação e exploração, atualmente, este cenário encontra-se completamente modificado e em acelerado processo de degradação. O sistema social dos pescadores enquanto população tradicional encontra-se extremamente fragilizado, tanto em relação aos aspectos ambientais, quanto aos fatores relacionados à identidade social e cultural, o que implica em problemas de adaptação às mudanças, além do aumento das desigualdades sociais. Em Pontal do Paraná as comunidades tradicionais se mantêm restritas a algumas áreas do município, e variam no grau de preservação da cultura nativa. Nas localidades onde a presença de comunidades de pescadores não está mesclada com residências de veranistas, observa-se maior continuidade das tradições, estas, que se apresentam mais diluídas quando as comunidades estão inseridas em meio aos condomínios e bairros caracterizados pela existência de segundas residências. Se bem a literatura manifeste reiteradamente consciência e preocupação por esta realidade, não existem estudos sistemáticos sobre a evolução das comunidades de pescadores que procurem descrever os processos de mudança e 11 adaptação sofridos ao longo das últimas décadas, a partir do avanço turístico, urbano e portuário. A população afetada pelos processos de ocupação e a carência de estudos com esta abordagem fundamentam a relevância e pertinência desse tema de pesquisa. O conhecimento produzido virá alimentar os processos de gerenciamento costeiro, no sentido de contribuir a uma melhor compreensão dos conflitos de apropriação e uso do solo entre os atores sociais que compartilham essa realidade. 1.5 DEFINIÇÃO DE OBJETIVOS O objetivo geral deste trabalho do município de Pontal do Paraná é realizar uma breve caracterização das comunidades e assentamentos de pescadores, que identifique as consequências do avanço urbano, turístico e portuário, enquanto vantagens e ameaças para seu bem-estar e permanência no local, no intuito de subsidiar o desenho de políticas públicas que visem sua sobrevivência econômica e cultural em condições dignas. Nesse sentido, os resultados obtidos serão devolvidos a eles mesmos, como forma de contribuir para que as comunidades compreendam melhor os seus problemas e conflitos, e possam participar de forma mais decisiva nos processos de elaboração e definição de políticas e planos de manejo local. Como objetivos específicos, pretende-se: a) caracterizar as vilas de pescadores quanto à localização e organização espacial, infraestrutura disponível, qualidade das moradias e demais instalações; b) conhecer os processos históricos de formação das vilas, ocupação e usos do solo, com especial atenção à situação fundiária atual; c) caracterizar a pesca que desenvolvem, identificando tipos de embarcações, apetrechos, recursos pesqueiros alvo, e técnicas envolvidas; d) conhecer a evolução das atividades econômicas de cada vila nos períodos anterior e posterior ao desenvolvimento das atividades turísticas e urbanas locais; e) identificar os elementos que caracterizam seu modo de vida e sua cultura, além daqueles que possam estar perdidos ou ameaçados; 12 f) confeccionar croquis das vilas, sistematizando a configuração local anterior à urbanização e criar um mapa georreferenciado, de usos atuais dessas populações, na faixa da orla principal do município de Pontal do Paraná; g) comparar as situações das vilas estudadas identificando os tipos de consequências, positivas e negativas, que estas comunidades sofrem devido ao grau de isolamento ou proximidade aos centros urbanos e à intensidade do turismo e avanço das atividades econômicas, no caso, a portuária; 1.6 CONTEÚDO TEMÁTICO Os decorrentes capítulos e subcapítulos seguirão de maneira à primeiramente, contextualizar o histórico da ocupação do litoral paranaense no período anterior aos anos 50, subsidiando o pano de fundo que servirá de base a esse estudo. Posteriormente, será apresentada uma breve caracterização das áreas em questão, seguida pela exposição dos métodos aqui utilizados para a obtenção dos resultados. Após a colocação destes itens, se desenvolve a discussão dos temas e posteriormente, a conclusão da pesquisa, sintetizando o conjunto de informações obtidas do município de Pontal do Paraná sob o olhar dos pescadores artesanais ou de pequena escala. 13 ANTECEDENTES HISTÓRICOS DA OCUPAÇÃO LITORAL DO PARANÁ: O CASO DE PONTAL DO PARANÁ RECAPITULANDO A HISTÓRIA DA REGIÃO: ANTECEDENTES À URBANIZAÇÃO (ATÉ A DÉCADA DE 1940) No século XVI, três grupos indígenas habitavam a Costa Sul e Sudeste brasileira: os Carijós, os Tupiniquins e os Tupinambás, todos derivados do mesmo tronco tupi-guarani, vindos da Região Central e Norte do Brasil (PDU, 2002). Por serem considerados os índios menos agressivos deste período histórico, os Carijós foram rapidamente capturados, escravizados e domesticados pelos europeus e também, pelos jesuítas, através da Companhia de Jesus. Habitavam desde a margem Sul da Baía de Paranaguá (no Paraná) até a Lagoa dos Patos (no Rio Grande do Sul), estendendo-se pelo interior até o Rio da Prata (PDU, 2002). Estudos sobre o início da colonização deste litoral indicam que os primeiros exploradores da Baía de Paranaguá vieram de Cananéia (São Paulo) através de pequenas embarcações, pelo canal do Varadouro Velho, com destino à Ilha de Superagui, já no estado paranaense. A expedição de Gonçalo Coelho, em 1501, havia deixado portugueses e castelhanos na região de Cananéia, que logo começaram a conviver com os índios Carijós ali residentes. Consequentemente, pelo fato de existir uma relação pacífica entre ambas as partes, os europeus passaram a explorar as áreas adjacentes (iniciando pela Ilha da Cotinga), o que posteriormente lhes permitiu alcançarem a porção continental do estado, tendo os primeiros desembarques registrados na região antes chamada Barra do Sul, atual Pontal do Sul (PDU, 2002). Até o fim dos anos 1940, embarcações realizavam o trajeto entre Paranaguá e Pontal do Sul, utilizando-se, quando necessário um maior deslocamento, “carros de boi”, que seguiam pela orla, sentido município de Matinhos. Como cenário na época, ao longo desse litoral, caracterizavam-se as criações de gado (introduzidos pelos europeus) e a presença de habitações próximas à faixa da praia, visando o uso pesqueiro por parte dos moradores locais, atividade esta herdada pelos índios e que perdura até a atualidade (PDU, 2002). 14 Após este período, iniciaram-se os primeiros projetos para a construção de estradas que permitiriam o acesso a este litoral em questão. 2.2 EVOLUÇÃO DOS PROCESSOS DE OCUPAÇÃO TERRITORIAL NO LITORAL SUL PARANAENSE O novo interesse na ocupação litorânea, vinculado à atividade balneária, se inicia no Paraná na década de 1920. Essa fase é incentivada com o início da construção de estradas de acesso a estas regiões. Antes deste novo interesse as vias existentes eram apenas aquelas que visavam o escoamento da produção ou o abastecimento entre as cidades portuárias de Paranaguá e Antonina e o planalto curitibano. Estas estradas, por seus objetivos, tinham traçados que não cruzavam a planície litorânea e, menos ainda, se aproximavam das orlas oceânicas (SAMPAIO, 2006). A forma com que se foi concretizando a ocupação desse território, se deu basicamente, pelo interesse por praias arenosas e o turismo sazonal (de veraneio), sendo que muitos compraram casas que serviriam como suas segundas residências, utilizadas eventualmente para períodos de férias e feriados, buscando atividades de lazer (SAMPAIO, 2006). O desejo de habitação nas proximidades das praias induziu à uma ocupação com tendência linear, paralela ao mar, pouco se estendendo continente adentro. As estadias temporárias - associadas às férias escolares a aos feriados, coincidentes para os usuários-visitantes da região litorânea - geraram grande movimentação de pessoas durante estes períodos e a desocupação em massa, no restante do tempo. Por esse fato, as estradas são demandadas intensivamente em certos períodos, ficando ociosas fora destas ocasiões, bem como a infraestrutura de cidade ( abastecimento de água e fornecimento de energia elétrica). A motivação principal da ocupação foi a de uma predominância pelo uso residencial (segunda residência), contrastando com os demais assentamentos caracterizados pela variedade de usos na região(SAMPAIO, 2006). Após a abertura da primeira via do litoral paranaense, a Estrada do Mar (atual PR – 407), construída em 1926, e da ponte sobre o Rio Guaraguaçu é que 15 são criados os primeiros loteamentos: Matinhos, em 1925; a Vila Balneária de Praia de Leste, em 1928 e a Vila Balneária do Morro de Cayobá, em 1930 (SAMPAIO, 2006). O desenrolar da ocupação foi o mesmo nos diferentes trechos da orla, no que diz respeito às formas de assentamento, seguindo o padrão de parcelamentos do solo como loteamentos, denominados “balneários”, predominando a ocupação em frente à praia, com uma pequena parte localizada continente adentro (SAMPAIO, 2006). Em 1966, o Governo do Estado, elaborou o “Plano Básico Regional Litoral do Paraná”, que tinha entre seus objetivos o ordenamento espacial de todo o litoral sul do Estado (de Barra do Saí a Pontal do Sul). No entanto, este planejamento territorial seguiu inalterado em seu modelo de apropriação, construindo progressivamente a continuidade do tecido urbano, ao longo da orla, pela simples justaposição dos loteamentos interligados pela rodovia. No início da década de 80, a região ao sul da baía de Paranaguá, encontrava-se quase que inteiramente loteada (SAMPAIO, 2006). Já no final dos anos 70 foram evidenciados um conjunto de problemas socioambientais derivados do uso da orla oceânica, originados pelos processos urbanos ocorrido nas três décadas anteriores (SAMPAIO, 2006). Sendo estes relacionados principalmente à pressões sobre os ecossistemas locais, à infraestrutura dos municípios (comprometidos nos períodos de maior fluxo de pessoas), além da descaracterização cultural das populações nativas e dos usos territoriais originais. 2.3 O USO BALNEÁRIO EM PONTAL DO PARANÁ Somente em 1928 é que se iniciou a apropriação do trecho da orla paranaense do atual município de Pontal do Paraná, com o surgimento da Vila Balneária Praia de Leste, porém esta ocupação só veio a se concretizar, a partir de 1951, com o lançamento do empreendimento Cidade Balneária Pontal do Sul, localizado no ponto de maior distância ao norte da Estrada do Mar (SAMPAIO, 2006) 16 Apenas na porção mais ao norte da Praia de Leste é que existiam alguns assentamentos caiçaras. Pontal do Sul era o extremo de uma região separada da planície pelos rios que deságuam na Baia de Paranaguá, particularmente, pelo Rio Guaraguaçu. Para quem vinha de Curitiba ou Paranaguá, só se chegava à região de duas maneiras: seguindo a Estrada do Mar até seu ponto de encontro com a praia, para por ela, alcançar o extremo norte da planície; ou então, para encurtar o caminho, utilizando uma estrada carroçável e dificultosa, um pouco ao norte do ponto médio da orla entre a Praia de Leste e o atual balneário de Shangri-lá (SAMPAIO, 2006). O projeto da Cidade Balneária Pontal do Sul foi recebido com grandes perspectivas, não somente por se localizar no ponto extremo da área desocupada, mas também pelo fato deste município resultar de uma concessão estatal, indicando um interesse do governo em se desenvolver aquela porção do território. Esta área pertencia ao Estado do Paraná que, em 20 de janeiro de 1951, a cedeu ao Município de Paranaguá, e este, em 01 de fevereiro, seguinte, a repassou à Empresa Balneária Pontal do Sul, com sede em São Paulo, por contrato “de concessão de terras e construção de uma cidade balneária”, que previa em sua área urbana, instalações turísticas de médio porte, voltadas ao lazer e a serviços públicos (PARANAGUÁ, 19532; PONTAL DO SUL, 19513 apud SAMPAIO, 2006). Os anos 1950 e 1960 foram de intensa apropriação do litoral do Estado, como o caso de Pontal do Paraná, que nessa época, teve o maior número de loteamentos para fins balneários. Nas três décadas seguintes, o município continuou a ser loteado, porém em ritmo decrescente. Ao final da década de 80, já se tinha o expressivo número de 25.310 terrenos aprovados, quantia que seria insignificantemente alterada nos anos noventa, quando foi somado um loteamento com 69 lotes, perfazendo o total de 25.379 terrenos (SAMPAIO, 2006). E finalmente, nos dois extremos da escala temporal, aparecem as décadas de 1920 e 1990, refletindo situações bem distintas, uma do início dos processos urbanísticos e a outra perfazendo o último dos loteamentos turísticos. Ao final deste período, a orla do Município de Pontal do Paraná encontrava-se apropriada por um total de 45 balneários aprovados, e que ocuparam toda a extensão de praias 2 3 PARANAGUÁ. Lei Municipal 160. “Modifica o contrato existente entre o Município de Paranaguá e a Empresa Balneária Pontal do Sul S.A., de concessão de terras e construção de uma cidade balneária”. 31-12-1953. Paranaguá. PONTAL DO SUL. Planta do Loteamento Cidade Balneária Pontal do Sul, 1951 17 arenosas, com exceção às quatro Zonas de Proteção Ambiental (ZPAs), criadas pelo Decreto 2.722/84, ou, mais exatamente, por partes delas, já que após este decreto, ocorreram ainda a implantação de balneários que se encontravam aprovados anteriormente. Nestas ZPAs também ocorriam vários assentamentos irregulares (SAMPAIO, 2006). 2.4 DINÂMICA MIGRATÓRIA DE FLUXOS POPULACIONAIS: A OCUPAÇÃO CONTÍNUA LITORÂNEA O Paraná, nos últimos 20 anos, pôde ser caracterizado pela presença de um processo de esvaziamento das áreas rurais e também de pequenos e médios centros urbanos, já que estes locais apresentam sua capacidade de absorção cada vez mais comprimida, trazendo maiores níveis de desemprego, e consequentemente, valorizando a busca por outros destinos migratórios. Nesse sentido, o Litoral paranaense aparece como uma oportunidade tanto para fluxos diretos da RMC (Região Metropolitana de Curitiba), como do interior do estado. Os municípios de Matinhos, Guaratuba e Pontal do Paraná são os mais procurados, produzindo um significativo crescimento populacional (DESCHAMPS, et alii, 2000). No Paraná, os fatores que influenciam os fluxos migratórios são o mercado da construção civil, as facilidades em se implantarem moradias e a proximidade com a RMC. Estes fatores estenderam ao litoral parte dos deslocamentos de destino metropolitano e motivaram outros, diretos do interior, trazendo trabalhadores pobres, em idade produtiva, juntamente com suas famílias (DESCHAMPS, et alii, 2000). Nos processos de ocupação contínua do litoral paranaense, ao contrário dos processos dinâmicos econômicos de periferização dos polos (no caso, Paranaguá), são os balneários que vêm apresentando taxas elevadas de crescimento; destacando os anos 90, com as maiores taxas do Estado, de aproximadamente 3,87% a.a. (DESCHAMPS, et alii, 2000). Com exceção ao polo regional de Paranaguá, nos demais municípios, predominam o setor terciário, com atividades próprias das funções de balneário e turismo. Estes núcleos urbanos sofrem tradicionalmente a pressão de demandas 18 sazonais, relacionadas ao veraneio e turismo, e ao mesmo tempo, reforçam uma ocupação cada vez mais permanente (DESCHAMPS, et alii, 2000). Esta ocupação litorânea particulariza-se pela ocorrência de relações complementares de interdependência ou de subordinação e toda ordem de conflitos, já que são recortados por muitas e diferentes frações de poder e por interesses políticos, econômicos e financeiros divergentes e ou concorrentes. Este elevado crescimento populacional vem definindo uma expressiva segregação socioespacial. Paralelamente, há uma expansão e densificação da linha de costa por edifícios e parcelamentos voltados ao uso sazonal de veranistas de média e alta renda e a renovação de uso em áreas até então ocupadas por pescadores, seja na costa, substituídas por ocupação de veranistas, seja nas margens das baías e rios, com a presença de marinas. Destaca-se a densificação das ocupações de baixa renda já existentes e o avanço de novas ocupações em direção a áreas menos qualificadas no interior dos municípios, dentre as quais se distinguem ocupações legais com loteamentos regularizados, ocupações ilegais em loteamentos vazios ou adentrando áreas ambientalmente vulneráveis (DESCHAMPS, et alii, 2000). Ainda que se confirme a chegada de novos moradores de renda média e alta, o fenômeno que mais justifica os índices elevados de crescimento populacional é o da expansão das ocupações de baixa renda de forma densa, com crescimento contínuo anualmente. Eles chegam em qualquer época do ano, têm maiores oportunidades durante a temporada de verão e, nos períodos de baixa temporada, sobrevivem precariamente dos serviços da construção civil e de outros pequenos serviços voltados à vigilância e a manutenção das propriedades, comércio informal entre outros (DESCHAMPS, et alii, 2000). A ausência de políticas públicas de moradia leva essa população a ocupar informalmente o espaço, acarretando em formação de favelas e no aumento do número de invasões. Criam-se espaços com baixa qualidade de vida urbana e elevado comprometimento ambiental (DESCHAMPS, et alii, 2000). A ocupação contínua litorânea do Paraná vem apresentando números crescentes de imigrantes (DESCHAMPS, et alii, 2000). Segundo dados do último censo analisados por Estades (2003), entre os anos de 1990 e 2000, o litoral paranaense recebeu ao todo 54.447 imigrantes, sendo que destes, 32,5% foram para Paranaguá e 15,2% para o município de Pontal do Paraná (ESTADES, 2003). 19 ÁREA DE ESTUDO O litoral do Estado do Paraná possui 110 km de linha de costa, recortada por dois estuários importantes, os de Paranaguá e Guaratuba, contendo uma variedade de ecossistemas costeiros de grande relevância ambiental, social e econômica. Apesar de ser um dos menores litorais da costa brasileira, e de sua proximidade a centros urbanos, seus ecossistemas encontram-se ainda relativamente pouco descaracterizados (SEMA, 2002). . FIGURA 1 - LOCALIZAÇÃO DO MUNICÍPIO DE PONTAL DO PARANÁ E DOS BALNEÁRIOS ESTUDADOS. BAÍA DE PARANAGUÁ (PARANÁ, BRASIL) FONTE: BANCO DE BASES CARTOGRÁFICAS DO CENTRO DE ESTUDOS DO MAR (CEM UFPR) O município de Pontal do Paraná se localiza na parte central do litoral do estado do Paraná, na planície costeira de Paranaguá. Tem como limites: a desembocadura do Complexo Estuarino de Paranaguá, ao norte; o município de Matinhos, a sudoeste; o Oceano Atlântico, a leste e sudeste; e o município de Paranaguá, a noroeste. Por terra, o acesso ao município é feito pela rodovia PR407, que faz ligação desta com a rodovia BR-277 (Curitiba-Paranaguá). O acesso 20 por mar é facilitado pela existência do canal do DNOS, onde se localizam o terminal de embarque para a Ilha do Mel e diversas marinas. Emancipado há nove anos (1997), do município de Paranaguá, Pontal do Paraná possui cerca de 15 mil habitantes permanentes, e nos meses de alta temporada de verão recebe aproximadamente 400 mil veranistas, distribuídos pelos 48 balneários, que subdividem os 22 quilômetros de praias que compõem a região (PROJETO ORLA, 2004). Este alta oscilação de população flutuante refere-se especialmente a períodos de final de ano e férias escolares, com picos nos feriados de réveillon e carnaval, quando um expressivo contingente de turistas buscam as praias (PDU, 2002). A população do litoral paranaense em si tem apresentado elevadas taxas de crescimento populacional. Especificamente, o município de Pontal do Paraná apresentou uma taxa anual média de 10,93% ao ano, entre os anos de 1991 e 2000, com uma taxa de urbanização de 99%, partindo de 5.577 habitantes, em 1991, multiplicando sua população duas vezes e meia até o ano de 2000, quando chegou a ter 14.323 habitantes (PIERRI, 2003). Observou-se um crescimento acentuado da área urbana nas décadas de 80 e 90, sendo os balneários de Praia de Leste, Ipanema, Shangri-lá, Atami e Pontal do Sul os que apresentaram maior índice de ocupação (quadro 1). QUADRO 1 - RELAÇÃO DA PORCENTAGEM DE LOTEAMENTOS E OCUPAÇÃO Balneário Ano 1952 Praia de Leste loteam. ocupaç. 15% 5% 1960 65% 1980 85% 1997 95% FONTE: PDU (2002) 20% 50% 90% Ipanema/Grajaú loteam. ocupaç. 15% 0% 60% 80% 90% 30% 50% 80% Shangri-lá/Atami loteam. ocupaç. 0% 0% 50% 70% 80% 3% 20% 50% Pontal do Sul loteam. ocupaç 20% 5% 35% 70% 80% 5% 30% 55% Na Microrregião do Litoral Paranaense, se confirma a predominância de população em áreas urbanas. Especialmente pelo fato de que estes municípios têm sua principal vocação econômica destinada ao turismo, abrangendo um expressivo número de balneários para veranistas. São quatro as categorias de população que influem e demandam por infraestrutura urbana do município: 1. População com residência fixa – também denominados moradores locais; 21 2. População com residência temporária- residem por alguns meses no município, em alguns períodos do ano; 3. População de final de semana – vêm para de descanso semanal ou feriados prolongados; e 4. População flutuante – vão aos balneários principalmente na época das férias de verão (PDU, 2002). Em relação às características de cobertura vegetal apresentam fragmentos de mata Atlântica, com vegetação de restinga em corredores ao longo da faixa da orla, havendo predominância de áreas urbanizadas com ampla arborização, compreendendo ainda diversos corpos d’água entre naturais e artificiais que deságuam no mar. A malha urbana presente compreende desde fragmentos de instalações industriais/portuárias, de urbanização convencional e informal, e também fragmentos de Zona de Proteção Ambiental (ZPA), hoje definidas pelo Conselho de Desenvolvimento Territorial do Litoral Paranaense. A configuração geográfica linear também dificulta a formação de um centro urbano, dividindo Pontal do Paraná em cinco pequenos centros: Pontal do Sul, Shangri-lá, Ipanema, Santa Terezinha e Praia de Leste (PROJETO ORLA, 2004). O serviço de energia elétrica atende quase 100% da população e a rede de abastecimento de água abrange 79% de domicílios (PROJETO ORLA, 2004). Nos últimos anos se montou uma rede de esgotos para atender uma parte do município que ainda não está em funcionamento. A obra está parada por falta de verbas. Os balneários de Ipanema, Barrancos e Pontal do Sul compõem o conjunto dos balneários distribuídos ao longo da orla principal do município de Pontal do Paraná, representando os locais que recebem o maior aporte de turistas ainda que em diferentes graus. Pontal do Sul é um caso particular, devido à sua posição geográfica voltada tanto a mar aberto, quanto ao estuário, além de ser o local de embarque para a Ilha do Mel, um dos principais pontos turísticos do litoral paranaense. A parte da praia de Pontal do Sul tem a presença de uma larga faixa de restinga, formada por processos de sedimentação marinha (progradação) nas últimas décadas, além de estar situada na desembocadura da baía de Paranaguá, sofrendo influência dos bancos arenosos que constituem o delta de maré vazante da baía. Nos últimos três anos, iniciou-se um processo de recuo da linha de costa 22 (erosão), cujo indício é a presença de pequenas falésias. Os principais valores cênicos desta unidade, além da praia, é a vista geral da Ilha do Mel, e a movimentação dos navios de grande porte em função da atividade portuária de Paranaguá e Antonina. A larga faixa de restinga ainda existente constitui um importante habitat para espécies de aves (migratórias ou não), sendo que esta área foi transformada em Parque Municipal (PROJETO ORLA, 2004). É também, uma área com presença de loteamentos de veraneio, com padrões de classe média. Existem também alguns poucos ranchos de pesca na restinga, para depósito de embarcações e material pesqueiro. Verificou-se que no ponto da praia de maior movimento de veranistas do balneário de Pontal do Sul, conhecido como “pico da farofa”, ainda há porções de restinga pouco alteradas, com uma tendência à degradação acentuada pelo movimento desordenado de veículos e acúmulo de resíduos sólidos na praia (PROJETO ORLA, 2004). A região do Maciel, Ponta do Poço e Pontal II é voltada para a baía de Paranaguá, havendo um setor exclusivamente residencial, e outro industrial e futuramente portuário (PROJETO ORLA, 2004). A Vila do Maciel é um caso especial por se encontrar em uma área mais abrigada do balneário de Pontal do Sul, isolada da cidade e beirando o Rio Maciel (compreendido entre as coordenadas 25° 33’41” Sul e 48°25’20” Oeste). Pela ausência de uma estrada ou ponte de ligação, o seu acesso só é possível por via marítima, o que limita a visitação ao local. Está distante dos centros urbanos mais próximos e praticamente não recebe turistas, freqüentado apenas por embarcações de recreação que chegam em busca de pescados e iscas, permanecendo poucas horas no local. Há predominância de integridade dos ecossistemas, com alto grau de cobertura vegetal. Existe uma pequena vila informal de moradores, cuja atividade principal está relacionada à pesca e maricultura. Devido à especulação portuária, há uma tendência à ocorrência de supressão da vegetação e influências nos hábitos da população tradicional, com alterações culturais marcantes (PROJETO ORLA, 2004). A Ponta do Poço é uma localidade com presença de comunidade nativa tradicional (Vila de Pescadores) mesclada a áreas destinadas à atividades industriais, sazonalmente ocupadas por empresas de construção de plataformas de petróleo, de apoio às drenagens, desmonte de navios e indústria pesqueira. Apresenta ecossistemas originais parcialmente modificados nos locais dos estaleiros 23 atualmente inativos (PROJETO ORLA, 2004). Existe uma pequena vila informal de moradores que será relocada até o final deste ano (2006). Na região de Pontal II, convivem comunidades tradicionais pesqueiras, veranistas e moradores recentes. Há presença de residências de médio padrão arquitetônico, construídas em terrenos privilegiados à beira mar e arredores. Apresentam ecossistemas parcialmente alterados, sendo ainda muito arborizado. É um local de urbanização formal, com o sistema viário ainda incipiente. A rua à beira mar está sendo destruída pela ação das marés, assim como o terreno de alguns proprietários estão sujeitos à erosão marinha. Para contenção dessa erosão, são utilizados sacos de areia e muros de pedra, sem padrões pré-definidos, que comprometem a beleza cênica e a segurança dos banhistas (PROJETO ORLA, 2004). O Antigo Embarque é uma região habitada por algumas famílias de pescadores, alguns de famílias originais da região, outros migrantes de outras localidades litorâneas. Caracteriza-se por intensa presença de comerciantes instalados em áreas irregulares, residentes no local há aproximadamente 15 anos. Apresentam ecossistemas originais parcialmente modificados, com processo de urbanização desordenado, informal, nas áreas de uso comum, se caracterizando como semirrústico. Moradores locais cercam estas áreas públicas para explorar atividades de camping e estacionamento, restringindo o acesso à praia. Observa-se a presença de resíduos sólidos espalhados na orla, e atividades de pesca esportiva e artesanal com venda de pescado (PROJETO ORLA, 2004). Ipanema IV e Praia de Barrancos são formadas por uma contínua praia em arco, de areias finas a médias, geralmente de baixa declividade. É bastante comum a presença de dunas embrionárias frontais, ecologicamente importantes, não havendo indícios de processos erosivos marinhos, exceto na foz de pequenos canais de maré. A urbanização se manteve em uma pequena faixa frontal de vegetação nativa (restinga), com a ocorrência de assentamentos ilegais em áreas de uso comum. Os principais valores cênicos desta unidade são a própria praia, pois possui balneabilidade adequada para banho em quase toda a sua extensão, além da vista do arquipélago de Currais (PROJETO ORLA, 2004). A Praia de Barrancos é habitada por comunidade nativa tradicional, sustentada pela pesca e composta por cerca de três grandes famílias. Existe certa mobilização social na vila, já que neste local conseguiram legalmente o direito aos 24 terrenos. As residências construídas na região não são delimitadas por muros e a rotina ainda está bastante baseada nas relações de parentesco (PROJETO ORLA, 2004). Ipanema IV apresenta características semelhantes aos demais balneários do município (com exceção de Pontal do Sul). Com grande presença de residências de veraneio mescladas a residências fixas, além de comunidade pesqueira. Há na região, manchas de ocupação irregular, supostamente de vilas de pescadores artesanais, mas que na verdade são constituídas por cerca de 70% de moradores que nunca tiveram na pesca, seu meio de subsistência, apresentando degradação ambiental, supressão da vegetação e perda de beleza cênica (PROJETO ORLA, 2004). 4 MATERIAIS E MÉTODOS 25 A realização da pesquisa foi, na primeira fase, exploratória, logo, resultou fundamentalmente, em um estudo descritivo, que buscou produzir e sistematizar um conjunto de informações diversas. Entende-se que a pesquisa aportou alguns resultados que sugerem hipóteses explicativas a respeito dos efeitos positivos e negativos dos aspectos relativos à influência da urbanização, do avanço do turismo e de futuras atividades portuárias, sobre as comunidades tradicionalmente pesqueiras do município de Pontal do Paraná. A revisão bibliográfica englobou diferentes aspectos das áreas a serem estudadas, como a atividade pesqueira, caracterização das comunidades, além de dados relacionados à ocupação desse território, enfatizando a urbanização, o turismo e as atividades econômicas locais. Buscou-se uma compilação da literatura que abrangesse a evolução desses aspectos ao longo das décadas, até os dias atuais. Na fase de produção de dados primários, foi-se necessário fazer a escolha das comunidades que seriam objetos desse estudo. Estas, em questão, deveriam ter sofrido ou estar sofrendo algum conflito fundiário, além de se localizarem em diferentes graus de proximidade ou isolamento de centros urbanos. Optou-se por aquelas que apresentam diferentes situações de uso territorial, porém com um ponto em comum, o interesse econômico por essas áreas. A princípio foram selecionadas quatro comunidades como foco desta pesquisa: Maciel, Pontal do Sul, Barrancos e Ipanema IV, estas com características fundiárias bem diversas, permitindo uma comparação entre elas. Porém, ao se investigar a situação do balneário de Pontal do Sul, constatou-se que este se subdividia em seis pequenos vilarejos de pescadores, sendo necessário distribuir a aplicação dos questionários por todos estes pequenos agrupamentos para que se compreendesse com maior precisão as dinâmicas territoriais locais. No total foram selecionadas então, nove vilas de pescadores, distribuídas pelos balneários do município de Pontal do Paraná, sendo estas, Ipanema IV, Praia de Barrancos, Maciel, Vila Nova, Praia de Pontal do Sul, Antigo Embarque, Mangue Seco, Pontal II e Ponta do Poço. Ipanema, focando o caso da comunidade Ipanema IV, em conflito devido à sua ocupação irregular em áreas pertencentes à União, e de Área de Preservação 26 Permanente (APP), já que se localizam em cima de dunas frontais e vegetação de restinga; Barrancos e Maciel, comunidades diferenciadas em relação à maioria dos balneários do município. A primeira, consolidada e legalizada quanto sua ocupação, e a outra, ao contrário, pressionada constantemente quanto à tomada dos terrenos que habitam. Finalmente, Pontal do Sul, englobando os seis vilarejos diferentes acima descritos, porém integrados entre si. Este balneário envolve distintas realidades de ocupação – uso balneário-turístico, ocupação industrial e futuro terminal portuário além de ser o único balneário que tem sua posição geográfica diferenciada do restante deste litoral, com uma face voltada ao oceano e a outra ao estuário. Essa variedade de cenários possibilitou maior quantidade e riqueza na coleta de informações, o que ampliou a compreensão das dinâmicas populacionais e suas atividades decorrentes. É importante ressaltar que o vilarejo de Vila Nova, não se localiza no balneário de Pontal do Sul propriamente dito, e sim constituindo um novo balneário nas suas margens, fazendo a divisa entre este trecho do litoral com os balneários de Atami e Barrancos. A inserção deste agrupamento na pesquisa se deu necessária pelo fato de que nesta região existem muitos pescadores de Pontal do Sul que para ali se deslocaram durante processos de pressão fundiária pelo uso balneário, considerando-se interessante descrevê-la aqui, já que traz uma contribuição para a compreensão dos movimentos destas comunidades pesqueiras de Pontal do Sul, a localidade com maior diversidade de conflitos fundiários e traslados destas populações. A escolha dos entrevistados levou em consideração, alguns critérios fundamentais, sendo estes, principalmente, pescadores (as) mais antigos (as) da região e nascidos nesse litoral, no sentido de contextualizar historicamente as dinâmicas das populações locais. Não foram considerados os “catarinos”, pescadores que como o nome sugere, vieram de Santa Catarina para este litoral na década de 70 em busca de melhores pescarias, pois o foco da pesquisa era o nativo. Alguns entrevistados eram filhos de pescadores, já adultos, que também atuam nessa atividade e sentiram, mesmo que em menor grau, os efeitos dessa imposição acelerada da urbanização. Estes também contribuíram para as informações atuais dos conflitos fundiários e da atual estrutura de pesca vigente nesse litoral. 27 A finalidade era resgatar o histórico de suas tradições já tão camufladas pela introdução de novos aspectos culturais, possibilitando a descrição de um trecho dessa história em uma versão que não consta na literatura, sob o olhar dos pescadores artesanais locais. Os resultados se basearam nos discursos sistematizados deste público-alvo. Outro objetivo desta pesquisa era o de contextualizar o processo urbano e desenvolvimentista da região, com os seus impactos positivos e negativos para estas comunidades. As informações foram obtidas pela aplicação de 18 questionários semiestruturados e de caráter qualitativo. O número de enquêtes aplicadas variou entre os lugares, de acordo com o que as necessidades foram indicando. As entrevistas foram previamente agendadas, e realizadas no mês de julho de 2006. Normalmente aconteceram no período da tarde, variando de um a quatro dias para a conclusão de cada uma delas (visto aos cuidados em se transpor com fidelidade e qualidade as informações às quais se pretendia abordar e também pelo fato do número amostral ser relativamente pequeno), já que pela manhã normalmente as pessoas estão atreladas a outras atividades, os homens à pesca, e as mulheres, aos afazeres domésticos. Devido aos questionários abordarem como público-alvo a população nascida no litoral e mais antiga ainda residente destas localidades, no caso de Pontal do Sul, em alguns dos vilarejos, aplicou-se apenas de um questionário por pessoa, pois parte do conteúdo essencial desta enquête estava direcionada ao resgate do histórico da ocupação territorial da área e estes antigos moradores no período préocupação urbana habitavam as mesmas regiões, com núcleos nas proximidades da praia, não diferindo muito quanto aos conflitos vivenciados no período de transição rural-urbano. A idéia era de se compreender o contexto geral da ocupação fundiária deste balneário. Buscou-se complementar este estudo com uma observação-participante, para ampliar a vivência e os diálogos no interior das comunidades, e também confirmar os dados apresentados pelos entrevistados, através de conversas com outros moradores antigos e seus descendentes. Pelo fato de o número das entrevistas formais ser relativamente pequeno, mas não menos confiáveis, devido o caráter qualitativo do questionário, foram também abordadas, de uma maneira informal, pessoas-chave - moradores locais com boa influência na região, lideres, professores das escolas e da universidade, 28 além de pessoas envolvidas em cargos de governança local – que contribuíram com a compreensão de toda a sistemática pela qual este estudo pretendeu incursionar, validando alguns dos dados coletados. Os informantes oficiais deste estudo serão identificados no quadro a seguir: QUADRO 3 - RELAÇÃO DOS ENTREVISTADOS Comunidades/ Vilas Nome dos entrevistados Entrevistado 1 Ipanema IV Entrevistado 2 Entrevistado 3 Ipanema IV Entrevistado 4 Entrevistado 5 Barrancos Entrevistado 6 Entrevistado 7 Entrevistado 8 Ocupações Atualmente com 73 anos, antigo agricultor/pescador, atua até hoje na profissão. Estudou até a 1º série do ensino fundamental. Seus familiares sempre viveram nesta localidade. Não mora na vila analisada, mas tem um filho que mora com sua família neste local, e é um dos pescadores mais antigos desta região. Com 48 anos, antigo agricultor/pescador, atua até hoje na profissão. Estudou até a 5º série do ensino fundamental. Já ocupou cargos dentro da Associação de Pescadores de Ipanema (API), chegando à presidência nos anos de 1990 a 1994. Mora na área estudada. Com 57 anos, trabalhou como agricultor, no interior do estado e teve outras profissões anteriores à pesca, iniciando nessa atividade aos 34 anos, permanecendo até os dias atuais. Estudou até a 4º série do ensino fundamental. Já ocupou cargos dentro da Colônia de Pesca Z-5 (em Shangri-lá) como secretário e tesoureiro, atualmente é secretário. Já foi presidente da colônia Z-12 de Foz do Iguaçu. Seus familiares vieram com ele para esse local. Veio para trabalhar com a pesca, serviços de construção civil, e manutenção em geral. O entrevistado, mesmo nascido em outra cidade, foi considerado nesta pesquisa, para conhecer a visão de quem chegou mais recentemente ao litoral, após os processos urbanísticos do município. Mora a 7 anos na vila. Mora na região desde seus 14 anos (antes morou em Pontal do Sul), atualmente com 87 anos, antiga agricultora/pescadora, é aposentada pela pesca. Estudou até a 3º série do ensino fundamental. Moradora do balneário de Ipanema, sua casa não está na área em questão, mas é a mulher mais antiga ainda viva. Com 68 anos, antigo agricultor/pescador, atua até hoje na profissão. Líder em sua comunidade, sempre ocupou cargos de representante. Atua na Colônia de Pescadores de Shangrilá, já foi vice-presidência e atualmente é o Diretor de Pesca, da Secretaria de Pesca do Paraná. Estudou até a 4º série do ensino fundamental. Nascida no balneário Olho D’água, veio a morar em Barrancos depois que se casou, aos 18 anos. Com 68 anos, antiga pescadora/agricultora atua até hoje nestas práticas. Estudou até a 1º série do ensino fundamental e completou o segundo grau, em Curitiba. Seus familiares por parte materna, são oriundos do município de Guaratuba, já a família de seu pai vivia no atual balneário Praia de Leste. Com 83 anos, antiga agricultora/pescadora. Não teve a oportunidade de estudar. É a moradora mais antiga do local. Com 55 anos, antigo agricultor/pescador, hoje trabalha no Centro de Estudos do Mar, realizando serviços de manutenção e ajudando nas “coletas” de campo desse campus da UFPR. 29 Praia de Pontal do Sul Entrevistado 9 Entrevistado 10 Antigo Embarque Entrevistado 11 Mangue Seco Entrevistado 12 Entrevistado 13 Pontal II Vila Nova Entrevistado 14 Entrevistado 15 Ponta do Poço Praia de Pontal do Sul Maciel Entrevistado 16 Entrevistado 17 Entrevistado 18 Já ocupou cargos em outros empregos anteriormente, fora da pesca. Estudou até a 4º série do ensino fundamental. Com 86 anos, antigo agricultor/pescador, atua até hoje na profissão, como pescador artesanal. Entrou na escola, mas abandonou logo de início. É o pescador mais antigo de Pontal do Sul. Com 82 anos, antigo agricultor/pescador, hoje trabalha com aluguel de casas, pescando eventualmente. Estudou até a 4º série do ensino fundamental. Trabalhou mais de 20 anos na Polícia Militar, onde se aposentou. Também é um dos moradores mais antigos de Pontal do Sul. Com 65 anos, antiga agricultora/pescadora, atua até hoje nas atividades pesqueiras. Estudou até a 3º série do ensino fundamental. Com 74 anos, antigo agricultor/pescador, parou de pescar esse ano por problemas de saúde, mas já está aposentado por essa profissão. Estudou até a 4º série do ensino fundamental. Morava em Barrancos antes de chegar neste balneário, mas já vive nele desde os 9 anos. Atualmente está com 72 anos, antiga agricultora/pescadora, não exerce mais essa atividade. Trabalhou em outros empregos, atuando também como funcionária de hotel e de uma peixaria, além de trabalhar na casa de uma família. Não teve oportunidade de estudar. Veio antes que o restante da família, para ajudar sua irmã, como babá, tempos depois seu pai faleceu e sua mãe e mais dois irmãos se mudaram definitivamente, para trabalhar nas roças. Com 68 anos, antigo agricultor/pescador, atua até hoje em suas atividades pesqueiras. Já ocupou cargos em outros empregos anteriormente (Techint – pintor; CEM – ajudava nas coletas). Estudou até a 3º série do ensino fundamental. Morava em Barrancos antes de chegar neste balneário, mas já vive aqui desde os 8 anos, atualmente está com 77, antiga agricultora/pescadora, não exerce mais essa atividade. Estudou até a 4ª série do ensino fundamental. É uma das moradoras mais antigas de Pontal do Sul. Veio para cá com seus familiares em busca de melhores condições na pesca e na roça. Com 75 anos, antigo agricultor/pescador, atua ainda na pesca. Estudou até a 3º série do ensino fundamental. Já trabalhou no CEM (Centro de Estudos do Mar – UFPR). Com 64 anos de idade, atua hoje em dia como comerciante de alimentos. Já foi líder em sua comunidade, mas não mais atua nos conflitos. Estudou até a 4º série do ensino fundamental e ficou alguns meses servindo ao Exército. Com 44 anos, atua na pesca atualmente. Filho de pescador. Completou o 2º grau. Eventualmente trabalha como barqueiro em coletas do CEM. FONTE: a autora (2006) Como outra forma complementar às entrevistas realizadas, percorreu-se a vila, por alguns dias, para a observação direta de sua estrutura, forma de organização social, além das condições ambientais imediatas, naturais ou com alteração antrópica, destacando os níveis dessa intervenção. Além disso, procurouse observar e compreender a rotina das comunidades, com o intuito de captar o 30 cotidiano e os costumes, bem como ocasiões de eventos ou festas que pudessem mostrar e ilustrar suas manifestações culturais. Observações visuais e registros gráficos, também foram algumas das ferramentas utilizadas, para uma maior compreensão da configuração local, visando à construção de croquis de cada uma das vilas, para representar a sua configuração anterior aos processos urbanísticos. Estes croquis foram confeccionados juntamente com os entrevistados, que indicavam os locais dos seus antigos usos. Além dessa sistematização, produziu-se um mapa atual e georreferenciado, dos usos destes pescadores na orla, aonde foram marcados os pontos correspondentes, com o auxílio de um aparelho de GPS, na área de restinga do município de Pontal do Paraná, a fim de acompanhar a evolução desses usos e poder monitorá-los e compará-los com as situações passadas e futuros cenários a serem implementados. O Maciel, o Mangue Seco e o Pontal II não foram mapeados. A ideia era a de georreferenciar apenas a orla caracterizando os usos fundiários. Para a confecção dos mapas georreferenciados, primeiramente os dados foram obtidos com um aparelho de GPS, sendo em seguida planilhados no programa Excel. Estes dados foram posteriormente transferidos para o software ARC MAP (do fabricante ESRI), gerando layers, que consequentemente originaram mapas de usos na restinga (faixa da orla adjacente à praia) por pescadores, utilizando como base, imagens de satélite. O GPS apresentou uma margem de erros que variou de sete a nove metros, em relação aos pontos marcados, percebidos em alguns pontos dos mapas produzidos. Os croquis das vilas, representando sistematicamente a configuração dos locais anteriormente à ocupação urbana, foram elaborados à partir de relatos dos entrevistados e desenhados juntamente à eles, para que se tentasse reproduzir, de maneira simplificada, a realidade da época. 5 RESULTADOS 31 A apresentação dos resultados obtidos nesta pesquisa será dividida em quatro partes, que constituirão nos resultados individuais de cada região, Maciel, Barrancos, e Ipanema IV, lembrando que Pontal do Sul abrange seis subvilarejos: Antigo Embarque, Ponto da Poço, Pontal II, Mangue Seco, Praia da Pontal do Sul e Vila Nova. Foram destacados alguns parágrafos com as citações dos entrevistados, como ilustração do dados coletados e sistematizados a seguir. Para evitar e repetição de datas ao longo do conteúdo textual dos resultados, procurou-se contextualizá-los com períodos definidos como “anteriormente”, “antigamente”, “atualmente”, “hoje em dia’, entre outros; termos estes utilizados para designar o passado correspondentes aos períodos de até a década de 50 e os termos designados para o presente, contados a partir dessa data até os dias atuais. Quando a data era precisa, foi devidamente ressaltada. Como ordem cronológica de apresentação dos resultados, estes seguirão, partindo do levantamento dos conflitos fundiários enfrentados por pescadores e “proprietários de terras”, para posteriormente acompanhar a evolução desses processos, bem como seus reflexos (socioeconômicos, culturais e ambientais) sobre as comunidades pesqueiras que ainda habitam a região de Pontal do Paraná. O resgate de parte das manifestações culturais dessa população também foi aqui descrita, com a finalidade de ilustrar alterações nas suas formas de vivência; e também, os impactos positivos e negativos advindos dessa evolução urbana e das atividades econômicas locais predominantes. 5.1 VILA DO MACIEL 5.1.1 Histórico da ocupação da vila Os primeiros moradores advindos de outras regiões chegaram a esta vila por volta dos anos 50. Estes eram nativos do interior da baía de Paranaguá, alguns de Superagui, que vieram em busca de recursos pesqueiros, ocupando os terrenos. Constituíam desocupada. uma pequena comunidade pesqueira em uma região ainda 32 Porém, essa tranquilidade não se manteve por muito tempo. Há mais de 30 anos, iniciaram-se as mudanças na configuração e no padrão de vida local, com a ocorrência de forte pressão fundiária para que se retirassem de seus terrenos de origem. A empresa Balneária Pontal do Sul, oficialmente a proprietária dos terrenos dessa região, começa a sua ação para a retirada das famílias que habitavam estes locais, principalmente das que residiam nas áreas próximas à orla. Estes conflitos são bem colocados pelos entrevistados, que relatam algumas das formas de atuação dos “grandes grileiros de terras”, que agiam praticando atos ilícitos, visando a reapropriação dos terrenos: “Já faz 50 anos que essa Balneária tenta nos tirá daqui. Era tudo jagunço armado pra nos assustá”. “É como aquela história do João-sem-braço... diziam: se quiserem, assine esse documento dizendo que querem sair e venda a área pra nós, ou então, assine pelo menos um papel dizendo que quer ficar no terreno, faziam qualquer coisa pra gente assiná”. As afirmações acima ilustram bem a situação da época, onde os investidores externos tiravam vantagem em cima do baixo nível de instrução destes nativos em relação a estas questões fundiárias. Usavam para isso de artimanhas desonestas de persuasão, e coletavam assinaturas que se diziam ser para um determinado fim, mas que na realidade eram para privilegiar os interesses econômicos particulares, neste caso, a tomada dos terrenos pertencentes aos nativos visando o uso balneário. Entretanto, mesmo havendo especulação imobiliária, um novo bairro turístico não veio a se desenvolver nesta localidade, o que lhes deixou afastados dessa realidade que vinha sendo vivida pelo litoral paranaense. Atualmente, uma nova onda especulativa predomina sobre a região, já que ela está sendo visada para a utilização de futuras instalações portuárias. Mesmo habitando a região há mais de duzentos anos, o que lhes confere o direito ao uso das terras, estas famílias ainda não conseguiram a legalização de seus terrenos. Há uma única exceção no local, onde um dos pescadores, por ter uma condição financeira mais estável, conseguiu financiar seu direito na justiça ao uso capião do terreno. Processos de legalização fundiária são demorados e dispendiosos, estando distantes da realidade desses pescadores, já que não podem cobrir esses gastos com seus orçamentos mensais. O relato de um morador explicita esse cenário: 33 “Eu consegui, mas gastei pra pode ficá em paz, muitos não podem fazer isso”. “Recebi muitas ameaça, mas consegui a documentação”. “Até o ano de 1964 esta terra tinha registro, mas depois que meu pai faleceu nós ficamo sem orientação e fomo enganado”. Nos dias de hoje não há moradores vindos de outras regiões, pelo contrário, é perceptível um movimento de êxodo de antigos moradores, que buscam o centro urbano com a ilusão de melhores empregos. Nesta vila são todos de famílias nativas, porém existem duas casas de turistas, utilizadas, principalmente, para veraneio; uma deles pertence a um advogado e a outra a um aposentado da aeronáutica, que só a utiliza nos meses de verão. Essa situação é apontada por eles: “Eu falo, querem nos tirá daqui tirem, mas vai aumentá as favela em Paranaguá”. “Tinha muito mais casa antes, agora muitos foram embora pra tentá melhorá a vida em Paranaguá, lá no Valadare”. Hoje, essa situação de pressão fundiária se mantém forte e atuante, pois esta área vem sendo alvo de especulação, devido ao futuro porto que se instalará nas proximidades, senão também, neste local. Um morador relata esse possível fato: “Compraram a Tenenge, a CBC e agora querem comprá esta área, que chamam de área quatro, diz que vai sair o porto do Mercosul. O dono desse terreno é dono de terminal de container em Paranaguá, tem um terreno aqui de 3 mil metros de frente por 2500 metros de fundo. Ele falou que ele ia vendê isso, já tentou vendê”. Se a informação acima estiver correta, pode-se dizer que este possível proprietário detém a posse de toda a área do Maciel, visto o tamanho do terreno citado, que é equivalente ao tamanho do território do vilarejo do Maciel. A Empresa Balneária havia cedido à Aeronáutica, um loteamento na região do Maciel para que ali fosse construída uma pista de pouso de aviões. No entanto, essa área nunca chegou a ser utilizada para esses fins. Logo que se intensificaram as especulações em se construir um terminal portuário neste município, na área correspondente à região da Ponta do Poço e muito possivelmente incluso o Maciel (comunidade vizinha), esta empresa quis novamente se reapropriar desse território, fazendo com que a Aeronáutica lhes devolvesse a área devido à sua não utilização. Porém, muitas famílias nativas habitam essas proximidades por gerações e, recentemente, em janeiro de 2006, segundo relato de alguns moradores abordados 34 e reportagens divulgadas na mídia televisiva, a Aeronáutica, juntamente com autoridades do governo e proprietários de terrenos, se organizaram para uma tentativa de retirada “em massa” dos moradores do Maciel. Para isso, utilizaram frotas de helicópteros (oito no total) das Forças Aéreas Brasileiras para tentarem persuadi-los, ficaram acampados por uma semana no local, armados, reprimindo assim, qualquer atuação ou mobilização conjunta. Situação tal que atemorizou os habitantes locais, como expressado por um dos entrevistados na seguinte afirmação: “Parecia que tavam vindo buscá o Bin Laden”. É marcante o fato da comunidade não conseguir uma mobilização coletiva para desenvolverem ações de lutas pelos seus direitos à posse destas terras. Estes moradores sabem que não é um processo fácil, pois dependem de muitos fatores, principalmente financeiros, para se permitirem pagar um advogado, bem como os documentos de regularização fundiária, limitando assim o acesso destas pessoas aos seus direitos civis. Esse fator, unido ao pouco nível de instrução, acaba intimidando os moradores frente a uma possível manifestação coletiva. Um pescador explicita esse quadro na fala a seguir: “Não tem como, dependemo de documentação e dinheiro pruma contra partida”. 5.1.2 Moradores, casas e infraestrutura atual da vila Atualmente, no Maciel, vivem 40 famílias (44 casas, sendo duas casas em construção e duas de turistas), alcançando um número aproximado de 150 moradores. Em relação à infraestrutura e oferta de bens de serviço, as casas já estão ligadas à rede elétrica há mais de vinte anos; são ainda abastecidas por água de poços artesianos, e o destino do esgoto produzido são as fossas, já que não existe uma rede de tratamento de efluentes nesta vila. O lixo doméstico normalmente é depositado em um lugar próprio na vila destinado à queima dos resíduos sólidos, pois não existe um sistema de coleta. Há uns quatro anos foi instalado o primeiro e único telefone público da vila. Os moradores não possuem telefone residencial, mas aproximadamente 80% deles têm aparelhos de celular. Computador, ninguém tem. 35 No interior da comunidade existem apenas quatro estabelecimentos comerciais, sendo quatro pequenas mercearias. Não existem creches e nem posto de saúde no local. Este último já existiu por um tempo, mas foi desativado. A escola primária, atualmente, por falta de professores, só atende as crianças que estão cursando a quarta série, e mesmo assim, as aulas são ministradas por uma pessoa que não é professora por formação, mas sim uma voluntária que se propôs diante dessa situação precária. Para cursarem o segundo grau, necessitam se deslocarem até Pontal do Sul, Praia de Leste ou Paranaguá. Quanto ao sistema de educação local, alguns moradores comparam a atualidade com a situação passada e ainda complementam: “No passado, buscava e levava a professora a remo até Paranaguá”. “Falam que a prefeitura tá construindo uma nova escola, mas na verdade desconfiamo que é casa de alguém envolvido co porto”. O aglomerado urbano mais próximo para terem acesso a alguns serviços ali inexistentes é o balneário de Pontal do Sul, necessitando para isso, do uso de embarcações para se deslocarem até esse balneário, já que ainda não existe acesso por terra. Há rumores de que com a aprovação da construção de um porto para a região, se instale uma nova estrada, que fará ligação desta vila com a área urbana. Porém esse fato pode ser considerado apenas especulativo até o presente momento. A religião é algo muito marcante nessa comunidade, prevalecendo a crença nos preceitos de base evangélica. Existem duas igrejas desse segmento, uma em construção e outra em reforma. O local de reunião da igreja católica é na casa de um morador, onde a menor parte destes moradores se reúne semanalmente para o rito. Não existem instalações esportivas ou outras áreas de lazer no local, o que limita o acesso destes moradores a praticarem atividades recreativas. Evidencia-se assim, uma rotina pacata no interior dessa vila, os homens geralmente pescam e as mulheres além de lhes auxiliarem nas atividades pesqueiras, cuidam de seus lares. Antigamente existiam “casas de baile”, mas como a maioria segue os princípios evangélicos, hoje esse tipo de lazer não é mais praticado por não condizer com esta filosofia. 5.1.3 Caracterização da atividade pesqueira e de coleta da comunidade 36 Há aproximadamente, 15 homens e 5 mulheres que pescam ativamente4, fazendo disso sua principal fonte de renda. Os homens destacam a importância da mulher para essa atividade: “Aqui tem muita mulher que pesca”. As embarcações atuais utilizadas são as canoas a remo (20 canoas) e canoas a motor (15 canoas), ambas de madeira, com a potência do motor de 7,5 Hp e 11 Hp, modelo Yamaha. As principais técnicas de pesca atuais são as “redes de cabo” – para peixes 5 em geral, destaque para a sardinha; as “redes de caceio” – para camarão e pescadinha; e “redes de malhas 5 e 6” – para a pesca do camarão. A área de pesca, normalmente, é em frente à vila (ponto pesqueiro com bom potencial) ou mais para o interior da baía de Paranaguá. O sistema de trabalho por “quinhão” é mantido nesta comunidade, já que muitos não possuem embarcações, ou então as têm, mas não em quantidades suficientes para lhes gerar uma renda significativa e garantida mensalmente, de forma que muitos pescam para outros, mesmo que para isso tenham que trabalhar em dobro e sempre ficar com a menor parte dos lucros gerados. O pescado produzido é destinado, primeiramente, ao autoconsumo, e depois à venda direta ao atravessador; seguido pelos consumidores finais, restaurantes e mercado – estes últimos raramente recebem alguma parcela desta produção, já que o alvo principal são os atravessadores. Esse destino final não varia com a época do ano, o que pode ser explicado pelo fato de que nessa região não há grande influência das atividades turísticas, provavelmente por ser um local isolado dos balneários mais urbanizados com maior procura por turistas. Além disso, a venda ao atravessador é garantida ao longo do ano, e o retorno disso vem na forma de recurso financeiro, combustível e/ou petrechos de pesca, suprimentos estes que vêm solucionar muitas das dificuldades materiais destes pescadores. 4 Quando se diz que pescam ativamente, significa ressaltar que esta parcela de mulheres vive exclusivamente da atividade pesqueira, no entanto, é importante explicitar que outras mulheres também se utilizam destas práticas eventualmente, em certos períodos de maior demanda de capturas ou como auxílio aos seus maridos. Para evitar repetição, na apresentação dos resultados dos próximos vilarejos utilizou-se esse mesmo critério para classificação das mulheres que trabalham ativamente com a pesca para o seu sustento. 5 Nesta pesquisa foram citados apenas os nomes populares das espécies de peixes capturados pelos pescadores locais. 37 Os produtos com maior valor comercial são o linguado e o camarão branco. Estes pescados sofrem alterações de preços ao longo do ano, sendo o primeiro vendido, em alta temporada, há um valor de 15 reais por quilo, independentemente de a venda ser destinada ao atravessador, ao turista ou aos mercados e restaurantes; fora dessa época, os preços variam entre 10 a 12 reais o quilo para os atravessadores, restaurantes e mercados, porém para os turistas se mantém o valor de 15 reais por quilo. O camarão branco é vendido, em alta temporada, a 12 reais o quilo, independentemente de quem seja o comprador; fora desse período é comercializado a um valor de oito reais por quilo. São quatro os atravessadores que atuam no local: “Nenico”, da Ilha das Peças; “Odair”, da Ilha Rasa; “Iranor” - do Valadares (Paranaguá); e o “Chico do Norte”, de Paranaguá. Sendo que os dois primeiros revendem em Paranaguá. Em relação aos meses mais propícios à captura do pescado, notam-se diferenças que variam com a espécie, sendo os meses de maio e junho, ideais para a pesca da tainha, e os meses de março a junho ideais para a captura do camarão. O mês mais fraco é agosto, tanto para o camarão, quanto para a tainha, fato reafirmado na fala de alguns dos pescadores: “Tudo depende da época do peixe”. “Os mais antigos diziam que a pesca da tainha começava no dia 10 de maio e ia até 29 de junho”. No aspecto dos ganhos por mês com a pesca, de um proprietário de embarcação e dos quinhoeiros, estes são números inexatos e difíceis de serem mensurados mensalmente, já que dependem de muitos fatores, tais como: tipo e número de embarcações, quantidade e qualidade de apetrechos, abundância de espécies com valor comercial, período do ano, fatores naturais, oferta e demanda, condições climáticas, entre outros. Mas em uma média aproximada, os proprietários de embarcação ganham em torno de mil reais nos melhores meses do ano, e em torno de 500 reais nos piores. Já os quinhoeiros, recebem 50% dos lucros totais subdivididos entre todos os quinhoeiros tripulantes da embarcação, geralmente três, com uma faixa média de 300 reais na melhor época e 150 reais nos meses mais fracos. Essa realidade fica clara nos depoimentos abaixo: “Já cheguei a tirá de três a quatro mil reais por mês, mas hoje tá difícil”. “Fui pro comércio pra podê dá uma assistência melhor pra família. Nunca parei”. 38 Atividades como plantio de roças, caça e coleta não são mais encontradas com a força que tinham no passado. Existem ainda apenas algumas pequenas roças particulares destinadas ao autoconsumo. Muitas destas práticas foram abandonadas nesta região, com a chegada de estabelecimentos comerciais (mercados, mercearias) e após a solidificação de leis ambientais conservacionistas locais e nacionais, como dito por um morador local: “Pro povo, assim, intimida. Agora não podemo cortá nada, nem pro uso, pelo menos pro pescador que é pouco, porque a natureza se renova”. 5.1.4 Breve resgate dos modos de vida e costumes Antigamente, a pesca era realizada com técnicas e apetrechos simples. A embarcação utilizada era a “canoa a remo” e a principal técnica era a “rede de arrasto de cabo”. A área de atuação era em frente ao próprio Maciel. Aqui, observase que a pesca não sofreu grandes alterações em relação ao aumento ou melhora de tecnificação, sendo que as maiores mudanças foram nos materiais utilizados para o feitio dos apetrechos, como por exemplo, as redes, que a partir da década de 70, passaram a serem confeccionadas com fios de náilon, antes tecidas com outros materiais menos resistentes retirados da natureza, como fibras vegetais ou algodão. Esta situação pode ser ilustrada pelo seguinte depoimento: “Hoje não mudou quase nada na pesca, foi mais o material que mudou”. Os principais recursos pescados até então eram: “palumbeta”, “pescadinha”, “parambijú”, “prejereba”, “parú”, “sardinha”, “cação”, “cação cambeva”, “xaréu”, “xerereta”, “roncador”. Grande parte destas espécies, que existiam em abundância no passado (algumas espécies nem tinham valor comercial na época), hoje se encontra extinta na região. A produção pesqueira era comercializada principalmente em Paranaguá. Além da pesca, realizavam outras atividades extrativistas, sendo a principal a agricultura ou “roça”. Também caçavam e coletavam caranguejo, como formas complementares de proteína para a alimentação, mas essas práticas eram eventuais e realizadas principalmente nos piores meses para a pesca. Estas atividades 39 geravam produtos destinados principalmente ao autoconsumo desta população, enquanto o excedente das roças, quando havia, era destinado à venda em Paranaguá. No passado, o principal produto da roça para o autoconsumo era a mandioca, base da alimentação dos pescadores. Existia nessa comunidade, uma “casa de farinha”, aonde processavam este tubérculo para fabricação de farinha e subprodutos derivados, como o biju. Os principais animais capturados para o autoconsumo eram quati, anta e capivara. Esse período é ilustrado pelos dizeres de um morador local: “Antigamente tirava 50% do gasto na roça. A gente levava quase dois ano pra criar um frango pra comê, hoje em 40 dias já tá pronto”. Na época, existiam aproximadamente 20 casas, que se encontravam distribuídas de forma bem espaçada pelo local. Ao redor das moradias ficavam as plantações, os terrenos pertencentes a cada família eram grandes, já que necessitavam deste espaço para o plantio. As casas tinham telhado feito de palha, as telhas de alvenaria vieram décadas depois, sendo um dos “sonhos de consumo” destes moradores, que acabavam por trabalharem mais para poderem obter materiais para acabamentos e reformas de suas residências. Todos queriam boas moradias e boa infraestrutura. O relato de um entrevistado exemplifica a situação das casas anteriormente ao acesso à materiais de construção: “No passado as casa era com telhado de palha, tinha que tirá a palha na minguante, que aí o telhado durava uns 20 ano, senão em outra lua não durava nem um ano”. A figura abaixo esquematiza a situação da Vila do Maciel na época, evidenciando-se a presença de dois pequenos povoados com as seguintes instalações: igreja; capela; mercearia, casas de fandango, casas de farinha comunitárias, e pontos de pesca representados pelos ranchos na orla, correspondentes às famílias de pescadores. As áreas das roças, de caça e pequena criação de bois, encontravam-se mescladas entre o início da floresta densa e nas proximidades dos rios; e devido ao isolamento geográfico pela falta de uma estrada, o acesso a outras localidades era somente realizado por embarcações. Destacavam-se também a presença dos manguezais, hoje encontrados em pequenas porções em vias de desaparecimento, por intensos processos erosivos nestes locais. 40 FIGURA 2 - SISTEMATIZAÇÃO DA VILA DO MACIEL ANTERIORMENTE AOS PROCESSOS URBANÍSTICOS FONTE: A AUTORA (2006) A região recebeu esse nome devido ao Rio Maciel, o divisor do vilarejo com a parte do município acessível por estradas, podendo-se dizer que é uma ilha continental. No entanto, existe um projeto de construção de uma nova estrada que passará pelo interior do Maciel, devido às demandas portuárias, o que consequentemente irá aproximá-los do trecho mais urbanizado da cidade. Para a extração dos recursos naturais de seus ambientes de origem respeitavam os ciclos reprodutivos das espécies, considerando aspectos como as estações do ano e fases da lua, o que destaca uma sabedoria empírica aplicada aos meios e aos insumos necessários para suas sobrevivências. Este fato é evidente na seguinte afirmação: “A gente aprendia muito na natureza, hoje a gente aprende no papel, que não é da natureza. A natureza é nossa melhor escola”. Em relação aos “medicamentos caseiros” que utilizavam na época, e aos “curandores” – como chamavam os manipuladores dessas ervas, é notável um abandono destas práticas tradicionais, devido a ideais introduzidos por novas religiões. Essas crenças consideram que práticas dessa natureza são atos de “bruxaria” ou “feitiçaria”, e que não condizem com os ensinamentos de “Deus”. Os que ainda utilizam esses métodos fazem-no de maneira discreta, pois esta atividade é considerada imoral por grande parte da comunidade, se bem que em situações de emergência acabam por recorrerem a estas plantas. 41 Por outro lado, a maior oferta de hospitais nos municípios e balneários arredores, e também, a facilidade de acesso à medicamentos disponibilizados para a venda em farmácias, fez com que estas famílias optassem em seguir a medicina tradicional dominante como sendo a mais eficiente, o que contribuiu para o abandono dessas antigas atividades tradicionais, principalmente pelos jovens. Essa atual posição segue de forma contrária às suas manifestações culturais originais, que tinham raízes estritamente ligadas ao uso do solo e seus recursos naturais como meio de sobrevivência. É notável uma oposição em relação às formas de utilização das plantas pelos moradores locais; ao mesmo tempo que ainda são dependentes de alguns recursos da mata para outros fins tradicionais como a pesca e a construção civil, evitam o uso de vegetais para fins medicinais. A principal atividade de lazer, até então, eram as quatro “casas de baile” de fandango que existiam na comunidade, normalmente estas celebrações aconteciam nas casas dos próprios moradores, alternando os locais, cada vez na casa de um dos quatro fandangueiros, os homens que tocavam os instrumentos típicos desse estilo musical. Esses festejos aconteciam em datas especiais, como por exemplo, o carnaval, e também após os mutirões de trabalhos na roça. Hoje não existe mais essa opção de lazer, pois essa prática é reprimida pela religião dominante na vila. A comida típica da época era basicamente a farinha de mandioca, produzida nas “fábricas de farinha” principalmente pelas mulheres. Também faziam uso dos subprodutos originados da parcela da mandioca descartada durante o feitio da farinha. Também se destacava o consumo do peixe seco, pirão de peixe e de feijão. Atualmente, não secam mais o peixe, pois este é um processo trabalhoso e que era muito utilizado para a conservação deste alimento. Com a possibilidade de congelarem o pescado em geladeira e freezers, e também por terem acesso aos supermercados, onde podem comprar outros tipos de carne e derivados, deixaram de lado essa antiga prática. O papel da mulher era fundamental na comunidade, sendo possível afirmar, que sem a presença delas o homem provavelmente não daria conta de suas pescarias, pois estes dependiam estritamente de seus trabalhos domésticos, manejo das roças e beneficiamento do pescado para realizarem com sucesso as atividades designadas ao público masculino. A seguinte explanação demonstra este 42 reconhecimento: “Elas faziam tudo... pescavam, faziam farinha, cortavam lenha, roçavam e cuidavam da casa e dos filho”. 5.2 IPANEMA IV 5.2.1 Histórico da ocupação: A vila de pescadores Ipanema IV No balneário de Ipanema como um todo, os primeiros moradores de outras regiões chegaram há mais de 40 anos de Santa Catarina, em busca de recursos pesqueiros abundantes nesta região. Vieram e se instalaram com facilidade, ocupando rapidamente os terrenos. Também, pela facilidade em conseguirem a carteira de pesca, se deslocavam até Paranaguá e retiravam esta documentação sem maiores burocracias. Nessa vilarejo avaliado, o Ipanema IV, os primeiros moradores chegaram há cerca de 30 anos, eram pescadores do próprio balneário e seus familiares, que foram se assentando nas proximidades da orla em busca de facilidades de acesso ao mar para praticarem suas atividades pesqueiras. Um pescador local, diante do cenário crescente de roubos e vandalismo, mostra em seu relato a preocupação com suas ferramentas de trabalho: “Tá próximo dos petrecho pra cuidá... é um dos lugares que tem pra pescá e cuidá dos petrecho”. Outro fator a se destacar, referente à ocupação dessa faixa litorânea, foi o de que muitos destes atuais moradores venderam seus terrenos originais para turistas e empresários do ramo imobiliário, ocupando, em sequencia, estes espaços ilegais segundo a legislação ambiental vigente - por serem áreas de vegetação de restinga, protegidas legalmente. A mudança na configuração desse balneário iniciou-se também há mais de 40 anos. Primeiramente, as leis ambientais brasileiras coibiram a continuação das agroatividades. Simultaneamente, os “proprietários” de terrenos da região, iniciaram sua atuação imobiliária no sentido de urbanizarem o litoral, sendo que na localidade, a pessoa de maior influência era conhecida como Antônio Duarte (já falecido), dono da imobiliária Vera Cruz, a primeira a se instalar e em atividade até os dias atuais. 43 Hoje, a imobiliária Vera Cruz foi assumida por um investidor de Paranaguá. O filho de Antônio Duarte atua até hoje na venda de lotes na região, porém em outra empresa. Existia todo um cenário articulado e favorável aos interesses particulares dos investidores externos. As pessoas que ocupavam cargos de governança local beneficiavam os interesses destes “proprietários”. Estes se aproveitavam da situação menos privilegiada dos pescadores no que diz respeito a trâmites legais, na tentativa de lhes convencerem à entrega ou à troca de seus terrenos. Muitas famílias pouco alfabetizadas acabaram assinando papéis que alegavam estarem abrindo mão de seus terrenos, pensando que fossem para a regularização de suas terras, como colocado por moradores da localidade: “Só prometiam, mas grilaram tudo e nunca deram nada pra nós. Muita gente assinava papel achando que era pra ganhá os terreno e eram enganados”. “Tinha um advogado que fez muita pressão pra tirar as primeira família que viviam aqui”. Todo tipo de ameaça era lançada a estas pessoas pela ação dos “grileiros”: pressão da polícia; processos jurídicos “inventados”; demolição de casas e propriedades; e até mesmo ameaças de morte. Estes ofereciam terrenos bem menores e em locais bem mais afastados da orla, em troca de seus terrenos originais, que seriam loteados e posteriormente vendidos a turistas. As seguintes falas demonstram esse cenário: “Fizeram muita pressão, por parte da imobiliária Vera Cruz, o filho... fazia muita pressão... Grilagem... o Duarte... ele fez Ipanema, desde Ipanema I até Ipanema IV”. “Os tubarão são danado pra roubá... roubavam e não tavam nem aí, vendiam tudo pros outro.” Essas pressões fundiárias resultaram em modificações no padrão de ocupação desse território, em um cenário de retirada das famílias que residiam nas proximidades da orla, para em seus lugares, definirem lotes destinados ao uso balneário. Nestas flutuações, muitos pescadores passaram a ocupar, irregularmente, outros locais antes desabitados, como é o caso desta vila estudada. No presente, estes moradores não têm seus terrenos regularizados, já que ocupam uma área pertencente à União, sendo, além disso, uma Área de Preservação Permanente (APP), por apresentar trechos conservados de vegetação de restinga (típica das regiões litorâneas), com presença também, de dunas frontais. 44 Atualmente, a grande maioria dos moradores não é de famílias nativas e tradicionalmente pesqueiras da região. Existem muitas pessoas vindas de Curitiba, Paranaguá e Santa Catarina (principalmente da Barra do Sul). Alguns já pescavam em seus locais de origem, outros começaram a pescar após a chegada e instalação na área, e ainda existem moradores que não participam desse tipo de atividade. Um entrevistado coloca sua visão sobre esta ocupação: “Invadiram tudo, tem muita gente de fora”. Muitos pescadores antigos já aposentados desabitaram esse espaço e foram para Paranaguá, mas deixaram descendentes no vilarejo. Essa questão fundiária, acima descrita, é ainda hoje sentida pelos nativos como um profundo desrespeito às suas origens, sentimento este de “roubo” de espaço, de cultura e de paz coletiva no interior das comunidades originais. Atualmente, estão pressionados a se retirarem desta localidade, principalmente pelos turistas que habitam as residências e edifícios em frente a este vilarejo, considerado uma barreira ao valor paisagístico da região. Os proprietários destas residências não querem que esta vila, considerada por eles uma “favela”, polua o visual em frente às suas moradias, atrapalhando a visão privilegiada do mar. Uma possível relocação destes moradores está prevista para ser efetuada após a próxima temporada de verão (2006/2007), sendo que, segundo alguns entrevistados, a prefeitura do município se propôs a conseguir um local decente para a instalação de novas moradias para estas famílias de pescadores. Um mercado de peixe será construído no local onde agora têm suas casas, para facilitar-lhes o comércio do pescado; e para resolver o problema da distância para trabalharem na pesca, construirão um barracão numa área ao lado do futuro mercado, que fará o papel de depósito e rancho de pesca, permitindo assim, que guardem seus apetrechos com segurança. Essa questão dos cuidados com os apetrechos de pesca é a justificativa que alegam ter para se instalarem nessa área conhecida como Ipanema IV, pois relatam atos de vandalismo e roubos de equipamentos, sentindo a necessidade de estarem permanentemente monitorando esses materiais, que são os instrumentos fundamentais para suas atividades geradoras de renda. Juntamente a essa possível reconfiguração dos terrenos, a prefeitura objetiva revitalizar a orla para atrair um maior público de turistas. Porém, segundo especulações dos moradores, esse paisagismo não corresponderá ao ambiente 45 natural de restinga, já que pretendem introduzir espécies exóticas à vegetação, além da implantação de infraestrutura comercial, como colocado por um entrevistado: “Querem atrair o turista... botá quiosque, coqueiro”. Os pescadores por estarem em situação irregular em relação aos seus atuais terrenos ficam limitados a desenvolverem algum tipo de ação coletiva, pois não possuem o direito ao uso capião, já que o local foi ocupado recentemente, se considerado o tempo de vivência das famílias tradicionais nesse litoral. Também já estão em processo de negociação com a prefeitura, se mostrando favoráveis à futura mudança, já que sabem da importância em obterem um lugar legalizado e seguro para habitarem com suas famílias. Um dos problemas dessa desocupação é o fato de que a relocação destas famílias, como critérios de decisão da prefeitura, beneficiará apenas as que são tradicionais da região. O restante dos moradores, pouco mais da metade, ainda não têm destino certo, o que possivelmente resultará em um novo problema social. Um informante expressa seu sentimento de indignação por essa questão: “Na hora que forem demolir eu não quero nem vê... é triste. Eu choro quando vejo demolirem a casa de alguém.” 5.2.2 Oportunidades e atividades relacionadas ao turismo O turismo começou a ter força há mais de 30 anos atrás. Porém, não chegou a dar oportunidades aos moradores locais, porque a maioria dos compradores dos terrenos, quando passaram a construir suas residências de veraneio, trouxeram consigo seus “pedreiros” de confiança, vindos de suas cidades de origem, como dito por alguns informantes: “Quase nenhum pescador trabalhou nessas obra, traziam tudo de fora... o turismo foi bom mais porque melhorou a venda do pescado”. “A primeira oportunidade de emprego que tivemo foi com a chegada da Techint, na construção civil, com turismo não tivemo tanta oportunidade no começo”. Uma minoria dos moradores construiu casas no intuito de vendê-las para turistas. Residências estas, comercializadas a preços irrisórios, por não terem na 46 época a real noção de valores de imóveis. Essa não era uma prática comum nessa vila. A década de 1980 e meados dos anos 1990 foram de grande importância para a economia desse município em relação às atividades turísticas. Após esse período o turismo da região entrou em um processo de decadência que perdura até hoje, já que muitos preferem a beleza cênica de praias de Santa Catarina, que também estão próximas deste litoral. A falta de segurança e de infraestrutura urbano-turística, também está entre os fatores de vazão de visitantes. Essa mudança de espaço recreativo é perceptível através da quantidade de imóveis de veranistas postos à venda. Um morador fala de um antigo retrato das atratividades recreativas locais: “Antes tinha cinema aqui, discoteca, vinha muita gente de fora”. Os poucos moradores que alugam algum imóvel na área cobram um valor de aproximadamente cinquenta reais a diária. Estas práticas são realizadas ilegalmente, por estarem em uma área de ocupação irregular, sob a proteção e fiscalização de autoridades, que também não permitem que eles construam ou reformem suas casas, sendo estas demolidas como forma de punição para esse tipo de ocorrência. O que se vê é que estes moradores, visando uma casa melhor estruturada, as reformam internamente, como uma forma de maquiar essa ação e disfarçar a obra evitando a fiscalização. Reclamam em terem de habitar residências em condições precárias e ainda serem punidos de forma “violenta” por isso. Alegam que as casas se deterioram rapidamente no litoral e necessitam de frequente manutenção, e que essa proibição lhes impede de morarem em casas seguras, com um mínimo de conforto. Os estabelecimentos comerciais voltados ao turismo da região são apenas os locais de venda de peixe. Mas existem pessoas que praticam atividades de manutenção de casas de turistas e anunciam isso através de placas ou faixas expostas em frente à suas casas. Aproximadamente umas 15 pessoas realizam passeios de barco, visando a pesca esportiva e de lazer, cobrando para isso em torno de trinta a cinquenta reais por pessoa para pescarem nas proximidades da Ilha dos Currais. Poucas excursões param nesse balneário, sendo que essa possibilidade ocorre eventualmente, nas temporadas de verão. 47 A renda média mensal dos moradores, em alta e baixa temporada, assim como no Maciel, é muito oscilante, não sendo possível precisar valores. Mas é possível afirmar que a maior porcentagem da renda ganha, em torno de 70%, provém das atividades pesqueiras, seguidas pelas atividades geradas pelo turismo. Para esta comunidade, a presença do turismo no litoral como um todo foi um aspecto principalmente positivo, pois trouxe novas oportunidades de geração de renda e lhes facilitou o acesso a bens de serviços básicos pela instalação de melhor infraestrutura urbana na região. Por outro lado, reconhecem que a situação atual é de má organização da atividade turística e descaso dos governantes locais para com o município. Também colocam que a intensificação do turismo introduziu uma diversidade de “novidades” para o universo cultural dessas populações, desde transformações no cotidiano e padrões de consumo, a até mesmo à chegada da violência, roubos, disseminação de drogas, prostituição, entre outros. As falas a seguir ilustram bem essas situações: “O turismo é bom pra gente, pra vendê, mas por outros ponto, tudo já virou uma bagunça. Melhorou com o turismo, mas acabou o peixe”. “Hoje tá ruim de se vivê aqui, os roubo tão espantando os turista, que tão vendendo suas casa... é ruim pra gente. Antes ninguém mexia nas nossas coisa”. “Não acho que a chegada do turismo foi tão boa... antes era mais difícil, trabalhava a remo, mas era tranqüilo, hoje tem muita coisa ruim do mundo, casos diferente, coisas que nunca vi... hoje temo que se cuidá pra vivê”. “Tem muito traficante, muita violência”. “Não se tinha tv, rádio, piorou depois que veio a tv, só tem porcaria”. A maioria dos homens e mulheres que habitam essa região complementam sua renda realizando atividades como: limpeza e manutenção de casas, piscinas e jardins de turistas, cobrando uma diária em torno de vinte e cinco a trinta reais. Estas atividades são geralmente realizadas pelas mulheres. Os homens se dedicam mais à manutenção e reformas nas estruturas destas casas, cobrando para isso um valor na faixa dos quarenta reais a diária. Estes moradores gostariam que existissem maiores incentivos ao setor turístico pelo município, como colocado: “Acho que deveria ter mais turismo, ter mais coisa pra atrair o turista, tá tudo abandonado... melhorou muito com a estrada... onde tem turista tem dinheiro”. 48 5.2.3 Moradores, casas, e infraestrutura atual da vila. Atualmente, em Ipanema IV, vivem aproximadamente 40 famílias (40 casas), destas, aproximadamente 16 são de pescadores, totalizando em torno de 120 moradores na vila. Além das residências dos nativos, existem ainda dez casas destinadas à locação de turistas. Em relação à infraestrutura e oferta de bens de serviço, as casas já estão ligadas à rede elétrica há mais de 20 anos. A maioria delas é abastecida por água encanada da Sanepar, há aproximadamente cinco anos, com exceção de cinco casas abastecidas por água de poços artesianos. O destino do esgoto produzido são as fossas, já que não existe e nem existirá uma rede de tratamento de esgoto nesta vila. O lixo doméstico é retirado do local pelos caminhões responsáveis pela coleta de resíduos sólidos no município. Não existem telefones públicos instalados no interior do vilarejo, porém a metade dos moradores já tem linhas telefônicas particulares e a grande maioria possui aparelhos de celular. Ninguém da vila possui um computador em casa. No interior da comunidade existem seis estabelecimentos comerciais que funcionam ao longo do ano. Estes são: Novo Mercado de Peixe, Banca do Toninho, Banca da Pri, Banca da Jamile, Banca do Barba, Banca da Laci. Existe ainda uma pessoa que trabalha em um quiosque na praia vendendo lanches, porém só nos meses de temporada. O pescado normalmente é vendido nas próprias casas, que fazem o papel de peixaria também em alguns casos, ou no “Novo Mercado de Peixe” na própria vila, porém só uma parte de pescadores, os que são nativos, é que podem vender seus produtos ali. Há certa divisão e rivalidade na vila, sendo metade dela constituída por pessoas vindas de outras regiões e a outra metade pelos moradores nativos. Essa divisão é notavelmente destacada, podendo-se dizer que seriam dois povoados distintos, já que os “locais” sentem essa apropriação como um “roubo” e autobenefício em cima de seus direitos ao uso deste espaço. Os nativos afirmam que estes moradores que chegaram depois, trouxeram consigo costumes não condizentes com as suas culturas originais, como presença de tráfico de drogas, aumento de violência, entre outros fatores dos quais não eram habituados a conviver. 49 Não existem creches e posto de saúde no local. Apenas uma escola de ensino fundamental (até a quinta série), em Ipanema. Para cursarem o restante do ensino fundamental e o segundo grau, os estudantes necessitam se deslocarem até Pontal do Sul, Shangri-lá, Praia de Leste ou Paranaguá. Existe uma igreja evangélica no interior da vila, e no balneário todo existem várias igrejas evangélicas, sendo apenas uma delas católica, destacando a forte introdução de novas filosofias na região, que antigamente se baseavam nos pressupostos do catolicismo. Não existem instalações esportivas na vila, mas nos arredores há um campo de futebol de areia, que utilizam com frequência, atraindo alguns campeonatos esportivos intermunicipais, sendo uma das atividades de lazer mais praticadas pelo público masculino. Não há áreas de lazer comuns na vila, com exceção de uma praça e bares nas proximidades que normalmente só abrem em períodos de intenso fluxo de pessoas, geralmente no verão e feriados prolongados. Algumas mulheres jogam vôlei e muitos jovens aprendem a surfar, sendo também uma das formas de lazer mais praticadas. A vida noturna também é algo forte na cultura regional, sendo o baile de “Barrancos” (na Praia de Barrancos) e o “Bailão do Henrique” (Ipanema) um dos locais mais frequentados pelos nativos. Também existem festas locais em determinadas épocas do ano, sendo estas a “Festa dos Frutos do Mar”, “Festa do Camacho”, além das festas juninas regionais, normalmente organizadas pelas escolas. 5.2.4 Caracterização da atividade pesqueira e de coleta da comunidade Há aproximadamente, 25 homens que pescam ativamente. As embarcações atuais utilizadas são as canoas de fibra de vidro (12 canoas) e canoas a motor de madeira (10 canoas), com a potência do motor de 11 Hp e 18 Hp (motor a diesel). As principais técnicas de pesca atuais são, as “redes de espera” – para pesca, principalmente, de cação, cavala, bagre, corvina e linguado; as “redes de fundeio” – para pesca, principalmente, de robalo, cavala, tainha e linguado; as “redes de caceio” (redes altas) – para a captura de “anchova”, “camarão”, “cavala”, “saltera”, “cação”, “parú”, “pescada miúda” e “pescada branca”; e as “redes de 50 arrasto”– para camarão sete-barbas e camarão branco. A área de pesca, normalmente vai de Praia de Leste a Shangri-lá; também atuam em mar aberto, até as proximidades da Ilha dos Currais. O pescado produzido sofre mudanças de repasses ao longo do ano. Na temporada, é destinada à venda direta ao consumidor final (turistas), restando apenas uma pequena parcela dessa produção repassada ao atravessador, seguida pelos, restaurantes e mercados, com uma parte destinada ao consumo próprio. Há uma inversão desse quadro, durante o restante do ano, tendo como primeira opção a venda da maior parte do pescado ao atravessador, com o restante destinado à venda direta aos consumidores, mercados e restaurantes. Os produtos com maior valor comercial são, o robalo, o linguado, o camarão sete-barbas e o camarão branco. Estes pescados sofrem alterações de preços ao longo do ano, sendo o robalo e o linguado, vendidos, durante a temporada, há um valor de quinze reais por quilo, aos turistas, mercados e restaurantes; e a dez reais ao atravessador. Nos outros meses do ano, esses pescados são encontrados ao preço de dez reais o quilo, para qualquer um dos compradores. Os camarões têm também seus valores modificados ao longo do ano. O sete-barbas é comercializado a um valor de dez reais o quilo, em alta temporada, para consumidores finais, restaurantes e mercados; com exceção do atravessador, que paga um valor de cinco reais por quilo, durante o ano todo. Já o camarão branco, é vendido, nos meses de verão, a vinte reais o quilo, para o consumidor final, mercados e restaurantes; e doze reais o quilo, para o atravessador. No restante do ano, o valor pago por esse camarão fica em doze reais o quilo, independentemente de quem seja o comprador final. São dois os atravessadores que atuam no local, durante todo o ano: “Jadir”, dono de uma banca de peixe no Mercado de Paranaguá, de Paranaguá; e “José”, dono do Restaurante Pilequinho, de Matinhos. Em relação aos meses mais propícios à captura do pescado, notam-se diferenças que variam com a espécie, sendo os meses de novembro a janeiro, e março a maio, mais abundantes em recursos; e os meses de agosto a outubro, os mais fracos para essas práticas. No aspecto de ganhos por mês de um proprietário de embarcação e de seus quinhoeiros, estes são números inexatos de se definirem mensalmente, assim como exposto também, pelas outras comunidades aqui estudadas. E uma média 51 aproximada, os proprietários de embarcação com maior tecnificação, chegam a ganhar aproximadamente três mil reais durante toda temporada e em torno de 500 reais nos piores meses. Já o quinhoeiro, recebe 50% do total, dividido entre todos os quinhoeiros da embarcação, com uma faixa média de R$ 750,00 a mil reais na melhor época (temporada toda) e 200 reais nos meses mais fracos. Normalmente são dois quinhoeiros por embarcação. Um senhor descreve a situação passada que expõe períodos mais abundantes de captura e comercialização: “Antigamente, há uns 15 anos atrás, fazia bem, tirava até três mil reais na temporada”. Atividades como roças, caça e coleta também aqui não são mais praticadas, devido à intensificação do uso urbano-turístico que reduziu a quantidade de terras, e também pela criação de uma legislação ambiental restritiva quanto ao uso do solo. 5.2.5 Breve resgate de seus modos de vida e costumes antigos No balneário de Ipanema, antigamente, a pesca também era realizada com técnicas e apetrechos simples, de baixo impacto no ambiente. A embarcação utilizada era a “canoa a remo” e as principais técnicas eram a “rede de arrasto de praia” ou “arrastão de praia” (praticada por homens e mulheres); o “espinhel”; a “tarrafa”; e a “linha de mão”. A área de atuação era em frente à própria praia de Ipanema, sentido mar aberto; não se deslocavam para muito longe porque não tinham motores nas embarcações. A fala de um pescador contextualiza esse momento: “A gente lanceava a semana inteira. Precisava de umas 40 pessoa pra puxá o lanço”. Os principais pescados, até então, eram: “pescada branca”, “pescadinha”, “pescada amarela”, “roncador”, “cambucu”, “cação”, “cação grande”, “tintureiro” (cação considerado agressivo, “brabo”), “corvina”, “sabelha”, “bagre bacia”, “peixe tábua”, “sororoca”, “paru”, “gordinho” e “palumbeta”. A maioria dessas espécies já não são mais encontradas na região. Algumas que haviam em grandes quantidades, atualmente não são mais localizadas, como expõe um dos informantes: “A gente chegava a soltá os peixe que antigamente não tinha muito valor, de tanto que tinha. Hoje em dia não tem nem pra comê”. 52 A produção era vendida, principalmente, para uma empresa japonesa de pesca de Paranaguá. Mas também, iam até Pontal do Sul, de “carro-de-boi”, para depois pegarem uma canoa a remo e se deslocarem até Paranaguá ou Antonina para venderem o pescado diretamente, fato este aqui colocado por um entrevistado: “Vinham de caminhão buscá o peixe e cobravam o preço que eles queriam... enganavam muito os pescador”. Além da pesca, realizavam outras atividades extrativistas e de manejo do solo, sendo a principal, a prática das “roças”. Também caçavam como forma complementar ao consumo de proteína, principalmente quando não era uma época favorável ao pescado. Estas atividades geravam produtos destinados principalmente ao autoconsumo desta população. O principal produto cultivado na “roça” era a mandioca, dentre outras espécies plantadas para a alimentação. Estas áreas de plantio normalmente se encontravam mais para o interior do continente, a aproximadamente uns 500 m da atual avenida principal de acesso a Pontal do Paraná. Algumas roças encontravamse na região do atual “Mercado Super Rede”, devido a sua localização nas proximidades de corpos d’água, o que implica em terras mais férteis e irrigadas. As restrições ao plantio são sentidas por eles e transmitidas pela afirmação de um habitante da região: “Era tudo muito bom, a gente tinha de tudo, hoje é muito caro”. Os animais mais caçados para o consumo eram: tatu, bugil, lontra, quati, veado, tamanduá, capivara, anta, cateto, cutia e paca, além de algumas aves como sabiá, surucuá, papagaio, periquito, enambu e jacu. A área de caça era adentrando o interior do continente, entre Ipanema e Shangri-lá, aonde a floresta era mais densa. Mas também caçavam muito próximos da orla, já que diziam que as “caças” eram tão abundantes que chegavam até a praia. Alguns afirmam que atualmente existem ainda animais na região: “Tem muita caça ainda”. As casas, na época, estavam bem distribuídas pelo espaço (compondo uma linha paralela ao mar) e próximas à praia, a uns 200m. Existiam apenas oito famílias que habitavam a localidade. Algum tempo depois construíram aproximadamente seis casas de turistas, a aproximadamente um quilômetro da orla, região conhecida como Cambiú. Na época, as casas eram feitas de sapê, com telhado de palha trançada, o chão era de areia e também dormiam em esteiras de “paina” ou “piri”. Utilizavam os travesseiros confeccionados com folhas de “marcela”. Os bebês não tinham fraldas 53 convencionais, como ressalta uma das moradoras: “As fraldas eram feitas de saco de trigo”. O desenho representado aqui, possibilita uma compreensão da configuração deste balneário antes dos processos urbanísticos, sendo inexistente a comunidade do Ipanema IV, que se formou anos depois. Aqui também as roças encontravam-se nas proximidades de corpos d’água, sendo também a área mais favorável à caça. Existia um caminho de acesso, que cruzava as vilas adjacentes, destacando que a praia era a principal via. Era marcante a presença de dunas e pequenas lagoas entre elas, formando a região conhecida como “Barrancos do Capeva”. O povoado tinha além das casas, duas “oficinas de farinha”. Outro detalhe são os ranchos de pesca ao longo da orla, seguindo um padrão comum à época. FIGURA 3 - SISTEMATIZAÇÃO DO BALNEÁRIO DE IPANEMA ANTES DA URBANIZAÇÃO FONTE: A AUTORA (2006) Outro costume era a utilização de plantas nativas, para utilização em forma de “medicamentos caseiros”, bem como os serviços dos “curandores”. As manifestações culturais de lazer, no passado, eram as duas casas de baile, que freqüentavam em Barrancos, aonde praticavam o fandango, como ritmo, música e dança. A cachaça era a bebida alcoólica consumida nas festividades, costumavam também beber refrigerante popularmente conhecido como “tubaína”. Os instrumentos musicais utilizados no fandango são o “adufo” (similar a um pandeiro, porém de origem árabe), a “viola” e a “rabeca”. Os homens é que tocavam 54 os instrumentos, e também quando dançavam, eram eles que usavam os típicos tamancos de madeira, que serviam como percurssão e marcação de tempo e ritmo musical. Existiam mais de 20 marcações de fandango, algumas recordadas aqui pelo relato de antigos moradores: “valsado”, “querumana”, “anum”, “lageana”, “andorinha”, “chico”, “xará-grande”, “marinheiro”, “caranguejo”, “batido” e “tiraninha” . As mulheres, sempre se vestiam com vestidos e saias rodadas para a dança e também no dia-a-dia, já que na época a mulher não costumava usar calças. Existia uma roupa especial utilizada nos dias de carnaval, para ambos os sexos, com tecidos floridos ou listrados, e ainda, o casal mais antigo de dançarinos de fandango, conhecidos como “lacaio” (homem) e “biboche” (mulher), usavam uma roupa diferenciada (com estampas florais e de listras, bem coloridas) para dançarem as quatro primeiras “marcas” do fandango (o fandango tem várias marcações – tempos de ritmo, e a dança acompanham essas mudanças, com uma coreografia para cada marcação), depois voltavam a colocar as roupas normais, iguais às dos outros dançarinos. As comidas típicas eram a farinha de mandioca (base da alimentação), o “bijú” e o peixe seco. Esse comentário reflete esse costume: “Faziam o biju amassado na folha de bananeira. Nosso pão era o biju”. Existiam também, algumas lendas, como as do boi-tatá, lobisomens e de outras entidades espirituais, algumas destas descritas por eles abaixo: “Boi-tatá era um cachorro e tinha uma luz verde feia, já vi dois, perto do rio. Ele tinha medo da tarrafa, um dia peguei a tarrafa e o ameacei e depois ele não apareceu mais. Eu já vi muita coisa, tinha muita assombração”. “Tinha um lobisomem, que era um antigo pescador que morava aqui, que saia a noite com roupa, achava cocô de cachorro no mato, tirava a roupa e começava a se rolar no cocô, levantava dali já transformado, ficava ali até se destransformar de novo, vestia a roupa e ia embora. Não pode bater nele que ele se vinga”. “Hoje ainda tem lobisomem aqui, filho de uma moradora. Ele vive com as mão mordida e fica inventando mentira pra sair de madrugada”. O papel da mulher era fundamental na comunidade, sendo suas atividades necessárias e complementares aos serviços masculinos. Os homens relatam: “Faziam lanço, roça, cuidava da casa, lanceava até a noite, trabalhavam demais... sofreram bastante”. Atualmente, a mulher ainda é muito importante no desenvolvimento familiar, pois além de suas atividades domésticas, muitas ainda trabalham em outras atividades como limpeza de casa, jardins e piscinas de veranistas, complementando 55 a renda do marido. Isso sem falar que ainda ajudam o marido nas atividades pesqueiras (pescando, beneficiando o pescado, descascando camarão). Os homens reconhecem o esforço das mulheres, mantendo essa divisão de tarefas. 5.3 PRAIA DE BARRANCOS 5.3.1 Histórico da ocupação do vilarejo As primeiras pessoas vindas de outras regiões não pertencentes a Pontal do Paraná, com o objetivo de ocuparem o vilarejo de Barrancos, chegaram por volta dos anos 1970. Antes disso, predominavam apenas as famílias nativas, como as dos tradicionais Gonçalves, Serafim e Crisanto. Vieram também os “catarinas”6, estes não moravam definitivamente na localidade, apenas habitavam a vila por determinados períodos7 para pescarem alguma espécie comercialmente mais valorizada, retornando a seguir, aos seus locais de origem para continuarem com suas atividades pesqueiras. Este vilarejo não se manteve estável quanto ao uso de seu território ao longo do tempo. Assim como a maioria dos balneários do litoral do Paraná que sofreram rápida e intensa urbanização, há mais de 40 anos Barrancos passa a receber influências do urbano. Novamente, como nas outras comunidades aqui estudadas, a legislação ambiental restritiva fez com que atividades de roça, caça e coleta fossem proibidas. Na mesma época, a Empresa Balneária Pontal do Sul, responsável pelo loteamento da região, inicia sua atuação no sentido de se “reapropriar” dos terrenos pertencentes aos nativos, julgando que estas terras eram de sua propriedade. A forte especulação imobiliária regional, logo incentiva a construção de estradas de acesso, fato exposto aqui por um dos informantes desta pesquisa: “Meu pai ajudou a 6 7 Os “catarinos” ou “catarinas” vieram de Santa Catarina em busca de melhores condições para a pesca. Alguns hoje habitam a região do Antigo Embarque. Tiveram êxito nas pescarias ao se mudarem para o município de Pontal do Paraná, pois eram mais tecnificados, o que lhes gerava maior renda quando compara à renda dos pescadores locais. Na época de abundância de determinada espécie de valor comercial. 56 fazê a estrada de Praia de Leste a Paranaguá, carregava areia numas gamela, porque não tinha nem carrinho-de-mão pra carregá. Sofriam muito”. Esse conflito fundiário da época foi alvo de muitos embates entre população local e proprietários. Moradores relatam que por volta dos anos 50, o governador “Lupião” doou grande parte dos terrenos do município de Pontal do Paraná para a empresa Balneária Pontal do Sul - pertencente a João Ribeiro, homem de grande influência dentro dos órgãos de poder vigentes na época. Nesse processo de doação das terras não foram consideradas as comunidades que até então ali residiam pacificamente ao longo de décadas. Seus meios de vida tradicionais pouco importavam. Pessoas influentes e entidades públicas - prefeitura, delegados, polícia, advogados, etc - beneficiavam os investidores externos, apoiando a grilagem de terras e seus interesses particulares. Assim como nos outros vilarejos aqui apresentados neste estudo, pressões pela obtenção dos terrenos dos nativos se davam de todas as formas ilícitas. Os comentários que decorrem ressaltam o quadro desfavorável às famílias locais frente a essa situação: “Eles fizeram o pessoal correrem de suas casinhas”. “Em terra de cego, quem tem olho é rei... Eles foram responsável pela miséria de muita gente”. “É uma falta de respeito ao caboclo”. Da mesma forma que nos outros estudos de caso aqui mostrados, estes “proprietários” ofereciam aos nativos, em troca de seus terrenos originais, terras com dimensões bem menores e afastadas da orla. Felizmente, essa comunidade é uma exceção dentre as comunidades aqui apresentadas, já que resistiu aos processos de ocupação fundiária por pessoas de outras localidades ou empreendimentos turísticos, garantindo por direito que esta área não fosse urbanizada. Atualmente, a grande maioria dos moradores tem os seus terrenos regularizados, após muita luta na justiça. Um advogado sensibilizado com a situação se ofereceu para tomar a causa coletiva, ajudando-os a conquistarem, juridicamente, seus direitos às terras. Em troca da prestação de seus serviços, este advogado pediu para ficar com parte de um terreno pertencente a uma das entrevistadas (já que este terreno se localizava mais próximo ao mar), lhe oferecendo em troca um outro terreno em uma região mais afastada do mar, porém documentado. Estes conflitos fundiários resultaram em algumas relocações de moradores nativos, como 57 é bem lembrado por um dos entrevistados: “Esse lugar hoje tá bom... mas muitos foram obrigado a sair das casa, uns foram pra Paranaguá”. Além das famílias originais, hoje existem dez casas de turistas vindos de Curitiba e de outras regiões interioranas do Paraná, como Apucarana; aqui se instalaram devido a boas relações de amizade criadas com os nativos, que vendiam terrenos mais baratos a estas pessoas, deixando assim, de pagarem os impostos pelo uso do local. Os nativos percebem essa gama de conflitos fundiários como descaso aos seus costumes e modos de vivência, bem expressado por um destes nativos: “Se tivesse que sair daqui sentiria muita falta... demais... me acostumei muito aqui e no balneário Olho D’água, onde nasci”. Hoje a situação é estável, pois os moradores detêm a posse dos terrenos, todos devidamente documentados. Porém, numa possível tentativa de novos incômodos aos moradores locais quanto aos usos do território, estes já estão preparados e bem informados, sabendo que essa situação se resolveria na justiça, já que todos os processos fundiários atuantes se encontram corretos perante a lei. Assim mesmo, com toda informação adquirida sobre os direitos dos moradores pela posse destas terras, estes ainda sentem-se pressionados pelos processos de ocupação fundiária, como conta um pescador indignado com as pressões até hoje ocorrentes: “Ainda tem ameaça, mesmo com toda documentação regularizada. A Balneária ainda quer que a gente saia daqui”. Esta comunidade em especial, dentre as estudadas, aparece como a que tem a organização social interna mais ordenada, consequentemente, apresentando maior estabilidade econômica. Essa vantagem é resultado de atividades coletivas e solidárias, destacando as relações de parentesco fortemente presentes. Essa vila encontra-se bem unida na busca pelos seus direitos como cidadãos, posição esta, influenciada em grande parte pela liderança comunitária local, um representante da causa das famílias de pescadores tradicionais da região que até hoje luta pela classe. 58 5.3.2 Oportunidades e atividades relacionadas ao turismo O turismo, como atividade geradora de novas oportunidades aos moradores dessa vila, aparece com maior intensidade há aproximadamente 30 anos atrás. Nessa mesma época, começaram a serem vendidas as primeiras casas e terrenos aos turistas, por preços muito abaixo do mercado imobiliário predominante. Assim, diziam: “Só perderam essas pessoa que vendia as casa... trocavam por nada”. No cenário atual, o que se vê é que muitas famílias alugam suas casas para turistas, principalmente nos meses de temporada de veraneio, já que o valor do aluguel é muito mais valorizado. Os preços de uma diária de uma casa simples, de dois a três quartos, variam na faixa de quarenta a cinquenta reais; sendo possível algum desconto nesse valor caso o locador contrate esse serviço semanalmente ou mensalmente. Os estabelecimentos destinados ao turismo da região são poucos, existe uma pousada, um restaurante, um mercado e uma casa de baile. Aproximadamente uns cincos pescadores realizam passeios particulares de barco, normalmente procurados por pessoas que pescam como atividade de lazer e esportiva. Algumas excursões vêm até a vila, eventualmente, quando tem algum campeonato de futebol no local. No verão, há uma demanda de pessoas de outros balneários, principalmente da região de Matinhos, à procura de um espaço para seus banhos de mar em águas menos poluídas e com menor dinâmica das ondas. Também é muito procurada pelos turistas, nos períodos de maior fluxo de pessoas, a casa de baile de Barrancos. Em outras épocas do ano, a procura também é grande, mas o público gira em torno dos moradores permanentes de Barrancos e balneários vizinhos. Praticamente todas as famílias buscam atividades que complementam sua renda das atividades pesqueiras, realizando trabalhos para turistas, como a limpeza de casas, jardins, piscinas, serviços de obras e manutenção em geral. Estes serviços são muito procurados pelos proprietários de casas de veraneio, já que muitos só frequentam esse ambiente na alta temporada, e as casas ficam fechadas por muito tempo, exigindo uma manutenção frequente. O valor de uma diária de limpeza de casa, piscina ou jardim, varia de trinta a quarenta reais; e de serviços de manutenção e obras, encontra-se na faixa dos quarenta a cinquenta reais. 59 A renda média mensal dos moradores, em alta e baixa temporada, também neste estudo de caso, é muito variável. Dependem de variados fatores externos como já expostos pelas outras comunidades avaliadas, tanto para a pesca, quanto para as atividades turísticas. Pode-se afirmar que a maior porcentagem da renda ganha vêm das atividades pesqueiras (90%), seguidas pelas atividades geradas pelo turismo. Para esta comunidade, a presença do turismo no litoral como um todo, foi um aspecto principalmente positivo, uma vez que não perderam seu espaço de origem e também porque esta atividade trouxe novas possibilidades de renda. O acesso a hospitais, postos de saúde e outros tipos de serviços, lhes facilitou a vida, já que anteriormente estes acessos eram muito limitados. Fato este, afirmado por alguns nativos: “O que o turista trouxe de bom pra nóis é o conhecimento... começamo a sabê de nossos direito.” “Não achamo ruim... temo pra quem vendê o pescado. Hoje é mais fácil, vendemo aqui mesmo”. “Há 15 anos atrás, o pescador tinha vergonha de convidá o turista para ir na sua casa, hoje em dia isso mudou, antes o pescador se sentia inferior ao turista. Hoje isso acabou, a gente gosta muito de receber as pessoa em casa. O pescador tinha vergonha de mostrá a carteira de pesca para fazê compra em loja”. Como aspecto negativo do desenvolvimento econômico regional, o que estes moradores perceberam, foi um rápido declínio dos estoques pesqueiro locais, muito provavelmente ocasionado pela pesca predatória dos grandes barcos pesqueiros e o arrasto do camarão. Novamente a legislação ambiental de caráter conservacionista, ou seja, mais restritiva quanto ao uso dos recursos naturais, foi citada como empecilho ao desenvolvimento econômico desta comunidade. Situação apurada nesse trecho da entrevista: “Tem muita lei ambiental e não conseguimo cumprí”. 60 5.3.3 Moradores, casas, e infraestrutura atual da vila. Atualmente, em Barrancos vive uma grande família de nativos, totalizando 160 pessoas, distribuídas em 64 casas. Existem ainda 14 moradores que não são nativos da região. Além das residências dos nativos, existem dez casas de turistas. Em relação à infraestrutura e oferta de bens de serviço básico, as casas já estão ligadas à rede elétrica há mais de vinte anos; todas são abastecidas por água da rede pública, com exceção de uma casa abastecida por um poço artesiano. O destino do esgoto produzido são as fossas, já que não existe uma rede de tratamento de esgoto nesta vila. O lixo doméstico é retirado do local, pelos caminhões responsáveis pela coleta de resíduos sólidos no município. Há 15 anos foram instalados os dois telefones públicos da vila. Muitos moradores já possuem telefone residencial (há aproximadamente uns três anos), além de aparelhos de celular. Computador, apenas um morador tem, há aproximadamente um ano. No interior da comunidade existem apenas três estabelecimentos comerciais, uma mercearia, uma casa de baile e uma pousada/restaurante de um vereador. Existe a venda de iscas-vivas (o “corrupto”, muito procurado por turistas que buscam a pesca de lazer) em um ponto na beira do asfalto principal de acesso aos balneários (a PR-407) e o pescado normalmente é vendido em casa ou no mercado de Shangri-lá. Não existem creches e nem posto de saúde no local, mas os moradores encontram esse serviço em Pontal do Sul e Shangri-lá, balneários vizinhos. Há uma escola de ensino fundamental, que atende até a quarta série. Para cursarem o restante do ensino fundamental e o segundo grau, necessitam se deslocarem até Pontal do Sul, Shangri-lá, Praia de Leste ou Paranaguá. Quando jovens, a população mais antiga estudava em uma escola rural, porém somente até a quarta série do ensino fundamental, não havendo continuação das séries seguintes, o que lhes fazia esquecerem de muito dos conhecimentos que tinham aprendido, já que deixavam de dar continuidade aos seus estudos. Também não tinham acesso a jornais, revistas e televisão, como agora. Um entrevistado relata as dificuldades de acesso à escola: “As outras pessoas que morava mais 61 longe, vinha do balneário Olho D’água a pé, pra estudá na única escola que tinha, que era aqui em Barrancos”. Assim como nos outras vilas apresentadas, a religião evangélica vem sendo muito disseminada dentro da comunidade. As mulheres são as que mais frequentam os cultos dessa religião. A única instalação esportiva da vila é um campo de futebol, que atrai alguns campeonatos esportivos intermunicipais, o que pode ser considerado um dos atrativos turístico do lugar. Em relação às áreas de lazer, existe uma casa de baile, o conhecido “bailão de Barrancos”, muito procurado por nativos e turistas, sendo esta, a principal forma de descontração entre o público feminino e masculino da vila; além do futebol, praticado por ambos os sexos; e do vôlei, praticado principalmente pelas mulheres. As atuais e tradicionais festividades desta vila são principalmente os “bailes de Barrancos” aos sábados, e a “festa junina”, realizada pela escola. 5.3.4 Caracterização da atividade pesqueira e de coleta da comunidade Há aproximadamente, 20 homens que pescam ativamente. Com um total de dez canoas, sete de fibra de vidro e canoas a motor de madeira, com a potência do motor de 11 Hp e 18 Hp (motor a diesel). As principais técnicas de pesca atuais são, as “redes altas” (de malhas 10, 12 e 18) – para pesca, principalmente, de robalo, cavala e tainha; e as “redes de arrasto” – para camarão sete-barbas e camarão branco. A área de pesca, normalmente é em frente à vila, sentido mar aberto, após a Ilha dos Currais, porém em algumas épocas se deslocam até a Barra do Saí para “cercar tainha”. Atualmente os pescadores apontam os gastos derivados de suas atividades pesqueiras: “Náilon, gasolina, óleo eram mais barato. Depois o plano real, o náilon encareceu muito. A maior parte do dinheiro que entra pro pescador é gasto com manutenção de seus petrecho”. O pescado produzido é destinado, primeiramente, à venda direta ao atravessador, seguido pelos consumidores (turistas), restaurantes e mercado, com uma parte destinada ao consumo próprio. Esse destino final só varia na temporada, 62 onde a procura de pescado pelos turistas é intensificada. O destaque vai para os atravessadores, cuja venda é garantida ao longo do ano, e o retorno disso vem na forma de dinheiro ou combustível e petrechos de pesca, que acabam por “solucionar” muitos dos problemas financeiros destes pescadores. Os produtos com maior valor comercial são o robalo, o camarão sete-barbas e o camarão branco. Estes pescados sofrem alterações de preços ao longo do ano, com exceção do primeiro, vendido, durante o ano todo, a um valor de quinze reais por quilo, aos turistas, mercados e restaurantes (comercializado já beneficiado como filés); enquanto o atravessador paga dez reais por quilo. Os camarões têm os valores modificados ao longo do ano. O sete-barbas é comercializado a um valor de dez reais o quilo, em alta temporada, independentemente de quem seja o comprador, porém, nos outros meses do ano, é vendido a cinco reais o quilo, para os turistas, e de três reais a cinco reais o quilo, para os atravessadores, mercados e restaurantes. Já o camarão branco, é vendido a quinze reais o quilo, para o consumidor final; treze reais o quilo, para o atravessador; e dez reais o quilo para restaurantes e mercados, isso na temporada; no restante do ano o preço para os turistas se mantém. Para o atravessador, esse preço fica a dez reais o quilo, e para os restaurantes e mercados, varia de oito a dez reais por quilo. Outra atividade presente nesta comunidade é a venda de iscas – mais especificamente os “corruptos”, para turistas em busca da pesca de lazer. Esse produto é comercializado num valor de dois reais a dúzia. Esta é uma atividade realizada por aproximadamente quatro famílias e pode ser considerada uma fonte rentável, já que são muito procurados nos fins de semana e na temporada de verão, chegando a comercializarem nesse período de grande fluxo, até trinta quilos desse recurso por dia. A demanda mostra-se elevada, pois nos momentos de pico de turistas, estes vendedores são procurados das quatro horas da manhã até às oito horas da noite. São três os atravessadores que atuam no local, durante todo o ano, “Márcio”, de Pontal do Sul; “Willian”, de Praia de Leste (compra somente robalo e camarão); e “Paulo”, de Florianópolis. Este último, no tempo da tainha, robalo e camarão branco, aluga uma casa nas proximidades para comprar a produção capturada, e assim, revende em Florianópolis por preços mais elevados. Busca o pescado em Barrancos e também na Banca da Doca, em Pontal do Sul. 63 Em relação aos meses mais propícios à captura do pescado, notam-se diferenças que variam com a espécie, sendo os meses de novembro a janeiro, ideais para a pesca do camarão sete-barbas; os meses de novembro a março, para a captura do robalo; e os meses de março a junho, para a pesca do camarão branco. Os meses mais fracos são agosto, setembro e outubro, pois alegam que é a época do ano em que as condições climáticas não são muito favoráveis às atividades pesqueiras, é um período de entrada contínua de ventos do quadrante sul, o que influência diretamente na concentração dos estoques pesqueiros da região. Esse fenômeno é comentado por um morador: “O tempo fica muito ruim nessa época, é muito ventoso”. Quanto aos ganhos por mês, de um proprietário de embarcação e dos quinhoeiros, em uma média aproximada, os proprietários de embarcação e os mais tecnificados chegam a ganhar aproximadamente R$ 2500,00 nos melhores meses do ano e em torno de quinhentos reais nos piores. Já o quinhoeiro, recebe 25% do total, com uma faixa média de R$ 500,00 na melhor época e duzentos reais nos meses mais fracos. Um dos relatos destaca a baixa produtividade pesqueira em alguns meses do ano: “Nos meses de agosto e setembro é muito fraco, não dá nada”. Atividades como roças, caça e coleta não são mais praticadas, com pequenas exceções de roças particulares (localizadas sentido interior do continente), cuja pequena produção é destinada somente ao consumo próprio. Também não necessitam mais caçar, como explica um morador: “Hoje tem tudo no mercado, não precisamo mais caçá”. Produtos como a farinha de mandioca, deixaram de ser fabricados pelos moradores, mas esse comentário demonstra que ainda gostariam de manter essa prática: “Paramo de fabricá farinha depois que o IBAMA chegou, ainda gostaria de fabricá porque hoje tem valor comercial, é bem melhor que antigamente”. 64 5.3.5 Resgate dos costumes e modos de vivência A pesca antigamente realizada, também utilizava as embarcações a remo (canoas) e as de “rede de arrasto de cabo” ou “arrastão de praia”. A área de atuação era em frente à própria praia de Barrancos, por não possuírem canoas a motor. Os principais pescados, até então, eram: “pescadinha”, “roncador”, “robalão”, “prejereba”, ”palumbeta”, “bagre bacia”, “bagre facho”, “martelo”, “pescada amarela”, “pescada branca”, “pescada camacu”, e “parú”. Muitas dessas espécies encontram-se extintas ou em vias de se extinguirem. Assim como em Ipanema, a produção era vendida para um caminhão de uma empresa japonesa de pesca, que vinha de Paranaguá sempre no período da tarde, por volta das 14h00min. Por não terem freezers para uma ideal conservação destes produtos, muitas vezes secavam o pescado como uma forma de mantê-lo em bom estado de consumo por mais tempo. Também comercializavam a produção diretamente em Paranaguá. O peixe seco era vendido em Antonina e Morretes, sendo uma forma de alimento muito consumido e apreciado na época, mas na atualidade deixaram essa prática de lado. Utilizavam as “canoas a remo” para se deslocarem até os locais de venda do pescado. Quando o vento estava a favor, utilizavam velas nas canoas o que facilitava a remada, sendo até desnecessária em alguns momentos. Seguem alguns comentários de pessoas que viveram estas experiências: “A condução que existiu por primeiro e que levava até Paranaguá, passava só duas vezes por semana, era precária e ia tudo pela praia”. “Tinha muito peixe, hoje não tem mais nada... a gente secava esses peixe que não vendia muito”. O lixo produzido por eles, na época, era de origem orgânica, sendo utilizado como adubo para as plantas. Uma moradora conta como era feito: “A gente pegava a raspa da mandioca, daí preparava bem uma terra pra fazê adubo... a gente chamava de estrume... era ótimo pras planta”. Além da pesca, realizavam outras atividades extrativistas e de manejo do solo, tendo as “roças” de subsistência como suprimento aos produtos agrícolas que consumiam para a alimentação. Também caçavam e coletavam mariscos (na Ilha do Mel), como forma de complementar suas fontes de proteína, principalmente quando não era uma época favorável à captura do pescado. Estas atividades geravam 65 produtos destinados principalmente ao autoconsumo desta população, com o excedente das roças (quando havia) destinado à venda em Paranaguá. Nesta comunidade vendiam “cacheta” (madeira praticamente extinta pela sobrexploração), palmito e farinha-de-mandioca para Paranaguá. A “cacheta” era usada na fabricação de lápis e o palmito era enlatado em Paranaguá, para ser comercializado em seguida. O principal produto cultivado nas “roças” era a mandioca, entre outros vegetais cultivados em menor escala. O palmito e a “cacheta”, recursos locais, eram coletados na floresta, comercializados devido ao seu alto valor comercial e demanda. As áreas de plantio normalmente se encontravam mais para o interior do continente, há aproximadamente 1500 m da orla marítima, devido a sua localização nos contornos dos corpos d’água doce, o que implica em terras mais produtivas. A fala na sequencia ilustra a importância das atividades de subsistência para as famílias: “Era só pirão que a gente comia, com feijão e peixe, só as vezes que comia arroz, quando colhia na roça”. A relação dessa população com a natureza também se baseava na compreensão das dinâmicas e dos ciclos da natureza, através de seus conhecimentos empíricos. Essa interação se evidencia no depoimento a seguir: “Lua boa pra plantá é Lua Nova, porque não dá bicho no tomate e na minguante também é boa, carrega os pé de tomate”. Os animais mais caçados para o consumo eram, as capivaras, veados, quatis, tatus, macacos e muitas aves, como a araponga e o tucano. A área de caça também se localizava mais ao interior do continente, aonde a mata atlântica era mais densa, além dos arredores dos rios, como no então, atual “canal da draga”, ou canal do DNOS (Departamento Nacional de Obras e Saneamento). Algumas casas atualmente se encontram nas mesmas regiões de origem, hoje mais agrupadas, na época, localizavam-se bem distribuídas pelo espaço. As casas eram pequenas, de madeira e com o telhado de palha. A região recebeu esse nome por ser uma área com presença de muitas dunas frontais, os “barrancos”, como chamavam. O vilarejo de Barrancos seguia o mesmo padrão de Ipanema, porém existia uma escola no local, e também uma casa de fandango. As dunas aqui eram altas e sem presença de áreas lagunares. 66 FIGURA 4 - SISTEMATIZAÇÃO DA VILA DE BARRANCOS ANTERIOR À URBANIZAÇÃO FONTE: A AUTORA (2006) Os utensílios das casas eram confeccionados artesanalmente pelos próprios moradores, normalmente feitos de palha, taquara, madeira e fibras vegetais, como cestos, balaios, esteiras, “gamelas” (para fazer farinha) e “paviolas” (caixas de madeira com duas alças laterais, usada para o transporte de peixe). Aqui também, como no município em geral, dormiam em esteiras feitas de “piri”, e travesseiros de folhas de “marcela”. Uma das entrevistadas enfatiza a boa lembrança desta época: “Se eu pudesse dormia até hoje na esteira, era tão gostoso”. Quando diante de alguma enfermidade, utilizavam “remédios caseiros” retirados da mata, e recorriam aos “curandores”, assim como nas outras vilas trabalhadas neste estudo. Uma antiga moradora expressa, a importância das plantas para usos medicinais: “Quase sempre era o curandor que preparava as garrafada com as erva”. As manifestações culturais de lazer, no passado, eram as festas populares dos santos padroeiros, como as festas de São Benedito (em Barrancos), de São Pedro (em Pontal do Sul) e de São Sebastião (em Praia de Leste); além, de uma casa de fandango (casa de um morador, na época; normalmente os bailes eram realizados na casa de alguém), aonde celebravam o fandango. Também frequentavam bailes de fandango nos balneários Olho D’água, Atami e Shangri-lá. 67 No carnaval sempre faziam fandangos aos sábados. Os dizeres a seguir, contextualizam os tempos em que os bailes de fandango eram frequentes, destacando as formas como concretizavam-no: “O chão tem que ser de madeira, pra batê com o tamanco”. “Nos baile de fandango só se bebía cachaça, não tinha cerveja porque não tinha geladeira”. “Era cada festa bonita, a gente ía a pé... tinha missa na praia, era tão bom”. “Antigamente tinha diversão e não tinha confusão, hoje nessas festa só tem confusão”. As comidas típicas eram a farinha de mandioca (base da alimentação), o “bijú”, pirão de peixe, peixe cozido, e o peixe seco com banana, abóbora ou batata. Tinha também o “bijú de panela”, mais conhecido como “cuscuz” – deixavam a mandioca de molho na água por oito dias, depois “prensavam” e “temperavam” com “cravo”, “erva-doce”, sal e fubá, cozinhando em “banho-maria”, para depois ser consumido. Uma senhora relata a importância da mandioca como base alimentar: “Criei meus filho tudo com mingau de farinha, nunca dei mamadeira pros filho, só mamavam no peito”. Existiam também lendas nessa região, algumas delas recuperadas neste estudo. Acreditavam em “lobisomens” e “bois-tatá”; também diziam existir uma bruxa que trançava a crina dos cavalos à noite, e no dia seguinte, o cavalo acordava cansado e indisposto. O papel da mulher também sempre foi fundamental para esta comunidade. Alguns pais não as incentivavam aos estudos, pois alegavam que mulher já tinha muito serviço em casa e na roça. Os seguintes dizeres vêm caracterizar as atividades exercidas pelas mulheres: “Antes a mulher trabalhava mais que a gente... puxava a rede, tirava o peixe, carregava o peixe, que era pesado, algumas pescava... carpiam a roça, cortavam lenha, secavam o peixe, limpavam o peixe, descascavam camarão e ainda cuidavam da casa e dos filho”. “O homem só se dá bem na pesca, se tivé uma mulhé que ajude pelo menos em casa”. “Toda mulherada escalava o peixe, lavava no rio, chacoalhava no balaio. Vendia muito peixe seco, era tudo as mulher daqui que faziam, depois do lanço. A gente tinha filhos pra cuidá, mas dava conta de todo serviço”. Atualmente, a mulher ainda é considerada muito importante no desenvolvimento familiar, pois além de suas atividades domésticas, muitas ainda trabalham em outras atividades complementares. Além disso, auxiliam os maridos 68 na pesca, como afirmado por um pescador: “Mulher de pescador tem sempre que ajudar”. 5.4 PONTAL DO SUL 5.4.1 Histórico da ocupação do balneário Os primeiros moradores de outras regiões chegaram a este balneário em meados dos anos 60, eram mais turistas do que moradores permanentes, antes disso, predominavam apenas as famílias nativas, como as grandes: dos Rosa, Campos, Serafim, e os Bento do Nascimento. Estes turistas, de início ocuparam alguns terrenos ilegais, depois foram comprando, primeiramente, os terrenos dos nativos e na sequencia, os terrenos já loteados pelos especuladores. As mudanças no padrão de ocupação deste balneário se iniciaram há mais de 40 anos. Aqui também como em Barrancos, a Empresa Balneária Pontal do Sul foi a antagonista principal na tomada dos terrenos pertencentes aos nativos, desencadeando uma série de conflitos fundiários na região, como ilustrado por alguns pescadores: “As máquina destruíram tudo... Hoje só tem manguezal ainda porque nós tamo aqui”. “Ninguém tinha documento da terra, começaram a cobrar da gente, daí começamos a vender os lotes que tinham pra lá do DNOS e viemos pra cá, que era ponto de pesca”. “Me jogaram aqui, na beira do rio”. “Deram os terreno cada vez mais pra dentro, pra vendê o resto, que tinha mais valor”. “Se eu não tivesse ocupado aqui, tinha perdido tudo. Contratamo um advogado e conseguimo o uso capião”. A ação dos “jagunços”, também aqui foi marcante, já que realizavam os serviços sórdidos a mandato dos investidores externos, destruindo suas casas e os ameaçando constantemente de despejo. Estas falas confirmam essas ações: “Os jagunço ficava em cima, não deixavam plantar, arrumar a casa, até hoje tem jagunço, eles continuam cercando os terreno tomados do pescador nativo”. 69 “Botaram fogo no cartório de Paranaguá, aonde tinham os registro original dos terreno, isso no ano de 1960”. Neste balneário, inicialmente as residências dos nativos seguiam um padrão de ocupação segmentadas paralelamente a orla, porém, a busca por melhores horizontes de vida, resultaram como consequência, em pequenos êxodos, que constituíram novas unidades comunitárias nesta localidade. A divisão dos terrenos entre estes moradores foi desigual, pois muitos tinham grande quantidade de filhos, não sendo respeitado o fator do tamanho das famílias proporcionalmente ao tamanho dos terrenos, estes bem menores e mais afastados da praia. O momento anterior à chegada da empresa Balneária era o de um cenário primeiramente constituído por pescadores que se encontravam nas regiões da Praia de Pontal do Sul, e logo em seguida, na Ponta do Poço e no Pontal II. Após essas pressões fundiárias é que vieram a se formar as comunidades conhecidas como Antigo Embarque, Mangue Seco e Vila Nova. As especificidades de ocupação dessas comunidades serão abreviadas a seguir, a fim de melhor se compreender estas dinâmicas populacionais. 5.4.1.1 O caso da Ponta do Poço e Pontal II: o desenho dessa ocupação Estes dois vilarejos descritos a seguir foram agrupados devido à similaridade de suas características e da proximidade geográfica entre elas. As comunidades da Ponta do Poço e Pontal II se formaram a partir de pescadores/agricultores mais pobres (muitos ex-moradores de Barrancos) que inicialmente se instalaram ali visando melhorarem sua situação, principalmente pelas atividades das roças, que se encontravam neste entornos. Isso lhes permitia fazer o manejo de suas plantações de perto. Esta atividade era a principal fonte de subsistência da época, complementada com a pesca. O chamariz para essa população foi o fato de que poderiam pescar com maior segurança nestas águas mais tranquilas, e por isso, com maior frequência, devido esta ser uma praia estuarina, voltada à baía de Paranaguá e com menor influência da força das marés e dos ventos. Diferentemente do quadro anterior, em 70 que realizavam a pesca em praia voltada para mar aberto, com grande dinâmica de ondas e constante vento sul no período do inverno, o que dificultava as atividades principalmente dos menos tecnificados, é bem expressado por um morador: “Viemo pra cá porque lá tinha muita falta, miséria, daí um tio nosso chamou e nós viemo para pescá e trabalhá na roça. Lá em Barrancos era mar grosso demais, aqui é mais calmo”. Essa era uma opção existente apenas em Pontal do Sul (balneário todo), devido à sua posição geográfica e costa em forma de “L”, que constituía o limite continental final do município, com a área de desembocadura da baía de Paranaguá, lhes permitindo o acesso tanto às praias de mar aberto, quanto às praias voltadas ao estuário. Nos balneários restantes, os da orla, tinham como opção apenas o mar aberto em suas localidades. O vilarejo do Pontal II sofreu as pressões imobiliárias da época, hoje constituindo um bairro de caráter turístico. Este, muito procurado por esse público, pelo fato de possuir águas calmas para banho e recreação náutica, além de sua vista privilegiada da Ilha do Mel e de fragmentos da Baía de Paranaguá. Atualmente esta comunidade não sofre mais estas formas de pressão, obtiveram o direito pelo uso dessas terras, regularizados pela própria empresa Balneária, já que foi a mesma que lhes tirou as terras originais trocando-as pelas atuais. No caso da Ponta do Poço, a ocupação inicial posterior à chegada da urbanização, não foi turística e residencial, mas sim industrial, por empresas vindas de outras regiões do país, com interesses econômicos em evidência. Apenas há três anos, é que vieram três famílias de Paranaguá para habitarem essa região, hoje não mais ali residentes, pois com toda a atual especulação portuária deste lugar, recentemente negociaram seus terrenos com a empresa Balneária, trocando-os por outros em outras localidades. Estas famílias utilizavam essas casas para veraneio. Antes disso existia apenas uma única família na Ponta do Poço, com grande número de descendentes. Os terrenos atuais foram ocupados porque esta comunidade se encontra no segundo local para o qual foram relocados pelos interesses econômicos externos, atualmente estão vivenciando mais uma vez estes processos de remanejamento, onde pretendem agora, alocá-los para uma área próxima ao terminal de embarque para a Ilha do Mel, pelo fato da construção portuária em negociação. 71 A primeira relocação que foi feita nessa comunidade se deu após a venda do terreno original à empresa CBC que ali se instalou e hoje já está vendida para investidores do futuro porto. Depois os colocaram mais para a esquerda, novamente, com a instalação de mais uma indústria. Posteriormente outras empresas se instalaram na região, como a Techint (Companhia Técnica Internacional), ficando o vilarejo de pescadores posicionado entre essas edificações. A terceira relocação destes moradores, realizada por intermédio dos empreendedores do porto, pretende reinstalar esse vilarejo na forma de um conjunto habitacional construído especificamente para esse fim, localizado nas proximidades do embarque para a Ilha do Mel. Os moradores desta vila entraram em contato com um advogado para que este lhes orientassem a respeito dos seus direitos territoriais. Porém este, muito provavelmente, já estava envolvido com os interesses dos empreendedores do porto e não com os pescadores, pois firmou acordo e negociação sem o consentimento final dos moradores. Cada família dentro do acordo negociado teve por direito, a uma moradia de tamanho proporcional a que tinham, e mais seis mil reais por cada integrante (isso para os descendentes dos pescadores mais velhos), com exceção dos moradores mais antigos, que receberam a quantia de 10 mil reais em troca de seus terrenos, alguns desses valores foram maiores, em equivalência aos respectivos aos bens das famílias. Esse procedimento não abriu muitas opções para contra-argumentarem a proposta dos investidores, que pagaram valores relativamente baixos por terrenos tão valorizados atualmente. Essa constante pressão sobre as terras pertencentes a estes pescadores é bem visível por esse relato: “Aqui já tem uns oito ano que tamo nessa briga. Um dia vieram aqui e deram um prazo de 20 dia pra gente sair, senão íam demolir tudo, daí é que procuramo o advogado”. A nova comunidade a se reformular, será em um espaço territorial reduzido, se comparado ao anterior, com as casas lado a lado, restringindo a privacidade das famílias. Nessa região também existem algumas dificuldades para as práticas pesqueiras. Ao mesmo tempo em que terão facilidades de acesso ao mar por estarem à beira do canal DNOS, as atividades constantes das embarcações que por ali circulam (pois as marinas se encontram nas margens) limitam a pescaria nessa área, não podendo por isso, este trecho, ser considerado um bom ponto de pesca, como na localidade que se encontravam anteriormente. 72 O desejo pela permanência na vila original pode ser ilustrado neste comentário: “Aqui para nóis era melhor, pra pesca, pra tudo. A gente ta saindo daqui obrigado mesmo, não é de nossa vontade, já tamo acostumado, lá é ruim até pra pesca”. Os jovens é que se mostram mais favoráveis a essa mudança, por desejarem morar mais próximos da cidade. O que aqui neste estudo não é possível afirmar, porém pode-se fazer especulações, é que num futuro talvez não tão distante, esta comunidade seja novamente relocada da nova área de habitação, já que esta também é alvo de instalação de marinas. 5.4.1.2 O caso do Antigo Embarque Esta região se formou a partir de pressão fundiária da época, já descrita aqui anteriormente. Os primeiros moradores a se instalarem nesta área, em meados dos anos 50, eram duas famílias nativas que até àquele momento habitavam as proximidades do Pontal II, como relatado por uma dessas descendentes: “Antes só morava a minha família e a do meu compadre”. Quando os proprietários das terras iniciaram os processos de tentativas de retirada destas pessoas, cobrando a documentação dos terrenos e os ameaçando de várias formas, estas famílias amedrontadas por estas constantes ações, buscaram se estabelecerem em sua atual localidade, chamada Antigo Embarque, pois este era um bom ponto de pesca, região de desembocadura estuarina. Vinte anos depois começaram a se instalar também pessoas vindas de outras regiões, sendo que aqui houve uma ocupação, principalmente, por pessoas de Santa Catarina (em sua maior parte vindas da região de Barra Velha), constituindo um povoado denominado “os catarinas”, que chegaram visando uma pesca mais promissora. Estes se beneficiaram do lugar, devido às facilidades para suas práticas pesqueiras. Levavam vantagem sobre os nativos pelo fato de possuírem petrechos mais tecnificados, o que lhes fizeram detentores de maior renda. Hoje outras famílias mais ocuparam essa faixa, e o cenário agora é de uma nova pressão turística para que se retirem dali. Isso, porque esta região hoje habitada encontra-se em áreas da União e de Proteção Permanente, por terem 73 remanescentes de vegetação de restinga, sendo muito provável a relocação desta comunidade no futuro. 5.4.1.3 Formação do bairro de pescadores da Vila Nova Na Vila Nova, antes da entrada do turismo neste litoral, pouquíssimas famílias nativas ocupavam a área, comunidade essa que logo cresceu constituíndo um novo bairro de pescadores que ali se instalaram devido às pressões pelas terras em Pontal do Sul. Posteriormente, outras pessoas buscaram esta região, mas eram famílias vindas do norte do estado e de Santa Catarina, em busca de pesca e outros empregos, como serviços de manutenção e obras. Hoje o que se vê é uma ocupação desordenada, com a maioria dos terrenos não regularizados e muitos moradores de outras localidades, de fora do litoral. 5.4.1.4 Mangue Seco: do bairro de pescadores à região mais habitada do balneário A situação do bairro Mangue Seco foi a mais diversificada, o processo de ocupação foi bem diferente dos outros aglomerados. O novo uso se deu há 15 anos, sendo inicialmente marcado pelo êxodo de pescadores (hoje já existem muitas pessoas de outras localidades) que foram pressionados para se retirarem da orla. Esses deslocamentos os afastaram da praia, dificultando as suas atividades pesqueiras, mas ao mesmo tempo, este novo local foi considerado um “refúgio” a estes pescadores, que vinham há tantos anos sofrendo constantes pressões fundiárias, e ali encontraram a estabilidade para manterem suas práticas e identidades culturais. Um morador deste bairro é enfático: “A gente gosta, aqui a gente conhece todo mundo, se sente em casa, é tudo uma classe de pescador”. Com a formação deste bairro, posteriormente à instalação dos pescadores, muitas pessoas de outras localidades (a maioria dos moradores hoje em dia), chegaram para ali habitarem. Estes indivíduos vinham de muitas regiões do país, como do norte do Paraná e outros estados (Ceará, Pernambuco, São Paulo, entre 74 outros). Vieram especialmente para trabalhar na Techint (indústria do ramo da construção civil) e outras empresas construtoras de plataformas da região, permanecendo ali até hoje. Esses fatores resultaram em uma ocupação irregular e desorganizada. Quase não existem casas de turistas, cenário esse contrário ao bairro vizinho, o Pontal II, aonde pouquíssimos são os pescadores e nativos habitando essa localidade. Faz 15 anos que o prefeito da época (já falecido), Vicente Elias, de Paranaguá (já que Pontal ainda não havia se emancipado como município) doou essa área aos pescadores, porém sem a documentação correspondente, sendo este o maior problema atual, porque mesmo que as pressões não mais ocorram estes nativos ficam vulneráveis a novas pressões que venham a se reformular. Além das famílias originais, hoje, Pontal do Sul em seu conjunto de vilarejos, se transformou num balneário de uso essencialmente voltado para veraneio. A maioria das casas pertence aos turistas, com as famílias tradicionais do lugar difusas pela malha urbana local, ou concentradas continente adentro, antes da avenida principal de acesso a esse balneário, evidenciando a estratificação entre nativos e turistas. Os primeiros afastados da orla e os segundos ocupando as primeiras quadras, próximas da praia. A introdução de novos aspectos culturais para estas populações, em ritmo acelerado e em um espaço-temporal pequeno, alterou e transformou imensamente os estilos de vida caiçara, lhes afastando cada vez mais de suas origens. O início desse processo foi um choque para essa população, pois as novidades do mundo moderno eram as mais variadas. Os relatos abaixo exprimem bem esse sentimento: “A primeira vez que vimo um avião, todo mundo começou a correr pro mato, todo mundo queria se escondê no mato, a gente achava que era o fim do mundo”. “Teve uma mulher que quando viu um caminhão pela primeira vez, saiu desesperada correndo pelo mato, chegou em casa toda rasgada de tanto que correu”. Essa gama de conflitos fundiários também marcou o sentimento de dificuldades de adaptação em outras localidades, que não as de origem, por parte dos nativos, como dito aqui: “Não se acostumamo na cidade, muito crime, muito caos, só vamo a passeio. Lá as casa são tudo com muro fechado, a gente se vê preso lá. Aqui é bom, bem sossegado”. 75 “Se tiver que sair daqui vamo ter que abandoná a pesca e daí não teria do que viver... plantá não dá porque não tem mais terreno”. “Gosto muito de morá aqui. Aqui tem muita atração, eu pesco, corto grama, tem muita casa pra patroa cuidá, tem muito jeito de ganhá um dinheirinho, a gente que não consegue mais pescá tanto, porque já tamo velho”. 5.4.2 Oportunidades e atividades relacionadas ao turismo O turismo, como atividade geradora de novas oportunidades aos moradores do balneário de Pontal do Sul, se intensificou há aproximadamente quarenta anos atrás. Porém, não trouxe grandes oportunidades de início (mais nos últimos 15 anos, porque houve uma demanda por serviços de manutenção realizados pelos nativos), as poucas que surgiram, partiram do antigo e primeiro hotel da região, o “Hotel Atlântico” (ao lado da Câmara Municipal), restando hoje apenas suas ruínas. De início, as casas de turistas eram construídas com mão de obra externa, os proprietários traziam seus profissionais de confiança. Um deles comenta: “Depois da construção do Hotel Atlântico, começaram a vir os primeiro turista pro hotel. Era difícil chegá aqui, vinham pela Estrada do Guaraguaçu”. Nessa mesma época, começaram a serem vendidos os primeiros terrenos aos turistas, há valores mínimos. Dez anos mais tarde, após a concretização de certa infraestrutura turística, alguns poucos moradores locais passaram a vender suas residências ou então construir casas com o intuito de vendê-las para turistas, residências estas comercializadas a baixíssimos preços também. O turismo na Ponta do Poço não se desenvolveu, sendo uma atividade econômica insignificante para a comunidade. Atualmente, há uns dois anos, alguns banhistas vêm procurando essa região em busca de águas calmas, mas em nada contribuem para a economia local. Sendo assim, nenhuma família realiza serviços de manutenção de casas de turistas, já os homens vêm realizando serviços temporários em obras, como na construção de plataformas de petróleo, na Techint. A renda média mensal dos moradores deste vilarejo em específico, não varia em alta e baixa temporada, mas apenas em épocas abundantes ou não, para as espécies pesqueiras mais valorizadas no comércio, sendo esse valor impossível de mensurar devida a instabilidade do setor pesqueiro. Numa média aproximada, essa renda não ultrapassa a dois salários mínimos. Como cenário atual, o que se vê, 76 é que pouquíssimas famílias têm casas para alugar a turistas. A diária de uma casa simples, de dois a três quartos, varia na faixa de quarenta a setenta reais. Os estabelecimentos voltados ao turismo da região de Pontal do Sul são poucos, existem oito pousadas, onze restaurantes, quatro campings, seis lojas, três sorveterias, três panificadoras, duas locadoras de vídeos, dois salões de beleza, doze bares, nove bancas de artesanato, seis lanchonetes, duas locadoras de vídeos, três quiosques na praia, uma banca de artesanato, três farmácias, três peixarias, quatro mercados, três mercearias, uma pastelaria, e uma pizzaria. Muitos desses estabelecimentos não funcionam durante o ano inteiro, apenas nos meses de verão, para atenderem os turistas. Em outras épocas não existe público suficiente para demandar muito desses serviços. Alguns pescadores realizam passeios particulares de barco, cinco destes na área da praia de Pontal do Sul; cinco na região do mangue Seco; e seis na área do Antigo Embarque. Normalmente são procurados por pessoas que pescam como atividade de lazer, sendo que os moradores que mais praticam essa atividade encontram-se nas proximidades do canal do DNOS. Muitas excursões só passam por Pontal do Sul, terminando seus destinos na Ilha do Mel, maior atrativo turístico da proximidade. Algumas vêm para campeonatos de futebol que ocorrem frequentemente neste local ou para permanecerem por um final de semana em um camping no Antigo Embarque (isso no verão). Porém, na temporada, vêm muitas pessoas de fora do litoral, mas também de outros balneários adjacentes, à procura de banho de mar em águas calmas e com melhores condições de balneabilidade. Muitas famílias complementam a renda das atividades pesqueiras, realizando trabalhos para turistas como serviços de obras e manutenção em geral. Estes trabalhos são muito visados pelos proprietários de casas de veraneio, já que grande parte deles só frequentam esse ambiente nos feriados e na alta temporada, e as casas ficam fechadas por muito tempo, exigindo uma manutenção frequente. O valor de uma diária de limpeza de casa, piscina ou jardim, varia de trinta a quarenta reais; e de serviços de obras, encontra-se na faixa dos quarenta aos cinquenta reais. Um morador da região da Praia de Pontal do Sul faz artesanatos sob encomenda, vendendo suas peças na Ilha do Mel, no verão. Há também uma pessoa que vende artesanatos em uma banca instalada no Antigo Embarque. Estes 77 moradores nunca receberam nenhum tipo de instrução ou curso de capacitação para serviços turísticos, com o intuito de integrá-los as atividades locais. A renda média mensal dos moradores, em alta e baixa temporada, é difícil de prever, assim como nas outras comunidades trabalhadas, pelo mesmo conjunto de fatores. Traçando uma média, é possível afirmar que na praia de Pontal do Sul e bairro Mangue Seco, a porcentagem da renda ganha fica em 40% para as atividades pesqueiras, e 60% para as atividades geradas pelo turismo. Isso porque nesta parcela do território, a pesca é mais atrasada tecnicamente e há forte influência turística nesta região, o que aumenta a procura por serviços destinados a esse público, trazendo uma renda mais garantida do que a adquirida com a pesca. Na Vila Nova e Antigo Embarque essa porcentagem retirada da pesca aumenta, girando em torno de 70%, pois a pesca é a atividade predominante nestes locais. A exceção ao turismo é a região da Ponta do Poço, aonde mais de 90% da sua renda mensal provém da pesca, com o restante vindo de atividades das indústrias e construtoras de plataformas, pois este agrupamento de pescadores encontra-se mais afastado da malha urbana. O salário gira em torno de mil a dois mil reais na temporada, entre pesca, aposentadoria, serviços de manutenção e aluguel de casas. Fora de temporada, normalmente sobrevivem com dinheiro de aposentadoria e serviços de manutenção, sendo a pesca a atividade menos lucrativa, dificilmente ultrapassando 500 reais ao mês. Esses valores são para as pessoas que ganham mais na comunidade. Já os menos privilegiados, em temporada e no restante do ano, tiram em torno de 500 reais e 200 reais, respectivamente. Para esta comunidade, a presença do turismo no litoral como um todo, também apresentou um reflexo positivo, no que diz respeito a novas formas de renda e à oferta de serviços básicos ao cidadão como, saúde, educação, entre outros que anteriormente não tinham. Os seguintes dizeres contextualizam essa intervenção, juntamente com seus benefícios: “Tem turista que tem casa aqui que ajuda o pescador, dá o barco, a canoa, depois o pescador vai pagando em peixe ou quando dá”. “Foi bom porque dá serviço, já cheguei a cuidá de oito quintais, mas é ruim porque eles quiseram comprá as frente dos terreno e colocaram nóis pra trás”. “O turismo sempre é bom, sempre tem trabalho quando tem turista, mas falta turismo”. 78 “De um lado melhorou no ganho, facilitou a venda hoje na praia, tem mais um dinheirinho do aluguel da casa, muita vantage. O problema foi a tomada dos terreno”. “Hoje em dia, o que ganha na temporada é só para o gasto, não dá pra guardá como antigamente”. Apesar dos ganhos materiais acima expostos, sincronicamente, esses processos urbano-turísticos de transformação do espaço social, biogeográfico e físico, restringiram os moradores locais em parte de seus acessos aos recursos naturais e de como utilizam-no, tradicionalmente. A introdução de leis ambientais restritivas quanto à conservação da biodiversidade local, neste mesmo período, também foram outros empecilhos que limitaram o manejo dos recursos pelos nativos. No entanto, alguns deles levantam a ideia de que, apesar das falhas, se tais leis não tivessem entrado em vigor, a depleção ambiental seria maior. Não tanto pelas práticas tradicionais dos habitantes locais, mas principalmente pela alta exploração de terras pelos investidores externos, como é bem representado no pensamento objetivo de um dos pescadores entrevistados: “Esse porto aí vai acabá com tudo, com as mata”. A intensa ocupação fundiária, o aumento da poluição e degradação ambiental, entre outros aspectos derivados da urbanização, são alguns dos fatores que se refletiram negativamente sobre as famílias tradicionais da região. A restrição e proibição das práticas agrícolas locais fez com que estes pescadores-agricultores buscassem principalmente a pesca como alternativa de renda, atividade esta que lhes provia o orçamento para à compra de seus mantimentos alimentícios. Mesmo assim, alguns poucos nativos ainda complementam sua dieta com produtos de suas hortas domésticas e pequenas roças localizadas em sítios nos entornos. Nos últimos 40 anos, a contínua sobrexploração dos estoques pesqueiros, principalmente pelas grandes indústrias de pesca, vêm desencadeando um processo de declínio acentuado das espécies, tornando a atividade pesqueira pouco rentável economicamente e insustentável, ambientalmente. As fontes de subsistência locais ficam comprometidas, no sentido em que a pesca é a principal atividade geradora de renda do município, e turismo e indústria não chegam a movimentar recursos financeiros suficientes para promover o desenvolvimento socioeconômico para a localidade. Violência social, criminalidade, drogas e prostituição chegaram e vêm se intensificando no balneário, além das rápidas influências de uma cultura globalizante 79 que os afastam de seus modos de vida tradicionais, apontando para uma forte descaracterização das identidades culturais locais. Os mais velhos ainda mantém algumas antigas tradições, porém seus descendentes já perderam essa ligação. Não valorizam esses saberes culturais e desejam outro estilo de vida, bem como empregos na “cidade grande”. A ocupação de residências de turistas concentradas nas primeiras quadras da orla aumenta a estratificação entre estes proprietários e moradores do local, sendo mais um reflexo considerado negativo para a população residente. 5.4.3 Moradores, casas, e infraestrutura atual da vila Atualmente, residem neste balneário, 20 famílias (20 casas e aprox. 89 habitantes)nas proximidades da praia de Pontal do Sul; 25 famílias (com 120 moradores), no Mangue Seco; 16 famílias (60 habitantes e 30 casas; isso porque normalmente as famílias nativas têm mais de uma casa no terreno, sendo geralmente as residências dos seus descendentes), no Antigo Embarque; 20 famílias (20 casas e aprox. 100 pessoas), na região da Vila Nova; oito famílias (oito casas e aprox. 25 pessoas), no Pontal II; e, uma grande e única família de pescadores (distribuídas em 22 casas), totalizando 37 moradores, na área denominada Ponta do Poço. De todos estes vilarejos, aproximadamente 15 famílias locam casas aos turistas no verão, sendo cinco nas proximidades da praia de Pontal do Sul; sete no Mangue Seco; e três no Antigo Embarque. Em relação à infraestrutura e oferta de bens de serviço, as casas já estão ligadas à rede elétrica há mais de 30 anos, nas comunidades da praia de Pontal do Sul, Pontal II, Antigo Embarque e Vila Nova; há 20 anos, na Ponta do Poço; e há 14 anos no Mangue Seco. A grande maioria das casas é abastecida por água de poços artesianos (com exceção de poucas delas já recebem água tratada pela rede pública há dois anos), na praia de Pontal do Sul e Antigo Embarque. O contrário acontece no Pontal II e na Vila Nova, onde todas as casas estão ligadas pela rede pública, com exceção de uma residência em cada uma das duas vilas, que utilizam poços artesianos. Na 80 Ponta do Poço e Mangue Seco todas as casas se abastecem pela Sanepar há aproximadamente oito anos. Na praia de Ponta do Sul, há quase 15 anos, foram instalados telefones públicos na vila, em torno de 20 nas proximidades. No Mangue Seco e Antigo Embarque, esse bem público chegou há dez anos, com quatro e duas unidades, respectivamente. Na Ponta do Poço, esse recurso está disponível há oito anos, com duas unidades; e há cinco anos, também instalaram esses aparelhos na Vila Nova, que hoje conta com quatro unidades. Na vila do Pontal II não existem “orelhões”. Telefones residenciais são encontrados nas vilas do Mangue Seco (há quatro anos); Antigo Embarque (há sete anos); praia de Pontal do Sul e Vila Nova (há seis anos); e Pontal II (há cinco anos). Na Ponta do Poço ninguém possui telefone residencial, pois não existe rede para instalação e o custo dessa implantação é dispendioso, se considerar a renda média destes moradores. Mas praticamente todos têm aparelhos móveis, característica também observada nas outras vilas. Computadores só foram encontrados nas comunidades do Mangue Seco (5 unidades); Antigo Embarque (uma unidade); Pontal II (uma unidade); e praia de Pontal do Sul (duas unidades). Isso nos últimos dois anos. O lixo doméstico é retirado do balneário, pelos caminhões responsáveis pela coleta de resíduos sólidos no município, havendo também uma coleta seletiva de lixo reciclável, realizado por um grupo de moradores de Pontal do Sul, que retiram esses resíduos com o auxílio de “carroças”. Estes coletores revendem os materiais recicláveis. O destino do esgoto produzido são as fossas, já que não existe uma rede de tratamento de esgoto em nenhuma destas vilas estudadas. Em relação à oferta de serviços e assistência pública neste balneário, existe uma creche, há quatro anos, sendo recentemente reformada e ampliada. Existe ainda, uma escola de ensino fundamental e outra que vai até o ensino médio. Alguns vão até Paranaguá para cursarem o 2º grau. Posto de saúde já existe há uns 20 anos, este recentemente reformado e ampliado, melhorando sua infraestrutura. Existem em torno de 15 igrejas evangélicas na região e apenas uma igreja católica. Esta nova filosofia chegou na região há aproximadamente 60 anos atrás. De início os moradores não quiseram conhecer novas doutrinas religiosas, já que todos eram católicos. Os poucos que haviam sido “convertidos” sofreram com os preconceitos das suas comunidades, sendo que algumas pessoas cortavam 81 relações com aqueles que haviam mudado de religião. Porém, cinco anos depois, muitos mudaram de religião, como segue um relato que marca essa mudança: “Quando me converti, meu tio, que tinha sociedade comigo numa rede de 120 braça, deixou de trabalhá comigo e dividiu essa rede no meio, 60 braças pra mim, 60 braça pra ele. Ninguém aqui gostava, ficaram sem falá com a gente por dois ano. Meu tio dizia que era pra ter cuidado, que eles eram comunista, porque eram alemão”. As únicas instalações esportivas deste balneário são três campos de futebol, dois na região da praia de Pontal do Sul, o que atrai alguns campeonatos esportivos intermunicipais, que pode ser considerado como um dos atrativos turístico do lugar; o outro campo está localizado na Vila Nova, mas é para recreação interna. Também utilizam à quadra da Escola Municipal Bem-Vinda para atividades desportivas em geral. Em relação às áreas de lazer locais, existem alguns bares muito procurados por nativos, sendo esta uma das formas de lazer entre o público feminino (normalmente as mais jovens) e masculino da vila; além do futebol, praticado por ambos os sexos; e do vôlei, praticado principalmente pelas mulheres. Outro hábito que muitas mulheres consideram um lazer é a televisão e suas idas à igreja. As atuais e tradicionais festividades desta vila são principalmente as “Festas Juninas” e a “Festa da Tainha e Frutos do Mar”, esta última considerada de pouca importância para economia do local, apesar de ser a principal festa da cidade. 5.4.4 Caracterização da atividade pesqueira e de coleta da comunidade Aproximadamente, 136 pessoas pescam nesse balneário, 124 homens e 12 mulheres. Existem cerca de 20 pescadores, na região da Praia de Pontal do Sul; 23 pescadores homens e sete mulheres, no Antigo Embarque; aproximadamente 30 pescadores, no Mangue Seco; sete pescadores (quinhoeiros, já que não possuem embarcações próprias), no Pontal II; 30 homens, na Vila Nova; e 21 pescadores e cinco pescadoras, na Ponta do Poço. As embarcações atuais mais utilizadas são: aproximadamente 22 canoas de madeira, sem motor e 15 canoas de fibra, motor a diesel, de potências 18, 22 e 24 Hp – na Praia de Pontal do Sul e Mangue Seco (foram somados as quantias dos 82 dois vilarejos devido sua proximidade); quatro canoas de madeira sem motor, uma canoa de fibra, com motor a diesel, de potência 18Hp, e três “bateras” – no Antigo Embarque; um bote de madeira, com motor – no Pontal II; cinco canoas de madeira a motor, e dez canoas de fibra a motor, de potência 11 Hp – Vila Nova; e, nove canoas a remo”; uma canoa a motor de madeira, com potencia de 8 Hp, um bote de madeira a motor (22 Hp) e cinco “bateras” (sendo 2 de fibra e 3 de madeira), com motores com potência de 9, 11 e 18 Hp – na Ponta do Poço. Canoas a motor são mais comuns nos balneários de Atami a Praia de Leste, por serem estas, áreas de mar aberto, com maior influência das marés, necessitando de embarcações mais seguras para realizarem suas atividades pesqueiras. As principais técnicas de pesca atuais utilizadas neste balneário são: são, as “redes de arrastão” – para “tainha”, “betara”, “parati”, “pescadinha” e “robalão” (nas praias de Pontal do Sul, Mangue Seco, Antigo Embarque e Vila Nova). Na Ponta do Poço, essa mesma técnica também é utilizada, porém os recursos capturados são outros (“mixola”, “betara”, “parati”, “bagre”, “escrivão”, “salterinha”, “manguá”, “sardinha”, “xingó” e “parati”), pelo fato dessa região estar localizada no estuário da Baía de Paranaguá. Muito provavelmente pelo fato de a região da Ponta do Poço ser uma praia estuarina, é a que apresenta uma maior variedade de técnicas, estas são: as “redes de malha 6” – para “pescadinha” e “parati”; “redes de malha 10” – para “robalo” e “tainha”; “redes de malha 20” – para “linguado” e “corvina”; “redes de malha 22” – para “linguado”; e também as “redes de malha 5” – técnica essa proibida, mas que ainda utilizam, serve para pesca de peixes miúdos, como o “parati” e a “pescadinha”. As técnicas de redes de “arrasto de camarão” – para camarão “sete-barbas” e camarão “branco” são praticadas no Antigo Embarque, no Pontal II e na Vila Nova; sendo que esta última comunidade também pratica a pesca de redes de “arrasto de prancha” – especificamente para o “camarão sete-barbas”. Essas atividades são as mais rentáveis, pelo fato deste recurso ser o mais valorizado gastronomicamente dentre os existentes neste litoral. As “redes de espera” – para “linguado”, “saltera”, e ”pescada”, são encontradas nas vilas da praia de Pontal do Sul e Vila Nova. Estas são as principais técnicas praticadas, mas também foram citadas dentre as vilas, outras técnicas complementares às já citadas, sendo estas: as “redes grossas” – para peixes 83 grandes (acima de 7kg), como o “robalo” e a “pescada amarela”; as “redes de malhas 6, 9, 10” – para “linguado” e “tainha; as “redes de caceio” – para “pescadinha”, “sororoca” e “linguado”; e as redes de “malhas 6 e 7” – para “pescadinha amarela”. As áreas de pesca encontram-se normalmente no interior da baía e em frente às vilas, com pontos já definidos para cada família, demonstrando um respeito pela individualidade de cada área. Isso para os para os pescadores que não têm embarcações motorizadas. Os que possuem embarcações a motor deslocam-se para mar aberto, percorrendo os entornos da Praia do Miguel, na Ilha do Mel, e as faixas compreendidas entre Barrancos e Shangri-lá. O pescado produzido nas regiões da praia de Pontal do Sul, Mangue Seco, Pontal II, Ponta do Poço e Vila Nova é destinado, primeiramente, ao autoconsumo, com o restante sendo destinado à venda direta ao atravessador, seguido pelos consumidores finais; restaurantes e mercado não recebem essa produção. Essa forma de venda ocorre ao longo do ano. Porém, na temporada, quando há demanda, vendem parte aos turistas na praia, com o restante sendo repassado ao atravessador. Esse destino final varia pouco com a época do ano, destacando a importância das atividades dos atravessadores por trazer um retorno mais rápido e seguro às vendas do pescado, mesmo que desvalorize os produtos. No Antigo Embarque, o pescado produzido é destinado, praticamente em sua totalidade, às peixarias locais, retirando apenas o que é usado para o autoconsumo, isso para o ano inteiro, com raríssimas exceções de venda direta ao consumidor final no verão. Os donos de peixarias que residem e atuam no local, durante todo o ano são, a “Doca”, a “Néia”, e o casal “Gerson e Carmen”, moradores estes, do Antigo Embarque. Nas vilas da praia de Pontal do Sul, Mangue Seco e Pontal II, os produtos com maior valor comercial são o “robalo”, o “linguado”, a “pescada amarela” e a “tainha”. Estes pescados não sofrem muitas alterações de preços ao longo do ano, com um preço já estipulado, havendo apenas diferenças no preço comercializado aos consumidores finais e aos atravessadores. A pesca do camarão não é praticada como atividade principal pelos grupos de pescadores que moram nestas três áreas. A exceção é a comunidade Vila Nova e o Antigo Embarque que praticam essa forma de captura. 84 Os pescados com maior valor comercial, no Antigo Embarque, são, “linguado”, “pescada”, “saltera”, “corvina”, “cação” e a “tainha”, além dos camarões “branco” e “sete-barbas”. Estes pescados sofrem muitas alterações de preços ao longo do ano, pois variam com a intensidade e época da captura, e também com a demanda por estes produtos. Os pescado mais rentáveis na Ponta do Poço são, o “robalo flecha” e “peva”, o “linguado”, a “pescada amarela”, a “pescada”, o “parambijú”, e a “garoupa”, sendo repassados, essencialmente, aos atravessadores locais. Na Vila Nova, os produtos com melhores vendas são a “tainha”, o “camarão branco” e o “camarão sete-barbas”. Estes pescados sofrem pequenas alterações de preços ao longo do ano, havendo também diferenças no preço comercializado aos consumidores finais, atravessadores, mercados e restaurantes. É marcante a presença dos atravessadores locais e sua importância, pelo fato de ser uma venda menos valorizada, porém garantida, o que não aconteceria se esse comércio fosse realizado pelos próprios pescadores. O atravessador que atua no balneário, durante todo o ano, é o “Márcio” (irmão do Samuca da pastelaria) – de Pontal do Sul. Um entrevistado enfatiza: “A maior parte do peixe vai pro Márcio. Compra robalo, pescada amarela e linguado e vende em Paranaguá”. Em relação aos meses mais propícios à captura do pescado, há uma variação de acordo com as espécies, sendo os meses de março a maio, propícios à pesca de “camarão branco”; novembro a janeiro, bons para o “camarão setebarbas”, “pescadinha branca”, “cação”, “robalo” e “cavala”; maio a junho para a captura de tainha; e os meses de julho a setembro, mais fracos para a pesca. Um pescador comenta um antigo dizer popular: “Já dizia o ditado: agosto é o mês do desgosto... tem muita serração, agosto às vezes tem bastante, não se vai pescá muito por causa da serração”. A exceção é a Ponta do Poço, aonde esse padrão de meses favoráveis ou não à pesca sofre diferenças, sendo que junho e agosto são os melhores meses para a pesca do “linguado”; os meses de outubro e dezembro mais abundantes para pescados em geral; e os meses de janeiro a abril os mais fracos para diversas espécies, isso na visão destes pescadores. Na praia de Pontal do Sul, os meses de verão dificultam a pesca dos menos tecnificados e dos que mantém as antigas técnicas, como o “arrastão de praia”. Isso, é devido à grande quantidade de turistas que se banham nessas águas, como falado 85 pelo antigo morador: “Em dezembro paramo o arrasto por causa dos turista, banhista”. Os ganhos por mês, de um proprietário de embarcação e dos quinhoeiros, também são difíceis de serem calculados. Em uma média aproximada, os proprietários de embarcação chegam a ganhar, em torno de R$ 1000,00 nos melhores meses do ano, e nos piores, em torno de R$ 500,00; os quinhoeiros chegam ganhar aproximadamente R$ 500,00 nos melhores meses e numa média de R$ 300,00 nos piores. A situação de decadência desta atividade econômica local é bem ilustrada nas seguintes falas: “É difícil dizê quanto ganhamo, não é sempre que dá pra vendê pro turista, às vezes não tem peixe. Pra nós aqui tá ruim, não tem nada, nada. Os arrasteiro pegaram todos... os filhote de peixe. Já acabou tudo”. “Na época do camarão, tiram mais, em torno de mil reais, podem até dobrá a produção se trabalharem sempre que o tempo tiver bom”. “Eu não ganho quase nada. O dinheiro que a gente faz é mais pra compra o pão”. Atividades como roças, caça e coleta também aqui não são mais praticadas. Como afirmam estes relatos: “A empresa Balneária loteou tudo, não tem mais terra”. “O IBAMA não deixa nem pra comê, não deixam cortá nada”. “Até 1965, pegava os palmito, era tudo livre, caçá era livre, depois proibiram”. 5.4.5 Breve resgate cultural do balneário Antigamente, acompanhando os modos de vida deste município, a pesca também era realizada com técnicas e apetrechos simples, com baixo impacto no ambiente, destacando as embarcações a remo e as técnicas de “arrastão de praia” (praticada por homens e mulheres); praticavam também, em menor escala, a “pesca de linha de mão” e “espinhel” (para a captura de cação). A área de atuação era geralmente em frente às próprias vilas, sentido mar aberto. Eventualmente se deslocavam a outros locais, como Ipanema (considerado um bom ponto de pesca), Superagui e Cananéia. Os pescadores enfrentavam grandes dificuldades para exercerem a pesca nesta época, já que os apetrechos eram simples e as embarcações ainda não eram 86 motorizadas, o que aumentava os riscos no mar, principalmente em regiões de mar aberto, onde muitos destes morreram durante suas práticas. Os principais pescados, até então, eram: “pescada”, “pescadinha branca”, “pescada amarela”, “pescada vermelha”, “parambiju”, “sardinha”, “clareana”, “galheteira”, “perna-de-moça”, “saguá”, “corvina”, “cação”, “cação viola”, “cavala”, “caranha” “saltera”, “oveva”, “bagre”, “bagre facho”, “bagre guri”, “espada”, “tainha”, “roleto”, “xaréu”, “xerelete”, “badejo”, “corvinota”, “bonito”, “raia branca”, “raia vermelha” “palumbeta”, e “roncador”. A maioria dessas espécies também já estão extintas. A “saltera”, a “palumbeta”, o “roncador”, o “bagre” e o “cação” eram comercializados secos e vendidos em “arroba”, como chamavam na época, muito similar à forma como os mercados comercializam o “bacalhau”. A produção era vendida, principalmente, em Paranaguá, no Mercado de Peixe, em Antonina, e ainda, tinha o caminhão de uma indústria pesqueira (japonesa) que vinha de Paranaguá. Esta comprava a produção local. Raramente, vinha um barco de Santos, litoral norte de São Paulo, para a compra desse pescado. Levavam o pescado a remo até Paranaguá e Antonina. As dificuldades de transporte e venda do pescado capturado podem ser ilustradas pelo seguinte depoimento: “Antonina era uma viagem de três dia e na canoa iam três homem e mais todo o pescado, que ía de 500 a 1000 Kg”. Além da pesca, também praticavam as atividades de “roças” e eventualmente coletavam mariscos, na região da Ilha do Mel e Ilha da Galheta (conhecida pelos nativos como Ilha Cará). Outra atividade era a caça, destinada ao autoconsumo destas famílias. Muitas vezes caçavam porque algumas espécies, como os “catetos” (porcos do mato) comiam a plantação, principalmente as “ramas de mandioca”, então também era uma forma de mitigar a atuação desses animais. Esta também não era uma prática frequente a todos os homens, muitos caçavam eventualmente, quando havia necessidade. Algumas pessoas criavam galinhas para complementar a proteína. Estas atividades das “roças” geravam produtos destinados principalmente ao autoconsumo desta população, com o seu excedente (quando havia) destinado à venda em Paranaguá. Neste balneário vendiam abacaxi e abóbora para Paranaguá, algumas vezes em Matinhos, na época em que tinham mais turistas. Também comercializavam “lenha” extraída da mata, para suprir os fogões à lenha dos hotéis de Paranaguá. 87 Os principais produtos cultivados nas “roças” eram, mandioca, mandiocabraba (só para fazer farinha, não era boa para comer), abacaxi, arroz, abóbora, melancia, tomate, milho, batatinha, cana-de-açúcar, feijão, aipim, tomate, banana, cará, taiá (similar ao aipim), pepino e batata-doce. Estas áreas de plantio normalmente se encontravam mais para o interior do continente, na região da Techint na Ponta do Poço (bairro da região) e também nas proximidades do atual embarque para a Ilha do Mel, devido a sua localização nas proximidades dos rios. Outra área que também plantavam é na beira do rio “Pontal”, que passa ao lado do atual “Hotel Village”. Os animais mais caçados para o consumo eram os “porcos-do-mato” (ou “cateto”), já que estes se alimentavam do que era plantado nas roças de subsistência (como a mandioca e o milho); tatu, tamanduá, porco-do-mato, veado, capivara, cotia, paca, quati e macaco. Comiam também algumas aves, como, “papagaio”, “canarinho”, “jacu”, “sabiá”, “canarinho”, “rola”, “sabiá” e “inambu”. A área de caça também era adentrando o interior do continente, aonde a mata era mais densa. As casas, antigamente, se encontravam bem distribuídas pelo espaço (distando aproximadamente 300 metros entre cada uma delas), as pessoas construíam suas casas aonde queriam. Os telhados eram confeccionados com palha, as paredes eram de madeira ou sapê. Os terrenos partiam do continente e terminavam à beira-mar e as residências tinham acesso à orla, sendo a extensão de seus quintais. As atuais regiões dos bairros Mangue Seco, Pontal II e Ponta do Poço eram onde se localizavam as antigas roças de subsistência dessa população. O esquema a seguir (fig. 5), destaca a configuração desse balneário, salientando a presença de três comunidades: a Praia de Pontal do Sul, o Pontal II e a Ponta do Poço. Seguiam o mesmo padrão das outras vilas, sendo a Ponta do Poço a maior comunidade presente e mais estruturada. O acesso principal também era pela praia, e existia ainda um caminho por terra que cruzava todos os vilarejos.A região da Ponta do Poço era constituída por dois aglomerados, a “Ponta do Poço de Baixo” e a “Ponta do Poço de Cima”. 88 FIGURA 5 - SISTEMATIZAÇÃO DO BALNEÁRIO DE PONTAL DO SUL ANTERIORMENTE À OCUPAÇÃO URBANA FONTE: A AUTORA (2006) Os “móveis” e utensílios para a casa eram feitos artesanalmente por estas populações, como suas esteiras, travesseiros, “gamelas” (um recipiente grande de madeira usado para a fabricação de farinha e até mesmo para o banho), “tipiti” (prensa de mandioca para a fabricação da farinha), tamancos de madeira, cestos e balaios. Antes da chegada dos veranistas, existiam aproximadamente cinco famílias (cinco casas) - que moravam na região do Pontal II (conhecido antigamente pelos moradores locais, como “Pontal Grande”); em torno de oito famílias (oito casas) – habitando a região da praia de Pontal do Sul (antigamente chamada de “Barra do Sul”); e Ponta do Poço com uma família estendida, distribuída por 25 casas, com dez casas na “Ponta do Poço de Baixo”, e quinze casas na “Ponta do Poço de Cima”. A Ponta do Poço recebeu esse nome e se dividiu em dois subvilarejos porque nesta região era comum um fenômeno hidrodinâmico local, que criava uma barreira geográfica natural entre as duas pequenas vilas. Sob determinadas condições meteorológicas, na entrada de ventos do quadrante norte e nordeste, o mar invadia a parte da restinga que ficava no meio dos dois subvilarejos, formando 89 um “buraco”, que chamavam de “poço”, um espaço de grande diâmetro. Esse “poço” era considerado perigoso pelos moradores, que evitavam ficar nestas proximidades, pois a força das marés influenciadas destruía parte da vegetação, desde as arbustivas até as grande árvores. Esse fenômeno marinho foi extinto, desde a construção do canal de navegação do DNOS, na década de 50, que acabou por alterar a dinâmica praial local, aumentado a erosão com a intensificação dos processos de dragagens. Essa regressão da linha de costa é um presente problema social, visto que algumas casas estão sendo atingidas pelo mar que vem avançando progressivamente. A colocação de estruturas erradas de contenção de erosão, como pedras e muros, vem a agravar esse problema. Temporariamente pode dissipar parte da energia das ondas incidentes, diminuindo sua superfície de contato, porém, em longo prazo, tende a intensificar problema, já que estas edificações fazem com que as ondas retirem mais ainda o sedimento arenoso. Este é um problema constante, pois a cada ano, novas estruturas de contenção são construídas pelos turistas do Pontal II, a fim de evitar que o mar avance e alcance suas residências localizadas em frente à praia. Em relação ao uso de “remédios caseiros”, aqui também é notável a importância destes recursos na época em que não tinham acesso à medicina alopática. Os “curandores”, pessoas de origem indígena, com profundo conhecimento das plantas locais, eram considerados os médicos locais. Também existiam as mulheres “parteiras”, de grande importância na comunidade. Entretanto, esses usos da floresta não se restringiam apenas à medicina popular, era muito mais intenso que isso, utilizavam as plantas para várias outras funções cotidianas, desde a confecção e manutenção de petrechos de pesca, a até mesmo para seus serviços domésticos, como bem ilustrado pelo depoimento de dois entrevistados: “A Kiboa nossa era um pé de barrelhera, a gente espremia, coava e deixava a roupa de molho, ficava amarela, parecia suja, depois esfregava bem e jogava folha de camena ou uma batata do mato, batata guva, no outro dia a roupa tava limpinha”. “Candapuva é a arvore do mangue que dá uma tinta que passa na rede pra conservá”. “A gente fazia tamanco de madeira, não tinha sapato”. 90 As manifestações culturais de lazer, no passado, há até 50 anos atrás, eram as festas de fandango, realizado nas casas de dois antigos moradores (um próximo à atual pastelaria do Samuca e outro nas proximidades do “Saci” – loja de materiais de construção); também iam a fandangos em balneários próximos, como o “Perequê-mirim” (atual Atami), “Ipeva” (atual Vila Nova) e Barrancos. As mulheres vestiam saias rodadas para irem aos bailes. Uma das entrevistadas expressa um dos ditados da época, a respeito de utilizarem saias longas (na altura do joelho): “As antigas diziam um ditado às moça: a saia um palmo abaixo do joelho, é pro povo vê e pra cima do joelho, é pra quem merecê”. Os instrumentos de fandango eram também confeccionados pelos próprios moradores, como este relato indica: “Faziam adufo (espécie de pandeiro utilizado no fandango) com couro de lagarto”. As comidas típicas eram a farinha de mandioca (base da alimentação), o “bijú”, o “cuscuz” (ambos feitos com a parte da mandioca que sobrava da produção de farinha), pirão de peixe, peixe cozido e o peixe seco com banana ou batata-doce. No período do carnaval, faziam o “Barreado de Carnaval”, as pessoas compravam carne de boi, especialmente nessa época e faziam esse prato. Quando não tinham dinheiro para consumirem café (o que lhes dava energia para as atividades na roça e na pesca), bebiam chá de folha de abacate com farinha de mandioca, como uma alternativa de refeição. A mulher também aqui, representava um papel fundamental para a família do pescador, como destacado na fala a seguir, que demonstra o valor feminino: “Pescavam, trabalhavam na roça, limpava e secavam o peixe, faziam farinha. A mulher trabalhava mais que a gente... roçava, pescava, limpava os peixe, secava os peixe, fazia farinha e ainda cuidava da casa e dos filho”. Atualmente, o papel da mulher é de suma importância para o desenvolvimento familiar, já que auxiliam seus maridos com a pesca, e também realizam trabalhos relacionados ao turismo, complementando a renda da casa. O comentário de um pescador ressalta a atividade atuais delas: “Tem bastante mulher que cuida de casa de turista, tira mais 300 reais por mês. Pra mulher tem bastante serviço. Uma diária é 30 reais”. 91 5.5 QUADRO-SÍNTESE DA SITUAÇÃO ATUAL DAS VILAS: USOS E CONFLITOS O quadro a seguir, faz uma síntese dos cenários das situações de usos territoriais das áreas estudadas, bem como dos atuais conflitos enfrentados pelas comunidades pesqueiras locais: Ponta do Poço Pontal II Mangue Seco Configuração local / tipos de uso - Área industrial / portuária; - Comunidade tradicional semirrústica; - Praia estuarina; - Fragmento de floresta Atlântica; - Área erodida (praia); - Movimento de embarcações; - Entreposto de pesca industrial; - Pesca artesanal; - Área de Preservação Permanente (Mata Atlântica). - Praia estuarina; - Área de Preservação Permanente (Mata Atlântica); - Comunidade tradicional semirrústica. - Fragmento de floresta Atlântica; - Presença de veranistas (2º residência, Bairro Jardim); - Uso náutico; - Vila semirrústica com comunidade tradicional; - Ocupação urbana desordenada e sem planejamento; - Bairro onde residem a maioria dos nativos; - Presença de moradores de outras localidades do Brasil; - Área de Preservação Permanente (Mata Atlântica); - Pouca presença de casas de turistas; - Uso náutico. Problemas - Conflitos fundiário (3ª relocação dos moradores); - Instalação portuária; - Zona de prostituição; - Urbanização precária; - Restrição do acesso à praia; - Erosão acentuada; - Estoques pesqueiros em declínio; - Falta de empregos permanentes; - Ausência de turismo como opção de 2ª renda; - Supressão de Mata Atlântica, por atividade portuária e industrial; - Leis ambientais restritivas ao manejo do solo; - Estruturas industriais em desuso sendo sucateadas; - Perda da beleza cênica; - Descaracterização da cultura local. - Invasão de áreas de uso comum pelo turismo; - Recuo progressivo da linha de costa intensificado por métodos errôneos de controle de erosão; - Supressão da Mata Atlântica (em extinção) por atividade imobiliária; - Restrição de acesso à praia; - Declínio dos estoques pesqueiros; - Segregação social; - Degradação ambiental; - Descaracterização cultural local. - Longa distância da praia para as atividades pesqueiras; - Estratificação social; - Introdução de drogas ao público mais jovem; - Aumento de violência e criminalidade; - Muitos terrenos sem documentação; - Invasão de territórios; - Descaracterização da cultura local; - Restrição de acesso ao canal que faz ligação com o mar. - Degradação ambiental. 92 Pontal do Sul Embarque Antigo Vila Nova Barrancos - Malha urbana horizontal, paralela à orla; - Pequenas lagoas e larga faixa de restinga entre mar (praia) e área urbanizada; - Fragmentos de manguezais; - Urbanização semirrústica; - Orla semiabrigada e exposta; Presença de Unidade de Conservação (UC); - Presença de pescadores artesanais; - Presença do turismo; - Presença do Centro de Estudos do Mar (CEM-UFPR); - Praia oceânica. - Vila semirrústica; - Área de restinga arbustiva; - Ponta da praia de Pontal do Sul e início do estuário; - Ocupação irregular; - Pesca tradicional; Presença dos “catarinas”, especializados na pesca do camarão; - Grande fluxo de banhistas no verão; - Presença de comércios voltados ao público de turistas; - Área de lazer e uso náutico; - Faz limite com o canal artificial de acesso à Ilha do Mel (DNOS). - Vila semirrústica; - Malha urbana formal horizontal; - Larga faixa de restinga entre a praia e a área urbana; Presença de Unidade de Conservação (UC); Bairro recente formado por pescadores e pessoas vindas do norte do estado; - Pesca artesanal; - Pouca atividade turística; - Praia voltada a mar aberto. - Presença de veículos na praia; Problemas fundiários (lotes particulares inseridos na área do Parque do Manguezal e da Restinga); - Invasão de áreas de uso comum; - Grande quantidade de cachorros nas ruas e praia; - Estoques pesqueiros em declínio; - Turismo em decadência; - Pouca oportunidade de empregos; - Descaracterização cultural; - Degradação ambiental. - Zona de Proteção Ambiental; - Presença de comunidade tradicional pesqueira; - Desembocadura do Rio Barrancos no mar; - Ocupação semirrústica; - Fragmentos de mata atlântica; - Área de lazer (campo de futebol na frente da praia); - Vegetação de restinga arbustiva; - Praia oceânica; - Comércio destinados ao turismo; - Terrenos regularizados. - Área de preservação permanente (Mata Atlântica); - Praia estuarina; - Presença de pequenas culturas de subsistência; - Pesca em declínio; - Turismo em declínio; - Rigor das leis ambientais; - Descaracterização da comunidade; - Conflito fundiário/ titularidade; - Invasão de área de uso comum; - Perda de beleza cênica; - Decadência do turismo; - Pesca em declínio; - Restrição do acesso à praia; - Pressão imobiliária; - Supressão da vegetação; - Descaracterização da comunidade. - Pressão fundiária; - Pesca em declínio; - Terrenos sem documentação; - Descaracterização da comunidade; - Aumento da criminalidade e violência; - Aumento da prostituição; - Introdução de drogas. - Especulação imobiliária e portuária; - Isolamento geográfico; - Erosão acentuada; - Ausência de infraestrutura pública (escolas, posto de saúde); 93 - Comunidade tradicional rústica; - Pesca artesanal; - Área de aquicultura; - Uso de plantas medicinais; - Uso náutico. Ponta do Maciel Ipanema IV - Praia oceânica; - Fragmentos de restinga; - Ocupação irregular sobre a restinga; - Comunidade pesqueira tradicional; - Moradores vindos de outras localidades; - Presença de turismo; - Vila rústica; - Precariedade na oferta de bens públicos; - Terrenos não regulamentados; - Estoques pesqueiros em declínio; - Sem opção de 2ª renda; - Êxodo de moradores; - Supressão da Mata Atlântica por atividade portuária / industrial; - Leis ambientais rigorosas; - Falta de empregos permanentes; - Exclusão social e econômica de população nativa; Comprometimento da cultura tradicional; - Descaracterização do local; - População em situação de risco (saúde precária, falta de alimento...); - Pressão fundiária. - Ocupação fundiária irregular; - Pressão sobre o uso territorial; - Relocação de pescadores; - Moradores não nativos podem perder as áreas ocupadas; - Pesca em declínio; - Turismo em decadência; - Introdução de drogas; - Aumento da criminalidade e violência; - Perda da beleza cênica; - Descaracterização da comunidade; FONTE: A AUTORA (2006) 5.6 MAPAS GEORREFERENCIADOS DOS USOS NA FAIXA DA ORLA PRINCIPAL DE PONTAL DO SUL Este capítulo tem como objetivo ilustrar a situação atual das formas de ocupação de toda a faixa da orla (restinga), compreendida entre os balneários de Pontal do Sul e Praia de Leste, a partir de mapas georreferenciados produzidos nesta pesquisa. Este mapeamento foi dividido em oito partes, de maneira a evidenciar os detalhes das áreas, com maior acuidade e distinção quanto aos seus usos, pois em um único mapa, muitas destas especificidades se perderiam, pela sobreposição dos pontos marcados com o aparelho de GPS. A sequência dos mapas dos balneários é fornecida na seguinte ordem: Ponta do Poço, Antigo Embarque, Praia de Pontal do Sul, Barrancos, Shangri-lá, Carmery, Ipanema e Praia de Leste, no sentido do norte para o sul do município. 94 Optou-se por apresentá-los dessa forma sequencial e não no corpo do texto de apresentação dos resultados de cada localidade, pois visualmente facilita a leitura das cartas. Abaixo de cada um desses mapas encontram-se as legendas com a representação gráfica dos símbolos georreferenciados, caracterizando a utilização deste espaço geográfico pela sociedade local. 95 96 97 98 99 100 101 102 103 6 DISCUSSÃO Frente à dimensão dos resultados apresentados e observando os quadros síntese produzidos, que facilitam a comparação entre as vilas estudadas, sistematizando-as, têm-se uma diferenciação das comunidades quanto aos efeitos derivados de um avanço urbano-turístico e portuário intenso e desordenado. A região do Maciel, especificamente, por se encontrar isolada da cidade devido seu acesso exclusivamente realizado pelo mar através de embarcações, recebeu pouca influência da urbanização do município. O que se percebe é certa descaracterização cultural da comunidade, pois apesar de não ter recebido a malha urbana, outros valores culturais advindos desse processo dos seus entornos se incidiram sobre estas populações indiretamente. A introdução de novas religiões transformou alguns dos seus hábitos, reprimindo determinadas manifestações culturais, principalmente no que diz respeito às suas formas de lazer. Nos últimos 10 anos, esse vilarejo passou também, a sofrer as pressões fundiárias e especulação imobiliária, em um primeiro momento, por um interesse turístico na região devido sua beleza cênica e, atualmente pela especulação portuária da região. Ipanema IV, juntamente com o vilarejo do Antigo Embarque, por apresentarem situações similares quanto suas formas de ocupação, se instalando em regiões protegidas ambientalmente por lei específica, podem ser consideradas como as comunidades que mais sofrem as pressões fundiárias por critérios ambientais. A Ponta do Poço e o Maciel também vivenciam constantes conflitos pelo direito de uso das terras, mas no sentido de uma pressão de caráter mais econômico. A primeira por ser a comunidade alvo principal de relocação pela especulação portuária, e a segunda, por ser uma região do entorno de um futuro terminal portuário, que possivelmente pode se tonar uma área de ampliação portuária, caso esse projeto seja realmente concretizado região. Barrancos é exceção dentre todas as localidades pesquisadas. Influenciados por um líder comunitário muito atuante em relação às demandas internas de sua comunidade de origem, lutou por amenizar as desigualdades entre nativos e pessoas vindas de outras localidades. Apesar de sofrerem constantes pressões pela 104 desapropriação de seus terrenos no passado, não se deixaram serem ameaçados por isso e com grande esforço coletivo conseguiram judicialmente os direito ao uso pelas suas terras de origem. Este vilarejo se diferencia ainda, por apresentar fatores que os diferem dos balneários mais urbanos do município. Suas características naturais se mantêm com baixa interferência antrópica, são poucas residências, estas pertencentes aos descendentes de uma grande família. Localizam-se perto da praia, o que lhes facilita a pesca. A proximidade com seus parentes lhes ajudam a manterem suas características mais originais e permitem o trabalho de uma forma mail coletiva. Barrancos é um exemplo de que a manutenção de comunidades tradicionais em seus locais de origem garantem maiores perspectivas de vida aos moradores, sem ferir os seus costumes. Pontal do Sul é a localidade com maior diversidade de situações. Por ser o maior balneário e o que tem a orla abrangendo um trecho de mar aberto e um lado voltado para a região estuarina, sofreu maior segregação na sua distribuição espacial, esta derivada dos processos urbanísticos. As pressões fundiárias, a partir dos anos 50, diluíram os aglomerados de pescadores pelo território de Pontal do Sul, que se dissolveram entre a malha urbana desordenada. Com exceção dos casos da Ponta do Poço e do Antigo Embarque já expostos acima, os vilarejos do Mangue Seco, Pontal II, Vila Nova e Praia de Pontal do Sul são aglomerados resultantes do mal planejamento desta cidade, com pescadores habitando áreas dispersas, alguns mais próximos da orla, outros mais afastados, fatores tais que influenciam diretamente nas suas atividade pesqueiras. Quanto aos aspectos socioculturais e históricos, a chegada da cidade marca definitivamente a diluição de seus modos de vida e de suas manifestações culturais tradicionais. Novos elementos são incorporados, antigos hábitos deixam de ser praticados, transformando a cultura local, lhes afastando de suas origens, com grande perda de seu contexto histórico. Nesse estudo apenas um fragmento desse passado foi recuperado, ainda assim se vê necessário ampliar essa coleta de informações, para que se tente obter mais informações sobre a história da região, no intuito de valorizar a cultura caiçara. A introdução de novas religiões, da televisão e do contato com pessoas de outras 105 localidades modificou consideravelmente alguns dos valores culturais que expressavam suas formas de vida. Ao mesmo tempo, nota-se uma resistência por parte dos mais antigos em cultivarem suas culturas, praticando antigas tradições como a pesca, o plantio de pequenas hortas e roças, a utilização de recursos da floresta para alimentação e fabricação de objetos para seus usos. O comércio faz com que gradualmente percam esses hábitos, pela facilidade de acesso e consumo de produtos manufaturados. Para a economia, pode-se dizer que cidade e turismo chegaram como uma chance de oferecer mais oportunidades de renda e de infraestrutura para os moradores locais da região. O turismo teve uma fase áurea entre os anos 80 e meados dos anos 90, momento este que foi mais promissor para as famílias locais, melhorando suas rendas com a venda do pescado, aluguel de casas e manutenção de residências dos turistas. Atualmente o setor encontra-se em declínio. O município oferece pouca atratividade ao visitante deste litoral, que muitas vezes não mais retorna. Os que têm segundas residências, as põe para venda. O meio ambiente também recebeu as influências de uma urbanização mal planejada. Os recursos naturais foram muito degradados. Não existe uma rede de esgoto, a coleta de lixo não abrange todas as comunidades, o solo é ocupado, a mata suprimida, a água do mar comprometida em sua balneabilidade, entre outros aspectos e formas de poluição e degradação ambiental. A atividade pesqueira encontra-se em forte declínio e hoje não pode mais ser considerada a única fonte de renda dessas comunidades. Para a maior parte delas, se não complementam sua renda com outros tipos de serviços, põe em risco à sobrevivência de suas famílias de uma forma digna. Ao se tentar avaliar o que foi positivo e negativo, os fatores oscilam entre essas duas interfaces de maneira antagônica. Trazem maiores oportunidades de desenvolvimento local e também retiram elementos importantes das características das populações locais. A marginalização destes nativos, que nunca tiveram a chance de participar nos processos de gestão do município, tirou-lhes o direito à vez, e voz, impossibilitando-os de construírem um desenvolvimento local mais harmônico. A implementação de portos, assim como de outras atividades econômicas provêm impactos positivos na economia local em diferentes graus, direta ou 106 indiretamente relacionados com a atividade proposta. Estes são proporcionais à grandeza dos investimentos, os quais geram principalmente impostos, além de movimentarem os comércios da região e pressionarem as autoridades por uma maior assistência ao município. Infelizmente, estudos dos impactos dessas atividades sobre populações tradicionais da região são ainda escassos na literatura. Para esse estudo, os únicos dados pretéritos levantados a respeito de uma das comunidades a serem atingidas diretamente pela instalação do futuro terminal portuário, foram descritos por Krelling (2004) e, mesmo assim, pouco aprofundada quanto aos aspectos socioambientais. Como visto, os maiores impactos negativos nestas comunidades foram incididos sobre suas culturas, modos de vida e meios de trabalho, que se alteraram a partir destes processos completamente diferentes aos de seus universos particulares de origem. É óbvio que os aportes aqui apresentados pela pesquisa exigem maior refinamento, sendo necessária uma ampliação desta pesquisa com maior aprofundamento destas questões dentro de cada localidade, para garantir uma maior acuidade e consolidação dos dados registrados. 107 7 CONCLUSÃO A pesquisa apresentada resultou em um agrupamento, descrição, sistematização e atualização de dados referentes às comunidades pesqueiras avaliadas, sob a ótica da literatura vigente e dos pescadores locais, com a finalidade de se melhor compreender a evolução e as dinâmicas de ocupação do município, bem como suas formas econômicas atuantes. Além disso, estes dados permitiram uma avaliação de quais foram as principais implicações e benefícios derivados dessas formas de usos locais. Foram expostas as situações dos cenários atuais referentes à pesca, interferência turística e portuária, e desenvolvimento urbano. Grande parte do que foi aqui registrado não é contado na literatura existente sobre a região com os detalhamentos derivados das percepções desses pescadores. A visão desse outro lado da história permite um diálogo mais eficiente na tomada de decisões do município, permitindo maior participação da população local nestes processos. A possibilidade de se comparar as vilas em questão, quanto aos tipos e graus de interferência urbano-turísticas, referentes às suas maiores proximidades ou isolamento dos centros urbanos, foi mais um ganho desse estudo. É possível afirmar que todos os vilarejos em questão enfrentam problemas muitos similares decorrentes desses processos, em maior ou menor escala, refletindo tanto em sua economia, quanto em suas culturas, modos de vida e meio ambiente, seja por atuação do turismo, urbanização ou outras atividades econômicas vigentes. Há de se convir que estes impactos não foram de todo negativos para estes nativos. Quando incitados a fazerem uma comparação entre a contemporaneidade e os períodos passados, é de afirmação geral a preferência pelo cenário atual, devido às novas oportunidades de renda, melhor infraestrutura local e maiores ofertas de bens públicos de serviços. Por outro lado, é perceptível que essa modernização trouxe consigo um sentimento de perda, principalmente na população mais antiga, que percebem o desenvolvimento local não tão positivo assim. Nesse sentido, se posicionam frente à introdução de novos valores culturais, como aumento de violência, criminalidade e marginalização da classe pescadora. 108 Os jovens demonstram não estarem mais interessados nos antigos costumes e tradições, almejando um modo de vida mais parecido com o das grandes cidades. Abandonam a pesca (muitos por incentivo dos pais que não aconselham mais essa profissão, visto que a consideram em declínio) e aspiram empregos em outras áreas. Mesmo assim, grande parte destes descendentes não gostaria de migrar de suas regiões de origem, pois lhes agrada viver no litoral. Desejam que suas cidades sejam mais bem estruturadas e com maior oferta de trabalho para não terem que abandoná-las e migrarem para outros centros urbanos. Em relação ao setor turístico e expectativas futuras, estas populações desejam que os órgão governamentais tragam maiores incentivos ao desenvolvimento do turismo regional, este que já foi muito rentável há dez anos atrás e que hoje, por falta de atratividade, não mais têm força local. A proximidade deste litoral com outras praias de Santa Catarina, de maior beleza cênica e incentivo à visitação, tem levado os turistas a buscarem estes novos roteiros, diminuindo o fluxo nos municípios litorâneos paranaenses. A futura instalação de um empreendimento portuário em uma região pequena, considerada tradicionalmente pesqueira e de pouca interferência urbana, soa como um “choque” às populações até então residentes, entretanto, ao mesmo tempo trazem expectativas quanto à introdução de novas oportunidades, principalmente de empregos, mesmo cientes de que muitos desses serão apenas temporários. Ao que se vê, no presente, é que a legislação vigente é de fato bem desenhada, porém pouco efetiva, devido às muitas brechas encontradas nestas leis. A falta de fiscalização permanente traz todo tipo de irregularidades para este ambiente costeiro, predominando ao final, os interesses econômicos. A principal relevância deste este estudo foi a de, primeiramente, fornecer embasamento a posteriores políticas públicas e planos de gerenciamento costeiro que venham a ser instrumentados na região. Ações estas que visem o fortalecimento do setor pesqueiro local, com sua maior integração aos setores turístico e econômicos, procedendo de forma a beneficiar as três faces do desenvolvimento, os lados, social, econômico e ambiental, buscando um maior equilíbrio entre as partes. Também é de suma importância ressaltar que esses registros aqui descritos recuperam fragmentos da história e cultura locais. Elementos estes de grande 109 riqueza e que hoje encontram-se camuflados e marginalizados pelas formas econômicas dominantes. A recuperação desse histórico possibilita assim, a garantia de que esse conjunto de informações seja transmitindo às gerações futuras, já que os relatos sistematizados nesse levantamento expressam os acontecimentos vividos pela última geração de pescadores que acompanharam todas as mudanças nas formas de usos e transformação do espaço nesse litoral. Diante do universo de situações aqui colocadas, pode-se afirmar que os conflitos socioambientais do município de Pontal do Paraná não podem ser considerados como um mero descaso das autoridades e órgãos gestores, muito pelo contrário, há toda uma estruturação de poderes atuando juntos no sentido de beneficiarem os interesses dos investidores externos e dos grandes detentores e proprietários de terras na região, grandes, porém não os únicos e verdadeiros. Incentivar a manutenção de comunidades tradicionais em suas regiões de origem amenizam os conflitos socioambientais derivados de seus êxodos e valorizam as populações quanto os seus costumes e hábitos, agregando uma importância histórica para sua região, que se reflete também no turismo local. Ampliar esta pesquisa e a discussão dos temas aqui abarcados, através de novos estudos, maior amostragem de entrevistados, mais consultas a documentos e bibliografias, entre outras ferramentas que registrem os acontecimentos e características do município de Pontal do Paraná, ajudará na montagem desse “quebra-cabeça” histórico que ainda carece da várias partes para a compreensão das dinâmicas socioambientais do todo. 110 REFERÊNCIAS ANDRIGUETTO, J. M.; TORRES, R. F. & TOMAZ, L. M. Interações, fatores de mudança e sustentabilidade das práticas materiais e dinâmicas ambientais nos sistemas técnicos da pesca artesanal. In: LIMA, R. E. & NEGRELLE, R. R. B. Meio Ambiente e Desenvolvimento no Litoral do Paraná: diagnóstico. Editora UFPR, Curitiba, p. 95-104. 1998. ANDRIGUETTO FILHO, J. M. Sistemas Técnicos de Pesca e suas Dinâmicas de Transformação no litoral do Paraná, Brasil. Tese de Doutorado, Universidade Federal do Paraná (UFPR) e Université de Bordeaux II, Curitiba, 1999. ANDRIGUETTO FILHO, J. M.; CHAVES, P. T.; SANTOS, C. & LIBERATI, S. A. Diagnóstico da pesca no Estado do Paraná. Projeto RECOS: Apropriação e Usos dos Recursos Costeiros, Institutos do Milênio (CNPq PADCT), MS, 69p. No prelo. ANDRIGUETTO FILHO, J. M.; CHAVES, P. T.; SANTOS, C. & LIBERATII, S. A. Diagnóstico da pesca no estado do Paraná. Projeto RECOS: Apropriação e usos dos Recursos costeiros, Instituto Milênio (CNPq-PADCT). 69p., 2005. ANDRIGUETTO FILHO, J. M, 2002. Sistemas técnicos de pesca no litoral do Paraná: caracterização e tipificação . In RAYNAUT, C. et al. Desenvolvimento e meio ambiente: em busca da interdiciplinariedade. UFPR. P. 195-211. ANGELOTTI, R. Segurança dos usuários de praia e riscos associados ao banho de mar em Pontal do Paraná – PR. Pontal do Paraná, 2004. Monografia de bacharelado, Curso de Oceanografia, Universidade Federal do Paraná. CHAVES, P. T. C. 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MPL-Projetos, Planejamento e Gerenciamento Ltda. Curitba, Paraná, 2006. VASCONCELLOS, M.; DIEGUES, A. C. & SALES, R. R. Relatório Integrado: Diagnóstico da pesca artesanal no Brasil como subsídio para o fortalecimento institucional da Secretaria Especial de Aqüicultura e Pesca. PNUD/SEAP, Versão preliminar. No prelo. ANEXO 1 - QUESTIONÁRIO SOCIOAMBIENTAL 113 Universidade Federal do Paraná-Centro de Estudos do Mar Laboratório Sócio-ambiental Formulário No: ________________ Comunidade: __________________ Data:_________________________ Entrevistador:__________________ I. DADOS DO ENTREVISTADO 1. Qual é o seu nome? _______________________________________________ 2. Sexo: F( ); M ( ) 3. Idade: _______ 4. Quantos anos faz que os Sr/a mora nesta comunidade? _________ 5. O Sr/a teve oportunidade de estudar? ( ) Não. ( ) Sim. 6. Se estudou, qual o último ano de ensino formal que aprovou? Nível:____________________Série:______ 7. O Sr. atualmente, em que trabalha? Cargo:________________________________ Tarefas que realiza:____________________________________ Instituição: ____________________________________________ Local: _______________________________ 8. O Sr., atualmente, é aposentado? ( ) Não; Sim ( ), de que? ____________________________________________ 9. Quais tem sido suas ocupações desde que começou a trabalhar? Período? Instituição? Local? Enquanto que? Ocupações Período (que idade a que idade) Onde trabalhava? (empresa, instituição) Localidade Em qualidade de que (colaborando com pais, empregado, proprietário) 10. O Sr. já ocupou ou ocupa algum cargo como representante da Comunidade? ( ) Não; ( ) Sim, Qual? Quando? Qual cargo: ______________________________________________________________ Período: ____________________ Qual cargo: ______________________________________________________________ Período: ____________________ 11. O Sr. já ocupou ou ocupa algum cargo como representante dos Pescadores? 12. ( ) Não; ( ) Sim, Qual? Quando? Qual cargo: ______________________________________________________________ Período: ____________________ 114 Qual cargo: ______________________________________________________________ Período: ____________________ 12. Quando foi que sua família veio a morar neste lugar? Ano aprox.: ________ 13. Quem veio?(Parentesco): _________ 14. Onde moravam antes? Localidade: _________________________________________ Município:______________ 15. A que atividades se dedicavam antes de vir aqui? ________________________________________________________________________ ___ ___________________________________________________________________________ ___ 16. Porque vieram a morar aqui? ______________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ ___ II. HISTÓRICO DO POVOAMENTO DA VILA 17. Aproximadamente, em que ano vieram os primeiros moradores a este lugar? _______________ 18. Quais foram as primeiras famílias que vieram para aqui? ________________________________________________________ 19. O Sr sabe de onde vieram? ___________________________________________________________________________ _______ 20. O Sr sabe porque vieram a morar aqui? _______________________________________________________________________ 21. Os primeiros moradores, ocuparam ou compraram os terrenos? ( ) Ocuparam; ( ) Compraram, a quem?______________ 22. Para a atividade pesqueira, a instalação neste lugar, supus quais vantagens e quais desvantagens? Explique, por favor. Vantagens: ___________________________________________________________________________ _____________ Desvantagens: ___________________________________________________________________________ _____________ 22. Na época, como realizavam a pesca ? Tipos de embarcação: ___________________________________________________________________________ _____________ Técnicas: ___________________________________________________________________________ _____________ Principais produtos: Onde vendiam: 115 23. Que outras atividades econômicas praticavam? Outras Principais produtos Onde realizavam Atividades Destino (autoconsumo, venda, onde) Roça Caça Coleta 24. Como estavam distribuídas as casas no espaço? ___________________________________________________________________________ _____________ 25. E o terreno das roças? ___________________________________________________________________________ ____________ 26. Quando foi que isso começou a mudar? ______________________________________________________________ 27. O que foi que aconteceu? Nos pode relatar? ___________________________________________________________________________ ____________ 28. Houve algum tipo de pressão para que os pescadores afastassem suas moradias da costa? ( ) Não; ( )Sim, explique quais, quando e por parte de quem? ___________________________________________________________________________ ______ 29. Na época, houve algum tipo de oferecimento (p.e. dinheiro, terrenos baratos em outro lugar, etc.) para que os pescadores afastassem suas moradias da costa? ( ) Não; ( )Sim, explique quais, quando e por parte de quem? ___________________________________________________________________________ ____________ 30. Atualmente, os moradores são proprietários dos terrenos, tem a posse, ou são apenas ocupantes? ( )Propriedade regularizada; ( ) Posse; ( ) Ocupação; ( )Outra, especifique: EXPLIQUE: ___________________________________________________________________________ _____________ 31. Hoje em dia, a maioria dos moradores, é originária de onde? ___________________________________________________________________________ _____________ 32. O Sr sabe porque vieram a morar aqui? ___________________________________________________________________________ _____________ 33. Já houve ou há algum tipo de pressão para desocupar esta área? ( ) Não; ( )Sim, quais, quando e por parte de quem? ___________________________________________________________________________ _____________ 34. O que significaria para a comunidade ter que sair daqui? Explique, por favor. ___________________________________________________________________________ _____________ 116 35. Que tipo de ações Vcs estão desenvolvendo para não sair daqui? ___________________________________________________________________________ _____________ III. MORADORES, CASAS E INFRAESTRUTURA ATUAL DA VILA 36. Hoje em dia, quantas famílias moram aqui, aproximadamente? ________________E quantas pessoas?_______________ 37. Qual é o numero total de casas que hoje há na vila?________________ 38. Quantas delas estão ocupadas por moradores, quantas eles têm para alugar, e quantas são propriedade de turistas? TOTAL CASAS Propriedade de vizinhos da Vila Ocupadas famílias Propriedade turistas Outras (abandonadas) Para alugar a turistas 39. As casas estão ligadas à rede elétrica?( ) Não; ( ) Sim, desde quando? _______________________________________ 40. As casas têm água encanada? ( ) Não; ( ) Sim, desde quando?______________________________________________ 41. Aproximadamente, quantas casas se abastecem de água de poço? ______________ 42. Aproximadamente, quantas casas se abastecem da rede pública? ______________ 43. Qual é o destino do esgoto doméstico? ________________________________________________________________________ 44. Qual o destino do lixo doméstico? ___________________________________________________________________________ 45. Tem telefones públicos na Vila? ( ) Não; ( ) Sim, Quantos?: _____Desde quando? ________________________________ 46. Tem telefones particulares nas casas? ( ) Não; ( ) Sim, Quantos?: _____Desde quando? ___________________________ 47. Alguém da vila tem computador em casa? ( ) Não; ( ) Sim, Quantos?: _____Desde quando? _______________________ 48. Que comércios existem na vila? ___________________________________________________________________________ _____________ 49. Na vila, há creche? ( ) Não; ( ) Sim, é pública ou particular? ( ) Pública; ( )Particular 50. Na vila, há escola primária? ( ) Não; ( ) Sim, até que série? __________________ 51. A que escola secundária vão os adolescentes da vila? __________________________________________________________ 52. Na Vila, há posto de saúde? ( ) Não; ( ) Sim, desde quando?_______________________________________________ 117 53. Tem igrejas na vila? ( ) Não; ( ) Sim, quais?_____________________________________________________________ 54. Tem instalações esportivas na vila? ( ) Não; ( ) Sim, quais?________________________________________________ 55. Tem algum outra instalação para atividades de lazer? ( ) Não; ( ) Sim, quais?________________________________ 56. Quais as principais atividades de lazer dos homens, das mulheres e dos jovens? (perguntar um por vez) Homens Mulheres Jovens 54. Quais são as festas tradicionais da Vila?______________________________________________________________ IV. CARACTERIZAÇÃO DA ATIVIDADE PESQUEIRA E DE COLETA DA COMUNIDADE 55. Quantos pescadores há, nesta vila, aproximadamente? ___________________________________________________________ 56. Quantas embarcações utilizam, por tipo, material, potência de motor? Tipo Quant. Material Potência motor Observações 57. Quais são as técnicas de pesca utilizadas, os principais produtos pescados com cada uma, e a área de pesca? Técnicas Produtos Área preferencial de pesca (baia, mar aberto) 58. Que espécies Vcs coletam e preferencialmente onde? (tabela abaixo) 59. Quem costuma coletar cada espécie (homens, mulheres, os dois)? Espécies que coletam Onde Quem coleta? Homens Mulhere s Ambos 118 60. Em que proporção (%) Vcs vendem ao consumidor final, vendem para um restaurante ou comerciante, um atravessador ou consumem os produtos pescados e coletados? Em temporada e no resto do ano. Produtos Consumidor final Restaurante Atravessador Consumo próprio ou mercado Temporada Resto Temp Resto Tempo Resto Temporada Resto ano orada ano rada ano ano Peixe (*) Camarão 7b Camarão B Caranguejo NOTA: (*) qual?: ______________________ 61. Qual o preço que Vcs vendem a cada um desses clientes cada produto? Produtos Consumidor final Restaurante ou Atravessador mercado Unidade Temporada Resto Temporada Resto Temporada Resto medida ano ano ano Peixe (*) Camarão 7b Camarão Branco Caranguejo NOTA: (*) qual?: ______________________ 62. Quem são os atravessadores e comerciantes (nomes) aos que Vcs vendem os produtos habitualmente? (Temporada e resto do ano) E De onde são? Nomes (Temporada) (Nomes) Resto do ano De onde são? Observações Quais são os melhores meses do ano para o ganho do pescador? Explique: ___________________________________________________________________________ _____________ 63. Quais são os piores meses do ano para o ganho do pescador? Explique: ___________________________________________________________________________ _____________ 119 64. Aproximadamente, quanto ganham por mês um proprietário de embarcação e um quinhoeiro com a atividade de pesca, em cada uma dessas épocas do ano? Melhores meses do Piores meses do ano Média anual ano Proprietário de embarcação Quinhoeiro 65. Atualmente, se praticam atividades como roça, a caça e a coleta? Produtos, onde e destino. Atividades Principais produtos Onde realizam a Destino atividade (autoconsumo, venda, onde) Roça Caça Coleta 66. Qual é a importância econômica que essas atividades tem agora?___________________________________________________ 67. Se abandonaram alguma destas atividades, porque? Roça:______________________________________________________Caça:___________ _____________ Coleta:_____________________________________________________________________ _____________ V. OPORTUNIDADES E ATIVIDADES RELACIONADAS AO TURISMO 67. Quando começou o turismo a gerar novas oportunidades para os moradores da Vila?_____________________________ 68. Em que ano (aprox.) os moradores começaram a vender casas para os turistas? __________________________________ 69. O Sr. se lembra do preço em que foram vendidas essas casas?_________________________________________________ 70. Vendiam as casas próprias e depois construíram outras novas? ( ) Ou as construíam especialmente para a venda?( ) 71. Em que período construíram casas especialmente para alugar aos turistas? ______________________________________ 72. Quanto cobram por alugar uma casa em temporada? Por dia: _______________Por semana: ______ Por mês: _________ 73. Quem tem casa para alugar? ( ) Todas as famílias; ( ) Quase todos; ( ) A maioria; ( ) A metade; ( ) Menos da metade; ( ) Poucos; ( ) Ninguém Nota: ___________________________________________________________________________ _____________ 70. Existem pousadas na Vila? ( ) Não; ( ) Sim, 120 quantas?_________________________________________________________ 71. Existem acampamentos na Vila? ( ) Não; ( ) Sim, quantas?_____________________________________________________ 72. Existem restaurantes na Vila? ( ) Não; ( ) Sim, quantos?_______________________________________________________ 73. Tem pessoas que levam turistas a passeios de barco ou a pescar? ( ) Não; ( ) Sim, quantas?__________________________ 74. Vêm excursões de turistas até a Vila? ( ) Não; ( ) Sim, com que freqüência?_______________________________________ Explique: ___________________________________________________________________________ _____________ 75. Vêm turistas para as festas tradicionais da Vila? ( ) Não; ( ) Sim, quando?_________________________________________ Explique: ___________________________________________________________________________ _____________ 76. Existem pessoas que realizam os seguintes tipos de trabalho para os turistas? Quantas e o quanto cobram? Trabalhos para turistas Quantas pessoas da Vila Quanto cobram/unidade de tempo) Limpeza de casas Limpeza de jardins, piscinas Guardas de segurança Serviços manutenção Outros: 77. Existem pessoas da Vila que vendem os seguintes produtos para turistas? Quantos? Onde? Produtos Quantas Onde vendem pessoas Artesanato Bebidas e Alimentos Isca Outros: 78. Tem pessoas da Vila que realizaram cursos de capacitação em serviços turísticos? ( ) Não;( )Sim, quantos?____ 79. Aproximadamente, qual é a renda média mensal .... Dos que ganham mais na comunidade?: Fora de Temporada: ______________Em temporada: __________ Dos que ganham menos: Fora de Temporada: ______________Em temporada: ________________ 80. Aproximadamente, que parte (%) da renda corresponde à pesca, ao turismo, e a outras atividades? Pesca e coleta Turismo Outras % fora de temporada % em temporada 79. Nos últimos 30 anos, que fatos relacionados com a vinda do turismo os prejudicaram mais? Explique: 121 ___________________________________________________________________________ _____________ 80. Nesses 30 anos, que fatos relacionados com a vinda do turismo os beneficiaram mais? Explique: ___________________________________________________________________________ _____________ VI. VISÃO DO FUTURO 81. Para terminar, nos diga, como o Sr vê o futuro de sua comunidade? ___________________________________________________________________________ _____________ 82. Quais são as expectativas dos jovens: querem permanecer na Vila, ser pescadores ou se dedicar a quê? ___________________________________________________________________________ _____________