UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ
JULIANA DE OLIVEIRA E SILVA
EFEITOS DO AVANÇO URBANO-TURÍSTICO E PORTUÁRIO EM
COMUNIDADES PESQUEIRAS DE PONTAL DO PARANÁ - PR
PONTAL DO PARANÁ
2006
UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ
JULIANA DE OLIVEIRA E SILVA
EFEITOS DO AVANÇO URBANO-TURÍSTICO E PORTUÁRIO EM
COMUNIDADES PESQUEIRAS DE PONTAL DO PARANÁ - PR
Monografia apresentada como requisito parcial
à obtenção do título de Bacharel em
Oceanografia, com ênfase em Gestão
Ambiental Costeira, no Centro de Estudos do
Mar, Setor de Ciências da Terra, Universidade
Federal do Paraná.
Orientadora: Prof.ª Dr.ª Naína Pierri Estades
PONTAL DO PARANÁ
2006
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO .......................................................................................................
1
1.1 CONTEXTUALIZANDO A PESCA ARTESANAL OU DE PEQUENA ESCALA ..
1.2 UMA BREVE CONTEXTUALIZAÇÃO DA EVOLUÇÃO DAS POLÍTICAS
NACIONAIS DO TURISMO ...................................................................................
1.3 INSTALAÇÃO PORTUÁRIA NO MUNICÍPIO DE PONTAL DO PARANÁ ..........
1.4 JUSTIFICATIVA .................................................................................................
1.5 DEFINIÇÃO DE OBJETIVOS .............................................................................
1.6 CONTEÚDO TEMÁTICO ....................................................................................
2
5
7
8
11
12
2
13
ANTECEDENTES HISTÓRICOS DA OCUPAÇÃO LITORAL DO PARANÁ: O
CASO DE PONTAL DO PARANÁ ........................................................................
RECAPITULANDO A HISTÓRIA DA REGIÃO: ANTECEDENTES À
URBANIZAÇÃO (ATÉ A DÉCADA DE 1940) .......................................................
2.2 EVOLUÇÃO DOS PROCESSOS DE OCUPAÇÃO TERRITORIAL NO
LITORAL SUL PARANAENSE ............................................................................
2.3 O USO BALNEÁRIO EM PONTAL DO PARANÁ ...............................................
2.4 DINÂMICA MIGRATÓRIA DE FLUXOS POPULACIONAIS: A OCUPAÇÃO
CONTÍNUA LITORÂNEA ....................................................................................
13
3 ÁREA DE ESTUDO ................................................................................................
19
4 MATERIAIS E MÉTODOS .....................................................................................
25
5 RESULTADOS .......................................................................................................
31
5.1 VILA DO MACIEL ................................................................................................
5.1.1 Histórico da ocupação da vila .........................................................................
5.1.2 Moradores, casas e infraestrutura atual da vila .............................................
5.1.3 Caracterização da atividade pesqueira e de coleta da comunidade ...............
5.1.4 Breve resgate dos modos de vida e costumes ...............................................
31
31
34
36
38
5.2 IPANEMA IV ........................................................................................................
5.2.1 Histórico da ocupação: A vila de pescadores Ipanema IV ..............................
Oportunidades e atividades relacionadas ao turismo ......................................
Moradores, casas, e infraestrutura atual da vila ..............................................
Caracterização da atividade pesqueira e de coleta da comunidade ...............
Breve resgate de seus modos de vida e costumes antigos ............................
42
42
45
48
49
51
5.3 PRAIA DE BARRANCOS ...................................................................................
5.3.1 Histórico da ocupação do vilarejo ....................................................................
5.3.2 Oportunidades e atividades relacionadas ao turismo ......................................
5.3.3 Moradores, casas, e infraestrutura atual da vila ..............................................
5.3.4 Caracterização da atividade pesqueira e de coleta da comunidade ...............
5.3.5 Resgate dos costumes e modos de vivência ...................................................
55
55
58
60
61
64
2.1
5.2.2
5.2.3
5.2.4
5.2.5
14
15
17
5.4 PONTAL DO SUL ................................................................................................
5.4.1 Histórico da ocupação do balneário .................................................................
5.4.1.1 O caso da Ponta do Poço e Pontal II: o desenho dessa ocupação ...............
5.4.1.2 O caso do Antigo Embarque ..........................................................................
5.4.1.3 Formação do bairro de pescadores da Vila Nova .........................................
5.4.1.4 Mangue Seco: do bairro de pescadores à região mais habitada do
balneário .......................................................................................................
5.4.2 Oportunidades e atividades relacionadas ao turismo ......................................
5.4.3 Moradores, casas, e infraestrutura atual da vila ..............................................
5.4.4 Caracterização da atividade pesqueira e de coleta da comunidade ...............
5.4.5 Breve resgate cultural do balneário .................................................................
68
68
69
72
73
73
5.5
QUADRO-SÍNTESE DA SITUAÇÃO ATUAL DAS VILAS: USOS E
CONFLITOS ........................................................................................................
91
5.6 MAPAS GEORREFERENCIADOS DOS USOS NA FAIXA DA ORLA
PRINCIPAL DE PONTAL DO SUL ......................................................................
93
6 DISCUSSÃO .........................................................................................................
103
7 CONCLUSÃO .......................................................................................................
107
REFERÊNCIAS .........................................................................................................
110
ANEXO 1 - QUESTIONÁRIO SOCIOAMBIENTAL ...................................................
113
75
79
81
85
1
1 INTRODUÇÃO
O município de Pontal do Paraná, no Estado do Paraná, ainda abriga em
seus balneários populações de pescadores que se encontram ameaçadas por
diferentes processos. De um lado, sob o contexto da crescente diminuição de
recursos pesqueiros advindos da pesca predatória, os pescadores artesanais
encontram-se mais frágeis, tendo ameaçadas sua fonte direta de renda e, para os
mais pobres, de alimento. Por outro lado, o avanço urbano e turístico, tem trazido
problemas, e também oportunidades para estes pescadores. Em termos de
oportunidades, são oferecidos aos pescadores infraestrutura e serviços que
melhorem suas condições de vida, além de ampliarem e melhorarem as
oportunidades de venda dos seus produtos e as possibilidades de desenvolverem
outras atividades complementares de geração renda. Porém, ao mesmo tempo, o
avanço urbano supõe um processo de pressão para que eles saiam das áreas mais
próximas à praia. Local este, onde tradicionalmente implantam suas moradias, os
barracos de abrigo dos barcos e apetrechos, os locais de venda dos peixes, e, a
formação de um sistema integrado, que facilita o trabalho e a colaboração de toda a
família e dos demais pescadores nas atividades.
Esse processo, que já foi “violento” no momento em que se fizeram os
loteamentos que precederam à formação dos balneários atuais, continua presente,
na medida em que ainda existem áreas adjacentes às praias ou à baia não loteadas,
ou com baixa densidade de construção/ocupação com fins turísticos. Isso tende a
separar o lugar da pesca do lugar de moradia, e até do lugar de venda dos produtos,
somando dificuldades para o desenvolvimento das atividades, para o envolvimento
familiar, e para as formas de cooperação entre pescadores. Na mesma hora, cidade
e turismo trazem problemas (ambientais, de segurança, entre outros) e uma cultura
com valores e costumes diferentes, que contribuem à perda de identidade dos
pescadores, criando, especialmente nas crianças e jovens, expectativas que tendem
a afastá-los de sua origem. Este conjunto de elementos permite concluir que, se não
forem tomadas algumas medidas que reconheçam o direito dessa população
tradicional a ocupar esse espaço e desenvolver seu modo de vida, ela estará
destinada a desaparecer, não por opção própria senão, principalmente, pela força
das pressões econômicas e diferentes formas de violência.
2
Tal como nos demais estados litorâneos, o Paraná vem desenvolvendo
iniciativas de ordenamento territorial como parte do direcionamento das atividades
com potencial de adensamento e de geração de impactos, além de existir maior
disponibilidade de informações de interesse para elaborar zoneamentos ecológicoeconômicos.
Esse
procedimento
fundamentou-se
no
Plano
Nacional
de
Gerenciamento Costeiro (PNGC) e tem como objetivo estabelecer normas e planos
específicos de gestão frente aos problemas de conflito de uso, e o desdobramento
na perda da qualidade dos recursos marinhos.
Este projeto propõe estudar a situação das comunidades de pescadores do
município de Pontal do Paraná, localizadas em lugares geográficos com diferentes
graus de isolamento em relação à centros urbanos, à presença de turistas e às
instalações portuárias. O objetivo é sua caracterização geral - populacional,
socioeconômica e cultural -, focando compreender os efeitos positivos e negativos
para as condições de vida e identidade cultural dessas comunidades, advindos dos
processos de avanço urbano, turístico e portuário. Devido a pouca existência de
estudos que foquem estes aspectos na área e ao fato de que estas situações
caracterizam não somente os balneários a serem analisados, mas o litoral
paranaense como um todo, justifica-se esta proposta de pesquisa. Considera-se que
ampliar estes conhecimentos possibilitará a introdução de medidas apropriadas para
a efetiva defesa desta população específica nos planos de desenvolvimento regional
e municipal, assim como nas propostas de gerenciamento costeiro que venham a
instrumentá-los.
1.1 CONTEXTUALIZANDO A PESCA ARTESANAL OU DE PEQUENA ESCALA
A pesca é uma atividade extrativista de grande importância sócio-econômica
mundial, pois além de geradora de renda e provedora de fontes fundamentais de
proteína, é responsável pelos meios de subsistência de inúmeras comunidades
pesqueiras das regiões costeiras do mundo. Estas áreas, constituem a base
econômica e cultural de um amplo setor social, o da pesca artesanal. Calcula-se que
25% da captura mundial se dá mediante a pesca artesanal, e 40% do pescado é
para consumo doméstico (PAYNE, 2001). Segundo a Organização das Nações
3
Unidas
para
Alimentação
e
Agricultura
(FAO)
(2004),
nos
países
em
desenvolvimento, a pesca costeira está 90% a cargo de pescadores artesanais,
sendo que na América do Sul existem aproximadamente 677 mil pescadores
artesanais.
A pesca artesanal no Brasil, assim como no mundo, sofre da falta de
informações, tanto de cunho biológico como, principalmente, socioeconômico. As
principais carências estatísticas se referem a tipos de emprego e renda, de
tecnologias empregadas e os aspectos organizativos dos pescadores artesanais. As
principais causas relacionadas a esta ausência de informação estão ligadas à
complexidade da atividade e também à falta de atenção política para o setor
(VASCONCELLOS et alii, no prelo). Andriguetto Filho (1999) também aponta esse
fato, comentando que o relativo desconhecimento científico sobre a pesca artesanal
não lhe confere sua devida importância enquanto setor econômico.
De um modo geral, a pesca sediada no estado é de pequena escala ou
“artesanal”,
com
uma
produção
ainda
não
corretamente
avaliada,
mas
provavelmente de importância mais regional e de menor expressão no cenário
nacional (ANDRIGUETTO FILHO et alii, 1998). Segundo Paiva (1997), entre 1980 e
1994, esta modalidade foi responsável por 92,2 % da produção desembarcada na
região. Richter (2000) aponta que o Estado do Paraná contribui com 1.375,5
toneladas desse total.
A urbanização dos pescadores artesanais é um fator importante em muitos
estados, sobretudo nas regiões Sudeste/ Sul, onde já em 1970, cerca de 70% deles
viviam em áreas urbanas e periurbanas. Essa urbanização está relacionada a
diversos fatores, como por exemplo, o aumento do turismo e da especulação
imobiliária, o abandono das atividades agrícolas e extrativistas e a implantação de
unidades de conservação de proteção integral; estes resultam em deslocamentos
“forçados” destes pescadores, que passam a viver em locais com pouca
infraestrutura,
geralmente
longe
da
praia
e
de
seu
lugar
de
trabalho.
(VASCONCELLOS et alii, no prelo).
Segundo o Diagnóstico do Município de Pontal do Paraná (FUNPAR, 1999),
o litoral paranaense, antigamente habitado por indígenas, foi colonizado pelos
portugueses, já no fim do século XVI. Passou por diversas fases de desenvolvimento
econômico e sucessivos ciclos de auge e crises que, entre outras coisas, levaram,
4
em
um
primeiro
momento,
à
constituição
de
uma
população
de
agricultores/pescadores, e posteriormente, somente de pescadores.
Essa mudança foi impulsionada, no início da década de 1930, com a crise
da agricultura de queimada, o que intensificou o êxodo rural dos pequenos
agricultores, bem como sua migração para as vilas ribeirinhas, estuários e centros
portuários. Este movimento coincide com a melhoria das condições de conservação
do pescado em gelo, além de um aumento da demanda. É preciso lembrar que as
vilas ribeirinhas localizam-se em “terrenos de marinha”, de domínio da União 1 , logo,
sem pressões de ocupação, além de marginais para a agricultura (ANDRIGUETTO
FILHO, 2002).
Vários órgãos possuem competência para autorizar obras nas praias, sendo
que conflitos dessa natureza são frequentes. A União encontra-se muito distante das
realidades locais, e a maior parte das atividades a serem realizadas apenas nos
limites dos municípios não enseja interesse nacional que justifique autorização a ser
expedida pelo Poder Público Federal. Todavia, essa autorização deve ser feita com
cautela, visando ao bem comum e não a interesses puramente políticos. Obras,
atividades na praia, ou em suas proximidades, exigem um licenciamento ambiental e
estudo prévio de impacto ambiental, porém quando esse licenciamento é realizado
por órgãos administrativos incompetentes, torna-se inválido (FREITAS, 2006).
Atualmente, existem aproximadamente 60 vilas de pescadores rurais ou
urbanas, no interior das baías e na frente oceânica, distribuídas pelos sete
municípios litorâneos do estado do Paraná. Estas vilas podem se apresentar de
várias formas, desde pequenos povoados exclusivamente pesqueiros, acessíveis
somente por água, até bairros urbanos. Foram identificadas originalmente 103 vilas,
embora haja diversos outros agrupamentos menores de pescadores em meio ao
tecido urbano da orla sul, nos municípios de Pontal do Paraná, Matinhos e
Guaratuba (ANDRIGUETTO FILHO, et alii, 1998). Nas áreas urbanas, pôde-se
verificar certo grau de dispersão, mas os pescadores, de um modo geral,
apresentaram-se concentrados no mesmo bairro ou vizinhança, onde nem toda a
1
Dentre os bens da União, relacionados no Art. 20 da Constituição Federal, encontram-se os
terrenos de marinha e seus acrescidos, as praias marítimas, as ilhas oceânicas e costeiras e o mar
territorial. Terrenos da marinha são os encontrados a uma distância de trinta e três metros, medidos
horizontalmente para a parte da terra, da posição da Linha da Preamar Média (LPM) de 1831 (Artigo
2º, do Decreto-lei 9760/46): Estes, situados no continente, na costa marítima e nas margens dos
rios e lagoas, até onde se faça sentir a influência das marés; e os que contornam as ilhas situadas
em zonas onde se faça sentir a influência das marés (PDU, 2002).
5
população é de pescadores (ANDRIGUETTO FILHO, et alii, no prelo). Constatou-se
que 43 das 103 vilas desapareceram ou sofreram forte redução da população nas
últimas décadas, o que sugere estarem em vias de desaparecer. O fenômeno
acontece em todos os municípios do litoral. Inversamente, há uma dinâmica de
concentração populacional em algumas vilas, especialmente em bairros urbanos e
nas entradas das baías (ANDRIGUETTO, 2005).
O litoral do Paraná apresenta uma grande diversidade de modalidades de
pesca, descritas em parte por Loyola e Silva et alii (1977), Sociedade de Pesquisa
em Vida Selvagem (SPVS) (1992a, 1992b) e, mais recentemente, por Andriguetto
Filho (1999, 2002), Chaves (2002) e Chaves, Pichler e Robert (2002).
A pesca paranaense tem como alvo cerca de 66 espécies de peixes com
importância comercial, dentre pelo menos 200 conhecidas para a Baía de
Paranaguá (CORRÊA, 1987). Os camarões constituem o recurso economicamente
mais importante (ANDRIGUETTO FILHO, 2002), conquistando uma produção de
camarão de 4.904 toneladas, enquanto que, a produção de pescado foi de 1.363
toneladas (RICHTER, 2000).
Em conjunto com as normas legais ambientais que, de certa maneira,
cerceiam os pescadores de atividades comuns de extração de recursos naturais,
existem inúmeros outros fatores causadores de conflitos no setor pesqueiro
artesanal do país, podendo-se citar, entre outros, a escassez de recursos, a
urbanização, o turismo, a expropriação das terras de origem, a intervenção
industrial-portuária e a disputa com a pesca industrial (VASCONCELLOS et alii, no
prelo).
1.2 UMA BREVE CONTEXTUALIZAÇÃO DA EVOLUÇÃO DAS POLÍTICAS
NACIONAIS DO TURISMO
O turismo surge como atividade econômica organizada em meados do
século XIX. Desde então, esta atividade tornou-se uma incontestável agente
condicionadora do (re) ordenamento do espaço, sendo responsável pela
organização de muitas sociedades. É uma atividade que necessariamente consome
6
espaço, pois os locais a serem desenvolvidos necessitam de infraestrutura (CRUZ,
2002).
O modo como se dá a apropriação de um determinado espaço pelo turismo,
vai depender da política pública de turismo deste lugar. Na ausência dessas
políticas, o turismo vai se delineando de acordo com interesses próprios de
particulares (CRUZ, 2002).
Uma revisão histórica sobre políticas nacionais de turismo no país mostra
que nem sempre essas políticas foram claramente explicitadas. Apenas, a partir de
1990, valorizou-se essa atividade no país, ganhando importância entre as políticas
públicas setoriais. Um marco, dessa fase, foi a Política Nacional de Turismo,
instituída durante o primeiro mandato do presidente Fernando Henrique Cardoso
(1995 – 98) (CRUZ, 2002).
A região litorânea do estado do Paraná, seguindo a tendência geral da costa
brasileira, enfrentou processos “violentos” derivados da ocupação voltada ao uso
balneário-turístico, já que esta se deu intensa e muito rápida, levando-se em questão
o curto período em que ocorreu. Estes processos se deram sem um devido
planejamento prévio, de maneira desordenada, trazendo uma diversidade de
impactos socioambientais.
Apenas muito recentemente foi aprovada a nova Lei Estadual, nº.12.274/98,
que considera como Áreas Especiais de Interesse Turístico e Locais de Interesse
Turístico, diversas localidades dos municípios litorâneos paranaenses. Preconizado
no Art. 2º, por decreto, em comum acordo entre o Estado e os municípios
abrangidos, especificam-se as condições para aproveitamento dessas áreas e
locais, bem como para o parcelamento das áreas declaradas como de interesse e
proteção especial (PDU, 2002).
Além de vários aspectos que determinam o tipo, a natureza e as
obrigatoriedades para a realização de interferências e obras no meio costeiro,
destacam-se: a preservação das florestas e de quaisquer formas de vegetação
natural, dos estuários dos rios, áreas lagunares e restingas, bem como da fauna
existente; a preservação de edificações e sítios de valor histórico, artístico e
arqueológico; o estímulo e assistência às atividades regionais típicas, em especial
as ligadas à pesca, turismo e artesanato; a adoção de normas e padrões que
disciplinem o processo de parcelamento do solo urbano através de lei de
loteamentos; e a adoção de normas e padrões que disciplinem o processo de uso e
7
ocupação do solo urbano através das leis de zoneamento e de edificações (PDU,
2002).
1.3 INSTALAÇÃO PORTUÁRIA NO MUNICÍPIO DE PONTAL DO PARANÁ
Nos últimos 30 anos, no Brasil, cresceram violentamente as atividades
produtivas agrícolas, grande parte das quais escoam seus produtos pelo porto de
Paranaguá, gerando diversos processos e impactos, alguns dos quais afetam a
pesca, como a grande circulação de barcos e a contaminação das águas (FRANCO,
2004). Este crescimento da economia do estado vem sobrecarregando as atividades
portuárias existentes, sugerindo a implementação de novas áreas destinadas a
esses fins (TERPAR, 2006).
Atualmente virá a se instalar um Complexo Portuário em Pontal do Paraná,
na região de Ponta do Poço, na entrada do Estuário da Baía de Paranaguá, ao Sul
Oeste do Canal da Galheta. Este local é visado para esta atividade, devido à sua
posição geográfica favorável, bem como a profundidade de seu calado natural
(Canal da Galheta), em torno de 13,7 metros, o que permite uma navegação com
maior segurança, além de necessitar de menor interferência das atividades de
dragagem deste canal de acesso (TERPAR, 2006).
Esta região permaneceu com sua cobertura vegetal relativamente intocada
até o início dos anos 1980, anteriormente, haviam sido instaladas ali, empresas do
ramo industrial (KRELLING, 2004). O futuro porto suprirá grande parte desse
fragmento de Mata Atlântica, ocasionando perturbações às espécies de fauna e flora
que ali habitam, além da interferência nos processos de usos dos recursos naturais
pelos moradores locais.
Nas épocas de maior atividade, três empresas operavam na região:
Tenenge (hoje pertencente ao Grupo Odebrecht), a CBC S.A. (subsidiária da
Mitsubishi no Brasil) e a Techint (empresa multinacional da área de construções em
geral) (KRELLING, 2004). No início de 2005, a empresa Techint reativou seus
trabalhos na região, com a construção de uma plataforma de petróleo.
A iminência do novo porto vem desencadeando uma série de conflitos
fundiários entre população local e proprietários dessas terras. Os moradores da
8
região vêm sendo pressionados a abandonarem seu local habitual de vivência; fato
este que resultou em um acordo entre ambas as partes interessadas, trazendo ao
mesmo tempo benefícios e desvantagens aos pescadores.
1.4 JUSTIFICATIVA
No Município de Pontal do Paraná, a ocupação urbana intensificou-se a
partir da década de 70, principalmente devido à abertura da rodovia PR-412, que
viria a fazer a ligação rodoviária entre o município e a BR-277, estrada que liga
Curitiba à cidade de Paranaguá. A abertura dessa estrada (PR-412) é um marco na
história da evolução urbana de Pontal do Paraná, principalmente porque facilitou
sobremaneira o acesso ao município. Antes disso, só podia ser feito através de
embarcações ou pela antiga estrada do Guaraguaçú, semelhante a uma trilha,
fazendo com que a vinda de pessoas de Curitiba ou Região Metropolitana - hoje
feita em poucas horas – fosse, na época, bastante penosa (ANGELOTTI, 2004).
Com as facilidades de acesso ao litoral, surgiu um movimento de intensa ocupação
na região, de maneira rápida e desordenada, o que não poupou o meio ambiente em
questão e as populações locais, dessas formas de pressão.
Ao se fazer uma análise do histórico da ocupação recente, verificou-se que,
antes da construção da rodovia PR-412 as construções predominantes eram casas
e ranchos de pesca, concentrados em pequenos agrupamentos. As principais
atividades econômicas até meados da década de 70 eram a pesca artesanal e,
principalmente, as lavouras de subsistência, tendo a mandioca como principal
produto, sendo a base da alimentação dessas populações.
Em consequência a abertura de estradas, o turismo acelerou, e muitas
atividades nesta área começaram a surgir: hotéis, pousadas, restaurantes, bares,
etc. Atividades estas, voltadas, exclusivamente, ao bem-estar do turista. Porém, a
falta de um melhor planejamento, o qual integrasse a população local dentro destas
atividades turísticas, gerou maiores contrastes sociais, o que de um lado fortaleceu a
economia para os investidores externos, mas resultou em pobreza e perda da
identidade sociocultural pelos nativos.
9
Os balneários de Ipanema, Barrancos, Pontal do Sul e Vila do Maciel,
localizados no município de Pontal do Paraná, se caracterizam por ainda habitarem
comunidades pesqueiras tradicionais. Estes locais apresentam diferentes graus de
integração ou isolamento de centros urbanos, bem como de presença do turismo,
especulação imobiliária e portuária, que os acompanham:
• O balneário de Ipanema, encontra-se em uma região de maior desenvolvimento
econômico (principalmente advindo de atividades turísticas locais) e urbano,
maior facilidade de acesso, e melhor infraestrutura. Remanescentes de
populações nativas ainda moram ali, destacando a presença de um bairro
irregular de pescadores, no Ipanema IV, localizado entre a Avenida Beira Mar e a
praia, na área de restinga, em frente aos prédios voltados ao mar;
• A região de Barrancos, apesar de estar compreendida entre dois balneários mais
desenvolvidos (Atami e Shangri-lá) e ser de fácil acesso, ainda apresenta
características ambientais pouco alteradas, vegetação bem preservada, com
poucas construções. Os moradores são, em sua maioria, membros de famílias
tradicionais pesqueiras;
• Pontal do Sul, último balneário do município, sentido norte, também se encontra
em uma área mais urbanizada, com bastante influência turística e atualmente alvo
principal de um projeto de implantação de um terminal portuário. Tem sua
população tradicional distribuída em pequenos assentamentos ou então dispersa
pela malha urbana, sendo estas áreas regularizadas fundiariamente ou não, já
que esta localidade tem uma maior diversificação de casos de ocupação e uso do
território. É o único balneário de Pontal do Paraná que geograficamente apresenta
uma face voltada à mar aberto e outra porção do território com face para o
estuário; e
• Já o Maciel, região mais isolada de Pontal do Paraná e de difícil acesso (pois este
só é realizado por meio de embarcações), se caracteriza por ser um ambiente
ainda bem preservado e com ausência de urbanização. A comunidade local é um
vilarejo rural-costeiro de pescadores. A pressão fundiária é muito evidenciada, já
que esta vila e suas adjacências estão sendo analisadas como “alvos” de
implantações de futuras atividades turísticas e, principalmente econômicas, no
caso atual, a instalação do futuro porto.
10
Estes diferentes graus de desenvolvimento urbano e presença de turismo
nos balneários e os possíveis investimentos futuros provocam efeitos e reações
singulares a cada comunidade específica. Quando a expectativa é direcionada a
piorar a situação econômica, incentiva a migração dos pescadores para outros
locais, na procura de se defenderem ou até de melhorarem de vida. O problema é
que existe maior possibilidade de que estes setores pobres cheguem aos corredores
suburbanos de cidades vizinhas, onde as condições socioambientais acabam sendo
mais precárias que as dos seus lugares de origem.
Essas flutuações acabam por agravar os problemas relacionados à pobreza,
deixando clara a inexistência de políticas públicas eficientes que protejam e
permitam que estes pescadores e suas famílias vivam dignamente de suas
atividades extrativistas econômicas e de subsistência.
Regiões do litoral paranaense, como as que serão objetos do estudo, são de
grande importância sociocultural e histórica, pois estes lugares, nos quais ainda
existem traços de populações tradicionais pesqueiras, já foram caracterizados no
passado, por serem exclusivamente agropesqueiros, onde estas pessoas tinham
uma relação direta com a terra e o mar, retirando destes ambientes naturais os
recursos necessários à sua subsistência.
Com o avanço econômico governado pela lógica capitalista de ocupação e
exploração, atualmente, este cenário encontra-se completamente modificado e em
acelerado processo de degradação. O sistema social dos pescadores enquanto
população tradicional encontra-se extremamente fragilizado, tanto em relação aos
aspectos ambientais, quanto aos fatores relacionados à identidade social e cultural,
o que implica em problemas de adaptação às mudanças, além do aumento das
desigualdades sociais.
Em Pontal do Paraná as comunidades tradicionais se mantêm restritas a
algumas áreas do município, e variam no grau de preservação da cultura nativa. Nas
localidades onde a presença de comunidades de pescadores não está mesclada
com residências de veranistas, observa-se maior continuidade das tradições, estas,
que se apresentam mais diluídas quando as comunidades estão inseridas em meio
aos condomínios e bairros caracterizados pela existência de segundas residências.
Se bem a literatura manifeste reiteradamente consciência e preocupação por
esta realidade, não existem estudos sistemáticos sobre a evolução das
comunidades de pescadores que procurem descrever os processos de mudança e
11
adaptação sofridos ao longo das últimas décadas, a partir do avanço turístico,
urbano e portuário.
A população afetada pelos processos de ocupação e a carência de estudos
com esta abordagem fundamentam a relevância e pertinência desse tema de
pesquisa. O conhecimento produzido virá alimentar os processos de gerenciamento
costeiro, no sentido de contribuir a uma melhor compreensão dos conflitos de
apropriação e uso do solo entre os atores sociais que compartilham essa realidade.
1.5 DEFINIÇÃO DE OBJETIVOS
O objetivo geral deste trabalho do município de Pontal do Paraná é realizar
uma breve caracterização das comunidades e assentamentos de pescadores, que
identifique as consequências do avanço urbano, turístico e portuário, enquanto
vantagens e ameaças para seu bem-estar e permanência no local, no intuito de
subsidiar o desenho de políticas públicas que visem sua sobrevivência econômica e
cultural em condições dignas.
Nesse sentido, os resultados obtidos serão
devolvidos a eles mesmos, como forma de contribuir para que as comunidades
compreendam melhor os seus problemas e conflitos, e possam participar de forma
mais decisiva nos processos de elaboração e definição de políticas e planos de
manejo local.
Como objetivos específicos, pretende-se:
a) caracterizar as vilas de pescadores quanto à localização e organização espacial,
infraestrutura disponível, qualidade das moradias e demais instalações;
b) conhecer os processos históricos de formação das vilas, ocupação e usos do
solo, com especial atenção à situação fundiária atual;
c) caracterizar a pesca que desenvolvem, identificando tipos de embarcações,
apetrechos, recursos pesqueiros alvo, e técnicas envolvidas;
d) conhecer a evolução das atividades econômicas de cada vila nos períodos
anterior e posterior ao desenvolvimento das atividades turísticas e urbanas locais;
e) identificar os elementos que caracterizam seu modo de vida e sua cultura, além
daqueles que possam estar perdidos ou ameaçados;
12
f) confeccionar croquis das vilas, sistematizando a configuração local anterior à
urbanização e criar um mapa georreferenciado, de usos atuais dessas
populações, na faixa da orla principal do município de Pontal do Paraná;
g) comparar as situações das vilas estudadas identificando os tipos de
consequências, positivas e negativas, que estas comunidades sofrem devido ao
grau de isolamento ou proximidade aos centros urbanos e à intensidade do
turismo e avanço das atividades econômicas, no caso, a portuária;
1.6 CONTEÚDO TEMÁTICO
Os
decorrentes
capítulos
e
subcapítulos
seguirão
de
maneira
à
primeiramente, contextualizar o histórico da ocupação do litoral paranaense no
período anterior aos anos 50, subsidiando o pano de fundo que servirá de base a
esse estudo. Posteriormente, será apresentada uma breve caracterização das áreas
em questão, seguida pela exposição dos métodos aqui utilizados para a obtenção
dos resultados. Após a colocação destes itens, se desenvolve a discussão dos
temas e posteriormente, a conclusão da pesquisa, sintetizando o conjunto de
informações obtidas do município de Pontal do Paraná sob o olhar dos pescadores
artesanais ou de pequena escala.
13
ANTECEDENTES HISTÓRICOS DA OCUPAÇÃO LITORAL DO PARANÁ:
O CASO DE PONTAL DO PARANÁ
RECAPITULANDO A HISTÓRIA DA REGIÃO: ANTECEDENTES À URBANIZAÇÃO
(ATÉ A DÉCADA DE 1940)
No século XVI, três grupos indígenas habitavam a Costa Sul e Sudeste
brasileira: os Carijós, os Tupiniquins e os Tupinambás, todos derivados do mesmo
tronco tupi-guarani, vindos da Região Central e Norte do Brasil (PDU, 2002).
Por serem considerados os índios menos agressivos deste período histórico,
os Carijós foram rapidamente capturados, escravizados e domesticados pelos
europeus e também, pelos jesuítas, através da Companhia de Jesus. Habitavam
desde a margem Sul da Baía de Paranaguá (no Paraná) até a Lagoa dos Patos (no
Rio Grande do Sul), estendendo-se pelo interior até o Rio da Prata (PDU, 2002).
Estudos sobre o início da colonização deste litoral indicam que os primeiros
exploradores da Baía de Paranaguá vieram de Cananéia (São Paulo) através de
pequenas embarcações, pelo canal do Varadouro Velho, com destino à Ilha de
Superagui, já no estado paranaense. A expedição de Gonçalo Coelho, em 1501,
havia deixado portugueses e castelhanos na região de Cananéia, que logo
começaram a conviver com os índios Carijós ali residentes. Consequentemente,
pelo fato de existir uma relação pacífica entre ambas as partes, os europeus
passaram a explorar as áreas adjacentes (iniciando pela Ilha da Cotinga), o que
posteriormente lhes permitiu alcançarem a porção continental do estado, tendo os
primeiros desembarques registrados na região antes chamada Barra do Sul, atual
Pontal do Sul (PDU, 2002).
Até o fim dos anos 1940, embarcações realizavam o trajeto entre Paranaguá
e Pontal do Sul, utilizando-se, quando necessário um maior deslocamento, “carros
de boi”, que seguiam pela orla, sentido município de Matinhos. Como cenário na
época, ao longo desse litoral, caracterizavam-se as criações de gado (introduzidos
pelos europeus) e a presença de habitações próximas à faixa da praia, visando o
uso pesqueiro por parte dos moradores locais, atividade esta herdada pelos índios e
que perdura até a atualidade (PDU, 2002).
14
Após este período, iniciaram-se os primeiros projetos para a construção de
estradas que permitiriam o acesso a este litoral em questão.
2.2 EVOLUÇÃO DOS PROCESSOS DE OCUPAÇÃO TERRITORIAL NO LITORAL
SUL PARANAENSE
O novo interesse na ocupação litorânea, vinculado à atividade balneária, se
inicia no Paraná na década de 1920. Essa fase é incentivada com o início da
construção de estradas de acesso a estas regiões. Antes deste novo interesse as
vias existentes eram apenas aquelas que visavam o escoamento da produção ou o
abastecimento entre as cidades portuárias de Paranaguá e Antonina e o planalto
curitibano. Estas estradas, por seus objetivos, tinham traçados que não cruzavam a
planície litorânea e, menos ainda, se aproximavam das orlas oceânicas (SAMPAIO,
2006).
A forma com que se foi concretizando a ocupação desse território, se deu
basicamente, pelo interesse por praias arenosas e o turismo sazonal (de veraneio),
sendo que muitos compraram casas que serviriam como suas segundas residências,
utilizadas eventualmente para períodos de férias e feriados, buscando atividades de
lazer (SAMPAIO, 2006).
O desejo de habitação nas proximidades das praias induziu à uma ocupação
com tendência linear, paralela ao mar, pouco se estendendo continente adentro. As
estadias temporárias - associadas às férias escolares a aos feriados, coincidentes
para os usuários-visitantes da região litorânea - geraram grande movimentação de
pessoas durante estes períodos e a desocupação em massa, no restante do tempo.
Por esse fato, as estradas são demandadas intensivamente em certos períodos,
ficando ociosas fora destas ocasiões, bem como a infraestrutura de cidade
( abastecimento de água e fornecimento de energia elétrica). A motivação principal
da ocupação foi a de uma predominância pelo uso residencial (segunda residência),
contrastando com os demais assentamentos caracterizados pela variedade de usos
na região(SAMPAIO, 2006).
Após a abertura da primeira via do litoral paranaense, a Estrada do Mar
(atual PR – 407), construída em 1926, e da ponte sobre o Rio Guaraguaçu é que
15
são criados os primeiros loteamentos: Matinhos, em 1925; a Vila Balneária de Praia
de Leste, em 1928 e a Vila Balneária do Morro de Cayobá, em 1930 (SAMPAIO,
2006).
O desenrolar da ocupação foi o mesmo nos diferentes trechos da orla, no
que diz respeito às formas de assentamento, seguindo o padrão de parcelamentos
do solo como loteamentos, denominados “balneários”, predominando a ocupação
em frente à praia, com uma pequena parte localizada continente adentro (SAMPAIO,
2006).
Em 1966, o Governo do Estado, elaborou o “Plano Básico Regional Litoral
do Paraná”, que tinha entre seus objetivos o ordenamento espacial de todo o litoral
sul do Estado (de Barra do Saí a Pontal do Sul). No entanto, este planejamento
territorial
seguiu
inalterado
em
seu
modelo
de
apropriação,
construindo
progressivamente a continuidade do tecido urbano, ao longo da orla, pela simples
justaposição dos loteamentos interligados pela rodovia. No início da década de 80, a
região ao sul da baía de Paranaguá, encontrava-se quase que inteiramente loteada
(SAMPAIO, 2006).
Já no final dos anos 70 foram evidenciados um conjunto de problemas
socioambientais derivados do uso da orla oceânica, originados pelos processos
urbanos ocorrido nas três décadas anteriores (SAMPAIO, 2006). Sendo estes
relacionados
principalmente
à pressões
sobre
os
ecossistemas
locais, à
infraestrutura dos municípios (comprometidos nos períodos de maior fluxo de
pessoas), além da descaracterização cultural das populações nativas e dos usos
territoriais originais.
2.3 O USO BALNEÁRIO EM PONTAL DO PARANÁ
Somente em 1928 é que se iniciou a apropriação do trecho da orla
paranaense do atual município de Pontal do Paraná, com o surgimento da Vila
Balneária Praia de Leste, porém esta ocupação só veio a se concretizar, a partir de
1951, com o lançamento do empreendimento Cidade Balneária Pontal do Sul,
localizado no ponto de maior distância ao norte da Estrada do Mar (SAMPAIO, 2006)
16
Apenas na porção mais ao norte da Praia de Leste é que existiam alguns
assentamentos caiçaras. Pontal do Sul era o extremo de uma região separada da
planície pelos rios que deságuam na Baia de Paranaguá, particularmente, pelo Rio
Guaraguaçu. Para quem vinha de Curitiba ou Paranaguá, só se chegava à região de
duas maneiras: seguindo a Estrada do Mar até seu ponto de encontro com a praia,
para por ela, alcançar o extremo norte da planície; ou então, para encurtar o
caminho, utilizando uma estrada carroçável e dificultosa, um pouco ao norte do
ponto médio da orla entre a Praia de Leste e o atual balneário de Shangri-lá
(SAMPAIO, 2006).
O projeto da Cidade Balneária Pontal do Sul foi recebido com grandes
perspectivas, não somente por se localizar no ponto extremo da área desocupada,
mas também pelo fato deste município resultar de uma concessão estatal, indicando
um interesse do governo em se desenvolver aquela porção do território. Esta área
pertencia ao Estado do Paraná que, em 20 de janeiro de 1951, a cedeu ao Município
de Paranaguá, e este, em 01 de fevereiro, seguinte, a repassou à Empresa
Balneária Pontal do Sul, com sede em São Paulo, por contrato “de concessão de
terras e construção de uma cidade balneária”, que previa em sua área urbana,
instalações turísticas de médio porte, voltadas ao lazer e a serviços públicos
(PARANAGUÁ, 19532; PONTAL DO SUL, 19513 apud SAMPAIO, 2006).
Os anos 1950 e 1960 foram de intensa apropriação do litoral do Estado,
como o caso de Pontal do Paraná, que nessa época, teve o maior número de
loteamentos para fins balneários. Nas três décadas seguintes, o município continuou
a ser loteado, porém em ritmo decrescente. Ao final da década de 80, já se tinha o
expressivo
número
de
25.310
terrenos
aprovados,
quantia
que
seria
insignificantemente alterada nos anos noventa, quando foi somado um loteamento
com 69 lotes, perfazendo o total de 25.379 terrenos (SAMPAIO, 2006).
E finalmente, nos dois extremos da escala temporal, aparecem as décadas
de 1920 e 1990, refletindo situações bem distintas, uma do início dos processos
urbanísticos e a outra perfazendo o último dos loteamentos turísticos. Ao final deste
período, a orla do Município de Pontal do Paraná encontrava-se apropriada por um
total de 45 balneários aprovados, e que ocuparam toda a extensão de praias
2
3
PARANAGUÁ. Lei Municipal 160. “Modifica o contrato existente entre o Município de Paranaguá e
a Empresa Balneária Pontal do Sul S.A., de concessão de terras e construção de uma cidade
balneária”. 31-12-1953. Paranaguá.
PONTAL DO SUL. Planta do Loteamento Cidade Balneária Pontal do Sul, 1951
17
arenosas, com exceção às quatro Zonas de Proteção Ambiental (ZPAs), criadas
pelo Decreto 2.722/84, ou, mais exatamente, por partes delas, já que após este
decreto, ocorreram ainda a implantação de balneários que se encontravam
aprovados anteriormente. Nestas ZPAs também ocorriam vários assentamentos
irregulares (SAMPAIO, 2006).
2.4 DINÂMICA MIGRATÓRIA DE FLUXOS POPULACIONAIS: A OCUPAÇÃO
CONTÍNUA LITORÂNEA
O Paraná, nos últimos 20 anos, pôde ser caracterizado pela presença de um
processo de esvaziamento das áreas rurais e também de pequenos e médios
centros urbanos, já que estes locais apresentam sua capacidade de absorção cada
vez
mais
comprimida,
trazendo
maiores
níveis
de
desemprego,
e
consequentemente, valorizando a busca por outros destinos migratórios. Nesse
sentido, o Litoral paranaense aparece como uma oportunidade tanto para fluxos
diretos da RMC (Região Metropolitana de Curitiba), como do interior do estado. Os
municípios de Matinhos, Guaratuba e Pontal do Paraná são os mais procurados,
produzindo um significativo crescimento populacional (DESCHAMPS, et alii, 2000).
No Paraná, os fatores que influenciam os fluxos migratórios são o mercado
da construção civil, as facilidades em se implantarem moradias e a proximidade com
a RMC. Estes fatores estenderam ao litoral parte dos deslocamentos de destino
metropolitano e motivaram outros, diretos do interior, trazendo trabalhadores pobres,
em idade produtiva, juntamente com suas famílias (DESCHAMPS, et alii, 2000).
Nos processos de ocupação contínua do litoral paranaense, ao contrário dos
processos dinâmicos econômicos de periferização dos polos (no caso, Paranaguá),
são os balneários que vêm apresentando taxas elevadas de crescimento;
destacando os anos 90, com as maiores taxas do Estado, de aproximadamente
3,87% a.a. (DESCHAMPS, et alii, 2000).
Com exceção ao polo regional de Paranaguá, nos demais municípios,
predominam o setor terciário, com atividades próprias das funções de balneário e
turismo. Estes núcleos urbanos sofrem tradicionalmente a pressão de demandas
18
sazonais, relacionadas ao veraneio e turismo, e ao mesmo tempo, reforçam uma
ocupação cada vez mais permanente (DESCHAMPS, et alii, 2000).
Esta ocupação litorânea particulariza-se pela ocorrência de relações
complementares de interdependência ou de subordinação e toda ordem de conflitos,
já que são recortados por muitas e diferentes frações de poder e por interesses
políticos, econômicos e financeiros divergentes e ou concorrentes. Este elevado
crescimento populacional vem definindo uma expressiva segregação socioespacial.
Paralelamente, há uma expansão e densificação da linha de costa por edifícios e
parcelamentos voltados ao uso sazonal de veranistas de média e alta renda e a
renovação de uso em áreas até então ocupadas por pescadores, seja na costa,
substituídas por ocupação de veranistas, seja nas margens das baías e rios, com a
presença de marinas. Destaca-se a densificação das ocupações de baixa renda já
existentes e o avanço de novas ocupações em direção a áreas menos qualificadas
no interior dos municípios, dentre as quais se distinguem ocupações legais com
loteamentos regularizados, ocupações ilegais em loteamentos vazios ou adentrando
áreas ambientalmente vulneráveis (DESCHAMPS, et alii, 2000).
Ainda que se confirme a chegada de novos moradores de renda média e
alta, o fenômeno que mais justifica os índices elevados de crescimento populacional
é o da expansão das ocupações de baixa renda de forma densa, com crescimento
contínuo anualmente. Eles chegam em qualquer época do ano, têm maiores
oportunidades durante a temporada de verão e, nos períodos de baixa temporada,
sobrevivem precariamente dos serviços da construção civil e de outros pequenos
serviços voltados à vigilância e a manutenção das propriedades, comércio informal
entre outros (DESCHAMPS, et alii, 2000).
A ausência de políticas públicas de moradia leva essa população a ocupar
informalmente o espaço, acarretando em formação de favelas e no aumento do
número de invasões. Criam-se espaços com baixa qualidade de vida urbana e
elevado comprometimento ambiental (DESCHAMPS, et alii, 2000).
A ocupação contínua litorânea do Paraná vem apresentando números
crescentes de imigrantes (DESCHAMPS, et alii, 2000). Segundo dados do último
censo analisados por Estades (2003), entre os anos de 1990 e 2000, o litoral
paranaense recebeu ao todo 54.447 imigrantes, sendo que destes, 32,5% foram
para Paranaguá e 15,2% para o município de Pontal do Paraná (ESTADES, 2003).
19
ÁREA DE ESTUDO
O litoral do Estado do Paraná possui 110 km de linha de costa, recortada por
dois estuários importantes, os de Paranaguá e Guaratuba, contendo uma variedade
de ecossistemas costeiros de grande relevância ambiental, social e econômica.
Apesar de ser um dos menores litorais da costa brasileira, e de sua proximidade a
centros urbanos, seus ecossistemas encontram-se ainda relativamente pouco
descaracterizados (SEMA, 2002).
.
FIGURA 1 - LOCALIZAÇÃO DO MUNICÍPIO DE PONTAL DO PARANÁ E DOS BALNEÁRIOS
ESTUDADOS. BAÍA DE PARANAGUÁ (PARANÁ, BRASIL)
FONTE: BANCO DE BASES CARTOGRÁFICAS DO CENTRO DE ESTUDOS DO MAR (CEM UFPR)
O município de Pontal do Paraná se localiza na parte central do litoral do
estado do Paraná, na planície costeira de Paranaguá. Tem como limites: a
desembocadura do Complexo Estuarino de Paranaguá, ao norte; o município de
Matinhos, a sudoeste; o Oceano Atlântico, a leste e sudeste; e o município de
Paranaguá, a noroeste. Por terra, o acesso ao município é feito pela rodovia PR407, que faz ligação desta com a rodovia BR-277 (Curitiba-Paranaguá). O acesso
20
por mar é facilitado pela existência do canal do DNOS, onde se localizam o terminal
de embarque para a Ilha do Mel e diversas marinas.
Emancipado há nove anos (1997), do município de Paranaguá, Pontal do
Paraná possui cerca de 15 mil habitantes permanentes, e nos meses de alta
temporada de verão recebe aproximadamente 400 mil veranistas, distribuídos pelos
48 balneários, que subdividem os 22 quilômetros de praias que compõem a região
(PROJETO ORLA, 2004). Este alta oscilação de população flutuante refere-se
especialmente a períodos de final de ano e férias escolares, com picos nos feriados
de réveillon e carnaval, quando um expressivo contingente de turistas buscam as
praias (PDU, 2002).
A população do litoral paranaense em si tem apresentado elevadas taxas de
crescimento populacional. Especificamente, o município de Pontal do Paraná
apresentou uma taxa anual média de 10,93% ao ano, entre os anos de 1991 e 2000,
com uma taxa de urbanização de 99%, partindo de 5.577 habitantes, em 1991,
multiplicando sua população duas vezes e meia até o ano de 2000, quando chegou
a ter 14.323 habitantes (PIERRI, 2003).
Observou-se um crescimento acentuado da área urbana nas décadas de 80
e 90, sendo os balneários de Praia de Leste, Ipanema, Shangri-lá, Atami e Pontal do
Sul os que apresentaram maior índice de ocupação (quadro 1).
QUADRO 1 - RELAÇÃO DA PORCENTAGEM DE LOTEAMENTOS E OCUPAÇÃO
Balneário
Ano
1952
Praia de Leste
loteam. ocupaç.
15%
5%
1960
65%
1980
85%
1997
95%
FONTE: PDU (2002)
20%
50%
90%
Ipanema/Grajaú
loteam.
ocupaç.
15%
0%
60%
80%
90%
30%
50%
80%
Shangri-lá/Atami
loteam.
ocupaç.
0%
0%
50%
70%
80%
3%
20%
50%
Pontal do Sul
loteam. ocupaç
20%
5%
35%
70%
80%
5%
30%
55%
Na Microrregião do Litoral Paranaense, se confirma a predominância de
população em áreas urbanas. Especialmente pelo fato de que estes municípios têm
sua principal vocação econômica destinada ao turismo, abrangendo um expressivo
número de balneários para veranistas.
São quatro as categorias de população que influem e demandam por
infraestrutura urbana do município:
1. População com residência fixa – também denominados moradores locais;
21
2. População com residência temporária- residem por alguns meses no município,
em alguns períodos do ano;
3. População de final de semana – vêm para de descanso semanal ou feriados
prolongados; e
4. População flutuante – vão aos balneários principalmente na época das férias de
verão (PDU, 2002).
Em relação às características de cobertura vegetal apresentam fragmentos
de mata Atlântica, com vegetação de restinga em corredores ao longo da faixa da
orla, havendo predominância de áreas urbanizadas com ampla arborização,
compreendendo ainda diversos corpos d’água entre naturais e artificiais que
deságuam no mar. A malha urbana presente compreende desde fragmentos de
instalações industriais/portuárias, de urbanização convencional e informal, e também
fragmentos de Zona de Proteção Ambiental (ZPA), hoje definidas pelo Conselho de
Desenvolvimento Territorial do Litoral Paranaense. A configuração geográfica linear
também dificulta a formação de um centro urbano, dividindo Pontal do Paraná em
cinco pequenos centros: Pontal do Sul, Shangri-lá, Ipanema, Santa Terezinha e
Praia de Leste (PROJETO ORLA, 2004).
O serviço de energia elétrica atende quase 100% da população e a rede de
abastecimento de água abrange 79% de domicílios (PROJETO ORLA, 2004). Nos
últimos anos se montou uma rede de esgotos para atender uma parte do município
que ainda não está em funcionamento. A obra está parada por falta de verbas.
Os balneários de Ipanema, Barrancos e Pontal do Sul compõem o conjunto
dos balneários distribuídos ao longo da orla principal do município de Pontal do
Paraná, representando os locais que recebem o maior aporte de turistas ainda que
em diferentes graus. Pontal do Sul é um caso particular, devido à sua posição
geográfica voltada tanto a mar aberto, quanto ao estuário, além de ser o local de
embarque para a Ilha do Mel, um dos principais pontos turísticos do litoral
paranaense.
A parte da praia de Pontal do Sul tem a presença de uma larga faixa de
restinga, formada por processos de sedimentação marinha (progradação) nas
últimas décadas, além de estar situada na desembocadura da baía de Paranaguá,
sofrendo influência dos bancos arenosos que constituem o delta de maré vazante da
baía. Nos últimos três anos, iniciou-se um processo de recuo da linha de costa
22
(erosão), cujo indício é a presença de pequenas falésias. Os principais valores
cênicos desta unidade, além da praia, é a vista geral da Ilha do Mel, e a
movimentação dos navios de grande porte em função da atividade portuária de
Paranaguá e Antonina. A larga faixa de restinga ainda existente constitui um
importante habitat para espécies de aves (migratórias ou não), sendo que esta área
foi transformada em Parque Municipal (PROJETO ORLA, 2004).
É também, uma área com presença de loteamentos de veraneio, com
padrões de classe média. Existem também alguns poucos ranchos de pesca na
restinga, para depósito de embarcações e material pesqueiro. Verificou-se que no
ponto da praia de maior movimento de veranistas do balneário de Pontal do Sul,
conhecido como “pico da farofa”, ainda há porções de restinga pouco alteradas, com
uma tendência à degradação acentuada pelo movimento desordenado de veículos e
acúmulo de resíduos sólidos na praia (PROJETO ORLA, 2004).
A região do Maciel, Ponta do Poço e Pontal II é voltada para a baía de
Paranaguá, havendo um setor exclusivamente residencial, e outro industrial e
futuramente portuário (PROJETO ORLA, 2004).
A Vila do Maciel é um caso especial por se encontrar em uma área mais
abrigada do balneário de Pontal do Sul, isolada da cidade e beirando o Rio Maciel
(compreendido entre as coordenadas 25° 33’41” Sul e 48°25’20” Oeste). Pela
ausência de uma estrada ou ponte de ligação, o seu acesso só é possível por via
marítima, o que limita a visitação ao local. Está distante dos centros urbanos mais
próximos e praticamente não recebe turistas, freqüentado apenas por embarcações
de recreação que chegam em busca de pescados e iscas, permanecendo poucas
horas no local.
Há predominância de integridade dos ecossistemas, com alto grau de
cobertura vegetal. Existe uma pequena vila informal de moradores, cuja atividade
principal está relacionada à pesca e maricultura. Devido à especulação portuária, há
uma tendência à ocorrência de supressão da vegetação e influências nos hábitos da
população tradicional, com alterações culturais marcantes (PROJETO ORLA, 2004).
A Ponta do Poço é uma localidade com presença de comunidade nativa
tradicional (Vila de Pescadores) mesclada a áreas destinadas à atividades
industriais, sazonalmente ocupadas por empresas de construção de plataformas de
petróleo, de apoio às drenagens, desmonte de navios e indústria pesqueira.
Apresenta ecossistemas originais parcialmente modificados nos locais dos estaleiros
23
atualmente inativos (PROJETO ORLA, 2004). Existe uma pequena vila informal de
moradores que será relocada até o final deste ano (2006).
Na região de Pontal II, convivem comunidades tradicionais pesqueiras,
veranistas e moradores recentes. Há presença de residências de médio padrão
arquitetônico, construídas em terrenos privilegiados à beira mar e arredores.
Apresentam ecossistemas parcialmente alterados, sendo ainda muito arborizado. É
um local de urbanização formal, com o sistema viário ainda incipiente. A rua à beira
mar está sendo destruída pela ação das marés, assim como o terreno de alguns
proprietários estão sujeitos à erosão marinha. Para contenção dessa erosão, são
utilizados sacos de areia e muros de pedra, sem padrões pré-definidos, que
comprometem a beleza cênica e a segurança dos banhistas (PROJETO ORLA,
2004).
O Antigo Embarque é uma região habitada por algumas famílias de
pescadores, alguns de famílias originais da região, outros migrantes de outras
localidades litorâneas. Caracteriza-se por intensa presença de comerciantes
instalados em áreas irregulares, residentes no local há aproximadamente 15 anos.
Apresentam ecossistemas originais parcialmente modificados, com processo de
urbanização desordenado, informal, nas áreas de uso comum, se caracterizando
como semirrústico. Moradores locais cercam estas áreas públicas para explorar
atividades de camping e estacionamento, restringindo o acesso à praia. Observa-se
a presença de resíduos sólidos espalhados na orla, e atividades de pesca esportiva
e artesanal com venda de pescado (PROJETO ORLA, 2004).
Ipanema IV e Praia de Barrancos são formadas por uma contínua praia em
arco, de areias finas a médias, geralmente de baixa declividade. É bastante comum
a presença de dunas embrionárias frontais, ecologicamente importantes, não
havendo indícios de processos erosivos marinhos, exceto na foz de pequenos
canais de maré. A urbanização se manteve em uma pequena faixa frontal de
vegetação nativa (restinga), com a ocorrência de assentamentos ilegais em áreas de
uso comum. Os principais valores cênicos desta unidade são a própria praia, pois
possui balneabilidade adequada para banho em quase toda a sua extensão, além da
vista do arquipélago de Currais (PROJETO ORLA, 2004).
A Praia de Barrancos é habitada por comunidade nativa tradicional,
sustentada pela pesca e composta por cerca de três grandes famílias. Existe certa
mobilização social na vila, já que neste local conseguiram legalmente o direito aos
24
terrenos. As residências construídas na região não são delimitadas por muros e a
rotina ainda está bastante baseada nas relações de parentesco (PROJETO ORLA,
2004).
Ipanema IV apresenta características semelhantes aos demais balneários do
município (com exceção de Pontal do Sul). Com grande presença de residências de
veraneio mescladas a residências fixas, além de comunidade pesqueira. Há na
região, manchas de ocupação irregular, supostamente de vilas de pescadores
artesanais, mas que na verdade são constituídas por cerca de 70% de moradores
que nunca tiveram na pesca, seu meio de subsistência, apresentando degradação
ambiental, supressão da vegetação e perda de beleza cênica (PROJETO ORLA,
2004).
4 MATERIAIS E MÉTODOS
25
A realização da pesquisa foi, na primeira fase, exploratória, logo, resultou
fundamentalmente, em um estudo descritivo, que buscou produzir e sistematizar um
conjunto de informações diversas. Entende-se que a pesquisa aportou alguns
resultados que sugerem hipóteses explicativas a respeito dos efeitos positivos e
negativos dos aspectos relativos à influência da urbanização, do avanço do turismo
e de futuras atividades portuárias, sobre as comunidades tradicionalmente
pesqueiras do município de Pontal do Paraná.
A revisão bibliográfica englobou diferentes aspectos das áreas a serem
estudadas, como a atividade pesqueira, caracterização das comunidades, além de
dados relacionados à ocupação desse território, enfatizando a urbanização, o
turismo e as atividades econômicas locais. Buscou-se uma compilação da literatura
que abrangesse a evolução desses aspectos ao longo das décadas, até os dias
atuais.
Na fase de produção de dados primários, foi-se necessário fazer a escolha
das comunidades que seriam objetos desse estudo. Estas, em questão, deveriam ter
sofrido ou estar sofrendo algum conflito fundiário, além de se localizarem em
diferentes graus de proximidade ou isolamento de centros urbanos. Optou-se por
aquelas que apresentam diferentes situações de uso territorial, porém com um ponto
em comum, o interesse econômico por essas áreas.
A princípio foram selecionadas quatro comunidades como foco desta
pesquisa: Maciel, Pontal do Sul, Barrancos e Ipanema IV, estas com características
fundiárias bem diversas, permitindo uma comparação entre elas. Porém, ao se
investigar a situação do balneário de Pontal do Sul, constatou-se que este se
subdividia em seis pequenos vilarejos de pescadores, sendo necessário distribuir a
aplicação dos questionários por todos estes pequenos agrupamentos para que se
compreendesse com maior precisão as dinâmicas territoriais locais. No total foram
selecionadas então, nove vilas de pescadores, distribuídas pelos balneários do
município de Pontal do Paraná, sendo estas, Ipanema IV, Praia de Barrancos,
Maciel, Vila Nova, Praia de Pontal do Sul, Antigo Embarque, Mangue Seco, Pontal II
e Ponta do Poço.
Ipanema, focando o caso da comunidade Ipanema IV, em conflito devido à
sua ocupação irregular em áreas pertencentes à União, e de Área de Preservação
26
Permanente (APP), já que se localizam em cima de dunas frontais e vegetação de
restinga; Barrancos e Maciel, comunidades diferenciadas em relação à maioria dos
balneários do município. A primeira, consolidada e legalizada quanto sua ocupação,
e a outra, ao contrário, pressionada constantemente quanto à tomada dos terrenos
que habitam.
Finalmente, Pontal do Sul, englobando os seis vilarejos diferentes acima
descritos, porém integrados entre si. Este balneário envolve distintas realidades de
ocupação – uso balneário-turístico, ocupação industrial e futuro terminal portuário além de ser o único balneário que tem sua posição geográfica diferenciada do
restante deste litoral, com uma face voltada ao oceano e a outra ao estuário. Essa
variedade de cenários possibilitou maior quantidade e riqueza na coleta de
informações, o que ampliou a compreensão das dinâmicas populacionais e suas
atividades decorrentes.
É importante ressaltar que o vilarejo de Vila Nova, não se localiza no
balneário de Pontal do Sul propriamente dito, e sim constituindo um novo balneário
nas suas margens, fazendo a divisa entre este trecho do litoral com os balneários de
Atami e Barrancos. A inserção deste agrupamento na pesquisa se deu necessária
pelo fato de que nesta região existem muitos pescadores de Pontal do Sul que para
ali se deslocaram durante processos de pressão fundiária pelo uso balneário,
considerando-se interessante descrevê-la aqui, já que traz uma contribuição para a
compreensão dos movimentos destas comunidades pesqueiras de Pontal do Sul, a
localidade com maior diversidade de conflitos fundiários e traslados destas
populações.
A escolha dos entrevistados levou em consideração, alguns critérios
fundamentais, sendo estes, principalmente, pescadores (as) mais antigos (as) da
região e nascidos nesse litoral, no sentido de contextualizar historicamente as
dinâmicas das populações locais. Não foram considerados os “catarinos”,
pescadores que como o nome sugere, vieram de Santa Catarina para este litoral na
década de 70 em busca de melhores pescarias, pois o foco da pesquisa era o
nativo. Alguns entrevistados eram filhos de pescadores, já adultos, que também
atuam nessa atividade e sentiram, mesmo que em menor grau, os efeitos dessa
imposição acelerada da urbanização. Estes também contribuíram para as
informações atuais dos conflitos fundiários e da atual estrutura de pesca vigente
nesse litoral.
27
A finalidade era resgatar o histórico de suas tradições já tão camufladas pela
introdução de novos aspectos culturais, possibilitando a descrição de um trecho
dessa história em uma versão que não consta na literatura, sob o olhar dos
pescadores artesanais locais. Os resultados se basearam
nos discursos
sistematizados deste público-alvo. Outro objetivo desta pesquisa era o de
contextualizar o processo urbano e desenvolvimentista da região, com os seus
impactos positivos e negativos para estas comunidades.
As informações foram obtidas pela aplicação de 18 questionários
semiestruturados e de caráter qualitativo. O número de enquêtes aplicadas variou
entre os lugares, de acordo com o que as necessidades foram indicando. As
entrevistas foram previamente agendadas, e realizadas no mês de julho de 2006.
Normalmente aconteceram no período da tarde, variando de um a quatro dias para a
conclusão de cada uma delas (visto aos cuidados em se transpor com fidelidade e
qualidade as informações às quais se pretendia abordar e também pelo fato do
número amostral ser relativamente pequeno), já que pela manhã normalmente as
pessoas estão atreladas a outras atividades, os homens à pesca, e as mulheres, aos
afazeres domésticos.
Devido aos questionários abordarem como público-alvo a população nascida
no litoral e mais antiga ainda residente destas localidades, no caso de Pontal do Sul,
em alguns dos vilarejos, aplicou-se apenas de um questionário por pessoa, pois
parte do conteúdo essencial desta enquête estava direcionada ao resgate do
histórico da ocupação territorial da área e estes antigos moradores no período préocupação urbana habitavam as mesmas regiões, com núcleos nas proximidades da
praia, não diferindo muito quanto aos conflitos vivenciados no período de transição
rural-urbano. A idéia era de se compreender o contexto geral da ocupação fundiária
deste balneário.
Buscou-se complementar este estudo com uma observação-participante,
para ampliar a vivência e os diálogos no interior das comunidades, e também
confirmar os dados apresentados pelos entrevistados, através de conversas com
outros moradores antigos e seus descendentes.
Pelo fato de o número das entrevistas formais ser relativamente pequeno,
mas não menos confiáveis, devido o caráter qualitativo do questionário, foram
também abordadas, de uma maneira informal, pessoas-chave - moradores locais
com boa influência na região, lideres, professores das escolas e da universidade,
28
além de pessoas envolvidas em cargos de governança local – que contribuíram com
a compreensão de toda a sistemática pela qual este estudo pretendeu incursionar,
validando alguns dos dados coletados.
Os informantes oficiais deste estudo serão identificados no quadro a seguir:
QUADRO 3 - RELAÇÃO DOS ENTREVISTADOS
Comunidades/
Vilas
Nome dos
entrevistados
Entrevistado 1
Ipanema IV
Entrevistado 2
Entrevistado 3
Ipanema IV
Entrevistado 4
Entrevistado 5
Barrancos
Entrevistado 6
Entrevistado 7
Entrevistado 8
Ocupações
Atualmente com 73 anos, antigo agricultor/pescador, atua até
hoje na profissão. Estudou até a 1º série do ensino
fundamental. Seus familiares sempre viveram nesta
localidade. Não mora na vila analisada, mas tem um filho que
mora com sua família neste local, e é um dos pescadores mais
antigos desta região.
Com 48 anos, antigo agricultor/pescador, atua até hoje na
profissão. Estudou até a 5º série do ensino fundamental. Já
ocupou cargos dentro da Associação de Pescadores de
Ipanema (API), chegando à presidência nos anos de 1990 a
1994. Mora na área estudada.
Com 57 anos, trabalhou como agricultor, no interior do estado
e teve outras profissões anteriores à pesca, iniciando nessa
atividade aos 34 anos, permanecendo até os dias atuais.
Estudou até a 4º série do ensino fundamental. Já ocupou
cargos dentro da Colônia de Pesca Z-5 (em Shangri-lá) como
secretário e tesoureiro, atualmente é secretário. Já foi
presidente da colônia Z-12 de Foz do Iguaçu. Seus familiares
vieram com ele para esse local. Veio para trabalhar com a
pesca, serviços de construção civil, e manutenção em geral. O
entrevistado, mesmo nascido em outra cidade, foi considerado
nesta pesquisa, para conhecer a visão de quem chegou mais
recentemente ao litoral, após os processos urbanísticos do
município. Mora a 7 anos na vila.
Mora na região desde seus 14 anos (antes morou em Pontal
do
Sul),
atualmente
com
87
anos,
antiga
agricultora/pescadora, é aposentada pela pesca. Estudou até
a 3º série do ensino fundamental. Moradora do balneário de
Ipanema, sua casa não está na área em questão, mas é a
mulher mais antiga ainda viva.
Com 68 anos, antigo agricultor/pescador, atua até hoje na
profissão. Líder em sua comunidade, sempre ocupou cargos
de representante. Atua na Colônia de Pescadores de Shangrilá, já foi vice-presidência e atualmente é o Diretor de Pesca,
da Secretaria de Pesca do Paraná. Estudou até a 4º série do
ensino fundamental.
Nascida no balneário Olho D’água, veio a morar em Barrancos
depois que se casou, aos 18 anos. Com 68 anos, antiga
pescadora/agricultora atua até hoje nestas práticas. Estudou
até a 1º série do ensino fundamental e completou o segundo
grau, em Curitiba. Seus familiares por parte materna, são
oriundos do município de Guaratuba, já a família de seu pai
vivia no atual balneário Praia de Leste.
Com 83 anos, antiga agricultora/pescadora. Não teve a
oportunidade de estudar. É a moradora mais antiga do local.
Com 55 anos, antigo agricultor/pescador, hoje trabalha no
Centro de Estudos do Mar, realizando serviços de manutenção
e ajudando nas “coletas” de campo desse campus da UFPR.
29
Praia de Pontal
do Sul
Entrevistado 9
Entrevistado
10
Antigo
Embarque
Entrevistado
11
Mangue Seco
Entrevistado
12
Entrevistado
13
Pontal II
Vila Nova
Entrevistado
14
Entrevistado
15
Ponta do Poço
Praia de Pontal
do Sul
Maciel
Entrevistado
16
Entrevistado
17
Entrevistado
18
Já ocupou cargos em outros empregos anteriormente, fora da
pesca. Estudou até a 4º série do ensino fundamental.
Com 86 anos, antigo agricultor/pescador, atua até hoje na
profissão, como pescador artesanal. Entrou na escola, mas
abandonou logo de início. É o pescador mais antigo de Pontal
do Sul.
Com 82 anos, antigo agricultor/pescador, hoje trabalha com
aluguel de casas, pescando eventualmente. Estudou até a 4º
série do ensino fundamental. Trabalhou mais de 20 anos na
Polícia Militar, onde se aposentou. Também é um dos
moradores mais antigos de Pontal do Sul.
Com 65 anos, antiga agricultora/pescadora, atua até hoje nas
atividades pesqueiras. Estudou até a 3º série do ensino
fundamental.
Com 74 anos, antigo agricultor/pescador, parou de pescar
esse ano por problemas de saúde, mas já está aposentado por
essa profissão. Estudou até a 4º série do ensino fundamental.
Morava em Barrancos antes de chegar neste balneário, mas já
vive nele desde os 9 anos. Atualmente está com 72 anos,
antiga agricultora/pescadora, não exerce mais essa atividade.
Trabalhou em outros empregos, atuando também como
funcionária de hotel e de uma peixaria, além de trabalhar na
casa de uma família. Não teve oportunidade de estudar. Veio
antes que o restante da família, para ajudar sua irmã, como
babá, tempos depois seu pai faleceu e sua mãe e mais dois
irmãos se mudaram definitivamente, para trabalhar nas roças.
Com 68 anos, antigo agricultor/pescador, atua até hoje em
suas atividades pesqueiras. Já ocupou cargos em outros
empregos anteriormente (Techint – pintor; CEM – ajudava nas
coletas). Estudou até a 3º série do ensino fundamental.
Morava em Barrancos antes de chegar neste balneário, mas já
vive aqui desde os 8 anos, atualmente está com 77, antiga
agricultora/pescadora, não exerce mais essa atividade.
Estudou até a 4ª série do ensino fundamental. É uma das
moradoras mais antigas de Pontal do Sul. Veio para cá com
seus familiares em busca de melhores condições na pesca e
na roça.
Com 75 anos, antigo agricultor/pescador, atua ainda na pesca.
Estudou até a 3º série do ensino fundamental. Já trabalhou no
CEM (Centro de Estudos do Mar – UFPR).
Com 64 anos de idade, atua hoje em dia como comerciante de
alimentos. Já foi líder em sua comunidade, mas não mais atua
nos conflitos. Estudou até a 4º série do ensino fundamental e
ficou alguns meses servindo ao Exército.
Com 44 anos, atua na pesca atualmente. Filho de pescador.
Completou o 2º grau. Eventualmente trabalha como barqueiro
em coletas do CEM.
FONTE: a autora (2006)
Como outra forma complementar às entrevistas realizadas, percorreu-se a
vila, por alguns dias, para a observação direta de sua estrutura, forma de
organização social, além das condições ambientais imediatas, naturais ou com
alteração antrópica, destacando os níveis dessa intervenção. Além disso, procurouse observar e compreender a rotina das comunidades, com o intuito de captar o
30
cotidiano e os costumes, bem como ocasiões de eventos ou festas que pudessem
mostrar e ilustrar suas manifestações culturais.
Observações visuais e registros gráficos, também foram algumas das
ferramentas utilizadas, para uma maior compreensão da configuração local, visando
à construção de croquis de cada uma das vilas, para representar a sua configuração
anterior aos processos urbanísticos.
Estes croquis foram confeccionados juntamente com os entrevistados, que
indicavam os locais dos seus antigos usos. Além dessa sistematização, produziu-se
um mapa atual e georreferenciado, dos usos destes pescadores na orla, aonde
foram marcados os pontos correspondentes, com o auxílio de um aparelho de GPS,
na área de restinga do município de Pontal do Paraná, a fim de acompanhar a
evolução desses usos e poder monitorá-los e compará-los com as situações
passadas e futuros cenários a serem implementados. O Maciel, o Mangue Seco e o
Pontal II não foram mapeados. A ideia era a de georreferenciar apenas a orla
caracterizando os usos fundiários.
Para a confecção dos mapas georreferenciados, primeiramente os dados
foram obtidos com um aparelho de GPS, sendo em seguida planilhados no
programa Excel. Estes dados foram posteriormente transferidos para o software
ARC MAP (do fabricante ESRI), gerando layers, que consequentemente originaram
mapas de usos na restinga (faixa da orla adjacente à praia) por pescadores,
utilizando como base, imagens de satélite. O GPS apresentou uma margem de erros
que variou de sete a nove metros, em relação aos pontos marcados, percebidos em
alguns pontos dos mapas produzidos.
Os croquis das vilas, representando sistematicamente a configuração dos
locais anteriormente à ocupação urbana, foram elaborados à partir de relatos dos
entrevistados e desenhados juntamente à eles, para que se tentasse reproduzir, de
maneira simplificada, a realidade da época.
5 RESULTADOS
31
A apresentação dos resultados obtidos nesta pesquisa será dividida em
quatro partes, que constituirão nos resultados individuais de cada região, Maciel,
Barrancos, e Ipanema IV, lembrando que Pontal do Sul abrange seis subvilarejos:
Antigo Embarque, Ponto da Poço, Pontal II, Mangue Seco, Praia da Pontal do Sul e
Vila Nova. Foram destacados alguns parágrafos com as citações dos entrevistados,
como ilustração do dados coletados e sistematizados a seguir.
Para evitar e repetição de datas ao longo do conteúdo textual dos
resultados,
procurou-se
contextualizá-los
com
períodos
definidos
como
“anteriormente”, “antigamente”, “atualmente”, “hoje em dia’, entre outros; termos
estes utilizados para designar o passado correspondentes aos períodos de até a
década de 50 e os termos designados para o presente, contados a partir dessa data
até os dias atuais. Quando a data era precisa, foi devidamente ressaltada.
Como ordem cronológica de apresentação dos resultados, estes seguirão,
partindo do levantamento dos conflitos fundiários enfrentados por pescadores e
“proprietários de terras”, para posteriormente acompanhar a evolução desses
processos, bem como seus reflexos (socioeconômicos, culturais e ambientais) sobre
as comunidades pesqueiras que ainda habitam a região de Pontal do Paraná. O
resgate de parte das manifestações culturais dessa população também foi aqui
descrita, com a finalidade de ilustrar alterações nas suas formas de vivência; e
também, os impactos positivos e negativos advindos dessa evolução urbana e das
atividades econômicas locais predominantes.
5.1 VILA DO MACIEL
5.1.1 Histórico da ocupação da vila
Os primeiros moradores advindos de outras regiões chegaram a esta vila
por volta dos anos 50. Estes eram nativos do interior da baía de Paranaguá, alguns
de Superagui, que vieram em busca de recursos pesqueiros, ocupando os terrenos.
Constituíam
desocupada.
uma
pequena
comunidade
pesqueira
em
uma
região
ainda
32
Porém, essa tranquilidade não se manteve por muito tempo. Há mais de 30
anos, iniciaram-se as mudanças na configuração e no padrão de vida local, com a
ocorrência de forte pressão fundiária para que se retirassem de seus terrenos de
origem. A empresa Balneária Pontal do Sul, oficialmente a proprietária dos terrenos
dessa região, começa a sua ação para a retirada das famílias que habitavam estes
locais, principalmente das que residiam nas áreas próximas à orla. Estes conflitos
são bem colocados pelos entrevistados, que relatam algumas das formas de
atuação dos “grandes grileiros de terras”, que agiam praticando atos ilícitos, visando
a reapropriação dos terrenos:
“Já faz 50 anos que essa Balneária tenta nos tirá daqui. Era tudo jagunço
armado pra nos assustá”.
“É como aquela história do João-sem-braço... diziam: se quiserem, assine
esse documento dizendo que querem sair e venda a área pra nós, ou então,
assine pelo menos um papel dizendo que quer ficar no terreno, faziam
qualquer coisa pra gente assiná”.
As afirmações acima ilustram bem a situação da época, onde os
investidores externos tiravam vantagem em cima do baixo nível de instrução destes
nativos em relação a estas questões fundiárias. Usavam para isso de artimanhas
desonestas de persuasão, e coletavam assinaturas que se diziam ser para um
determinado fim, mas que na realidade eram para privilegiar os interesses
econômicos particulares, neste caso, a tomada dos terrenos pertencentes aos
nativos visando o uso balneário. Entretanto, mesmo havendo especulação
imobiliária, um novo bairro turístico não veio a se desenvolver nesta localidade, o
que lhes deixou afastados dessa realidade que vinha sendo vivida pelo litoral
paranaense. Atualmente, uma nova onda especulativa predomina sobre a região, já
que ela está sendo visada para a utilização de futuras instalações portuárias.
Mesmo habitando a região há mais de duzentos anos, o que lhes confere o
direito ao uso das terras, estas famílias ainda não conseguiram a legalização de
seus terrenos. Há uma única exceção no local, onde um dos pescadores, por ter
uma condição financeira mais estável, conseguiu financiar seu direito na justiça ao
uso capião do terreno. Processos de legalização fundiária são demorados e
dispendiosos, estando distantes da realidade desses pescadores, já que não podem
cobrir esses gastos com seus orçamentos mensais. O relato de um morador explicita
esse cenário:
33
“Eu consegui, mas gastei pra pode ficá em paz, muitos não podem fazer
isso”.
“Recebi muitas ameaça, mas consegui a documentação”.
“Até o ano de 1964 esta terra tinha registro, mas depois que meu pai faleceu
nós ficamo sem orientação e fomo enganado”.
Nos dias de hoje não há moradores vindos de outras regiões, pelo contrário,
é perceptível um movimento de êxodo de antigos moradores, que buscam o centro
urbano com a ilusão de melhores empregos. Nesta vila são todos de famílias
nativas, porém existem duas casas de turistas, utilizadas, principalmente, para
veraneio; uma deles pertence a um advogado e a outra a um aposentado da
aeronáutica, que só a utiliza nos meses de verão. Essa situação é apontada por
eles:
“Eu falo, querem nos tirá daqui tirem, mas vai aumentá as favela em
Paranaguá”.
“Tinha muito mais casa antes, agora muitos foram embora pra tentá
melhorá a vida em Paranaguá, lá no Valadare”.
Hoje, essa situação de pressão fundiária se mantém forte e atuante, pois
esta área vem sendo alvo de especulação, devido ao futuro porto que se instalará
nas proximidades, senão também, neste local. Um morador relata esse possível
fato:
“Compraram a Tenenge, a CBC e agora querem comprá esta área, que
chamam de área quatro, diz que vai sair o porto do Mercosul. O dono desse
terreno é dono de terminal de container em Paranaguá, tem um terreno aqui
de 3 mil metros de frente por 2500 metros de fundo. Ele falou que ele ia
vendê isso, já tentou vendê”.
Se a informação acima estiver correta, pode-se dizer que este possível
proprietário detém a posse de toda a área do Maciel, visto o tamanho do terreno
citado, que é equivalente ao tamanho do território do vilarejo do Maciel.
A Empresa Balneária havia cedido à Aeronáutica, um loteamento na região
do Maciel para que ali fosse construída uma pista de pouso de aviões. No entanto,
essa área nunca chegou a ser utilizada para esses fins. Logo que se intensificaram
as especulações em se construir um terminal portuário neste município, na área
correspondente à região da Ponta do Poço e muito possivelmente incluso o Maciel
(comunidade vizinha), esta empresa quis novamente se reapropriar desse território,
fazendo com que a Aeronáutica lhes devolvesse a área devido à sua não utilização.
Porém, muitas famílias nativas habitam essas proximidades por gerações e,
recentemente, em janeiro de 2006, segundo relato de alguns moradores abordados
34
e reportagens divulgadas na mídia televisiva, a Aeronáutica, juntamente com
autoridades do governo e proprietários de terrenos, se organizaram para uma
tentativa de retirada “em massa” dos moradores do Maciel. Para isso, utilizaram
frotas de helicópteros (oito no total) das Forças Aéreas Brasileiras para tentarem
persuadi-los, ficaram acampados por uma semana no local, armados, reprimindo
assim, qualquer atuação ou mobilização conjunta. Situação tal que atemorizou os
habitantes locais, como expressado por um dos entrevistados na seguinte
afirmação: “Parecia que tavam vindo buscá o Bin Laden”.
É marcante o fato da comunidade não conseguir uma mobilização coletiva
para desenvolverem ações de lutas pelos seus direitos à posse destas terras. Estes
moradores sabem que não é um processo fácil, pois dependem de muitos fatores,
principalmente financeiros, para se permitirem pagar um advogado, bem como os
documentos de regularização fundiária, limitando assim o acesso destas pessoas
aos seus direitos civis. Esse fator, unido ao pouco nível de instrução, acaba
intimidando os moradores frente a uma possível manifestação coletiva. Um pescador
explicita esse quadro na fala a seguir: “Não tem como, dependemo de
documentação e dinheiro pruma contra partida”.
5.1.2
Moradores, casas e infraestrutura atual da vila
Atualmente, no Maciel, vivem 40 famílias (44 casas, sendo duas casas em
construção e duas de turistas), alcançando um número aproximado de 150
moradores.
Em relação à infraestrutura e oferta de bens de serviço, as casas já estão
ligadas à rede elétrica há mais de vinte anos; são ainda abastecidas por água de
poços artesianos, e o destino do esgoto produzido são as fossas, já que não existe
uma rede de tratamento de efluentes nesta vila. O lixo doméstico normalmente é
depositado em um lugar próprio na vila destinado à queima dos resíduos sólidos,
pois não existe um sistema de coleta.
Há uns quatro anos foi instalado o primeiro e único telefone público da vila.
Os moradores não possuem telefone residencial, mas aproximadamente 80% deles
têm aparelhos de celular. Computador, ninguém tem.
35
No interior da comunidade existem apenas quatro estabelecimentos
comerciais, sendo quatro pequenas mercearias. Não existem creches e nem posto
de saúde no local. Este último já existiu por um tempo, mas foi desativado. A escola
primária, atualmente, por falta de professores, só atende as crianças que estão
cursando a quarta série, e mesmo assim, as aulas são ministradas por uma pessoa
que não é professora por formação, mas sim uma voluntária que se propôs diante
dessa situação precária. Para cursarem o segundo grau, necessitam se deslocarem
até Pontal do Sul, Praia de Leste ou Paranaguá. Quanto ao sistema de educação
local, alguns moradores comparam a atualidade com a situação passada e ainda
complementam:
“No passado, buscava e levava a professora a remo até Paranaguá”.
“Falam que a prefeitura tá construindo uma nova escola, mas na verdade
desconfiamo que é casa de alguém envolvido co porto”.
O aglomerado urbano mais próximo para terem acesso a alguns serviços ali
inexistentes é o balneário de Pontal do Sul, necessitando para isso, do uso de
embarcações para se deslocarem até esse balneário, já que ainda não existe
acesso por terra. Há rumores de que com a aprovação da construção de um porto
para a região, se instale uma nova estrada, que fará ligação desta vila com a área
urbana. Porém esse fato pode ser considerado apenas especulativo até o presente
momento.
A religião é algo muito marcante nessa comunidade, prevalecendo a crença
nos preceitos de base evangélica. Existem duas igrejas desse segmento, uma em
construção e outra em reforma. O local de reunião da igreja católica é na casa de
um morador, onde a menor parte destes moradores se reúne semanalmente para o
rito.
Não existem instalações esportivas ou outras áreas de lazer no local, o que
limita o acesso destes moradores a praticarem atividades recreativas. Evidencia-se
assim, uma rotina pacata no interior dessa vila, os homens geralmente pescam e as
mulheres além de lhes auxiliarem nas atividades pesqueiras, cuidam de seus lares.
Antigamente existiam “casas de baile”, mas como a maioria segue os princípios
evangélicos, hoje esse tipo de lazer não é mais praticado por não condizer com esta
filosofia.
5.1.3 Caracterização da atividade pesqueira e de coleta da comunidade
36
Há aproximadamente, 15 homens e 5 mulheres que pescam ativamente4,
fazendo disso sua principal fonte de renda. Os homens destacam a importância da
mulher para essa atividade: “Aqui tem muita mulher que pesca”.
As embarcações atuais utilizadas são as canoas a remo (20 canoas) e
canoas a motor (15 canoas), ambas de madeira, com a potência do motor de 7,5 Hp
e 11 Hp, modelo Yamaha.
As principais técnicas de pesca atuais são as “redes de cabo” – para peixes 5
em geral, destaque para a sardinha; as “redes de caceio” – para camarão e
pescadinha; e “redes de malhas 5 e 6” – para a pesca do camarão. A área de pesca,
normalmente, é em frente à vila (ponto pesqueiro com bom potencial) ou mais para o
interior da baía de Paranaguá. O sistema de trabalho por “quinhão” é mantido nesta
comunidade, já que muitos não possuem embarcações, ou então as têm, mas não
em quantidades suficientes para lhes gerar uma renda significativa e garantida
mensalmente, de forma que muitos pescam para outros, mesmo que para isso
tenham que trabalhar em dobro e sempre ficar com a menor parte dos lucros
gerados.
O pescado produzido é destinado, primeiramente, ao autoconsumo, e depois
à venda direta ao atravessador; seguido pelos consumidores finais, restaurantes e
mercado – estes últimos raramente recebem alguma parcela desta produção, já que
o alvo principal são os atravessadores. Esse destino final não varia com a época do
ano, o que pode ser explicado pelo fato de que nessa região não há grande
influência das atividades turísticas, provavelmente por ser um local isolado dos
balneários mais urbanizados com maior procura por turistas. Além disso, a venda ao
atravessador é garantida ao longo do ano, e o retorno disso vem na forma de
recurso financeiro, combustível e/ou petrechos de pesca, suprimentos estes que
vêm solucionar muitas das dificuldades materiais destes pescadores.
4
Quando se diz que pescam ativamente, significa ressaltar que esta parcela de mulheres vive
exclusivamente da atividade pesqueira, no entanto, é importante explicitar que outras mulheres
também se utilizam destas práticas eventualmente, em certos períodos de maior demanda de
capturas ou como auxílio aos seus maridos. Para evitar repetição, na apresentação dos resultados
dos próximos vilarejos utilizou-se esse mesmo critério para classificação das mulheres que
trabalham ativamente com a pesca para o seu sustento.
5
Nesta pesquisa foram citados apenas os nomes populares das espécies de peixes capturados
pelos pescadores locais.
37
Os produtos com maior valor comercial são o linguado e o camarão branco.
Estes pescados sofrem alterações de preços ao longo do ano, sendo o primeiro
vendido, em alta temporada, há um valor de 15 reais por quilo, independentemente
de a venda ser destinada ao atravessador, ao turista ou aos mercados e
restaurantes; fora dessa época, os preços variam entre 10 a 12 reais o quilo para os
atravessadores, restaurantes e mercados, porém para os turistas se mantém o valor
de 15 reais por quilo.
O camarão branco é vendido, em alta temporada, a 12 reais o quilo,
independentemente de quem seja o comprador; fora desse período é comercializado
a um valor de oito reais por quilo.
São quatro os atravessadores que atuam no local: “Nenico”, da Ilha das
Peças; “Odair”, da Ilha Rasa; “Iranor” - do Valadares (Paranaguá); e o “Chico do
Norte”, de Paranaguá. Sendo que os dois primeiros revendem em Paranaguá.
Em relação aos meses mais propícios à captura do pescado, notam-se
diferenças que variam com a espécie, sendo os meses de maio e junho, ideais para
a pesca da tainha, e os meses de março a junho ideais para a captura do camarão.
O mês mais fraco é agosto, tanto para o camarão, quanto para a tainha, fato
reafirmado na fala de alguns dos pescadores:
“Tudo depende da época do peixe”.
“Os mais antigos diziam que a pesca da tainha começava no dia 10 de maio
e ia até 29 de junho”.
No aspecto dos ganhos por mês com a pesca, de um proprietário de
embarcação e dos quinhoeiros, estes são números inexatos e difíceis de serem
mensurados mensalmente, já que dependem de muitos fatores, tais como: tipo e
número de embarcações, quantidade e qualidade de apetrechos, abundância de
espécies com valor comercial, período do ano, fatores naturais, oferta e demanda,
condições climáticas, entre outros. Mas em uma média aproximada, os proprietários
de embarcação ganham em torno de mil reais nos melhores meses do ano, e em
torno de 500 reais nos piores. Já os quinhoeiros, recebem 50% dos lucros totais
subdivididos entre todos os quinhoeiros tripulantes da embarcação, geralmente três,
com uma faixa média de 300 reais na melhor época e 150 reais nos meses mais
fracos. Essa realidade fica clara nos depoimentos abaixo:
“Já cheguei a tirá de três a quatro mil reais por mês, mas hoje tá difícil”.
“Fui pro comércio pra podê dá uma assistência melhor pra família. Nunca
parei”.
38
Atividades como plantio de roças, caça e coleta não são mais encontradas
com a força que tinham no passado. Existem ainda apenas algumas pequenas roças
particulares destinadas ao autoconsumo. Muitas destas práticas foram abandonadas
nesta região, com a chegada de estabelecimentos comerciais (mercados,
mercearias) e após a solidificação de leis ambientais conservacionistas locais e
nacionais, como dito por um morador local: “Pro povo, assim, intimida. Agora não
podemo cortá nada, nem pro uso, pelo menos pro pescador que é pouco, porque a
natureza se renova”.
5.1.4 Breve resgate dos modos de vida e costumes
Antigamente, a pesca era realizada com técnicas e apetrechos simples. A
embarcação utilizada era a “canoa a remo” e a principal técnica era a “rede de
arrasto de cabo”. A área de atuação era em frente ao próprio Maciel. Aqui, observase que a pesca não sofreu grandes alterações em relação ao aumento ou melhora
de tecnificação, sendo que as maiores mudanças foram nos materiais utilizados para
o feitio dos apetrechos, como por exemplo, as redes, que a partir da década de 70,
passaram a serem confeccionadas com fios de náilon, antes tecidas com outros
materiais menos resistentes retirados da natureza, como fibras vegetais ou algodão.
Esta situação pode ser ilustrada pelo seguinte depoimento: “Hoje não mudou quase
nada na pesca, foi mais o material que mudou”.
Os principais recursos pescados até então eram: “palumbeta”, “pescadinha”,
“parambijú”, “prejereba”, “parú”, “sardinha”, “cação”, “cação cambeva”, “xaréu”,
“xerereta”, “roncador”. Grande parte destas espécies, que existiam em abundância
no passado (algumas espécies nem tinham valor comercial na época), hoje se
encontra extinta na região. A produção pesqueira era comercializada principalmente
em Paranaguá.
Além da pesca, realizavam outras atividades extrativistas, sendo a principal
a agricultura ou “roça”. Também caçavam e coletavam caranguejo, como formas
complementares de proteína para a alimentação, mas essas práticas eram eventuais
e realizadas principalmente nos piores meses para a pesca. Estas atividades
39
geravam produtos destinados principalmente ao autoconsumo desta população,
enquanto o excedente das roças, quando havia, era destinado à venda em
Paranaguá.
No passado, o principal produto da roça para o autoconsumo era a
mandioca, base da alimentação dos pescadores. Existia nessa comunidade, uma
“casa de farinha”, aonde processavam este tubérculo para fabricação de farinha e
subprodutos derivados, como o biju. Os principais animais capturados para o
autoconsumo eram quati, anta e capivara. Esse período é ilustrado pelos dizeres de
um morador local: “Antigamente tirava 50% do gasto na roça. A gente levava quase
dois ano pra criar um frango pra comê, hoje em 40 dias já tá pronto”.
Na época, existiam aproximadamente 20 casas, que se encontravam
distribuídas de forma bem espaçada pelo local. Ao redor das moradias ficavam as
plantações, os terrenos pertencentes a cada família eram grandes, já que
necessitavam deste espaço para o plantio. As casas tinham telhado feito de palha,
as telhas de alvenaria vieram décadas depois, sendo um dos “sonhos de consumo”
destes moradores, que acabavam por trabalharem mais para poderem obter
materiais para acabamentos e reformas de suas residências. Todos queriam boas
moradias e boa infraestrutura. O relato de um entrevistado exemplifica a situação
das casas anteriormente ao acesso à materiais de construção: “No passado as casa
era com telhado de palha, tinha que tirá a palha na minguante, que aí o telhado
durava uns 20 ano, senão em outra lua não durava nem um ano”.
A figura abaixo esquematiza a situação da Vila do Maciel na época,
evidenciando-se a presença de dois pequenos povoados com as seguintes
instalações: igreja; capela; mercearia, casas de fandango, casas de farinha
comunitárias,
e
pontos
de
pesca
representados
pelos
ranchos
na
orla,
correspondentes às famílias de pescadores. As áreas das roças, de caça e pequena
criação de bois, encontravam-se mescladas entre o início da floresta densa e nas
proximidades dos rios; e devido ao isolamento geográfico pela falta de uma estrada,
o acesso a outras localidades era somente realizado por embarcações.
Destacavam-se também a presença dos manguezais, hoje encontrados em
pequenas porções em vias de desaparecimento, por intensos processos erosivos
nestes locais.
40
FIGURA 2 - SISTEMATIZAÇÃO DA VILA DO MACIEL ANTERIORMENTE AOS PROCESSOS
URBANÍSTICOS
FONTE: A AUTORA (2006)
A região recebeu esse nome devido ao Rio Maciel, o divisor do vilarejo com
a parte do município acessível por estradas, podendo-se dizer que é uma ilha
continental. No entanto, existe um projeto de construção de uma nova estrada que
passará pelo interior do Maciel, devido às demandas portuárias, o que
consequentemente irá aproximá-los do trecho mais urbanizado da cidade.
Para a extração dos recursos naturais de seus ambientes de origem
respeitavam os ciclos reprodutivos das espécies, considerando aspectos como as
estações do ano e fases da lua, o que destaca uma sabedoria empírica aplicada aos
meios e aos insumos necessários para suas sobrevivências. Este fato é evidente na
seguinte afirmação: “A gente aprendia muito na natureza, hoje a gente aprende no
papel, que não é da natureza. A natureza é nossa melhor escola”.
Em relação aos “medicamentos caseiros” que utilizavam na época, e aos
“curandores” – como chamavam os manipuladores dessas ervas, é notável um
abandono destas práticas tradicionais, devido a ideais introduzidos por novas
religiões. Essas crenças consideram que práticas dessa natureza são atos de
“bruxaria” ou “feitiçaria”, e que não condizem com os ensinamentos de “Deus”. Os
que ainda utilizam esses métodos fazem-no de maneira discreta, pois esta atividade
é considerada imoral por grande parte da comunidade, se bem que em situações de
emergência acabam por recorrerem a estas plantas.
41
Por outro lado, a maior oferta de hospitais nos municípios e balneários
arredores, e também, a facilidade de acesso à medicamentos disponibilizados para
a venda em farmácias, fez com que estas famílias optassem em seguir a medicina
tradicional dominante como sendo a mais eficiente, o que contribuiu para o
abandono dessas antigas atividades tradicionais, principalmente pelos jovens.
Essa atual posição segue de forma contrária às suas manifestações
culturais originais, que tinham raízes estritamente ligadas ao uso do solo e seus
recursos naturais como meio de sobrevivência. É notável uma oposição em relação
às formas de utilização das plantas pelos moradores locais; ao mesmo tempo que
ainda são dependentes de alguns recursos da mata para outros fins tradicionais
como a pesca e a construção civil, evitam o uso de vegetais para fins medicinais.
A principal atividade de lazer, até então, eram as quatro “casas de baile” de
fandango que existiam na comunidade, normalmente estas celebrações aconteciam
nas casas dos próprios moradores, alternando os locais, cada vez na casa de um
dos quatro fandangueiros, os homens que tocavam os instrumentos típicos desse
estilo musical. Esses festejos aconteciam em datas especiais, como por exemplo, o
carnaval, e também após os mutirões de trabalhos na roça. Hoje não existe mais
essa opção de lazer, pois essa prática é reprimida pela religião dominante na vila.
A comida típica da época era basicamente a farinha de mandioca, produzida
nas “fábricas de farinha” principalmente pelas mulheres. Também faziam uso dos
subprodutos originados da parcela da mandioca descartada durante o feitio da
farinha.
Também se destacava o consumo do peixe seco, pirão de peixe e de feijão.
Atualmente, não secam mais o peixe, pois este é um processo trabalhoso e que era
muito utilizado para a conservação deste alimento. Com a possibilidade de
congelarem o pescado em geladeira e freezers, e também por terem acesso aos
supermercados, onde podem comprar outros tipos de carne e derivados, deixaram
de lado essa antiga prática.
O papel da mulher era fundamental na comunidade, sendo possível afirmar,
que sem a presença delas o homem provavelmente não daria conta de suas
pescarias, pois estes dependiam estritamente de seus trabalhos domésticos, manejo
das roças e beneficiamento do pescado para realizarem com sucesso as atividades
designadas ao público masculino. A seguinte explanação demonstra este
42
reconhecimento: “Elas faziam tudo... pescavam, faziam farinha, cortavam lenha,
roçavam e cuidavam da casa e dos filho”.
5.2 IPANEMA IV
5.2.1
Histórico da ocupação: A vila de pescadores Ipanema IV
No balneário de Ipanema como um todo, os primeiros moradores de outras
regiões chegaram há mais de 40 anos de Santa Catarina, em busca de recursos
pesqueiros abundantes nesta região. Vieram e se instalaram com facilidade,
ocupando rapidamente os terrenos. Também, pela facilidade em conseguirem a
carteira de pesca, se deslocavam até Paranaguá e retiravam esta documentação
sem maiores burocracias.
Nessa vilarejo avaliado, o Ipanema IV, os primeiros moradores chegaram há
cerca de 30 anos, eram pescadores do próprio balneário e seus familiares, que
foram se assentando nas proximidades da orla em busca de facilidades de acesso
ao mar para praticarem suas atividades pesqueiras. Um pescador local, diante do
cenário crescente de roubos e vandalismo, mostra em seu relato a preocupação
com suas ferramentas de trabalho: “Tá próximo dos petrecho pra cuidá... é um dos
lugares que tem pra pescá e cuidá dos petrecho”. Outro fator a se destacar,
referente à ocupação dessa faixa litorânea, foi o de que muitos destes atuais
moradores venderam seus terrenos originais para turistas e empresários do ramo
imobiliário, ocupando, em sequencia, estes espaços ilegais segundo a legislação
ambiental vigente - por serem áreas de vegetação de restinga, protegidas
legalmente.
A mudança na configuração desse balneário iniciou-se também há mais de 40
anos. Primeiramente, as leis ambientais brasileiras coibiram a continuação das
agroatividades. Simultaneamente, os “proprietários” de terrenos da região, iniciaram
sua atuação imobiliária no sentido de urbanizarem o litoral, sendo que na localidade,
a pessoa de maior influência era conhecida como Antônio Duarte (já falecido), dono
da imobiliária Vera Cruz, a primeira a se instalar e em atividade até os dias atuais.
43
Hoje, a imobiliária Vera Cruz foi assumida por um investidor de Paranaguá. O filho
de Antônio Duarte atua até hoje na venda de lotes na região, porém em outra
empresa.
Existia todo um cenário articulado e favorável aos interesses particulares dos
investidores externos. As pessoas que ocupavam cargos de governança local
beneficiavam os interesses destes “proprietários”. Estes se aproveitavam da
situação menos privilegiada dos pescadores no que diz respeito a trâmites legais, na
tentativa de lhes convencerem à entrega ou à troca de seus terrenos. Muitas famílias
pouco alfabetizadas acabaram assinando papéis que alegavam estarem abrindo
mão de seus terrenos, pensando que fossem para a regularização de suas terras,
como colocado por moradores da localidade:
“Só prometiam, mas grilaram tudo e nunca deram nada pra nós. Muita gente
assinava papel achando que era pra ganhá os terreno e eram enganados”.
“Tinha um advogado que fez muita pressão pra tirar as primeira família que
viviam aqui”.
Todo tipo de ameaça era lançada a estas pessoas pela ação dos “grileiros”:
pressão da polícia; processos jurídicos “inventados”; demolição de casas e
propriedades; e até mesmo ameaças de morte. Estes ofereciam terrenos bem
menores e em locais bem mais afastados da orla, em troca de seus terrenos
originais, que seriam loteados e posteriormente vendidos a turistas. As seguintes
falas demonstram esse cenário:
“Fizeram muita pressão, por parte da imobiliária Vera Cruz, o filho... fazia
muita pressão... Grilagem... o Duarte... ele fez Ipanema, desde Ipanema I
até Ipanema IV”. “Os tubarão são danado pra roubá... roubavam e não
tavam nem aí, vendiam tudo pros outro.”
Essas pressões fundiárias resultaram em modificações no padrão de
ocupação desse território, em um cenário de retirada das famílias que residiam nas
proximidades da orla, para em seus lugares, definirem lotes destinados ao uso
balneário. Nestas flutuações, muitos pescadores passaram a ocupar, irregularmente,
outros locais antes desabitados, como é o caso desta vila estudada.
No presente, estes moradores não têm seus terrenos regularizados, já que
ocupam uma área pertencente à União, sendo, além disso, uma Área de
Preservação Permanente (APP), por apresentar trechos conservados de vegetação
de restinga (típica das regiões litorâneas), com presença também, de dunas frontais.
44
Atualmente, a grande maioria dos moradores não é de famílias nativas e
tradicionalmente pesqueiras da região. Existem muitas pessoas vindas de Curitiba,
Paranaguá e Santa Catarina (principalmente da Barra do Sul). Alguns já pescavam
em seus locais de origem, outros começaram a pescar após a chegada e instalação
na área, e ainda existem moradores que não participam desse tipo de atividade. Um
entrevistado coloca sua visão sobre esta ocupação: “Invadiram tudo, tem muita
gente de fora”.
Muitos pescadores antigos já aposentados desabitaram esse espaço e
foram para Paranaguá, mas deixaram descendentes no vilarejo. Essa questão
fundiária, acima descrita, é ainda hoje sentida pelos nativos como um profundo
desrespeito às suas origens, sentimento este de “roubo” de espaço, de cultura e de
paz coletiva no interior das comunidades originais.
Atualmente,
estão
pressionados
a
se
retirarem
desta
localidade,
principalmente pelos turistas que habitam as residências e edifícios em frente a este
vilarejo, considerado uma barreira ao valor paisagístico da região. Os proprietários
destas residências não querem que esta vila, considerada por eles uma “favela”,
polua o visual em frente às suas moradias, atrapalhando a visão privilegiada do mar.
Uma possível relocação destes moradores está prevista para ser efetuada
após a próxima temporada de verão (2006/2007), sendo que, segundo alguns
entrevistados, a prefeitura do município se propôs a conseguir um local decente para
a instalação de novas moradias para estas famílias de pescadores. Um mercado de
peixe será construído no local onde agora têm suas casas, para facilitar-lhes o
comércio do pescado; e para resolver o problema da distância para trabalharem na
pesca, construirão um barracão numa área ao lado do futuro mercado, que fará o
papel de depósito e rancho de pesca, permitindo assim, que guardem seus
apetrechos com segurança.
Essa questão dos cuidados com os apetrechos de pesca é a justificativa que
alegam ter para se instalarem nessa área conhecida como Ipanema IV, pois relatam
atos de vandalismo e roubos de equipamentos, sentindo a necessidade de estarem
permanentemente
monitorando
esses
materiais,
que
são
os
instrumentos
fundamentais para suas atividades geradoras de renda.
Juntamente a essa possível reconfiguração dos terrenos, a prefeitura
objetiva revitalizar a orla para atrair um maior público de turistas. Porém, segundo
especulações dos moradores, esse paisagismo não corresponderá ao ambiente
45
natural de restinga, já que pretendem introduzir espécies exóticas à vegetação, além
da implantação de infraestrutura comercial, como colocado por um entrevistado:
“Querem atrair o turista... botá quiosque, coqueiro”.
Os pescadores por estarem em situação irregular em relação aos seus
atuais terrenos ficam limitados a desenvolverem algum tipo de ação coletiva, pois
não possuem o direito ao uso capião, já que o local foi ocupado recentemente, se
considerado o tempo de vivência das famílias tradicionais nesse litoral. Também já
estão em processo de negociação com a prefeitura, se mostrando favoráveis à
futura mudança, já que sabem da importância em obterem um lugar legalizado e
seguro para habitarem com suas famílias.
Um dos problemas dessa desocupação é o fato de que a relocação destas
famílias, como critérios de decisão da prefeitura, beneficiará apenas as que são
tradicionais da região. O restante dos moradores, pouco mais da metade, ainda não
têm destino certo, o que possivelmente resultará em um novo problema social. Um
informante expressa seu sentimento de indignação por essa questão: “Na hora que
forem demolir eu não quero nem vê... é triste. Eu choro quando vejo demolirem a
casa de alguém.”
5.2.2 Oportunidades e atividades relacionadas ao turismo
O turismo começou a ter força há mais de 30 anos atrás. Porém, não
chegou a dar oportunidades aos moradores locais, porque a maioria dos
compradores dos terrenos, quando passaram a construir suas residências de
veraneio, trouxeram consigo seus “pedreiros” de confiança, vindos de suas cidades
de origem, como dito por alguns informantes:
“Quase nenhum pescador trabalhou nessas obra, traziam tudo de fora... o
turismo foi bom mais porque melhorou a venda do pescado”.
“A primeira oportunidade de emprego que tivemo foi com a chegada da
Techint, na construção civil, com turismo não tivemo tanta oportunidade no
começo”.
Uma minoria dos moradores construiu casas no intuito de vendê-las para
turistas. Residências estas, comercializadas a preços irrisórios, por não terem na
46
época a real noção de valores de imóveis. Essa não era uma prática comum nessa
vila.
A década de 1980 e meados dos anos 1990 foram de grande importância
para a economia desse município em relação às atividades turísticas. Após esse
período o turismo da região entrou em um processo de decadência que perdura até
hoje, já que muitos preferem a beleza cênica de praias de Santa Catarina, que
também estão próximas deste litoral. A falta de segurança e de infraestrutura
urbano-turística, também está entre os fatores de vazão de visitantes. Essa
mudança de espaço recreativo é perceptível através da quantidade de imóveis de
veranistas postos à venda. Um morador fala de um antigo retrato das atratividades
recreativas locais: “Antes tinha cinema aqui, discoteca, vinha muita gente de fora”.
Os poucos moradores que alugam algum imóvel na área cobram um valor
de aproximadamente cinquenta reais a diária. Estas práticas são realizadas
ilegalmente, por estarem em uma área de ocupação irregular, sob a proteção e
fiscalização de autoridades, que também não permitem que eles construam ou
reformem suas casas, sendo estas demolidas como forma de punição para esse tipo
de ocorrência.
O que se vê é que estes moradores, visando uma casa melhor estruturada,
as reformam internamente, como uma forma de maquiar essa ação e disfarçar a
obra evitando a fiscalização. Reclamam em terem de habitar residências em
condições precárias e ainda serem punidos de forma “violenta” por isso. Alegam que
as casas se deterioram rapidamente no litoral e necessitam de frequente
manutenção, e que essa proibição lhes impede de morarem em casas seguras, com
um mínimo de conforto.
Os estabelecimentos comerciais voltados ao turismo da região são apenas
os locais de venda de peixe. Mas existem pessoas que praticam atividades de
manutenção de casas de turistas e anunciam isso através de placas ou faixas
expostas em frente à suas casas.
Aproximadamente umas 15 pessoas realizam passeios de barco, visando a
pesca esportiva e de lazer, cobrando para isso em torno de trinta a cinquenta reais
por pessoa para pescarem nas proximidades da Ilha dos Currais. Poucas excursões
param nesse balneário, sendo que essa possibilidade ocorre eventualmente, nas
temporadas de verão.
47
A renda média mensal dos moradores, em alta e baixa temporada, assim
como no Maciel, é muito oscilante, não sendo possível precisar valores. Mas é
possível afirmar que a maior porcentagem da renda ganha, em torno de 70%,
provém das atividades pesqueiras, seguidas pelas atividades geradas pelo turismo.
Para esta comunidade, a presença do turismo no litoral como um todo foi um
aspecto principalmente positivo, pois trouxe novas oportunidades de geração de
renda e lhes facilitou o acesso a bens de serviços básicos pela instalação de melhor
infraestrutura urbana na região. Por outro lado, reconhecem que a situação atual é
de má organização da atividade turística e descaso dos governantes locais para com
o município. Também colocam que a intensificação do turismo introduziu uma
diversidade de “novidades” para o universo cultural dessas populações, desde
transformações no cotidiano e padrões de consumo, a até mesmo à chegada da
violência, roubos, disseminação de drogas, prostituição, entre outros. As falas a
seguir ilustram bem essas situações:
“O turismo é bom pra gente, pra vendê, mas por outros ponto, tudo já virou
uma bagunça. Melhorou com o turismo, mas acabou o peixe”.
“Hoje tá ruim de se vivê aqui, os roubo tão espantando os turista, que tão
vendendo suas casa... é ruim pra gente. Antes ninguém mexia nas nossas
coisa”.
“Não acho que a chegada do turismo foi tão boa... antes era mais difícil,
trabalhava a remo, mas era tranqüilo, hoje tem muita coisa ruim do mundo,
casos diferente, coisas que nunca vi... hoje temo que se cuidá pra vivê”.
“Tem muito traficante, muita violência”.
“Não se tinha tv, rádio, piorou depois que veio a tv, só tem porcaria”.
A maioria dos homens e mulheres que habitam essa região complementam
sua renda realizando atividades como: limpeza e manutenção de casas, piscinas e
jardins de turistas, cobrando uma diária em torno de vinte e cinco a trinta reais.
Estas atividades são geralmente realizadas pelas mulheres. Os homens se dedicam
mais à manutenção e reformas nas estruturas destas casas, cobrando para isso um
valor na faixa dos quarenta reais a diária. Estes moradores gostariam que existissem
maiores incentivos ao setor turístico pelo município, como colocado: “Acho que
deveria ter mais turismo, ter mais coisa pra atrair o turista, tá tudo abandonado...
melhorou muito com a estrada... onde tem turista tem dinheiro”.
48
5.2.3 Moradores, casas, e infraestrutura atual da vila.
Atualmente, em Ipanema IV, vivem aproximadamente 40 famílias (40 casas),
destas, aproximadamente 16 são de pescadores, totalizando em torno de 120
moradores na vila. Além das residências dos nativos, existem ainda dez casas
destinadas à locação de turistas.
Em relação à infraestrutura e oferta de bens de serviço, as casas já estão
ligadas à rede elétrica há mais de 20 anos. A maioria delas é abastecida por água
encanada da Sanepar, há aproximadamente cinco anos, com exceção de cinco
casas abastecidas por água de poços artesianos. O destino do esgoto produzido são
as fossas, já que não existe e nem existirá uma rede de tratamento de esgoto nesta
vila. O lixo doméstico é retirado do local pelos caminhões responsáveis pela coleta
de resíduos sólidos no município.
Não existem telefones públicos instalados no interior do vilarejo, porém a
metade dos moradores já tem linhas telefônicas particulares e a grande maioria
possui aparelhos de celular. Ninguém da vila possui um computador em casa.
No interior da comunidade existem seis estabelecimentos comerciais que
funcionam ao longo do ano. Estes são: Novo Mercado de Peixe, Banca do Toninho,
Banca da Pri, Banca da Jamile, Banca do Barba, Banca da Laci. Existe ainda uma
pessoa que trabalha em um quiosque na praia vendendo lanches, porém só nos
meses de temporada. O pescado normalmente é vendido nas próprias casas, que
fazem o papel de peixaria também em alguns casos, ou no “Novo Mercado de
Peixe” na própria vila, porém só uma parte de pescadores, os que são nativos, é que
podem vender seus produtos ali.
Há certa divisão e rivalidade na vila, sendo metade dela constituída por
pessoas vindas de outras regiões e a outra metade pelos moradores nativos. Essa
divisão é notavelmente destacada, podendo-se dizer que seriam dois povoados
distintos, já que os “locais” sentem essa apropriação como um “roubo” e
autobenefício em cima de seus direitos ao uso deste espaço. Os nativos afirmam
que estes moradores que chegaram depois, trouxeram consigo costumes não
condizentes com as suas culturas originais, como presença de tráfico de drogas,
aumento de violência, entre outros fatores dos quais não eram habituados a
conviver.
49
Não existem creches e posto de saúde no local. Apenas uma escola de
ensino fundamental (até a quinta série), em Ipanema. Para cursarem o restante do
ensino fundamental e o segundo grau, os estudantes necessitam se deslocarem até
Pontal do Sul, Shangri-lá, Praia de Leste ou Paranaguá.
Existe uma igreja evangélica no interior da vila, e no balneário todo existem
várias igrejas evangélicas, sendo apenas uma delas católica, destacando a forte
introdução de novas filosofias na região, que antigamente se baseavam nos
pressupostos do catolicismo.
Não existem instalações esportivas na vila, mas nos arredores há um campo
de futebol de areia, que utilizam com frequência, atraindo alguns campeonatos
esportivos intermunicipais, sendo uma das atividades de lazer mais praticadas pelo
público masculino. Não há áreas de lazer comuns na vila, com exceção de uma
praça e bares nas proximidades que normalmente só abrem em períodos de intenso
fluxo de pessoas, geralmente no verão e feriados prolongados. Algumas mulheres
jogam vôlei e muitos jovens aprendem a surfar, sendo também uma das formas de
lazer mais praticadas. A vida noturna também é algo forte na cultura regional, sendo
o baile de “Barrancos” (na Praia de Barrancos) e o “Bailão do Henrique” (Ipanema)
um dos locais mais frequentados pelos nativos.
Também existem festas locais em determinadas épocas do ano, sendo
estas a “Festa dos Frutos do Mar”, “Festa do Camacho”, além das festas juninas
regionais, normalmente organizadas pelas escolas.
5.2.4 Caracterização da atividade pesqueira e de coleta da comunidade
Há aproximadamente, 25 homens que pescam ativamente. As embarcações
atuais utilizadas são as canoas de fibra de vidro (12 canoas) e canoas a motor de
madeira (10 canoas), com a potência do motor de 11 Hp e 18 Hp (motor a diesel).
As principais técnicas de pesca atuais são, as “redes de espera” – para
pesca, principalmente, de cação, cavala, bagre, corvina e linguado; as “redes de
fundeio” – para pesca, principalmente, de robalo, cavala, tainha e linguado; as
“redes de caceio” (redes altas) – para a captura de “anchova”, “camarão”, “cavala”,
“saltera”, “cação”, “parú”, “pescada miúda” e “pescada branca”; e as “redes de
50
arrasto”– para camarão sete-barbas e camarão branco. A área de pesca,
normalmente vai de Praia de Leste a Shangri-lá; também atuam em mar aberto, até
as proximidades da Ilha dos Currais.
O pescado produzido sofre mudanças de repasses ao longo do ano. Na
temporada, é destinada à venda direta ao consumidor final (turistas), restando
apenas uma pequena parcela dessa produção repassada ao atravessador, seguida
pelos, restaurantes e mercados, com uma parte destinada ao consumo próprio. Há
uma inversão desse quadro, durante o restante do ano, tendo como primeira opção
a venda da maior parte do pescado ao atravessador, com o restante destinado à
venda direta aos consumidores, mercados e restaurantes.
Os produtos com maior valor comercial são, o robalo, o linguado, o camarão
sete-barbas e o camarão branco. Estes pescados sofrem alterações de preços ao
longo do ano, sendo o robalo e o linguado, vendidos, durante a temporada, há um
valor de quinze reais por quilo, aos turistas, mercados e restaurantes; e a dez reais
ao atravessador. Nos outros meses do ano, esses pescados são encontrados ao
preço de dez reais o quilo, para qualquer um dos compradores.
Os camarões têm também seus valores modificados ao longo do ano. O
sete-barbas é comercializado a um valor de dez reais o quilo, em alta temporada,
para consumidores finais, restaurantes e mercados; com exceção do atravessador,
que paga um valor de cinco reais por quilo, durante o ano todo. Já o camarão
branco, é vendido, nos meses de verão, a vinte reais o quilo, para o consumidor
final, mercados e restaurantes; e doze reais o quilo, para o atravessador. No
restante do ano, o valor pago por esse camarão fica em doze reais o quilo,
independentemente de quem seja o comprador final.
São dois os atravessadores que atuam no local, durante todo o ano: “Jadir”,
dono de uma banca de peixe no Mercado de Paranaguá, de Paranaguá; e “José”,
dono do Restaurante Pilequinho, de Matinhos.
Em relação aos meses mais propícios à captura do pescado, notam-se
diferenças que variam com a espécie, sendo os meses de novembro a janeiro, e
março a maio, mais abundantes em recursos; e os meses de agosto a outubro, os
mais fracos para essas práticas.
No aspecto de ganhos por mês de um proprietário de embarcação e de seus
quinhoeiros, estes são números inexatos de se definirem mensalmente, assim como
exposto também, pelas outras comunidades aqui estudadas. E uma média
51
aproximada, os proprietários de embarcação com maior tecnificação, chegam a
ganhar aproximadamente três mil reais durante toda temporada e em torno de 500
reais nos piores meses. Já o quinhoeiro, recebe 50% do total, dividido entre todos os
quinhoeiros da embarcação, com uma faixa média de R$ 750,00 a mil reais na
melhor época (temporada toda) e 200 reais nos meses mais fracos. Normalmente
são dois quinhoeiros por embarcação. Um senhor descreve a situação passada que
expõe períodos mais abundantes de captura e comercialização: “Antigamente, há
uns 15 anos atrás, fazia bem, tirava até três mil reais na temporada”.
Atividades como roças, caça e coleta também aqui não são mais praticadas,
devido à intensificação do uso urbano-turístico que reduziu a quantidade de terras, e
também pela criação de uma legislação ambiental restritiva quanto ao uso do solo.
5.2.5 Breve resgate de seus modos de vida e costumes antigos
No balneário de Ipanema, antigamente, a pesca também era realizada com
técnicas e apetrechos simples, de baixo impacto no ambiente. A embarcação
utilizada era a “canoa a remo” e as principais técnicas eram a “rede de arrasto de
praia” ou “arrastão de praia” (praticada por homens e mulheres); o “espinhel”; a
“tarrafa”; e a “linha de mão”. A área de atuação era em frente à própria praia de
Ipanema, sentido mar aberto; não se deslocavam para muito longe porque não
tinham motores nas embarcações. A fala de um pescador contextualiza esse
momento: “A gente lanceava a semana inteira. Precisava de umas 40 pessoa pra
puxá o lanço”.
Os principais pescados, até então, eram: “pescada branca”, “pescadinha”,
“pescada amarela”, “roncador”, “cambucu”, “cação”, “cação grande”, “tintureiro”
(cação considerado agressivo, “brabo”), “corvina”, “sabelha”, “bagre bacia”, “peixe
tábua”, “sororoca”, “paru”, “gordinho” e “palumbeta”. A maioria dessas espécies já
não são mais encontradas na região. Algumas que haviam em grandes quantidades,
atualmente não são mais localizadas, como expõe um dos informantes: “A gente
chegava a soltá os peixe que antigamente não tinha muito valor, de tanto que tinha.
Hoje em dia não tem nem pra comê”.
52
A produção era vendida, principalmente, para uma empresa japonesa de
pesca de Paranaguá. Mas também, iam até Pontal do Sul, de “carro-de-boi”, para
depois pegarem uma canoa a remo e se deslocarem até Paranaguá ou Antonina
para venderem o pescado diretamente, fato este aqui colocado por um entrevistado:
“Vinham de caminhão buscá o peixe e cobravam o preço que eles queriam...
enganavam muito os pescador”.
Além da pesca, realizavam outras atividades extrativistas e de manejo do
solo, sendo a principal, a prática das “roças”. Também caçavam como forma
complementar ao consumo de proteína, principalmente quando não era uma época
favorável ao pescado. Estas atividades geravam produtos destinados principalmente
ao autoconsumo desta população.
O principal produto cultivado na “roça” era a mandioca, dentre outras
espécies plantadas para a alimentação. Estas áreas de plantio normalmente se
encontravam mais para o interior do continente, a aproximadamente uns 500 m da
atual avenida principal de acesso a Pontal do Paraná. Algumas roças encontravamse na região do atual “Mercado Super Rede”, devido a sua localização nas
proximidades de corpos d’água, o que implica em terras mais férteis e irrigadas. As
restrições ao plantio são sentidas por eles e transmitidas pela afirmação de um
habitante da região: “Era tudo muito bom, a gente tinha de tudo, hoje é muito caro”.
Os animais mais caçados para o consumo eram: tatu, bugil, lontra, quati,
veado, tamanduá, capivara, anta, cateto, cutia e paca, além de algumas aves como
sabiá, surucuá, papagaio, periquito, enambu e jacu. A área de caça era adentrando
o interior do continente, entre Ipanema e Shangri-lá, aonde a floresta era mais
densa. Mas também caçavam muito próximos da orla, já que diziam que as “caças”
eram tão abundantes que chegavam até a praia. Alguns afirmam que atualmente
existem ainda animais na região: “Tem muita caça ainda”.
As casas, na época, estavam bem distribuídas pelo espaço (compondo uma
linha paralela ao mar) e próximas à praia, a uns 200m. Existiam apenas oito famílias
que habitavam a localidade. Algum tempo depois construíram aproximadamente seis
casas de turistas, a aproximadamente um quilômetro da orla, região conhecida como
Cambiú.
Na época, as casas eram feitas de sapê, com telhado de palha trançada, o
chão era de areia e também dormiam em esteiras de “paina” ou “piri”. Utilizavam os
travesseiros confeccionados com folhas de “marcela”. Os bebês não tinham fraldas
53
convencionais, como ressalta uma das moradoras: “As fraldas eram feitas de saco
de trigo”.
O desenho representado aqui, possibilita uma compreensão da configuração
deste balneário antes dos processos urbanísticos, sendo inexistente a comunidade
do Ipanema IV, que se formou anos depois. Aqui também as roças encontravam-se
nas proximidades de corpos d’água, sendo também a área mais favorável à caça.
Existia um caminho de acesso, que cruzava as vilas adjacentes, destacando que a
praia era a principal via. Era marcante a presença de dunas e pequenas lagoas
entre elas, formando a região conhecida como “Barrancos do Capeva”. O povoado
tinha além das casas, duas “oficinas de farinha”. Outro detalhe são os ranchos de
pesca ao longo da orla, seguindo um padrão comum à época.
FIGURA 3 - SISTEMATIZAÇÃO DO BALNEÁRIO DE IPANEMA ANTES DA URBANIZAÇÃO
FONTE: A AUTORA (2006)
Outro costume era a utilização de plantas nativas, para utilização em forma
de “medicamentos caseiros”, bem como os serviços dos “curandores”.
As manifestações culturais de lazer, no passado, eram as duas casas de
baile, que freqüentavam em Barrancos, aonde praticavam o fandango, como ritmo,
música e dança. A cachaça era a bebida alcoólica consumida nas festividades,
costumavam também beber refrigerante popularmente conhecido como “tubaína”.
Os instrumentos musicais utilizados no fandango são o “adufo” (similar a um
pandeiro, porém de origem árabe), a “viola” e a “rabeca”. Os homens é que tocavam
54
os instrumentos, e também quando dançavam, eram eles que usavam os típicos
tamancos de madeira, que serviam como percurssão e marcação de tempo e ritmo
musical. Existiam mais de 20 marcações de fandango, algumas recordadas aqui
pelo relato de antigos moradores: “valsado”, “querumana”, “anum”, “lageana”,
“andorinha”, “chico”, “xará-grande”, “marinheiro”, “caranguejo”, “batido” e “tiraninha” .
As mulheres, sempre se vestiam com vestidos e saias rodadas para a dança e
também no dia-a-dia, já que na época a mulher não costumava usar calças. Existia
uma roupa especial utilizada nos dias de carnaval, para ambos os sexos, com
tecidos floridos ou listrados, e ainda, o casal mais antigo de dançarinos de fandango,
conhecidos como “lacaio” (homem) e “biboche” (mulher), usavam uma roupa
diferenciada (com estampas florais e de listras, bem coloridas) para dançarem as
quatro primeiras “marcas” do fandango (o fandango tem várias marcações – tempos
de ritmo, e a dança acompanham essas mudanças, com uma coreografia para cada
marcação), depois voltavam a colocar as roupas normais, iguais às dos outros
dançarinos.
As comidas típicas eram a farinha de mandioca (base da alimentação), o
“bijú” e o peixe seco. Esse comentário reflete esse costume: “Faziam o biju
amassado na folha de bananeira. Nosso pão era o biju”.
Existiam também, algumas lendas, como as do boi-tatá, lobisomens e de
outras entidades espirituais, algumas destas descritas por eles abaixo:
“Boi-tatá era um cachorro e tinha uma luz verde feia, já vi dois, perto do rio.
Ele tinha medo da tarrafa, um dia peguei a tarrafa e o ameacei e depois ele
não apareceu mais. Eu já vi muita coisa, tinha muita assombração”.
“Tinha um lobisomem, que era um antigo pescador que morava aqui, que
saia a noite com roupa, achava cocô de cachorro no mato, tirava a roupa e
começava a se rolar no cocô, levantava dali já transformado, ficava ali até
se destransformar de novo, vestia a roupa e ia embora. Não pode bater nele
que ele se vinga”.
“Hoje ainda tem lobisomem aqui, filho de uma moradora. Ele vive com as
mão mordida e fica inventando mentira pra sair de madrugada”.
O papel da mulher era fundamental na comunidade, sendo suas atividades
necessárias e complementares aos serviços masculinos. Os homens relatam:
“Faziam lanço, roça, cuidava da casa, lanceava até a noite, trabalhavam demais...
sofreram bastante”.
Atualmente, a mulher ainda é muito importante no desenvolvimento familiar,
pois além de suas atividades domésticas, muitas ainda trabalham em outras
atividades como limpeza de casa, jardins e piscinas de veranistas, complementando
55
a renda do marido. Isso sem falar que ainda ajudam o marido nas atividades
pesqueiras (pescando, beneficiando o pescado, descascando camarão). Os homens
reconhecem o esforço das mulheres, mantendo essa divisão de tarefas.
5.3 PRAIA DE BARRANCOS
5.3.1 Histórico da ocupação do vilarejo
As primeiras pessoas vindas de outras regiões não pertencentes a Pontal do
Paraná, com o objetivo de ocuparem o vilarejo de Barrancos, chegaram por volta
dos anos 1970. Antes disso, predominavam apenas as famílias nativas, como as dos
tradicionais Gonçalves, Serafim e Crisanto.
Vieram também os “catarinas”6, estes não moravam definitivamente na
localidade, apenas habitavam a vila por determinados períodos7 para pescarem
alguma espécie comercialmente mais valorizada, retornando a seguir, aos seus
locais de origem para continuarem com suas atividades pesqueiras.
Este vilarejo não se manteve estável quanto ao uso de seu território ao
longo do tempo. Assim como a maioria dos balneários do litoral do Paraná que
sofreram rápida e intensa urbanização, há mais de 40 anos Barrancos passa a
receber influências do urbano.
Novamente, como nas outras comunidades aqui estudadas, a legislação
ambiental restritiva fez com que atividades de roça, caça e coleta fossem proibidas.
Na mesma época, a Empresa Balneária Pontal do Sul, responsável pelo loteamento
da região, inicia sua atuação no sentido de se “reapropriar” dos terrenos
pertencentes aos nativos, julgando que estas terras eram de sua propriedade. A
forte especulação imobiliária regional, logo incentiva a construção de estradas de
acesso, fato exposto aqui por um dos informantes desta pesquisa: “Meu pai ajudou a
6
7
Os “catarinos” ou “catarinas” vieram de Santa Catarina em busca de melhores condições para a
pesca. Alguns hoje habitam a região do Antigo Embarque. Tiveram êxito nas pescarias ao se
mudarem para o município de Pontal do Paraná, pois eram mais tecnificados, o que lhes gerava
maior renda quando compara à renda dos pescadores locais.
Na época de abundância de determinada espécie de valor comercial.
56
fazê a estrada de Praia de Leste a Paranaguá, carregava areia numas gamela,
porque não tinha nem carrinho-de-mão pra carregá. Sofriam muito”.
Esse conflito fundiário da época foi alvo de muitos embates entre população
local e proprietários. Moradores relatam que por volta dos anos 50, o governador
“Lupião” doou grande parte dos terrenos do município de Pontal do Paraná para a
empresa Balneária Pontal do Sul - pertencente a João Ribeiro, homem de grande
influência dentro dos órgãos de poder vigentes na época. Nesse processo de
doação das terras não foram consideradas as comunidades que até então ali
residiam pacificamente ao longo de décadas. Seus meios de vida tradicionais pouco
importavam.
Pessoas influentes e entidades públicas - prefeitura, delegados, polícia,
advogados, etc - beneficiavam os investidores externos, apoiando a grilagem de
terras e seus interesses particulares. Assim como nos outros vilarejos aqui
apresentados neste estudo, pressões pela obtenção dos terrenos dos nativos se
davam de todas as formas ilícitas. Os comentários que decorrem ressaltam o quadro
desfavorável às famílias locais frente a essa situação:
“Eles fizeram o pessoal correrem de suas casinhas”.
“Em terra de cego, quem tem olho é rei... Eles foram responsável pela
miséria de muita gente”.
“É uma falta de respeito ao caboclo”.
Da mesma forma que nos outros estudos de caso aqui mostrados, estes
“proprietários” ofereciam aos nativos, em troca de seus terrenos originais, terras com
dimensões bem menores e afastadas da orla. Felizmente, essa comunidade é uma
exceção dentre as comunidades aqui apresentadas, já que resistiu aos processos de
ocupação fundiária por pessoas de outras localidades ou empreendimentos
turísticos, garantindo por direito que esta área não fosse urbanizada.
Atualmente, a grande maioria dos moradores tem os seus terrenos
regularizados, após muita luta na justiça. Um advogado sensibilizado com a situação
se ofereceu para tomar a causa coletiva, ajudando-os a conquistarem, juridicamente,
seus direitos às terras. Em troca da prestação de seus serviços, este advogado
pediu para ficar com parte de um terreno pertencente a uma das entrevistadas (já
que este terreno se localizava mais próximo ao mar), lhe oferecendo em troca um
outro terreno em uma região mais afastada do mar, porém documentado. Estes
conflitos fundiários resultaram em algumas relocações de moradores nativos, como
57
é bem lembrado por um dos entrevistados: “Esse lugar hoje tá bom... mas muitos
foram obrigado a sair das casa, uns foram pra Paranaguá”.
Além das famílias originais, hoje existem dez casas de turistas vindos de
Curitiba e de outras regiões interioranas do Paraná, como Apucarana; aqui se
instalaram devido a boas relações de amizade criadas com os nativos, que vendiam
terrenos mais baratos a estas pessoas, deixando assim, de pagarem os impostos
pelo uso do local.
Os nativos percebem essa gama de conflitos fundiários como descaso aos
seus costumes e modos de vivência, bem expressado por um destes nativos: “Se
tivesse que sair daqui sentiria muita falta... demais... me acostumei muito aqui e no
balneário Olho D’água, onde nasci”.
Hoje a situação é estável, pois os moradores detêm a posse dos terrenos,
todos devidamente documentados. Porém, numa possível tentativa de novos
incômodos aos moradores locais quanto aos usos do território, estes já estão
preparados e bem informados, sabendo que essa situação se resolveria na justiça,
já que todos os processos fundiários atuantes se encontram corretos perante a lei.
Assim mesmo, com toda informação adquirida sobre os direitos dos
moradores pela posse destas terras, estes ainda sentem-se pressionados pelos
processos de ocupação fundiária, como conta um pescador indignado com as
pressões até hoje ocorrentes: “Ainda tem ameaça, mesmo com toda documentação
regularizada. A Balneária ainda quer que a gente saia daqui”.
Esta comunidade em especial, dentre as estudadas, aparece como a que
tem a organização social interna mais ordenada, consequentemente, apresentando
maior estabilidade econômica. Essa vantagem é resultado de atividades coletivas e
solidárias, destacando as relações de parentesco fortemente presentes.
Essa vila encontra-se bem unida na busca pelos seus direitos como
cidadãos, posição esta, influenciada em grande parte pela liderança comunitária
local, um representante da causa das famílias de pescadores tradicionais da região
que até hoje luta pela classe.
58
5.3.2 Oportunidades e atividades relacionadas ao turismo
O turismo, como atividade geradora de novas oportunidades aos moradores
dessa vila, aparece com maior intensidade há aproximadamente 30 anos atrás.
Nessa mesma época, começaram a serem vendidas as primeiras casas e terrenos
aos turistas, por preços muito abaixo do mercado imobiliário predominante. Assim,
diziam: “Só perderam essas pessoa que vendia as casa... trocavam por nada”.
No cenário atual, o que se vê é que muitas famílias alugam suas casas para
turistas, principalmente nos meses de temporada de veraneio, já que o valor do
aluguel é muito mais valorizado. Os preços de uma diária de uma casa simples, de
dois a três quartos, variam na faixa de quarenta a cinquenta reais; sendo possível
algum desconto nesse valor caso o locador contrate esse serviço semanalmente ou
mensalmente.
Os estabelecimentos destinados ao turismo da região são poucos, existe
uma pousada, um restaurante, um mercado e uma casa de baile. Aproximadamente
uns cincos pescadores realizam passeios particulares de barco, normalmente
procurados por pessoas que pescam como atividade de lazer e esportiva.
Algumas excursões vêm até a vila, eventualmente, quando tem algum
campeonato de futebol no local. No verão, há uma demanda de pessoas de outros
balneários, principalmente da região de Matinhos, à procura de um espaço para
seus banhos de mar em águas menos poluídas e com menor dinâmica das ondas.
Também é muito procurada pelos turistas, nos períodos de maior fluxo de
pessoas, a casa de baile de Barrancos. Em outras épocas do ano, a procura
também é grande, mas o público gira em torno dos moradores permanentes de
Barrancos e balneários vizinhos.
Praticamente todas as famílias buscam atividades que complementam sua
renda das atividades pesqueiras, realizando trabalhos para turistas, como a limpeza
de casas, jardins, piscinas, serviços de obras e manutenção em geral. Estes
serviços são muito procurados pelos proprietários de casas de veraneio, já que
muitos só frequentam esse ambiente na alta temporada, e as casas ficam fechadas
por muito tempo, exigindo uma manutenção frequente. O valor de uma diária de
limpeza de casa, piscina ou jardim, varia de trinta a quarenta reais; e de serviços de
manutenção e obras, encontra-se na faixa dos quarenta a cinquenta reais.
59
A renda média mensal dos moradores, em alta e baixa temporada, também
neste estudo de caso, é muito variável. Dependem de variados fatores externos
como já expostos pelas outras comunidades avaliadas, tanto para a pesca, quanto
para as atividades turísticas. Pode-se afirmar que a maior porcentagem da renda
ganha vêm das atividades pesqueiras (90%), seguidas pelas atividades geradas
pelo turismo.
Para esta comunidade, a presença do turismo no litoral como um todo, foi
um aspecto principalmente positivo, uma vez que não perderam seu espaço de
origem e também porque esta atividade trouxe novas possibilidades de renda. O
acesso a hospitais, postos de saúde e outros tipos de serviços, lhes facilitou a vida,
já que anteriormente estes acessos eram muito limitados. Fato este, afirmado por
alguns nativos:
“O que o turista trouxe de bom pra nóis é o conhecimento... começamo a
sabê de nossos direito.”
“Não achamo ruim... temo pra quem vendê o pescado. Hoje é mais fácil,
vendemo aqui mesmo”.
“Há 15 anos atrás, o pescador tinha vergonha de convidá o turista para ir na
sua casa, hoje em dia isso mudou, antes o pescador se sentia inferior ao
turista. Hoje isso acabou, a gente gosta muito de receber as pessoa em
casa. O pescador tinha vergonha de mostrá a carteira de pesca para fazê
compra em loja”.
Como aspecto negativo do desenvolvimento econômico regional, o que
estes moradores perceberam, foi um rápido declínio dos estoques pesqueiro locais,
muito provavelmente ocasionado pela pesca predatória dos grandes barcos
pesqueiros e o arrasto do camarão. Novamente a legislação ambiental de caráter
conservacionista, ou seja, mais restritiva quanto ao uso dos recursos naturais, foi
citada como empecilho ao desenvolvimento econômico desta comunidade. Situação
apurada nesse trecho da entrevista: “Tem muita lei ambiental e não conseguimo
cumprí”.
60
5.3.3
Moradores, casas, e infraestrutura atual da vila.
Atualmente, em Barrancos vive uma grande família de nativos, totalizando
160 pessoas, distribuídas em 64 casas. Existem ainda 14 moradores que não são
nativos da região. Além das residências dos nativos, existem dez casas de turistas.
Em relação à infraestrutura e oferta de bens de serviço básico, as casas já
estão ligadas à rede elétrica há mais de vinte anos; todas são abastecidas por água
da rede pública, com exceção de uma casa abastecida por um poço artesiano. O
destino do esgoto produzido são as fossas, já que não existe uma rede de
tratamento de esgoto nesta vila. O lixo doméstico é retirado do local, pelos
caminhões responsáveis pela coleta de resíduos sólidos no município.
Há 15 anos foram instalados os dois telefones públicos da vila. Muitos
moradores já possuem telefone residencial (há aproximadamente uns três anos),
além de aparelhos de celular. Computador, apenas um morador tem, há
aproximadamente um ano.
No
interior
da
comunidade
existem
apenas
três
estabelecimentos
comerciais, uma mercearia, uma casa de baile e uma pousada/restaurante de um
vereador. Existe a venda de iscas-vivas (o “corrupto”, muito procurado por turistas
que buscam a pesca de lazer) em um ponto na beira do asfalto principal de acesso
aos balneários (a PR-407) e o pescado normalmente é vendido em casa ou no
mercado de Shangri-lá.
Não existem creches e nem posto de saúde no local, mas os moradores
encontram esse serviço em Pontal do Sul e Shangri-lá, balneários vizinhos. Há uma
escola de ensino fundamental, que atende até a quarta série. Para cursarem o
restante do ensino fundamental e o segundo grau, necessitam se deslocarem até
Pontal do Sul, Shangri-lá, Praia de Leste ou Paranaguá.
Quando jovens, a população mais antiga estudava em uma escola rural,
porém somente até a quarta série do ensino fundamental, não havendo continuação
das séries seguintes, o que lhes fazia esquecerem de muito dos conhecimentos que
tinham aprendido, já que deixavam de dar continuidade aos seus estudos. Também
não tinham acesso a jornais, revistas e televisão, como agora. Um entrevistado
relata as dificuldades de acesso à escola: “As outras pessoas que morava mais
61
longe, vinha do balneário Olho D’água a pé, pra estudá na única escola que tinha,
que era aqui em Barrancos”.
Assim como nos outras vilas apresentadas, a religião evangélica vem sendo
muito disseminada dentro da comunidade. As mulheres são as que mais frequentam
os cultos dessa religião.
A única instalação esportiva da vila é um campo de futebol, que atrai alguns
campeonatos esportivos intermunicipais, o que pode ser considerado um dos
atrativos turístico do lugar. Em relação às áreas de lazer, existe uma casa de baile, o
conhecido “bailão de Barrancos”, muito procurado por nativos e turistas, sendo esta,
a principal forma de descontração entre o público feminino e masculino da vila; além
do futebol, praticado por ambos os sexos; e do vôlei, praticado principalmente pelas
mulheres.
As atuais e tradicionais festividades desta vila são principalmente os “bailes
de Barrancos” aos sábados, e a “festa junina”, realizada pela escola.
5.3.4 Caracterização da atividade pesqueira e de coleta da comunidade
Há aproximadamente, 20 homens que pescam ativamente. Com um total de
dez canoas, sete de fibra de vidro e canoas a motor de madeira, com a potência do
motor de 11 Hp e 18 Hp (motor a diesel).
As principais técnicas de pesca atuais são, as “redes altas” (de malhas 10,
12 e 18) – para pesca, principalmente, de robalo, cavala e tainha; e as “redes de
arrasto” – para camarão sete-barbas e camarão branco. A área de pesca,
normalmente é em frente à vila, sentido mar aberto, após a Ilha dos Currais, porém
em algumas épocas se deslocam até a Barra do Saí para “cercar tainha”.
Atualmente os pescadores apontam os gastos derivados de suas atividades
pesqueiras: “Náilon, gasolina, óleo eram mais barato. Depois o plano real, o náilon
encareceu muito. A maior parte do dinheiro que entra pro pescador é gasto com
manutenção de seus petrecho”.
O pescado produzido é destinado, primeiramente, à venda direta ao
atravessador, seguido pelos consumidores (turistas), restaurantes e mercado, com
uma parte destinada ao consumo próprio. Esse destino final só varia na temporada,
62
onde a procura de pescado pelos turistas é intensificada. O destaque vai para os
atravessadores, cuja venda é garantida ao longo do ano, e o retorno disso vem na
forma de dinheiro ou combustível e petrechos de pesca, que acabam por
“solucionar” muitos dos problemas financeiros destes pescadores.
Os produtos com maior valor comercial são o robalo, o camarão sete-barbas
e o camarão branco. Estes pescados sofrem alterações de preços ao longo do ano,
com exceção do primeiro, vendido, durante o ano todo, a um valor de quinze reais
por quilo, aos turistas, mercados e restaurantes (comercializado já beneficiado como
filés); enquanto o atravessador paga dez reais por quilo.
Os camarões têm os valores modificados ao longo do ano. O sete-barbas é
comercializado
a
um
valor
de
dez
reais
o
quilo,
em
alta
temporada,
independentemente de quem seja o comprador, porém, nos outros meses do ano, é
vendido a cinco reais o quilo, para os turistas, e de três reais a cinco reais o quilo,
para os atravessadores, mercados e restaurantes. Já o camarão branco, é vendido a
quinze reais o quilo, para o consumidor final; treze reais o quilo, para o atravessador;
e dez reais o quilo para restaurantes e mercados, isso na temporada; no restante do
ano o preço para os turistas se mantém. Para o atravessador, esse preço fica a dez
reais o quilo, e para os restaurantes e mercados, varia de oito a dez reais por quilo.
Outra atividade presente nesta comunidade é a venda de iscas – mais
especificamente os “corruptos”, para turistas em busca da pesca de lazer. Esse
produto é comercializado num valor de dois reais a dúzia. Esta é uma atividade
realizada por aproximadamente quatro famílias e pode ser considerada uma fonte
rentável, já que são muito procurados nos fins de semana e na temporada de verão,
chegando a comercializarem nesse período de grande fluxo, até trinta quilos desse
recurso por dia. A demanda mostra-se elevada, pois nos momentos de pico de
turistas, estes vendedores são procurados das quatro horas da manhã até às oito
horas da noite.
São três os atravessadores que atuam no local, durante todo o ano,
“Márcio”, de Pontal do Sul; “Willian”, de Praia de Leste (compra somente robalo e
camarão); e “Paulo”, de Florianópolis. Este último, no tempo da tainha, robalo e
camarão branco, aluga uma casa nas proximidades para comprar a produção
capturada, e assim, revende em Florianópolis por preços mais elevados. Busca o
pescado em Barrancos e também na Banca da Doca, em Pontal do Sul.
63
Em relação aos meses mais propícios à captura do pescado, notam-se
diferenças que variam com a espécie, sendo os meses de novembro a janeiro,
ideais para a pesca do camarão sete-barbas; os meses de novembro a março, para
a captura do robalo; e os meses de março a junho, para a pesca do camarão
branco. Os meses mais fracos são agosto, setembro e outubro, pois alegam que é a
época do ano em que as condições climáticas não são muito favoráveis às
atividades pesqueiras, é um período de entrada contínua de ventos do quadrante
sul, o que influência diretamente na concentração dos estoques pesqueiros da
região. Esse fenômeno é comentado por um morador: “O tempo fica muito ruim
nessa época, é muito ventoso”.
Quanto aos ganhos por mês, de um proprietário de embarcação e dos
quinhoeiros, em uma média aproximada, os proprietários de embarcação e os mais
tecnificados chegam a ganhar aproximadamente R$ 2500,00 nos melhores meses
do ano e em torno de quinhentos reais nos piores. Já o quinhoeiro, recebe 25% do
total, com uma faixa média de R$ 500,00 na melhor época e duzentos reais nos
meses mais fracos. Um dos relatos destaca a baixa produtividade pesqueira em
alguns meses do ano: “Nos meses de agosto e setembro é muito fraco, não dá
nada”.
Atividades como roças, caça e coleta não são mais praticadas, com
pequenas exceções de roças particulares (localizadas sentido interior do continente),
cuja pequena produção é destinada somente ao consumo próprio. Também não
necessitam mais caçar, como explica um morador: “Hoje tem tudo no mercado, não
precisamo mais caçá”.
Produtos como a farinha de mandioca, deixaram de ser fabricados pelos
moradores, mas esse comentário demonstra que ainda gostariam de manter essa
prática: “Paramo de fabricá farinha depois que o IBAMA chegou, ainda gostaria de
fabricá porque hoje tem valor comercial, é bem melhor que antigamente”.
64
5.3.5
Resgate dos costumes e modos de vivência
A pesca antigamente realizada, também utilizava as embarcações a remo
(canoas) e as de “rede de arrasto de cabo” ou “arrastão de praia”. A área de atuação
era em frente à própria praia de Barrancos, por não possuírem canoas a motor.
Os principais pescados, até então, eram: “pescadinha”, “roncador”,
“robalão”, “prejereba”, ”palumbeta”, “bagre bacia”, “bagre facho”, “martelo”, “pescada
amarela”, “pescada branca”, “pescada camacu”, e “parú”. Muitas dessas espécies
encontram-se extintas ou em vias de se extinguirem. Assim como em Ipanema, a
produção era vendida para um caminhão de uma empresa japonesa de pesca, que
vinha de Paranaguá sempre no período da tarde, por volta das 14h00min. Por não
terem freezers para uma ideal conservação destes produtos, muitas vezes secavam
o pescado como uma forma de mantê-lo em bom estado de consumo por mais
tempo. Também comercializavam a produção diretamente em Paranaguá.
O peixe seco era vendido em Antonina e Morretes, sendo uma forma de
alimento muito consumido e apreciado na época, mas na atualidade deixaram essa
prática de lado. Utilizavam as “canoas a remo” para se deslocarem até os locais de
venda do pescado. Quando o vento estava a favor, utilizavam velas nas canoas o
que facilitava a remada, sendo até desnecessária em alguns momentos. Seguem
alguns comentários de pessoas que viveram estas experiências:
“A condução que existiu por primeiro e que levava até Paranaguá, passava
só duas vezes por semana, era precária e ia tudo pela praia”.
“Tinha muito peixe, hoje não tem mais nada... a gente secava esses peixe
que não vendia muito”.
O lixo produzido por eles, na época, era de origem orgânica, sendo utilizado
como adubo para as plantas. Uma moradora conta como era feito: “A gente pegava
a raspa da mandioca, daí preparava bem uma terra pra fazê adubo... a gente
chamava de estrume... era ótimo pras planta”.
Além da pesca, realizavam outras atividades extrativistas e de manejo do
solo, tendo as “roças” de subsistência como suprimento aos produtos agrícolas que
consumiam para a alimentação. Também caçavam e coletavam mariscos (na Ilha do
Mel), como forma de complementar suas fontes de proteína, principalmente quando
não era uma época favorável à captura do pescado. Estas atividades geravam
65
produtos destinados principalmente ao autoconsumo desta população, com o
excedente das roças (quando havia) destinado à venda em Paranaguá. Nesta
comunidade vendiam “cacheta” (madeira praticamente extinta pela sobrexploração),
palmito e farinha-de-mandioca para Paranaguá. A “cacheta” era usada na fabricação
de lápis e o palmito era enlatado em Paranaguá, para ser comercializado em
seguida.
O principal produto cultivado nas “roças” era a mandioca, entre outros
vegetais cultivados em menor escala. O palmito e a “cacheta”, recursos locais, eram
coletados na floresta, comercializados devido ao seu alto valor comercial e
demanda. As áreas de plantio normalmente se encontravam mais para o interior do
continente, há aproximadamente 1500 m da orla marítima, devido a sua localização
nos contornos dos corpos d’água doce, o que implica em terras mais produtivas. A
fala na sequencia ilustra a importância das atividades de subsistência para as
famílias: “Era só pirão que a gente comia, com feijão e peixe, só as vezes que comia
arroz, quando colhia na roça”.
A relação dessa população com a natureza também se baseava na
compreensão das dinâmicas e dos ciclos da natureza, através de seus
conhecimentos empíricos. Essa interação se evidencia no depoimento a seguir: “Lua
boa pra plantá é Lua Nova, porque não dá bicho no tomate e na minguante também
é boa, carrega os pé de tomate”.
Os animais mais caçados para o consumo eram, as capivaras, veados,
quatis, tatus, macacos e muitas aves, como a araponga e o tucano. A área de caça
também se localizava mais ao interior do continente, aonde a mata atlântica era
mais densa, além dos arredores dos rios, como no então, atual “canal da draga”, ou
canal do DNOS (Departamento Nacional de Obras e Saneamento).
Algumas casas atualmente se encontram nas mesmas regiões de origem,
hoje mais agrupadas, na época, localizavam-se bem distribuídas pelo espaço. As
casas eram pequenas, de madeira e com o telhado de palha. A região recebeu esse
nome por ser uma área com presença de muitas dunas frontais, os “barrancos”,
como chamavam.
O vilarejo de Barrancos seguia o mesmo padrão de Ipanema, porém existia
uma escola no local, e também uma casa de fandango. As dunas aqui eram altas e
sem presença de áreas lagunares.
66
FIGURA 4 - SISTEMATIZAÇÃO DA VILA DE BARRANCOS ANTERIOR À URBANIZAÇÃO
FONTE: A AUTORA (2006)
Os utensílios das casas eram confeccionados artesanalmente pelos próprios
moradores, normalmente feitos de palha, taquara, madeira e fibras vegetais, como
cestos, balaios, esteiras, “gamelas” (para fazer farinha) e “paviolas” (caixas de
madeira com duas alças laterais, usada para o transporte de peixe).
Aqui também, como no município em geral, dormiam em esteiras feitas de
“piri”, e travesseiros de folhas de “marcela”. Uma das entrevistadas enfatiza a boa
lembrança desta época: “Se eu pudesse dormia até hoje na esteira, era tão
gostoso”.
Quando diante de alguma enfermidade, utilizavam “remédios caseiros”
retirados da mata, e recorriam aos “curandores”, assim como nas outras vilas
trabalhadas neste estudo. Uma antiga moradora expressa, a importância das plantas
para usos medicinais: “Quase sempre era o curandor que preparava as garrafada
com as erva”.
As manifestações culturais de lazer, no passado, eram as festas populares
dos santos padroeiros, como as festas de São Benedito (em Barrancos), de São
Pedro (em Pontal do Sul) e de São Sebastião (em Praia de Leste); além, de uma
casa de fandango (casa de um morador, na época; normalmente os bailes eram
realizados na casa de alguém), aonde celebravam o fandango. Também
frequentavam bailes de fandango nos balneários Olho D’água, Atami e Shangri-lá.
67
No carnaval sempre faziam fandangos aos sábados. Os dizeres a seguir,
contextualizam os tempos em que os bailes de fandango eram frequentes,
destacando as formas como concretizavam-no:
“O chão tem que ser de madeira, pra batê com o tamanco”.
“Nos baile de fandango só se bebía cachaça, não tinha cerveja porque não
tinha geladeira”.
“Era cada festa bonita, a gente ía a pé... tinha missa na praia, era tão bom”.
“Antigamente tinha diversão e não tinha confusão, hoje nessas festa só tem
confusão”.
As comidas típicas eram a farinha de mandioca (base da alimentação), o
“bijú”, pirão de peixe, peixe cozido, e o peixe seco com banana, abóbora ou batata.
Tinha também o “bijú de panela”, mais conhecido como “cuscuz” – deixavam a
mandioca de molho na água por oito dias, depois “prensavam” e “temperavam” com
“cravo”, “erva-doce”, sal e fubá, cozinhando em “banho-maria”, para depois ser
consumido. Uma senhora relata a importância da mandioca como base alimentar:
“Criei meus filho tudo com mingau de farinha, nunca dei mamadeira pros filho, só
mamavam no peito”.
Existiam também lendas nessa região, algumas delas recuperadas neste
estudo. Acreditavam em “lobisomens” e “bois-tatá”; também diziam existir uma bruxa
que trançava a crina dos cavalos à noite, e no dia seguinte, o cavalo acordava
cansado e indisposto.
O papel da mulher também sempre foi fundamental para esta comunidade.
Alguns pais não as incentivavam aos estudos, pois alegavam que mulher já tinha
muito serviço em casa e na roça. Os seguintes dizeres vêm caracterizar as
atividades exercidas pelas mulheres:
“Antes a mulher trabalhava mais que a gente... puxava a rede, tirava o
peixe, carregava o peixe, que era pesado, algumas pescava... carpiam a
roça, cortavam lenha, secavam o peixe, limpavam o peixe, descascavam
camarão e ainda cuidavam da casa e dos filho”.
“O homem só se dá bem na pesca, se tivé uma mulhé que ajude pelo
menos em casa”.
“Toda mulherada escalava o peixe, lavava no rio, chacoalhava no balaio.
Vendia muito peixe seco, era tudo as mulher daqui que faziam, depois do
lanço. A gente tinha filhos pra cuidá, mas dava conta de todo serviço”.
Atualmente,
a
mulher
ainda
é
considerada
muito
importante
no
desenvolvimento familiar, pois além de suas atividades domésticas, muitas ainda
trabalham em outras atividades complementares. Além disso, auxiliam os maridos
68
na pesca, como afirmado por um pescador: “Mulher de pescador tem sempre que
ajudar”.
5.4 PONTAL DO SUL
5.4.1
Histórico da ocupação do balneário
Os primeiros moradores de outras regiões chegaram a este balneário em
meados dos anos 60, eram mais turistas do que moradores permanentes, antes
disso, predominavam apenas as famílias nativas, como as grandes: dos Rosa,
Campos, Serafim, e os Bento do Nascimento. Estes turistas, de início ocuparam
alguns terrenos ilegais, depois foram comprando, primeiramente, os terrenos dos
nativos e na sequencia, os terrenos já loteados pelos especuladores.
As mudanças no padrão de ocupação deste balneário se iniciaram há mais
de 40 anos. Aqui também como em Barrancos, a Empresa Balneária Pontal do Sul
foi a antagonista principal na tomada dos terrenos pertencentes aos nativos,
desencadeando uma série de conflitos fundiários na região, como ilustrado por
alguns pescadores:
“As máquina destruíram tudo... Hoje só tem manguezal ainda porque nós
tamo aqui”.
“Ninguém tinha documento da terra, começaram a cobrar da gente, daí
começamos a vender os lotes que tinham pra lá do DNOS e viemos pra cá,
que era ponto de pesca”.
“Me jogaram aqui, na beira do rio”.
“Deram os terreno cada vez mais pra dentro, pra vendê o resto, que tinha
mais valor”.
“Se eu não tivesse ocupado aqui, tinha perdido tudo. Contratamo um
advogado e conseguimo o uso capião”.
A ação dos “jagunços”, também aqui foi marcante, já que realizavam os
serviços sórdidos a mandato dos investidores externos, destruindo suas casas e os
ameaçando constantemente de despejo. Estas falas confirmam essas ações:
“Os jagunço ficava em cima, não deixavam plantar, arrumar a casa, até hoje
tem jagunço, eles continuam cercando os terreno tomados do pescador
nativo”.
69
“Botaram fogo no cartório de Paranaguá, aonde tinham os registro original
dos terreno, isso no ano de 1960”.
Neste balneário, inicialmente as residências dos nativos seguiam um padrão
de ocupação segmentadas paralelamente a orla, porém, a busca por melhores
horizontes de vida, resultaram como consequência, em pequenos êxodos, que
constituíram novas unidades comunitárias nesta localidade.
A divisão dos terrenos entre estes moradores foi desigual, pois muitos
tinham grande quantidade de filhos, não sendo respeitado o fator do tamanho das
famílias proporcionalmente ao tamanho dos terrenos, estes bem menores e mais
afastados da praia.
O momento anterior à chegada da empresa Balneária era o de um cenário
primeiramente constituído por pescadores que se encontravam nas regiões da Praia
de Pontal do Sul, e logo em seguida, na Ponta do Poço e no Pontal II. Após essas
pressões fundiárias é que vieram a se formar as comunidades conhecidas como
Antigo Embarque, Mangue Seco e Vila Nova. As especificidades de ocupação
dessas comunidades serão abreviadas a seguir, a fim de melhor se compreender
estas dinâmicas populacionais.
5.4.1.1 O caso da Ponta do Poço e Pontal II: o desenho dessa ocupação
Estes dois vilarejos descritos a seguir foram agrupados devido à similaridade
de suas características e da proximidade geográfica entre elas.
As comunidades da Ponta do Poço e Pontal II se formaram a partir de
pescadores/agricultores mais pobres (muitos ex-moradores de Barrancos) que
inicialmente se instalaram ali visando melhorarem sua situação, principalmente pelas
atividades das roças, que se encontravam neste entornos. Isso lhes permitia fazer o
manejo de suas plantações de perto. Esta atividade era a principal fonte de
subsistência da época, complementada com a pesca.
O chamariz para essa população foi o fato de que poderiam pescar com
maior segurança nestas águas mais tranquilas, e por isso, com maior frequência,
devido esta ser uma praia estuarina, voltada à baía de Paranaguá e com menor
influência da força das marés e dos ventos. Diferentemente do quadro anterior, em
70
que realizavam a pesca em praia voltada para mar aberto, com grande dinâmica de
ondas e constante vento sul no período do inverno, o que dificultava as atividades
principalmente dos menos tecnificados, é bem expressado por um morador: “Viemo
pra cá porque lá tinha muita falta, miséria, daí um tio nosso chamou e nós viemo
para pescá e trabalhá na roça. Lá em Barrancos era mar grosso demais, aqui é mais
calmo”.
Essa era uma opção existente apenas em Pontal do Sul (balneário todo),
devido à sua posição geográfica e costa em forma de “L”, que constituía o limite
continental final do município, com a área de desembocadura da baía de Paranaguá,
lhes permitindo o acesso tanto às praias de mar aberto, quanto às praias voltadas ao
estuário. Nos balneários restantes, os da orla, tinham como opção apenas o mar
aberto em suas localidades.
O vilarejo do Pontal II sofreu as pressões imobiliárias da época, hoje
constituindo um bairro de caráter turístico. Este, muito procurado por esse público,
pelo fato de possuir águas calmas para banho e recreação náutica, além de sua
vista privilegiada da Ilha do Mel e de fragmentos da Baía de Paranaguá. Atualmente
esta comunidade não sofre mais estas formas de pressão, obtiveram o direito pelo
uso dessas terras, regularizados pela própria empresa Balneária, já que foi a mesma
que lhes tirou as terras originais trocando-as pelas atuais.
No caso da Ponta do Poço, a ocupação inicial posterior à chegada da
urbanização, não foi turística e residencial, mas sim industrial, por empresas vindas
de outras regiões do país, com interesses econômicos em evidência. Apenas há três
anos, é que vieram três famílias de Paranaguá para habitarem essa região, hoje não
mais ali residentes, pois com toda a atual especulação portuária deste lugar,
recentemente negociaram seus terrenos com a empresa Balneária, trocando-os por
outros em outras localidades. Estas famílias utilizavam essas casas para veraneio.
Antes disso existia apenas uma única família na Ponta do Poço, com grande
número de descendentes. Os terrenos atuais foram ocupados porque esta
comunidade se encontra no segundo local para o qual foram relocados pelos
interesses econômicos externos, atualmente estão vivenciando mais uma vez estes
processos de remanejamento, onde pretendem agora, alocá-los para uma área
próxima ao terminal de embarque para a Ilha do Mel, pelo fato da construção
portuária em negociação.
71
A primeira relocação que foi feita nessa comunidade se deu após a venda
do terreno original à empresa CBC que ali se instalou e hoje já está vendida para
investidores do futuro porto. Depois os colocaram mais para a esquerda, novamente,
com a instalação de mais uma indústria. Posteriormente outras empresas se
instalaram na região, como a Techint (Companhia Técnica Internacional), ficando o
vilarejo de pescadores posicionado entre essas edificações. A terceira relocação
destes moradores, realizada por intermédio dos empreendedores do porto, pretende
reinstalar esse vilarejo na forma de um conjunto habitacional construído
especificamente para esse fim, localizado nas proximidades do embarque para a
Ilha do Mel.
Os moradores desta vila entraram em contato com um advogado para que
este lhes orientassem a respeito dos seus direitos territoriais. Porém este, muito
provavelmente, já estava envolvido com os interesses dos empreendedores do porto
e não com os pescadores, pois firmou acordo e negociação sem o consentimento
final dos moradores. Cada família dentro do acordo negociado teve por direito, a
uma moradia de tamanho proporcional a que tinham, e mais seis mil reais por cada
integrante (isso para os descendentes dos pescadores mais velhos), com exceção
dos moradores mais antigos, que receberam a quantia de 10 mil reais em troca de
seus terrenos, alguns desses valores foram maiores, em equivalência aos
respectivos aos bens das famílias.
Esse procedimento não abriu muitas opções para contra-argumentarem a
proposta dos investidores, que pagaram valores relativamente baixos por terrenos
tão valorizados atualmente. Essa constante pressão sobre as terras pertencentes a
estes pescadores é bem visível por esse relato: “Aqui já tem uns oito ano que tamo
nessa briga. Um dia vieram aqui e deram um prazo de 20 dia pra gente sair, senão
íam demolir tudo, daí é que procuramo o advogado”.
A nova comunidade a se reformular, será em um espaço territorial reduzido,
se comparado ao anterior, com as casas lado a lado, restringindo a privacidade das
famílias. Nessa região também existem algumas dificuldades para as práticas
pesqueiras. Ao mesmo tempo em que terão facilidades de acesso ao mar por
estarem à beira do canal DNOS, as atividades constantes das embarcações que por
ali circulam (pois as marinas se encontram nas margens) limitam a pescaria nessa
área, não podendo por isso, este trecho, ser considerado um bom ponto de pesca,
como na localidade que se encontravam anteriormente.
72
O desejo pela permanência na vila original pode ser ilustrado neste
comentário: “Aqui para nóis era melhor, pra pesca, pra tudo. A gente ta saindo daqui
obrigado mesmo, não é de nossa vontade, já tamo acostumado, lá é ruim até pra
pesca”. Os jovens é que se mostram mais favoráveis a essa mudança, por
desejarem morar mais próximos da cidade. O que aqui neste estudo não é possível
afirmar, porém pode-se fazer especulações, é que num futuro talvez não tão
distante, esta comunidade seja novamente relocada da nova área de habitação, já
que esta também é alvo de instalação de marinas.
5.4.1.2 O caso do Antigo Embarque
Esta região se formou a partir de pressão fundiária da época, já descrita aqui
anteriormente. Os primeiros moradores a se instalarem nesta área, em meados dos
anos 50, eram duas famílias nativas que até àquele momento habitavam as
proximidades do Pontal II, como relatado por uma dessas descendentes: “Antes só
morava a minha família e a do meu compadre”.
Quando os proprietários das terras iniciaram os processos de tentativas de
retirada destas pessoas, cobrando a documentação dos terrenos e os ameaçando
de várias formas, estas famílias amedrontadas por estas constantes ações,
buscaram se estabelecerem em sua atual localidade, chamada Antigo Embarque,
pois este era um bom ponto de pesca, região de desembocadura estuarina.
Vinte anos depois começaram a se instalar também pessoas vindas de
outras regiões, sendo que aqui houve uma ocupação, principalmente, por pessoas
de Santa Catarina (em sua maior parte vindas da região de Barra Velha),
constituindo um povoado denominado “os catarinas”, que chegaram visando uma
pesca mais promissora. Estes se beneficiaram do lugar, devido às facilidades para
suas práticas pesqueiras. Levavam vantagem sobre os nativos pelo fato de
possuírem petrechos mais tecnificados, o que lhes fizeram detentores de maior
renda.
Hoje outras famílias mais ocuparam essa faixa, e o cenário agora é de uma
nova pressão turística para que se retirem dali. Isso, porque esta região hoje
habitada encontra-se em áreas da União e de Proteção Permanente, por terem
73
remanescentes de vegetação de restinga, sendo muito provável a relocação desta
comunidade no futuro.
5.4.1.3 Formação do bairro de pescadores da Vila Nova
Na Vila Nova, antes da entrada do turismo neste litoral, pouquíssimas
famílias nativas ocupavam a área, comunidade essa que logo cresceu constituíndo
um novo bairro de pescadores que ali se instalaram devido às pressões pelas terras
em Pontal do Sul. Posteriormente, outras pessoas buscaram esta região, mas eram
famílias vindas do norte do estado e de Santa Catarina, em busca de pesca e outros
empregos, como serviços de manutenção e obras.
Hoje o que se vê é uma ocupação desordenada, com a maioria dos terrenos
não regularizados e muitos moradores de outras localidades, de fora do litoral.
5.4.1.4 Mangue Seco: do bairro de pescadores à região mais habitada do balneário
A situação do bairro Mangue Seco foi a mais diversificada, o processo de
ocupação foi bem diferente dos outros aglomerados. O novo uso se deu há 15 anos,
sendo inicialmente marcado pelo êxodo de pescadores (hoje já existem muitas
pessoas de outras localidades) que foram pressionados para se retirarem da orla.
Esses deslocamentos os afastaram da praia, dificultando as suas atividades
pesqueiras, mas ao mesmo tempo, este novo local foi considerado um “refúgio” a
estes pescadores, que vinham há tantos anos sofrendo constantes pressões
fundiárias, e ali encontraram a estabilidade para manterem suas práticas e
identidades culturais. Um morador deste bairro é enfático: “A gente gosta, aqui a
gente conhece todo mundo, se sente em casa, é tudo uma classe de pescador”.
Com a formação deste bairro, posteriormente à instalação dos pescadores,
muitas pessoas de outras localidades (a maioria dos moradores hoje em dia),
chegaram para ali habitarem. Estes indivíduos vinham de muitas regiões do país,
como do norte do Paraná e outros estados (Ceará, Pernambuco, São Paulo, entre
74
outros). Vieram especialmente para trabalhar na Techint (indústria do ramo da
construção civil) e outras empresas construtoras de plataformas da região,
permanecendo ali até hoje.
Esses fatores resultaram em uma ocupação irregular e desorganizada.
Quase não existem casas de turistas, cenário esse contrário ao bairro vizinho, o
Pontal II, aonde pouquíssimos são os pescadores e nativos habitando essa
localidade. Faz 15 anos que o prefeito da época (já falecido), Vicente Elias, de
Paranaguá (já que Pontal ainda não havia se emancipado como município) doou
essa área aos pescadores, porém sem a documentação correspondente, sendo este
o maior problema atual, porque mesmo que as pressões não mais ocorram estes
nativos ficam vulneráveis a novas pressões que venham a se reformular.
Além das famílias originais, hoje, Pontal do Sul em seu conjunto de vilarejos,
se transformou num balneário de uso essencialmente voltado para veraneio. A
maioria das casas pertence aos turistas, com as famílias tradicionais do lugar
difusas pela malha urbana local, ou concentradas continente adentro, antes da
avenida principal de acesso a esse balneário, evidenciando a estratificação entre
nativos e turistas. Os primeiros afastados da orla e os segundos ocupando as
primeiras quadras, próximas da praia.
A introdução de novos aspectos culturais para estas populações, em ritmo
acelerado e em um espaço-temporal pequeno, alterou e transformou imensamente
os estilos de vida caiçara, lhes afastando cada vez mais de suas origens. O início
desse processo foi um choque para essa população, pois as novidades do mundo
moderno eram as mais variadas. Os relatos abaixo exprimem bem esse sentimento:
“A primeira vez que vimo um avião, todo mundo começou a correr pro mato,
todo mundo queria se escondê no mato, a gente achava que era o fim do
mundo”.
“Teve uma mulher que quando viu um caminhão pela primeira vez, saiu
desesperada correndo pelo mato, chegou em casa toda rasgada de tanto
que correu”.
Essa gama de conflitos fundiários também marcou o sentimento de
dificuldades de adaptação em outras localidades, que não as de origem, por parte
dos nativos, como dito aqui:
“Não se acostumamo na cidade, muito crime, muito caos, só vamo a
passeio. Lá as casa são tudo com muro fechado, a gente se vê preso lá.
Aqui é bom, bem sossegado”.
75
“Se tiver que sair daqui vamo ter que abandoná a pesca e daí não teria do
que viver... plantá não dá porque não tem mais terreno”.
“Gosto muito de morá aqui. Aqui tem muita atração, eu pesco, corto grama,
tem muita casa pra patroa cuidá, tem muito jeito de ganhá um dinheirinho, a
gente que não consegue mais pescá tanto, porque já tamo velho”.
5.4.2 Oportunidades e atividades relacionadas ao turismo
O turismo, como atividade geradora de novas oportunidades aos moradores
do balneário de Pontal do Sul, se intensificou há aproximadamente quarenta anos
atrás. Porém, não trouxe grandes oportunidades de início (mais nos últimos 15 anos,
porque houve uma demanda por serviços de manutenção realizados pelos nativos),
as poucas que surgiram, partiram do antigo e primeiro hotel da região, o “Hotel
Atlântico” (ao lado da Câmara Municipal), restando hoje apenas suas ruínas.
De início, as casas de turistas eram construídas com mão de obra externa,
os proprietários traziam seus profissionais de confiança.
Um deles comenta:
“Depois da construção do Hotel Atlântico, começaram a vir os primeiro turista pro
hotel. Era difícil chegá aqui, vinham pela Estrada do Guaraguaçu”.
Nessa mesma época, começaram a serem vendidos os primeiros terrenos
aos turistas, há valores mínimos. Dez anos mais tarde, após a concretização de
certa infraestrutura turística, alguns poucos moradores locais passaram a vender
suas residências ou então construir casas com o intuito de vendê-las para turistas,
residências estas comercializadas a baixíssimos preços também.
O turismo na Ponta do Poço não se desenvolveu, sendo uma atividade
econômica insignificante para a comunidade. Atualmente, há uns dois anos, alguns
banhistas vêm procurando essa região em busca de águas calmas, mas em nada
contribuem para a economia local. Sendo assim, nenhuma família realiza serviços
de manutenção de casas de turistas, já os homens vêm realizando serviços
temporários em obras, como na construção de plataformas de petróleo, na Techint.
A renda média mensal dos moradores deste vilarejo em específico, não
varia em alta e baixa temporada, mas apenas em épocas abundantes ou não, para
as espécies pesqueiras mais valorizadas no comércio, sendo esse valor impossível
de mensurar devida a instabilidade do setor pesqueiro. Numa média aproximada,
essa renda não ultrapassa a dois salários mínimos. Como cenário atual, o que se vê,
76
é que pouquíssimas famílias têm casas para alugar a turistas. A diária de uma casa
simples, de dois a três quartos, varia na faixa de quarenta a setenta reais.
Os estabelecimentos voltados ao turismo da região de Pontal do Sul são
poucos, existem oito pousadas, onze restaurantes, quatro campings, seis lojas, três
sorveterias, três panificadoras, duas locadoras de vídeos, dois salões de beleza,
doze bares, nove bancas de artesanato, seis lanchonetes, duas locadoras de
vídeos, três quiosques na praia, uma banca de artesanato, três farmácias, três
peixarias, quatro mercados, três mercearias, uma pastelaria, e uma pizzaria. Muitos
desses estabelecimentos não funcionam durante o ano inteiro, apenas nos meses
de verão, para atenderem os turistas. Em outras épocas não existe público suficiente
para demandar muito desses serviços.
Alguns pescadores realizam passeios particulares de barco, cinco destes na
área da praia de Pontal do Sul; cinco na região do mangue Seco; e seis na área do
Antigo Embarque. Normalmente são procurados por pessoas que pescam como
atividade de lazer, sendo que os moradores que mais praticam essa atividade
encontram-se nas proximidades do canal do DNOS.
Muitas excursões só passam por Pontal do Sul, terminando seus destinos na
Ilha do Mel, maior atrativo turístico da proximidade. Algumas vêm para campeonatos
de futebol que ocorrem frequentemente neste local ou para permanecerem por um
final de semana em um camping no Antigo Embarque (isso no verão). Porém, na
temporada, vêm muitas pessoas de fora do litoral, mas também de outros balneários
adjacentes, à procura de banho de mar em águas calmas e com melhores condições
de balneabilidade.
Muitas famílias complementam a renda das atividades pesqueiras,
realizando trabalhos para turistas como serviços de obras e manutenção em geral.
Estes trabalhos são muito visados pelos proprietários de casas de veraneio, já que
grande parte deles só frequentam esse ambiente nos feriados e na alta temporada,
e as casas ficam fechadas por muito tempo, exigindo uma manutenção frequente. O
valor de uma diária de limpeza de casa, piscina ou jardim, varia de trinta a quarenta
reais; e de serviços de obras, encontra-se na faixa dos quarenta aos cinquenta reais.
Um morador da região da Praia de Pontal do Sul faz artesanatos sob
encomenda, vendendo suas peças na Ilha do Mel, no verão. Há também uma
pessoa que vende artesanatos em uma banca instalada no Antigo Embarque. Estes
77
moradores nunca receberam nenhum tipo de instrução ou curso de capacitação para
serviços turísticos, com o intuito de integrá-los as atividades locais.
A renda média mensal dos moradores, em alta e baixa temporada, é difícil
de prever, assim como nas outras comunidades trabalhadas, pelo mesmo conjunto
de fatores. Traçando uma média, é possível afirmar que na praia de Pontal do Sul e
bairro Mangue Seco, a porcentagem da renda ganha fica em 40% para as atividades
pesqueiras, e 60% para as atividades geradas pelo turismo. Isso porque nesta
parcela do território, a pesca é mais atrasada tecnicamente e há forte influência
turística nesta região, o que aumenta a procura por serviços destinados a esse
público, trazendo uma renda mais garantida do que a adquirida com a pesca.
Na Vila Nova e Antigo Embarque essa porcentagem retirada da pesca
aumenta, girando em torno de 70%, pois a pesca é a atividade predominante nestes
locais. A exceção ao turismo é a região da Ponta do Poço, aonde mais de 90% da
sua renda mensal provém da pesca, com o restante vindo de atividades das
indústrias e construtoras de plataformas, pois este agrupamento de pescadores
encontra-se mais afastado da malha urbana.
O salário gira em torno de mil a dois mil reais na temporada, entre pesca,
aposentadoria, serviços de manutenção e aluguel de casas. Fora de temporada,
normalmente sobrevivem com dinheiro de aposentadoria e serviços de manutenção,
sendo a pesca a atividade menos lucrativa, dificilmente ultrapassando 500 reais ao
mês. Esses valores são para as pessoas que ganham mais na comunidade. Já os
menos privilegiados, em temporada e no restante do ano, tiram em torno de 500
reais e 200 reais, respectivamente.
Para esta comunidade, a presença do turismo no litoral como um todo,
também apresentou um reflexo positivo, no que diz respeito a novas formas de
renda e à oferta de serviços básicos ao cidadão como, saúde, educação, entre
outros que anteriormente não tinham. Os seguintes dizeres contextualizam essa
intervenção, juntamente com seus benefícios:
“Tem turista que tem casa aqui que ajuda o pescador, dá o barco, a canoa,
depois o pescador vai pagando em peixe ou quando dá”.
“Foi bom porque dá serviço, já cheguei a cuidá de oito quintais, mas é ruim
porque eles quiseram comprá as frente dos terreno e colocaram nóis pra
trás”.
“O turismo sempre é bom, sempre tem trabalho quando tem turista, mas
falta turismo”.
78
“De um lado melhorou no ganho, facilitou a venda hoje na praia, tem mais
um dinheirinho do aluguel da casa, muita vantage. O problema foi a tomada
dos terreno”.
“Hoje em dia, o que ganha na temporada é só para o gasto, não dá pra
guardá como antigamente”.
Apesar dos ganhos materiais acima expostos, sincronicamente, esses
processos urbano-turísticos de transformação do espaço social, biogeográfico e
físico, restringiram os moradores locais em parte de seus acessos aos recursos
naturais e de como utilizam-no, tradicionalmente.
A introdução de leis ambientais restritivas quanto à conservação da
biodiversidade local, neste mesmo período, também foram outros empecilhos que
limitaram o manejo dos recursos pelos nativos. No entanto, alguns deles levantam a
ideia de que, apesar das falhas, se tais leis não tivessem entrado em vigor, a
depleção ambiental seria maior. Não tanto pelas práticas tradicionais dos habitantes
locais, mas principalmente pela alta exploração de terras pelos investidores
externos, como é bem representado no pensamento objetivo de um dos pescadores
entrevistados: “Esse porto aí vai acabá com tudo, com as mata”.
A intensa ocupação fundiária, o aumento da poluição e degradação
ambiental, entre outros aspectos derivados da urbanização, são alguns dos fatores
que se refletiram negativamente sobre as famílias tradicionais da região. A restrição
e proibição das práticas agrícolas locais fez com que estes pescadores-agricultores
buscassem principalmente a pesca como alternativa de renda, atividade esta que
lhes provia o orçamento para à compra de seus mantimentos alimentícios. Mesmo
assim, alguns poucos nativos ainda complementam sua dieta com produtos de suas
hortas domésticas e pequenas roças localizadas em sítios nos entornos.
Nos últimos 40 anos, a contínua sobrexploração dos estoques pesqueiros,
principalmente pelas grandes indústrias de pesca, vêm desencadeando um
processo de declínio acentuado das espécies, tornando a atividade pesqueira pouco
rentável
economicamente
e
insustentável,
ambientalmente.
As
fontes
de
subsistência locais ficam comprometidas, no sentido em que a pesca é a principal
atividade geradora de renda do município, e turismo e indústria não chegam a
movimentar recursos financeiros suficientes para promover o desenvolvimento
socioeconômico para a localidade.
Violência social, criminalidade, drogas e prostituição chegaram e vêm se
intensificando no balneário, além das rápidas influências de uma cultura globalizante
79
que os afastam de seus modos de vida tradicionais, apontando para uma forte
descaracterização das identidades culturais locais. Os mais velhos ainda mantém
algumas antigas tradições, porém seus descendentes já perderam essa ligação. Não
valorizam esses saberes culturais e desejam outro estilo de vida, bem como
empregos na “cidade grande”. A ocupação de residências de turistas concentradas
nas primeiras quadras da orla aumenta a estratificação entre estes proprietários e
moradores do local, sendo mais um reflexo considerado negativo para a população
residente.
5.4.3 Moradores, casas, e infraestrutura atual da vila
Atualmente, residem neste balneário, 20 famílias (20 casas e aprox. 89
habitantes)nas proximidades da praia de Pontal do Sul; 25 famílias (com 120
moradores), no Mangue Seco; 16 famílias (60 habitantes e 30 casas; isso porque
normalmente as famílias nativas têm mais de uma casa no terreno, sendo
geralmente as residências dos seus descendentes), no Antigo Embarque; 20
famílias (20 casas e aprox. 100 pessoas), na região da Vila Nova; oito famílias (oito
casas e aprox. 25 pessoas), no Pontal II; e, uma grande e única família de
pescadores (distribuídas em 22 casas), totalizando 37 moradores, na área
denominada Ponta do Poço.
De todos estes vilarejos, aproximadamente 15 famílias locam casas aos
turistas no verão, sendo cinco nas proximidades da praia de Pontal do Sul; sete no
Mangue Seco; e três no Antigo Embarque. Em relação à infraestrutura e oferta de
bens de serviço, as casas já estão ligadas à rede elétrica há mais de 30 anos, nas
comunidades da praia de Pontal do Sul, Pontal II, Antigo Embarque e Vila Nova; há
20 anos, na Ponta do Poço; e há 14 anos no Mangue Seco.
A grande maioria das casas é abastecida por água de poços artesianos
(com exceção de poucas delas já recebem água tratada pela rede pública há dois
anos), na praia de Pontal do Sul e Antigo Embarque. O contrário acontece no Pontal
II e na Vila Nova, onde todas as casas estão ligadas pela rede pública, com exceção
de uma residência em cada uma das duas vilas, que utilizam poços artesianos. Na
80
Ponta do Poço e Mangue Seco todas as casas se abastecem pela Sanepar há
aproximadamente oito anos.
Na praia de Ponta do Sul, há quase 15 anos, foram instalados telefones
públicos na vila, em torno de 20 nas proximidades. No Mangue Seco e Antigo
Embarque, esse bem público chegou há dez anos, com quatro e duas unidades,
respectivamente. Na Ponta do Poço, esse recurso está disponível há oito anos, com
duas unidades; e há cinco anos, também instalaram esses aparelhos na Vila Nova,
que hoje conta com quatro unidades. Na vila do Pontal II não existem “orelhões”.
Telefones residenciais são encontrados nas vilas do Mangue Seco (há
quatro anos); Antigo Embarque (há sete anos); praia de Pontal do Sul e Vila Nova
(há seis anos); e Pontal II (há cinco anos). Na Ponta do Poço ninguém possui
telefone residencial, pois não existe rede para instalação e o custo dessa
implantação é dispendioso, se considerar a renda média destes moradores. Mas
praticamente todos têm aparelhos móveis, característica também observada nas
outras vilas.
Computadores só foram encontrados nas comunidades do Mangue Seco (5
unidades); Antigo Embarque (uma unidade); Pontal II (uma unidade); e praia de
Pontal do Sul (duas unidades). Isso nos últimos dois anos.
O lixo doméstico é retirado do balneário, pelos caminhões responsáveis pela
coleta de resíduos sólidos no município, havendo também uma coleta seletiva de
lixo reciclável, realizado por um grupo de moradores de Pontal do Sul, que retiram
esses resíduos com o auxílio de “carroças”. Estes coletores revendem os materiais
recicláveis. O destino do esgoto produzido são as fossas, já que não existe uma
rede de tratamento de esgoto em nenhuma destas vilas estudadas.
Em relação à oferta de serviços e assistência pública neste balneário, existe
uma creche, há quatro anos, sendo recentemente reformada e ampliada. Existe
ainda, uma escola de ensino fundamental e outra que vai até o ensino médio. Alguns
vão até Paranaguá para cursarem o 2º grau. Posto de saúde já existe há uns 20
anos, este recentemente reformado e ampliado, melhorando sua infraestrutura.
Existem em torno de 15 igrejas evangélicas na região e apenas uma igreja
católica. Esta nova filosofia chegou na região há aproximadamente 60 anos atrás.
De início os moradores não quiseram conhecer novas doutrinas religiosas, já que
todos eram católicos. Os poucos que haviam sido “convertidos” sofreram com os
preconceitos das suas comunidades, sendo que algumas pessoas cortavam
81
relações com aqueles que haviam mudado de religião. Porém, cinco anos depois,
muitos mudaram de religião, como segue um relato que marca essa mudança:
“Quando me converti, meu tio, que tinha sociedade comigo numa rede de 120 braça,
deixou de trabalhá comigo e dividiu essa rede no meio, 60 braças pra mim, 60 braça
pra ele. Ninguém aqui gostava, ficaram sem falá com a gente por dois ano. Meu tio
dizia que era pra ter cuidado, que eles eram comunista, porque eram alemão”.
As únicas instalações esportivas deste balneário são três campos de futebol,
dois na região da praia de Pontal do Sul, o que atrai alguns campeonatos esportivos
intermunicipais, que pode ser considerado como um dos atrativos turístico do lugar;
o outro campo está localizado na Vila Nova, mas é para recreação interna. Também
utilizam à quadra da Escola Municipal Bem-Vinda para atividades desportivas em
geral.
Em relação às áreas de lazer locais, existem alguns bares muito procurados
por nativos, sendo esta uma das formas de lazer entre o público feminino
(normalmente as mais jovens) e masculino da vila; além do futebol, praticado por
ambos os sexos; e do vôlei, praticado principalmente pelas mulheres. Outro hábito
que muitas mulheres consideram um lazer é a televisão e suas idas à igreja.
As atuais e tradicionais festividades desta vila são principalmente as “Festas
Juninas” e a “Festa da Tainha e Frutos do Mar”, esta última considerada de pouca
importância para economia do local, apesar de ser a principal festa da cidade.
5.4.4 Caracterização da atividade pesqueira e de coleta da comunidade
Aproximadamente, 136 pessoas pescam nesse balneário, 124 homens e 12
mulheres. Existem cerca de 20 pescadores, na região da Praia de Pontal do Sul; 23
pescadores homens e sete mulheres, no Antigo Embarque; aproximadamente 30
pescadores, no Mangue Seco; sete pescadores (quinhoeiros, já que não possuem
embarcações próprias), no Pontal II; 30 homens, na Vila Nova; e 21 pescadores e
cinco pescadoras, na Ponta do Poço.
As embarcações atuais mais utilizadas são: aproximadamente 22 canoas de
madeira, sem motor e 15 canoas de fibra, motor a diesel, de potências 18, 22 e 24
Hp – na Praia de Pontal do Sul e Mangue Seco (foram somados as quantias dos
82
dois vilarejos devido sua proximidade); quatro canoas de madeira sem motor, uma
canoa de fibra, com motor a diesel, de potência 18Hp, e três “bateras” – no Antigo
Embarque; um bote de madeira, com motor – no Pontal II; cinco canoas de madeira
a motor, e dez canoas de fibra a motor, de potência 11 Hp – Vila Nova; e, nove
canoas a remo”; uma canoa a motor de madeira, com potencia de 8 Hp, um bote de
madeira a motor (22 Hp) e cinco “bateras” (sendo 2 de fibra e 3 de madeira), com
motores com potência de 9, 11 e 18 Hp – na Ponta do Poço.
Canoas a motor são mais comuns nos balneários de Atami a Praia de Leste,
por serem estas, áreas de mar aberto, com maior influência das marés,
necessitando de embarcações mais seguras para realizarem suas atividades
pesqueiras.
As principais técnicas de pesca atuais utilizadas neste balneário são: são, as
“redes de arrastão” – para “tainha”, “betara”, “parati”, “pescadinha” e “robalão” (nas
praias de Pontal do Sul, Mangue Seco, Antigo Embarque e Vila Nova). Na Ponta do
Poço, essa mesma técnica também é utilizada, porém os recursos capturados são
outros (“mixola”, “betara”, “parati”, “bagre”, “escrivão”, “salterinha”, “manguá”,
“sardinha”, “xingó” e “parati”), pelo fato dessa região estar localizada no estuário da
Baía de Paranaguá.
Muito provavelmente pelo fato de a região da Ponta do Poço ser uma praia
estuarina, é a que apresenta uma maior variedade de técnicas, estas são: as “redes
de malha 6” – para “pescadinha” e “parati”; “redes de malha 10” – para “robalo” e
“tainha”; “redes de malha 20” – para “linguado” e “corvina”; “redes de malha 22” –
para “linguado”; e também as “redes de malha 5” – técnica essa proibida, mas que
ainda utilizam, serve para pesca de peixes miúdos, como o “parati” e a “pescadinha”.
As técnicas de redes de “arrasto de camarão” – para camarão “sete-barbas”
e camarão “branco” são praticadas no Antigo Embarque, no Pontal II e na Vila Nova;
sendo que esta última comunidade também pratica a pesca de redes de “arrasto de
prancha” – especificamente para o “camarão sete-barbas”. Essas atividades são as
mais rentáveis, pelo fato deste recurso ser o mais valorizado gastronomicamente
dentre os existentes neste litoral.
As “redes de espera” – para “linguado”, “saltera”, e ”pescada”, são
encontradas nas vilas da praia de Pontal do Sul e Vila Nova. Estas são as principais
técnicas praticadas, mas também foram citadas dentre as vilas, outras técnicas
complementares às já citadas, sendo estas: as “redes grossas” – para peixes
83
grandes (acima de 7kg), como o “robalo” e a “pescada amarela”; as “redes de
malhas 6, 9, 10” – para “linguado” e “tainha; as “redes de caceio” – para
“pescadinha”, “sororoca” e “linguado”; e as redes de “malhas 6 e 7” – para
“pescadinha amarela”.
As áreas de pesca encontram-se normalmente no interior da baía e em
frente às vilas, com pontos já definidos para cada família, demonstrando um respeito
pela individualidade de cada área. Isso para os para os pescadores que não têm
embarcações motorizadas. Os que possuem embarcações a motor deslocam-se
para mar aberto, percorrendo os entornos da Praia do Miguel, na Ilha do Mel, e as
faixas compreendidas entre Barrancos e Shangri-lá.
O pescado produzido nas regiões da praia de Pontal do Sul, Mangue Seco,
Pontal II, Ponta do Poço e Vila Nova é destinado, primeiramente, ao autoconsumo,
com o restante sendo destinado à venda direta ao atravessador, seguido pelos
consumidores finais; restaurantes e mercado não recebem essa produção. Essa
forma de venda ocorre ao longo do ano. Porém, na temporada, quando há demanda,
vendem parte aos turistas na praia, com o restante sendo repassado ao
atravessador. Esse destino final varia pouco com a época do ano, destacando a
importância das atividades dos atravessadores por trazer um retorno mais rápido e
seguro às vendas do pescado, mesmo que desvalorize os produtos.
No Antigo Embarque, o pescado produzido é destinado, praticamente em
sua totalidade, às peixarias locais, retirando apenas o que é usado para o
autoconsumo, isso para o ano inteiro, com raríssimas exceções de venda direta ao
consumidor final no verão. Os donos de peixarias que residem e atuam no local,
durante todo o ano são, a “Doca”, a “Néia”, e o casal “Gerson e Carmen”, moradores
estes, do Antigo Embarque.
Nas vilas da praia de Pontal do Sul, Mangue Seco e Pontal II, os produtos
com maior valor comercial são o “robalo”, o “linguado”, a “pescada amarela” e a
“tainha”. Estes pescados não sofrem muitas alterações de preços ao longo do ano,
com um preço já estipulado, havendo apenas diferenças no preço comercializado
aos consumidores finais e aos atravessadores. A pesca do camarão não é praticada
como atividade principal pelos grupos de pescadores que moram nestas três áreas.
A exceção é a comunidade Vila Nova e o Antigo Embarque que praticam essa forma
de captura.
84
Os pescados com maior valor comercial, no Antigo Embarque, são,
“linguado”, “pescada”, “saltera”, “corvina”, “cação” e a “tainha”, além dos camarões
“branco” e “sete-barbas”. Estes pescados sofrem muitas alterações de preços ao
longo do ano, pois variam com a intensidade e época da captura, e também com a
demanda por estes produtos. Os pescado mais rentáveis na Ponta do Poço são, o
“robalo flecha” e “peva”, o “linguado”, a “pescada amarela”, a “pescada”, o
“parambijú”, e a “garoupa”, sendo repassados, essencialmente, aos atravessadores
locais.
Na Vila Nova, os produtos com melhores vendas são a “tainha”, o “camarão
branco” e o “camarão sete-barbas”. Estes pescados sofrem pequenas alterações de
preços ao longo do ano, havendo também diferenças no preço comercializado aos
consumidores finais, atravessadores, mercados e restaurantes.
É marcante a presença dos atravessadores locais e sua importância, pelo
fato de ser uma venda menos valorizada, porém garantida, o que não aconteceria se
esse comércio fosse realizado pelos próprios pescadores. O atravessador que atua
no balneário, durante todo o ano, é o “Márcio” (irmão do Samuca da pastelaria) – de
Pontal do Sul. Um entrevistado enfatiza: “A maior parte do peixe vai pro Márcio.
Compra robalo, pescada amarela e linguado e vende em Paranaguá”.
Em relação aos meses mais propícios à captura do pescado, há uma
variação de acordo com as espécies, sendo os meses de março a maio, propícios à
pesca de “camarão branco”; novembro a janeiro, bons para o “camarão setebarbas”, “pescadinha branca”, “cação”, “robalo” e “cavala”; maio a junho para a
captura de tainha; e os meses de julho a setembro, mais fracos para a pesca. Um
pescador comenta um antigo dizer popular: “Já dizia o ditado: agosto é o mês do
desgosto... tem muita serração, agosto às vezes tem bastante, não se vai pescá
muito por causa da serração”.
A exceção é a Ponta do Poço, aonde esse padrão de meses favoráveis ou
não à pesca sofre diferenças, sendo que junho e agosto são os melhores meses
para a pesca do “linguado”; os meses de outubro e dezembro mais abundantes para
pescados em geral; e os meses de janeiro a abril os mais fracos para diversas
espécies, isso na visão destes pescadores.
Na praia de Pontal do Sul, os meses de verão dificultam a pesca dos menos
tecnificados e dos que mantém as antigas técnicas, como o “arrastão de praia”. Isso,
é devido à grande quantidade de turistas que se banham nessas águas, como falado
85
pelo antigo morador: “Em dezembro paramo
o arrasto por causa dos turista,
banhista”.
Os ganhos por mês, de um proprietário de embarcação e dos quinhoeiros,
também são difíceis de serem calculados. Em uma média aproximada, os
proprietários de embarcação chegam a ganhar, em torno de R$ 1000,00 nos
melhores meses do ano, e nos piores, em torno de R$ 500,00; os quinhoeiros
chegam ganhar aproximadamente R$ 500,00 nos melhores meses e numa média de
R$ 300,00 nos piores. A situação de decadência desta atividade econômica local é
bem ilustrada nas seguintes falas:
“É difícil dizê quanto ganhamo, não é sempre que dá pra vendê pro turista,
às vezes não tem peixe. Pra nós aqui tá ruim, não tem nada, nada. Os
arrasteiro pegaram todos... os filhote de peixe. Já acabou tudo”.
“Na época do camarão, tiram mais, em torno de mil reais, podem até dobrá
a produção se trabalharem sempre que o tempo tiver bom”.
“Eu não ganho quase nada. O dinheiro que a gente faz é mais pra compra o
pão”.
Atividades como roças, caça e coleta também aqui não são mais praticadas.
Como afirmam estes relatos:
“A empresa Balneária loteou tudo, não tem mais terra”.
“O IBAMA não deixa nem pra comê, não deixam cortá nada”.
“Até 1965, pegava os palmito, era tudo livre, caçá era livre, depois
proibiram”.
5.4.5 Breve resgate cultural do balneário
Antigamente, acompanhando os modos de vida deste município, a pesca
também era realizada com técnicas e apetrechos simples, com baixo impacto no
ambiente, destacando as embarcações a remo e as técnicas de “arrastão de praia”
(praticada por homens e mulheres); praticavam também, em menor escala, a “pesca
de linha de mão” e “espinhel” (para a captura de cação). A área de atuação era
geralmente em frente às próprias vilas, sentido mar aberto. Eventualmente se
deslocavam a outros locais, como Ipanema (considerado um bom ponto de pesca),
Superagui e Cananéia.
Os pescadores enfrentavam grandes dificuldades para exercerem a pesca
nesta época, já que os apetrechos eram simples e as embarcações ainda não eram
86
motorizadas, o que aumentava os riscos no mar, principalmente em regiões de mar
aberto, onde muitos destes morreram durante suas práticas.
Os principais pescados, até então, eram: “pescada”, “pescadinha branca”,
“pescada amarela”, “pescada vermelha”, “parambiju”, “sardinha”, “clareana”,
“galheteira”, “perna-de-moça”, “saguá”, “corvina”, “cação”, “cação viola”, “cavala”,
“caranha” “saltera”, “oveva”, “bagre”, “bagre facho”, “bagre guri”, “espada”, “tainha”,
“roleto”, “xaréu”, “xerelete”, “badejo”, “corvinota”, “bonito”, “raia branca”, “raia
vermelha” “palumbeta”, e “roncador”. A maioria dessas espécies também já estão
extintas. A “saltera”, a “palumbeta”, o “roncador”, o “bagre” e o “cação” eram
comercializados secos e vendidos em “arroba”, como chamavam na época, muito
similar à forma como os mercados comercializam o “bacalhau”.
A produção era vendida, principalmente, em Paranaguá, no Mercado de
Peixe, em Antonina, e ainda, tinha o caminhão de uma indústria pesqueira
(japonesa) que vinha de Paranaguá. Esta comprava a produção local. Raramente,
vinha um barco de Santos, litoral norte de São Paulo, para a compra desse pescado.
Levavam o pescado a remo até Paranaguá e Antonina. As dificuldades de transporte
e venda do pescado capturado podem ser ilustradas pelo seguinte depoimento:
“Antonina era uma viagem de três dia e na canoa iam três homem e mais todo o
pescado, que ía de 500 a 1000 Kg”.
Além
da
pesca,
também
praticavam
as
atividades
de
“roças”
e
eventualmente coletavam mariscos, na região da Ilha do Mel e Ilha da Galheta
(conhecida pelos nativos como Ilha Cará). Outra atividade era a caça, destinada ao
autoconsumo destas famílias. Muitas vezes caçavam porque algumas espécies,
como os “catetos” (porcos do mato) comiam a plantação, principalmente as “ramas
de mandioca”, então também era uma forma de mitigar a atuação desses animais.
Esta também não era uma prática frequente a todos os homens, muitos caçavam
eventualmente, quando havia necessidade. Algumas pessoas criavam galinhas para
complementar a proteína.
Estas atividades das “roças” geravam produtos destinados principalmente ao
autoconsumo desta população, com o seu excedente (quando havia) destinado à
venda em Paranaguá. Neste balneário vendiam abacaxi e abóbora para Paranaguá,
algumas vezes em Matinhos, na época em que tinham mais turistas. Também
comercializavam “lenha” extraída da mata, para suprir os fogões à lenha dos hotéis
de Paranaguá.
87
Os principais produtos cultivados nas “roças” eram, mandioca, mandiocabraba (só para fazer farinha, não era boa para comer), abacaxi, arroz, abóbora,
melancia, tomate, milho, batatinha, cana-de-açúcar, feijão, aipim, tomate, banana,
cará, taiá (similar ao aipim), pepino e batata-doce.
Estas áreas de plantio normalmente se encontravam mais para o interior do
continente, na região da Techint na Ponta do Poço (bairro da região) e também nas
proximidades do atual embarque para a Ilha do Mel, devido a sua localização nas
proximidades dos rios. Outra área que também plantavam é na beira do rio “Pontal”,
que passa ao lado do atual “Hotel Village”.
Os animais mais caçados para o consumo eram os “porcos-do-mato” (ou
“cateto”), já que estes se alimentavam do que era plantado nas roças de
subsistência (como a mandioca e o milho); tatu, tamanduá, porco-do-mato, veado,
capivara, cotia, paca, quati e macaco. Comiam também algumas aves, como,
“papagaio”, “canarinho”, “jacu”, “sabiá”, “canarinho”, “rola”, “sabiá” e “inambu”. A área
de caça também era adentrando o interior do continente, aonde a mata era mais
densa.
As casas, antigamente, se encontravam bem distribuídas pelo espaço
(distando aproximadamente 300 metros entre cada uma delas), as pessoas
construíam suas casas aonde queriam. Os telhados eram confeccionados com
palha, as paredes eram de madeira ou sapê. Os terrenos partiam do continente e
terminavam à beira-mar e as residências tinham acesso à orla, sendo a extensão de
seus quintais. As atuais regiões dos bairros Mangue Seco, Pontal II e Ponta do Poço
eram onde se localizavam as antigas roças de subsistência dessa população.
O esquema a seguir (fig. 5), destaca a configuração desse balneário,
salientando a presença de três comunidades: a Praia de Pontal do Sul, o Pontal II e
a Ponta do Poço. Seguiam o mesmo padrão das outras vilas, sendo a Ponta do
Poço a maior comunidade presente e mais estruturada. O acesso principal também
era pela praia, e existia ainda um caminho por terra que cruzava todos os vilarejos.A
região da Ponta do Poço era constituída por dois aglomerados, a “Ponta do Poço de
Baixo” e a “Ponta do Poço de Cima”.
88
FIGURA 5 - SISTEMATIZAÇÃO DO BALNEÁRIO DE PONTAL DO SUL ANTERIORMENTE À
OCUPAÇÃO URBANA
FONTE: A AUTORA (2006)
Os “móveis” e utensílios para a casa eram feitos artesanalmente por estas
populações, como suas esteiras, travesseiros, “gamelas” (um recipiente grande de
madeira usado para a fabricação de farinha e até mesmo para o banho), “tipiti”
(prensa de mandioca para a fabricação da farinha), tamancos de madeira, cestos e
balaios.
Antes da chegada dos veranistas, existiam aproximadamente cinco famílias
(cinco casas) - que moravam na região do Pontal II (conhecido antigamente pelos
moradores locais, como “Pontal Grande”); em torno de oito famílias (oito casas) –
habitando a região da praia de Pontal do Sul (antigamente chamada de “Barra do
Sul”); e Ponta do Poço com uma família estendida, distribuída por 25 casas, com
dez casas na “Ponta do Poço de Baixo”, e quinze casas na “Ponta do Poço de
Cima”.
A Ponta do Poço recebeu esse nome e se dividiu em dois subvilarejos
porque nesta região era comum um fenômeno hidrodinâmico local, que criava uma
barreira geográfica natural entre as duas pequenas vilas. Sob determinadas
condições meteorológicas, na entrada de ventos do quadrante norte e nordeste, o
mar invadia a parte da restinga que ficava no meio dos dois subvilarejos, formando
89
um “buraco”, que chamavam de “poço”, um espaço de grande diâmetro. Esse “poço”
era considerado perigoso pelos moradores, que evitavam ficar nestas proximidades,
pois a força das marés influenciadas destruía parte da vegetação, desde as
arbustivas até as grande árvores.
Esse fenômeno marinho foi extinto, desde a construção do canal de
navegação do DNOS, na década de 50, que acabou por alterar a dinâmica praial
local, aumentado a erosão com a intensificação dos processos de dragagens. Essa
regressão da linha de costa é um presente problema social, visto que algumas casas
estão sendo atingidas pelo mar que vem avançando progressivamente.
A colocação de estruturas erradas de contenção de erosão, como pedras e
muros, vem a agravar esse problema. Temporariamente pode dissipar parte da
energia das ondas incidentes, diminuindo sua superfície de contato, porém, em
longo prazo, tende a intensificar problema, já que estas edificações fazem com que
as ondas retirem mais ainda o sedimento arenoso. Este é um problema constante,
pois a cada ano, novas estruturas de contenção são construídas pelos turistas do
Pontal II, a fim de evitar que o mar avance e alcance suas residências localizadas
em frente à praia.
Em relação ao uso de “remédios caseiros”, aqui também é notável a
importância destes recursos na época em que não tinham acesso à medicina
alopática.
Os
“curandores”,
pessoas
de
origem
indígena,
com
profundo
conhecimento das plantas locais, eram considerados os médicos locais. Também
existiam as mulheres “parteiras”, de grande importância na comunidade.
Entretanto, esses usos da floresta não se restringiam apenas à medicina
popular, era muito mais intenso que isso, utilizavam as plantas para várias outras
funções cotidianas, desde a confecção e manutenção de petrechos de pesca, a até
mesmo para seus serviços domésticos, como bem ilustrado pelo depoimento de dois
entrevistados:
“A Kiboa nossa era um pé de barrelhera, a gente espremia, coava e deixava
a roupa de molho, ficava amarela, parecia suja, depois esfregava bem e
jogava folha de camena ou uma batata do mato, batata guva, no outro dia a
roupa tava limpinha”.
“Candapuva é a arvore do mangue que dá uma tinta que passa na rede pra
conservá”.
“A gente fazia tamanco de madeira, não tinha sapato”.
90
As manifestações culturais de lazer, no passado, há até 50 anos atrás, eram
as festas de fandango, realizado nas casas de dois antigos moradores (um próximo
à atual pastelaria do Samuca e outro nas proximidades do “Saci” – loja de materiais
de construção); também iam a fandangos em balneários próximos, como o
“Perequê-mirim” (atual Atami), “Ipeva” (atual Vila Nova) e Barrancos.
As mulheres vestiam saias rodadas para irem aos bailes. Uma das
entrevistadas expressa um dos ditados da época, a respeito de utilizarem saias
longas (na altura do joelho): “As antigas diziam um ditado às moça: a saia um palmo
abaixo do joelho, é pro povo vê e pra cima do joelho, é pra quem merecê”. Os
instrumentos de fandango eram também confeccionados pelos próprios moradores,
como este relato indica: “Faziam adufo (espécie de pandeiro utilizado no fandango)
com couro de lagarto”.
As comidas típicas eram a farinha de mandioca (base da alimentação), o
“bijú”, o “cuscuz” (ambos feitos com a parte da mandioca que sobrava da produção
de farinha), pirão de peixe, peixe cozido e o peixe seco com banana ou batata-doce.
No período do carnaval, faziam o “Barreado de Carnaval”, as pessoas compravam
carne de boi, especialmente nessa época e faziam esse prato. Quando não tinham
dinheiro para consumirem café (o que lhes dava energia para as atividades na roça
e na pesca), bebiam chá de folha de abacate com farinha de mandioca, como uma
alternativa de refeição.
A mulher também aqui, representava um papel fundamental para a família
do pescador, como destacado na fala a seguir, que demonstra o valor feminino:
“Pescavam, trabalhavam na roça, limpava e secavam o peixe, faziam farinha. A
mulher trabalhava mais que a gente... roçava, pescava, limpava os peixe, secava os
peixe, fazia farinha e ainda cuidava da casa e dos filho”.
Atualmente, o papel da mulher é de suma importância para o
desenvolvimento familiar, já que auxiliam seus maridos com a pesca, e também
realizam trabalhos relacionados ao turismo, complementando a renda da casa. O
comentário de um pescador ressalta a atividade atuais delas: “Tem bastante mulher
que cuida de casa de turista, tira mais 300 reais por mês. Pra mulher tem bastante
serviço. Uma diária é 30 reais”.
91
5.5 QUADRO-SÍNTESE DA SITUAÇÃO ATUAL DAS VILAS: USOS E CONFLITOS
O quadro a seguir, faz uma síntese dos cenários das situações de usos
territoriais das áreas estudadas, bem como dos atuais conflitos enfrentados pelas
comunidades pesqueiras locais:
Ponta do Poço
Pontal II
Mangue Seco
Configuração local / tipos de uso
- Área industrial / portuária;
- Comunidade tradicional semirrústica;
- Praia estuarina;
- Fragmento de floresta Atlântica;
- Área erodida (praia);
- Movimento de embarcações;
- Entreposto de pesca industrial;
- Pesca artesanal;
- Área de Preservação Permanente
(Mata Atlântica).
- Praia estuarina;
- Área de Preservação Permanente
(Mata Atlântica);
- Comunidade tradicional semirrústica.
- Fragmento de floresta Atlântica;
- Presença de veranistas (2º
residência, Bairro Jardim);
- Uso náutico;
- Vila semirrústica com comunidade
tradicional;
- Ocupação urbana desordenada e
sem planejamento;
- Bairro onde residem a maioria dos
nativos;
- Presença de moradores de outras
localidades do Brasil;
- Área de Preservação Permanente
(Mata Atlântica);
- Pouca presença de casas de turistas;
- Uso náutico.
Problemas
- Conflitos fundiário (3ª relocação dos
moradores);
- Instalação portuária;
- Zona de prostituição;
- Urbanização precária;
- Restrição do acesso à praia;
- Erosão acentuada;
- Estoques pesqueiros em declínio;
- Falta de empregos permanentes;
- Ausência de turismo como opção de 2ª
renda;
- Supressão de Mata Atlântica, por
atividade portuária e industrial;
- Leis ambientais restritivas ao manejo do
solo;
- Estruturas industriais em desuso sendo
sucateadas;
- Perda da beleza cênica;
- Descaracterização da cultura local.
- Invasão de áreas de uso comum pelo
turismo;
- Recuo progressivo da linha de costa
intensificado por métodos errôneos de
controle de erosão;
- Supressão da Mata Atlântica (em
extinção) por atividade imobiliária;
- Restrição de acesso à praia;
- Declínio dos estoques pesqueiros;
- Segregação social;
- Degradação ambiental;
- Descaracterização cultural local.
- Longa distância da praia para as
atividades pesqueiras;
- Estratificação social;
- Introdução de drogas ao público mais
jovem;
- Aumento de violência e criminalidade;
- Muitos terrenos sem documentação;
- Invasão de territórios;
- Descaracterização da cultura local;
- Restrição de acesso ao canal que faz
ligação com o mar.
- Degradação ambiental.
92
Pontal do Sul
Embarque
Antigo
Vila Nova
Barrancos
- Malha urbana horizontal, paralela à
orla;
- Pequenas lagoas e larga faixa de
restinga entre mar (praia) e área
urbanizada;
- Fragmentos de manguezais;
- Urbanização semirrústica;
- Orla semiabrigada e exposta;
Presença
de
Unidade
de
Conservação (UC);
- Presença de pescadores artesanais;
- Presença do turismo;
- Presença do Centro de Estudos do
Mar (CEM-UFPR);
- Praia oceânica.
- Vila semirrústica;
- Área de restinga arbustiva;
- Ponta da praia de Pontal do Sul e
início do estuário;
- Ocupação irregular;
- Pesca tradicional;
Presença
dos
“catarinas”,
especializados na pesca do camarão;
- Grande fluxo de banhistas no verão;
- Presença de comércios voltados ao
público de turistas;
- Área de lazer e uso náutico;
- Faz limite com o canal artificial de
acesso à Ilha do Mel (DNOS).
- Vila semirrústica;
- Malha urbana formal horizontal;
- Larga faixa de restinga entre a praia e
a área urbana;
Presença
de
Unidade
de
Conservação (UC);
Bairro
recente
formado
por
pescadores e pessoas vindas do norte
do estado;
- Pesca artesanal;
- Pouca atividade turística;
- Praia voltada a mar aberto.
- Presença de veículos na praia;
Problemas
fundiários
(lotes
particulares inseridos na área do
Parque do Manguezal e da Restinga);
- Invasão de áreas de uso comum;
- Grande quantidade de cachorros nas
ruas e praia;
- Estoques pesqueiros em declínio;
- Turismo em decadência;
- Pouca oportunidade de empregos;
- Descaracterização cultural;
- Degradação ambiental.
- Zona de Proteção Ambiental;
- Presença de comunidade tradicional
pesqueira;
- Desembocadura do Rio Barrancos no
mar;
- Ocupação semirrústica;
- Fragmentos de mata atlântica;
- Área de lazer (campo de futebol na
frente da praia);
- Vegetação de restinga arbustiva;
- Praia oceânica;
- Comércio destinados ao turismo;
- Terrenos regularizados.
- Área de preservação permanente
(Mata Atlântica);
- Praia estuarina;
- Presença de pequenas culturas de
subsistência;
- Pesca em declínio;
- Turismo em declínio;
- Rigor das leis ambientais;
- Descaracterização da comunidade;
- Conflito fundiário/ titularidade;
- Invasão de área de uso comum;
- Perda de beleza cênica;
- Decadência do turismo;
- Pesca em declínio;
- Restrição do acesso à praia;
- Pressão imobiliária;
- Supressão da vegetação;
- Descaracterização da comunidade.
- Pressão fundiária;
- Pesca em declínio;
- Terrenos sem documentação;
- Descaracterização da comunidade;
- Aumento da criminalidade e violência;
- Aumento da prostituição;
- Introdução de drogas.
- Especulação imobiliária e portuária;
- Isolamento geográfico;
- Erosão acentuada;
- Ausência de infraestrutura pública
(escolas, posto de saúde);
93
- Comunidade tradicional rústica;
- Pesca artesanal;
- Área de aquicultura;
- Uso de plantas medicinais;
- Uso náutico.
Ponta do Maciel
Ipanema IV
- Praia oceânica;
- Fragmentos de restinga;
- Ocupação irregular sobre a
restinga;
- Comunidade pesqueira tradicional;
- Moradores vindos de outras
localidades;
- Presença de turismo;
- Vila rústica;
- Precariedade na oferta de bens
públicos;
- Terrenos não regulamentados;
- Estoques pesqueiros em declínio;
- Sem opção de 2ª renda;
- Êxodo de moradores;
- Supressão da Mata Atlântica por
atividade portuária / industrial;
- Leis ambientais rigorosas;
- Falta de empregos permanentes;
- Exclusão social e econômica de
população nativa;
Comprometimento
da
cultura
tradicional;
- Descaracterização do local;
- População em situação de risco
(saúde precária, falta de alimento...);
- Pressão fundiária.
- Ocupação fundiária irregular;
- Pressão sobre o uso territorial;
- Relocação de pescadores;
- Moradores não nativos podem perder
as áreas ocupadas;
- Pesca em declínio;
- Turismo em decadência;
- Introdução de drogas;
- Aumento da criminalidade e violência;
- Perda da beleza cênica;
- Descaracterização da comunidade;
FONTE: A AUTORA (2006)
5.6 MAPAS GEORREFERENCIADOS DOS USOS NA FAIXA DA ORLA PRINCIPAL
DE PONTAL DO SUL
Este capítulo tem como objetivo ilustrar a situação atual das formas de
ocupação de toda a faixa da orla (restinga), compreendida entre os balneários de
Pontal do Sul e Praia de Leste, a partir de mapas georreferenciados produzidos
nesta pesquisa. Este mapeamento foi dividido em oito partes, de maneira a
evidenciar os detalhes das áreas, com maior acuidade e distinção quanto aos seus
usos, pois em um único mapa, muitas destas especificidades se perderiam, pela
sobreposição dos pontos marcados com o aparelho de GPS.
A sequência dos mapas dos balneários é fornecida na seguinte ordem:
Ponta do Poço, Antigo Embarque, Praia de Pontal do Sul, Barrancos, Shangri-lá,
Carmery, Ipanema e Praia de Leste, no sentido do norte para o sul do município.
94
Optou-se por apresentá-los dessa forma sequencial e não no corpo do texto de
apresentação dos resultados de cada localidade, pois visualmente facilita a leitura
das cartas.
Abaixo de cada um desses mapas encontram-se as legendas com a
representação gráfica dos símbolos georreferenciados, caracterizando a utilização
deste espaço geográfico pela sociedade local.
95
96
97
98
99
100
101
102
103
6 DISCUSSÃO
Frente à dimensão dos resultados apresentados e observando os quadros
síntese produzidos, que facilitam a comparação entre as vilas estudadas,
sistematizando-as, têm-se uma diferenciação das comunidades quanto aos efeitos
derivados de um avanço urbano-turístico e portuário intenso e desordenado.
A região do Maciel, especificamente, por se encontrar isolada da cidade
devido seu acesso exclusivamente realizado pelo mar através de embarcações,
recebeu pouca influência da urbanização do município. O que se percebe é certa
descaracterização cultural da comunidade, pois apesar de não ter recebido a malha
urbana, outros valores culturais advindos desse processo dos seus entornos se
incidiram sobre estas populações indiretamente.
A introdução de novas religiões transformou alguns dos seus hábitos,
reprimindo determinadas manifestações culturais, principalmente no que diz respeito
às suas formas de lazer. Nos últimos 10 anos, esse vilarejo passou também, a sofrer
as pressões fundiárias e especulação imobiliária, em um primeiro momento, por um
interesse turístico na região devido sua beleza cênica e, atualmente pela
especulação portuária da região.
Ipanema IV, juntamente com o vilarejo do Antigo Embarque, por
apresentarem situações similares quanto suas formas de ocupação, se instalando
em regiões protegidas ambientalmente por lei específica, podem ser consideradas
como as comunidades que mais sofrem as pressões fundiárias por critérios
ambientais.
A Ponta do Poço e o Maciel também vivenciam constantes conflitos pelo
direito de uso das terras, mas no sentido de uma pressão de caráter mais
econômico. A primeira por ser a comunidade alvo principal de relocação
pela
especulação portuária, e a segunda, por ser uma região do entorno de um futuro
terminal portuário, que possivelmente pode se tonar uma área de ampliação
portuária, caso esse projeto seja realmente concretizado região.
Barrancos é exceção dentre todas as localidades pesquisadas. Influenciados
por um líder comunitário muito atuante em relação às demandas internas de sua
comunidade de origem, lutou por amenizar as desigualdades entre nativos e
pessoas vindas de outras localidades. Apesar de sofrerem constantes pressões pela
104
desapropriação de seus terrenos no passado, não se deixaram serem ameaçados
por isso e com grande esforço coletivo conseguiram judicialmente os direito ao uso
pelas suas terras de origem.
Este vilarejo se diferencia ainda, por apresentar fatores que os diferem dos
balneários mais urbanos do município. Suas características naturais se mantêm com
baixa interferência antrópica, são poucas residências, estas pertencentes aos
descendentes de uma grande família. Localizam-se perto da praia, o que lhes facilita
a pesca. A proximidade com seus parentes lhes ajudam a manterem suas
características mais originais e permitem o trabalho de uma forma mail coletiva.
Barrancos é um exemplo de que a manutenção de comunidades tradicionais em
seus locais de origem garantem maiores perspectivas de vida aos moradores, sem
ferir os seus costumes.
Pontal do Sul é a localidade com maior diversidade de situações. Por ser o
maior balneário e o que tem a orla abrangendo um trecho de mar aberto e um lado
voltado para a região estuarina, sofreu maior segregação na sua distribuição
espacial, esta derivada dos processos urbanísticos.
As pressões fundiárias, a partir dos anos 50, diluíram os aglomerados de
pescadores pelo território de Pontal do Sul, que se dissolveram entre a malha
urbana desordenada. Com exceção dos casos da Ponta do Poço e do Antigo
Embarque já expostos acima, os vilarejos do Mangue Seco, Pontal II, Vila Nova e
Praia de Pontal do Sul são aglomerados resultantes do mal planejamento desta
cidade, com pescadores habitando áreas dispersas, alguns mais próximos da orla,
outros mais afastados, fatores tais que influenciam diretamente nas suas atividade
pesqueiras.
Quanto aos aspectos socioculturais e históricos, a chegada da cidade marca
definitivamente a diluição de seus modos de vida e de suas manifestações culturais
tradicionais. Novos elementos são incorporados, antigos hábitos deixam de ser
praticados, transformando a cultura local, lhes afastando de suas origens, com
grande perda de seu contexto histórico.
Nesse estudo apenas um fragmento desse passado foi recuperado, ainda
assim se vê necessário ampliar essa coleta de informações, para que se tente obter
mais informações sobre a história da região, no intuito de valorizar a cultura caiçara.
A introdução de novas religiões, da televisão e do contato com pessoas de outras
105
localidades modificou consideravelmente alguns dos valores culturais que
expressavam suas formas de vida.
Ao mesmo tempo, nota-se uma resistência por parte dos mais antigos em
cultivarem suas culturas, praticando antigas tradições como a pesca, o plantio de
pequenas hortas e roças, a utilização de recursos da floresta para alimentação e
fabricação de objetos para seus usos. O comércio faz com que gradualmente
percam esses hábitos, pela facilidade de acesso e consumo de produtos
manufaturados.
Para a economia, pode-se dizer que cidade e turismo chegaram como uma
chance de oferecer mais oportunidades de renda e de infraestrutura para os
moradores locais da região. O turismo teve uma fase áurea entre os anos 80 e
meados dos anos 90, momento este que foi mais promissor para as famílias locais,
melhorando suas rendas com a venda do pescado, aluguel de casas e manutenção
de residências dos turistas. Atualmente o setor encontra-se em declínio. O município
oferece pouca atratividade ao visitante deste litoral, que muitas vezes não mais
retorna. Os que têm segundas residências, as põe para venda.
O meio ambiente também recebeu as influências de uma urbanização mal
planejada. Os recursos naturais foram muito degradados. Não existe uma rede de
esgoto, a coleta de lixo não abrange todas as comunidades, o solo é ocupado, a
mata suprimida, a água do mar comprometida em sua balneabilidade, entre outros
aspectos e formas de poluição e degradação ambiental.
A atividade pesqueira encontra-se em forte declínio e hoje não pode mais ser
considerada a única fonte de renda dessas comunidades. Para a maior parte delas,
se não complementam sua renda com outros tipos de serviços, põe em risco à
sobrevivência de suas famílias de uma forma digna.
Ao se tentar avaliar o que foi positivo e negativo, os fatores oscilam entre
essas duas interfaces de maneira antagônica. Trazem maiores oportunidades de
desenvolvimento local e também retiram elementos importantes das características
das populações locais. A marginalização destes nativos, que nunca tiveram a
chance de participar nos processos de gestão do município, tirou-lhes o direito à
vez, e voz, impossibilitando-os de construírem um desenvolvimento local mais
harmônico.
A implementação de portos, assim como de outras atividades econômicas
provêm impactos positivos na economia local em diferentes graus, direta ou
106
indiretamente relacionados com a atividade proposta. Estes são proporcionais à
grandeza dos investimentos, os quais geram principalmente impostos, além de
movimentarem os comércios da região e pressionarem as autoridades por uma
maior assistência ao município.
Infelizmente, estudos dos impactos dessas atividades sobre populações
tradicionais da região são ainda escassos na literatura. Para esse estudo, os únicos
dados pretéritos levantados a respeito de uma das comunidades a serem atingidas
diretamente pela instalação do futuro terminal portuário, foram descritos por Krelling
(2004) e, mesmo assim, pouco aprofundada quanto aos aspectos socioambientais.
Como visto, os maiores impactos negativos nestas comunidades foram
incididos sobre suas culturas, modos de vida e meios de trabalho, que se alteraram
a partir destes processos completamente diferentes aos de seus universos
particulares de origem. É óbvio que os aportes aqui apresentados pela pesquisa
exigem maior refinamento, sendo necessária uma ampliação desta pesquisa com
maior aprofundamento destas questões dentro de cada localidade, para garantir
uma maior acuidade e consolidação dos dados registrados.
107
7 CONCLUSÃO
A pesquisa apresentada resultou em um agrupamento, descrição,
sistematização e atualização de dados referentes às comunidades pesqueiras
avaliadas, sob a ótica da literatura vigente e dos pescadores locais, com a finalidade
de se melhor compreender a evolução e as dinâmicas de ocupação do município,
bem como suas formas econômicas atuantes. Além disso, estes dados permitiram
uma avaliação de quais foram as principais implicações e benefícios derivados
dessas formas de usos locais.
Foram expostas as situações dos cenários atuais referentes à pesca,
interferência turística e portuária, e desenvolvimento urbano. Grande parte do que foi
aqui registrado não é contado na literatura existente sobre a região com os
detalhamentos derivados das percepções desses pescadores. A visão desse outro
lado da história permite um diálogo mais eficiente na tomada de decisões do
município, permitindo maior participação da população local nestes processos.
A possibilidade de se comparar as vilas em questão, quanto aos tipos e
graus de interferência urbano-turísticas, referentes às suas maiores proximidades ou
isolamento dos centros urbanos, foi mais um ganho desse estudo. É possível afirmar
que todos os vilarejos em questão enfrentam problemas muitos similares
decorrentes desses processos, em maior ou menor escala, refletindo tanto em sua
economia, quanto em suas culturas, modos de vida e meio ambiente, seja por
atuação do turismo, urbanização ou outras atividades econômicas vigentes.
Há de se convir que estes impactos não foram de todo negativos para estes
nativos. Quando incitados a fazerem uma comparação entre a contemporaneidade e
os períodos passados, é de afirmação geral a preferência pelo cenário atual, devido
às novas oportunidades de renda, melhor infraestrutura local e maiores ofertas de
bens públicos de serviços.
Por outro lado, é perceptível que essa modernização trouxe consigo um
sentimento de perda, principalmente na população mais antiga, que percebem o
desenvolvimento local não tão positivo assim. Nesse sentido, se posicionam frente à
introdução de novos valores culturais, como aumento de violência, criminalidade e
marginalização da classe pescadora.
108
Os jovens demonstram não estarem mais interessados nos antigos
costumes e tradições, almejando um modo de vida mais parecido com o das
grandes cidades. Abandonam a pesca (muitos por incentivo dos pais que não
aconselham mais essa profissão, visto que a consideram em declínio) e aspiram
empregos em outras áreas. Mesmo assim, grande parte destes descendentes não
gostaria de migrar de suas regiões de origem, pois lhes agrada viver no litoral.
Desejam que suas cidades sejam mais bem estruturadas e com maior oferta de
trabalho para não terem que abandoná-las e migrarem para outros centros urbanos.
Em relação ao setor turístico e expectativas futuras, estas populações
desejam
que
os
órgão
governamentais
tragam
maiores
incentivos
ao
desenvolvimento do turismo regional, este que já foi muito rentável há dez anos
atrás e que hoje, por falta de atratividade, não mais têm força local. A proximidade
deste litoral com outras praias de Santa Catarina, de maior beleza cênica e incentivo
à visitação, tem levado os turistas a buscarem estes novos roteiros, diminuindo o
fluxo nos municípios litorâneos paranaenses.
A futura instalação de um empreendimento portuário em uma região
pequena, considerada tradicionalmente pesqueira e de pouca interferência urbana,
soa como um “choque” às populações até então residentes, entretanto, ao mesmo
tempo trazem expectativas quanto à introdução de novas oportunidades,
principalmente de empregos, mesmo cientes de que muitos desses serão apenas
temporários.
Ao que se vê, no presente, é que a legislação vigente é de fato bem
desenhada, porém pouco efetiva, devido às muitas brechas encontradas nestas leis.
A falta de fiscalização permanente traz todo tipo de irregularidades para este
ambiente costeiro, predominando ao final, os interesses econômicos.
A principal relevância deste este estudo foi a de, primeiramente, fornecer
embasamento a posteriores políticas públicas e planos de gerenciamento costeiro
que venham a ser instrumentados na região. Ações estas que visem o
fortalecimento do setor pesqueiro local, com sua maior integração aos setores
turístico e econômicos, procedendo de forma a beneficiar as três faces do
desenvolvimento, os lados, social, econômico e ambiental, buscando um maior
equilíbrio entre as partes.
Também é de suma importância ressaltar que esses registros aqui descritos
recuperam fragmentos da história e cultura locais. Elementos estes de grande
109
riqueza e que hoje encontram-se camuflados e marginalizados pelas formas
econômicas dominantes. A recuperação desse histórico possibilita assim, a garantia
de que esse conjunto de informações seja transmitindo às gerações futuras, já que
os relatos sistematizados nesse levantamento expressam os acontecimentos vividos
pela última geração de pescadores que acompanharam todas as mudanças nas
formas de usos e transformação do espaço nesse litoral.
Diante do universo de situações aqui colocadas, pode-se afirmar que os
conflitos socioambientais do município de Pontal do Paraná não podem ser
considerados como um mero descaso das autoridades e órgãos gestores, muito pelo
contrário, há toda uma estruturação de poderes atuando juntos no sentido de
beneficiarem os interesses dos investidores externos e dos grandes detentores e
proprietários de terras na região, grandes, porém não os únicos e verdadeiros.
Incentivar a manutenção de comunidades tradicionais em suas regiões de
origem amenizam os conflitos socioambientais derivados de seus êxodos e
valorizam as populações quanto os seus costumes e hábitos, agregando uma
importância histórica para sua região, que se reflete também no turismo local.
Ampliar esta pesquisa e a discussão dos temas aqui abarcados, através de
novos estudos, maior amostragem de entrevistados, mais consultas a documentos e
bibliografias, entre outras ferramentas que registrem os acontecimentos e
características do município de Pontal do Paraná, ajudará na montagem desse
“quebra-cabeça” histórico que ainda carece da várias partes para a compreensão
das dinâmicas socioambientais do todo.
110
REFERÊNCIAS
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2006.
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Diagnóstico da pesca artesanal no Brasil como subsídio para o fortalecimento
institucional da Secretaria Especial de Aqüicultura e Pesca. PNUD/SEAP,
Versão preliminar. No prelo.
ANEXO 1 - QUESTIONÁRIO SOCIOAMBIENTAL
113
Universidade Federal do Paraná-Centro de
Estudos do Mar
Laboratório Sócio-ambiental
Formulário No: ________________
Comunidade: __________________
Data:_________________________
Entrevistador:__________________
I.
DADOS DO ENTREVISTADO
1. Qual é o seu nome? _______________________________________________
2. Sexo: F( ); M ( )
3. Idade: _______
4. Quantos anos faz que os Sr/a mora nesta comunidade? _________
5. O Sr/a teve oportunidade de estudar? ( ) Não. ( ) Sim.
6. Se estudou, qual o último ano de ensino formal que aprovou?
Nível:____________________Série:______
7. O Sr. atualmente, em que trabalha?
Cargo:________________________________
Tarefas que realiza:____________________________________
Instituição: ____________________________________________
Local: _______________________________
8. O Sr., atualmente, é aposentado? (
) Não; Sim
(
), de que?
____________________________________________
9. Quais tem sido suas ocupações desde que começou a trabalhar? Período? Instituição?
Local? Enquanto que?
Ocupações
Período
(que idade a que
idade)
Onde trabalhava?
(empresa,
instituição)
Localidade
Em qualidade de que
(colaborando com pais,
empregado,
proprietário)
10. O Sr. já ocupou ou ocupa algum cargo como representante da Comunidade?
( ) Não; ( ) Sim, Qual? Quando?
Qual cargo:
______________________________________________________________
Período: ____________________
Qual cargo:
______________________________________________________________
Período: ____________________
11. O Sr. já ocupou ou ocupa algum cargo como representante dos
Pescadores?
12. ( ) Não; ( ) Sim, Qual? Quando?
Qual cargo:
______________________________________________________________
Período: ____________________
114
Qual cargo:
______________________________________________________________
Período: ____________________
12. Quando foi que sua família veio a morar neste lugar? Ano aprox.: ________
13. Quem veio?(Parentesco): _________
14. Onde moravam antes? Localidade: _________________________________________
Município:______________
15. A
que
atividades
se
dedicavam
antes
de
vir
aqui?
________________________________________________________________________
___
___________________________________________________________________________
___
16. Porque vieram a morar aqui?
______________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___
II. HISTÓRICO DO POVOAMENTO DA VILA
17. Aproximadamente, em que ano vieram os primeiros moradores a este lugar?
_______________
18. Quais foram as primeiras famílias que vieram para aqui?
________________________________________________________
19. O Sr sabe de onde vieram?
___________________________________________________________________________
_______
20. O Sr sabe porque vieram a morar aqui?
_______________________________________________________________________
21. Os primeiros moradores, ocuparam ou compraram os terrenos? ( ) Ocuparam; ( )
Compraram, a quem?______________
22. Para a atividade pesqueira, a instalação neste lugar, supus quais vantagens e quais
desvantagens? Explique, por favor.
Vantagens:
___________________________________________________________________________
_____________
Desvantagens:
___________________________________________________________________________
_____________
22. Na época, como realizavam a pesca ?
Tipos de embarcação:
___________________________________________________________________________
_____________
Técnicas:
___________________________________________________________________________
_____________
Principais produtos:
Onde vendiam:
115
23. Que outras atividades econômicas praticavam?
Outras
Principais produtos
Onde realizavam
Atividades
Destino
(autoconsumo,
venda, onde)
Roça
Caça
Coleta
24. Como estavam distribuídas as casas no espaço?
___________________________________________________________________________
_____________
25. E o terreno das roças?
___________________________________________________________________________
____________
26. Quando foi que isso começou a mudar?
______________________________________________________________
27. O que foi que aconteceu? Nos pode relatar?
___________________________________________________________________________
____________
28. Houve algum tipo de pressão para que os pescadores afastassem suas moradias da
costa?
( ) Não; ( )Sim, explique quais, quando e por parte de quem?
___________________________________________________________________________
______
29. Na época, houve algum tipo de oferecimento (p.e. dinheiro, terrenos baratos em
outro lugar, etc.) para que os pescadores afastassem suas moradias da costa? ( )
Não; ( )Sim, explique quais, quando e por parte de quem?
___________________________________________________________________________
____________
30. Atualmente, os moradores são proprietários dos terrenos, tem a posse, ou são apenas
ocupantes?
(
)Propriedade regularizada; ( ) Posse; ( ) Ocupação; ( )Outra,
especifique:
EXPLIQUE:
___________________________________________________________________________
_____________
31. Hoje em dia, a maioria dos moradores, é originária de onde?
___________________________________________________________________________
_____________
32. O Sr sabe porque vieram a morar aqui?
___________________________________________________________________________
_____________
33. Já houve ou há algum tipo de pressão para desocupar esta área? ( ) Não; ( )Sim,
quais, quando e por parte de quem?
___________________________________________________________________________
_____________
34. O que significaria para a comunidade ter que sair daqui? Explique, por favor.
___________________________________________________________________________
_____________
116
35. Que tipo de ações Vcs estão desenvolvendo para não sair daqui?
___________________________________________________________________________
_____________
III.
MORADORES, CASAS E INFRAESTRUTURA ATUAL DA VILA
36. Hoje em dia, quantas famílias moram aqui, aproximadamente? ________________E
quantas
pessoas?_______________
37. Qual é o numero total de casas que hoje há na vila?________________
38. Quantas delas estão ocupadas por moradores, quantas eles têm para alugar, e
quantas são
propriedade de turistas?
TOTAL
CASAS
Propriedade de vizinhos da Vila
Ocupadas
famílias
Propriedade
turistas
Outras
(abandonadas)
Para alugar a
turistas
39. As casas estão ligadas à rede elétrica?(
) Não; (
) Sim, desde quando?
_______________________________________
40. As casas têm água encanada? (
) Não; (
) Sim, desde
quando?______________________________________________
41. Aproximadamente, quantas casas se abastecem de água de poço? ______________
42. Aproximadamente, quantas casas se abastecem da rede pública? ______________
43. Qual é o destino do esgoto doméstico?
________________________________________________________________________
44. Qual o destino do lixo doméstico?
___________________________________________________________________________
45. Tem telefones públicos na Vila? ( ) Não; ( ) Sim, Quantos?: _____Desde quando?
________________________________
46. Tem telefones particulares nas casas? ( ) Não; ( ) Sim, Quantos?: _____Desde
quando?
___________________________
47. Alguém da vila tem computador em casa? ( ) Não; ( ) Sim, Quantos?: _____Desde
quando?
_______________________
48. Que comércios existem na
vila?
___________________________________________________________________________
_____________
49. Na vila, há creche? (
) Não;
(
) Sim, é pública ou particular? ( ) Pública;
( )Particular
50. Na vila, há escola primária? (
) Não;
(
) Sim, até que série?
__________________
51. A que escola secundária vão os adolescentes da vila?
__________________________________________________________
52. Na Vila, há posto de saúde? (
) Não; (
) Sim, desde
quando?_______________________________________________
117
53. Tem igrejas na vila? (
) Não; (
) Sim,
quais?_____________________________________________________________
54. Tem instalações esportivas na vila? (
) Não; (
) Sim,
quais?________________________________________________
55. Tem algum outra instalação para atividades de lazer? (
) Não; (
) Sim,
quais?________________________________
56. Quais as principais atividades de lazer dos homens, das mulheres e dos jovens?
(perguntar um por
vez)
Homens
Mulheres
Jovens
54. Quais são as festas tradicionais da
Vila?______________________________________________________________
IV.
CARACTERIZAÇÃO DA ATIVIDADE PESQUEIRA E DE COLETA DA
COMUNIDADE
55. Quantos pescadores há, nesta vila, aproximadamente?
___________________________________________________________
56. Quantas embarcações utilizam, por tipo, material, potência de motor?
Tipo
Quant. Material
Potência motor
Observações
57. Quais são as técnicas de pesca utilizadas, os principais produtos pescados com cada
uma, e a área de pesca?
Técnicas
Produtos
Área preferencial de
pesca
(baia,
mar
aberto)
58. Que espécies Vcs coletam e preferencialmente onde? (tabela abaixo)
59. Quem costuma coletar cada espécie (homens, mulheres, os dois)?
Espécies que coletam
Onde
Quem coleta?
Homens Mulhere
s
Ambos
118
60. Em que proporção (%) Vcs vendem ao consumidor final, vendem para um
restaurante ou comerciante, um atravessador ou consumem os produtos pescados e
coletados? Em temporada e no resto do ano.
Produtos
Consumidor final
Restaurante
Atravessador
Consumo próprio
ou mercado
Temporada Resto Temp Resto Tempo Resto
Temporada Resto
ano
orada ano
rada
ano
ano
Peixe (*)
Camarão
7b
Camarão B
Caranguejo
NOTA: (*) qual?: ______________________
61. Qual o preço que Vcs vendem a cada um desses clientes cada produto?
Produtos
Consumidor final
Restaurante
ou Atravessador
mercado
Unidade
Temporada Resto Temporada Resto
Temporada Resto
medida
ano
ano
ano
Peixe (*)
Camarão 7b
Camarão
Branco
Caranguejo
NOTA: (*) qual?: ______________________
62. Quem são os atravessadores e comerciantes (nomes) aos que Vcs vendem os produtos
habitualmente? (Temporada e resto do ano) E De onde são?
Nomes (Temporada)
(Nomes) Resto do ano
De onde são?
Observações
Quais são os melhores meses do ano para o ganho do pescador?
Explique:
___________________________________________________________________________
_____________
63. Quais são os piores meses do ano para o ganho do pescador?
Explique:
___________________________________________________________________________
_____________
119
64. Aproximadamente, quanto ganham por mês um proprietário de embarcação e um
quinhoeiro com a atividade de pesca, em cada uma dessas épocas do ano?
Melhores meses do Piores meses do ano Média anual
ano
Proprietário
de
embarcação
Quinhoeiro
65. Atualmente, se praticam atividades como roça, a caça e a coleta? Produtos, onde e
destino.
Atividades Principais produtos
Onde realizam a Destino
atividade
(autoconsumo,
venda, onde)
Roça
Caça
Coleta
66. Qual é a importância econômica que essas atividades tem
agora?___________________________________________________
67. Se abandonaram alguma destas atividades, porque?
Roça:______________________________________________________Caça:___________
_____________
Coleta:_____________________________________________________________________
_____________
V. OPORTUNIDADES E ATIVIDADES RELACIONADAS AO TURISMO
67. Quando começou o turismo a gerar novas oportunidades para os moradores da
Vila?_____________________________
68. Em que ano (aprox.) os moradores começaram a vender casas para os turistas?
__________________________________
69. O Sr. se lembra do preço em que foram vendidas essas
casas?_________________________________________________
70. Vendiam as casas próprias e depois construíram outras novas? (
) Ou as
construíam
especialmente para a venda?( )
71. Em que período construíram casas especialmente para alugar aos turistas?
______________________________________
72. Quanto cobram por alugar uma casa em temporada? Por dia: _______________Por
semana: ______ Por mês: _________
73. Quem tem casa para alugar?
( ) Todas as famílias; ( ) Quase todos; ( ) A maioria; ( ) A metade; ( ) Menos da
metade; ( )
Poucos; ( ) Ninguém
Nota:
___________________________________________________________________________
_____________
70. Existem pousadas na Vila? ( ) Não; ( ) Sim,
120
quantas?_________________________________________________________
71. Existem acampamentos na Vila? ( ) Não; ( ) Sim,
quantas?_____________________________________________________
72. Existem restaurantes na Vila? ( ) Não; ( ) Sim,
quantos?_______________________________________________________
73. Tem pessoas que levam turistas a passeios de barco ou a pescar? ( ) Não; ( ) Sim,
quantas?__________________________
74. Vêm excursões de turistas até a Vila? ( ) Não; ( ) Sim, com que
freqüência?_______________________________________
Explique:
___________________________________________________________________________
_____________
75. Vêm turistas para as festas tradicionais da Vila? ( ) Não; ( ) Sim,
quando?_________________________________________
Explique:
___________________________________________________________________________
_____________
76. Existem pessoas que realizam os seguintes tipos de trabalho para os turistas?
Quantas e o quanto
cobram?
Trabalhos para turistas
Quantas pessoas da Vila
Quanto cobram/unidade de
tempo)
Limpeza de casas
Limpeza de jardins, piscinas
Guardas de segurança
Serviços manutenção
Outros:
77. Existem pessoas da Vila que vendem os seguintes produtos para turistas? Quantos?
Onde?
Produtos
Quantas
Onde vendem
pessoas
Artesanato
Bebidas e Alimentos
Isca
Outros:
78. Tem pessoas da Vila que realizaram cursos de capacitação em serviços turísticos?
( ) Não;( )Sim, quantos?____
79. Aproximadamente, qual é a renda média mensal ....
Dos que ganham mais na comunidade?:
Fora de Temporada:
______________Em temporada: __________
Dos que ganham menos: Fora de Temporada: ______________Em temporada:
________________
80. Aproximadamente, que parte (%) da renda corresponde à pesca, ao turismo, e a
outras atividades?
Pesca e coleta
Turismo
Outras
%
fora
de
temporada
% em temporada
79. Nos últimos 30 anos, que fatos relacionados com a vinda do turismo os prejudicaram
mais? Explique:
121
___________________________________________________________________________
_____________
80. Nesses 30 anos, que fatos relacionados com a vinda do turismo os beneficiaram mais?
Explique:
___________________________________________________________________________
_____________
VI.
VISÃO DO FUTURO
81. Para terminar, nos diga, como o Sr vê o futuro de sua comunidade?
___________________________________________________________________________
_____________
82. Quais são as expectativas dos jovens: querem permanecer na Vila, ser pescadores ou
se
dedicar
a
quê?
___________________________________________________________________________
_____________
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Juliana de Oliveira e Silva - 2006 - DSpace