MESTRADO INTERINSTITUCIONAL: UMA REFLEXÃO SOBRE A PRODUÇÃO DISCENTE. Edel Ern Doutora em Educação pela Universidade de Chicago Professora do Programa de Pós-Graduação em Educação/CED/UFSC MESA-REDONDA N° 14 - Eixo Temático 4: Gestão e Políticas Educacionais Palavras-chave do Texto: produção discente, mestrado interinstitucional, educação. INTRODUÇÃO Neste artigo objetiva-se analisar a produção discente de dois cursos de Mestrado em Educação realizados em parcerias interinstitucionais pelo Programa de Pós-Graduação em Educação (PPGE) da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) com a Universidade do Oeste de Santa Catarina (UNOESC) e com a Universidade do Planalto Catarinense (UNIPLAC). O levantamento quantitativo dos dados suscitou análise com relação às implicações do processo dessa produção científica, inclusive da titulação, tanto para os alunos quanto para as Instituições de Ensino Superior (IES) envolvidas, a executora (PPGE/UFSC) e as receptoras dos cursos (UNOESC E UNIPLAC). Para dar sentido a esta análise buscou-se em Bourdieu, específicamente em alguns de seus inúmeros conceitos, “capital econômico, capital cultural, lucro econômico e lucro simbólico” 1, um suporte teórico fértil e consistente para a discussão pretendida: a partir das 1 Segundo trabalhado por Lima (1998) em seu artigo A “violência simbólica” de Pierre Bourdieu: Capital econômico: é constituído não somente pelos diferentes fatores de produção (terra, fábricas, trabalho, moeda, etc.) e pelo conjunto dos bens econômicos, das rendas, mas ainda pelo tipo de interesse econômico que ocorre num dado momento (...). Capital cultural – existe sob três formas, a saber: a) no estado incorporado, sob a forma de disposições duráveis do organismo. Sua acumulação está ligada ao corpo, exigindo incorporação, demanda tempo, pressupõe um trabalho de inculcação e assimilação. Esse tempo necessário deve ser investido pessoalmente pelo receptor – “tal como o bronzeamento, essa incorporação são pode efetuar-se por procuração; b) no estado objetivado, sob a forma de bens culturais (quadros, livros, dicionários, instrumentos, máquinas) [... ]; c) no estado institucionalizado, consolidando-se nos títulos e certificados escolares que, da mesma maneira que o dinheiro, guardam relativa independência em relação ao portador do título. (BOURDIEU, P. Escritos de Educação. Org. M.A.Nogueira e A. Catani. Petrópolis, RJ: Vozes, 1998, p. 9-10.) Lucro, segundo o novo Dicionário Aurélio – ganho, vantagem ou benefício que se obtém de alguma coisa, ou com uma atividade qualquer ; lucro simbólico – ganho, vantagem ou benefício representativo, que se obtém de fenômenos propriamente simbólicos, por exemplo, os rituais. Em Lima (1998, p.167) encontra-se “ A palavra “simbólico”, constantemente usada por Bourdieu (“dominação simbólica”, “poder simbólico”, “capital simbólico” ... )[...] diz respeito aos modos de expressão de toda atividade humana carregada de significação, ou seja, o domínio das representações’. 2 dissertações dos alunos, destacando os temas pesquisados, tecer, com auxilio dos conceitos teóricos do autor citado, a trama da significação desses mestrados para os alunos e as IES. Assim, apresento os cursos de mestrado interinstitucionais situando-os no contexto geral da pós-graduação no Brasil. O CONTEXTO GERAL DA PÓS-GRADUAÇÃO A produção discente de dissertações e teses, nos programas de pós- graduação em educação nos país, já há algum tempo vem sendo objeto de pesquisas, avaliações e discussões por educadores e pesquisadores da área (Chaves, et all. 2000; Catani e Lima, 2000; Warde, 1990, Warde, [1993]). Com o crescimento do número de cursos de pósgraduação stricto sensu no país aumentou, também, significativamente, o número de dissertações e teses 2. Esse incremento levanta, cada vez mais, a necessidade de estabelecer crivos, compartilhados pelos pesquisadores da educação, que indiquem um patamar de qualidade que seja não apenas aceitável, mas que demarque um nível de credibilidade e respeito dessa espécie de produção científica, tanto no interior da própria área como, também, no confronto com investigação similar de outras áreas de conhecimento no Brasil. Tal patamar de qualidade entra mais em questão quando se trata da produção de dissertações e teses realizadas em cursos promovidos em parcerias interinstitucionais (mestrados interinstitucionais, como se denomina comumente). A nova LDB (Lei n. 9394/96) estabelece, em seu Artigo 52, inciso II, que nas universidades um terço do corpo docente, pelo menos, tenha titulação acadêmica de mestrado ou doutorado, no prazo de oito anos a iniciar-se um ano a partir da publicação da Lei em 1996 (Artigo 88, parágrafo 2º ). Essa medida, sem dúvida, fez desencadear uma demanda ainda não vista nos programas de pós-graduação credenciados, em busca de parcerias interinstitucionais para a formação e titulação em cursos de mestrado, principalmente, e de doutorado assumindo proporções inigualáveis. Esse contexto político depara-se, por um lado, com a exigência da Lei de titulação de professores com mestrado, 2 Em setembro de 2002 contabiliza-se, no Brasil, 62 programas de pós-graduação em educação reconhecidos pela CAPES, os quais oferecem 62 cursos de mestrado. Se tomarmos uma média de 25 alunos por curso temos em torno de 1550 novos mestres e novas dissertações em educação a cada ano. 3 no mínimo, e por outro, com a pressão de Instituições de Ensino Superior (IES) por esses cursos, com vistas à composição de seus quadros docentes com a titulação requerida. Por serem uma modalidade alternativa de oferta de pós-graduação stricto sensu, embora vinculados às normas que regem os cursos presenciais nos Programas de PósGraduação que os promovem, a organização e o funcionamento dos cursos interinstitucionais se caracterizam por certas especificidades, tais como: o espaço físico de realização do curso (fora da sede), a modalidade de realização do curso (presencial, a distância), a distribuição do tempo (aulas concentradas em determinados dias e meses) e as práticas pedagógicas dos docentes (procedimentos metodológicos próprios para o desenvolvimento das atividades de ensino e de avaliação). Estas diferenças todavia não se aplicam, pelo menos em tese, à qualidade das dissertações que neles são produzidas. Os critérios adotados para a sua aprovação e, conseqüentemente, à homologação da qualidade (ao menos nos cursos em questão neste artigo) são aqueles aplicados examinadoras nas defesas e essas bancas são pelas bancas organizadas no sistema idêntico àquele aplicado ao curso oferecido pelo programa promotor na sede: mesmas exigências, mesmos parâmetros, mesma composição e mesmos procedimentos administrativos. No entanto, julgo que os questionamentos quanto à qualidade da produção discente desses cursos sem dúvida, devem ser postos na mesa de discussões com coragem e não varridos para debaixo do tapete como se não existissem. Questões como: qual é o tempo médio dos alunos para as conclusões? Como se caracterizam os temas pesquisados? Os temas pesquisados situam-se na esfera das discussões atuais de produção do conhecimento na área? A variedade dos temas configura uma delimitação na área da educação caracterizando o cerne pedagógico da área? OS CURSOS INTERINSTITUCIONAIS Para discutir as questões acima expostas inicio situando rapidamente os dois Cursos focalizados neste artigo. Ambos resultaram de prolongadas negociações entre os dirigentes da UFSC e os dirigentes das Instituições envolvidas, a UNOESC/Chapecó/SC e a UNIPLAC/Lages/SC, bem como na própria UFSC, entre os dirigentes e professores interessados em oferecer os Cursos e os Colegiados das várias instâncias administrativas 4 competentes, incluindo o Programa de Pós-Graduação em Educação (PPGE), executor do Curso. Aprovadas as propostas dos Cursos, deu-se início à sua execução. Na UNOESC, o Curso de Mestrado iniciou em 08 de outubro de 1998 e as aulas foram ministradas numa modalidade mista, a distância e presencial. As primeiras três disciplinas foram desenvolvidas no primeiro semestre do Curso, na modalidade a distância, via videoconferências, sendo as aulas geradas pelos professores no Laboratório de Ensino a Distância (do Departamento de Engenharia de Produção/Centro Tecnológico) da UFSC, sediado em Florianópolis, e a recepção pelos alunos, em Chapecó, em uma sala da UNOESC, previamente preparada para a finalidade de sala ponto de recepção. Outras duas disciplinas foram ministradas no segundo semestre do Curso, na modalidade presencial, na UNOESC, em Chapecó, deslocando-se as duas professoras para aquela cidade a cada 15 dias. Todas as disciplinas foram ministradas no período de outubro de 1998 a setembro de 1999. Nesse período os mestrandos puderam realizar Seminários Especiais de acordo com seu interesse, na UFSC, em Florianópolis. Um total de 16 mestrandos (de 19 ingressantes) concluiu o Curso no tempo médio de 27 meses (mínimo de 22 e máximo de 31 meses). 3 Na UNIPLAC o Curso de Mestrado teve todas as disciplinas ministradas na modalidade presencial, em Lages, para onde se deslocaram os professores a cada 15 dias, no período de 06 de agosto de 1998 a junho de 1999. Foram atendidos 22 mestrandos que concluíram o curso no tempo médio de 30 meses (mínimo de 24 e máximo de 36 meses). Contabilizou-se, então, um total de 38 mestrandos nos dois Cursos. Todos concluíram suas dissertações até 2001. Essa experiência dos dois Cursos Interinstitucionais interesse, motivando a análise e discussão da produção despertou, então, meu de dissertações e o significado desse feito para os mestrandos, para as instituições receptoras e a instituição promotora, o que desenvolverei a seguir. Vou argumentar que o investimento realizado pelos mestrandos para a elaboração dessa produção intelectual (esforço mental e emocional, estudo, tempo, recursos financeiros, trabalho) teve no horizonte a perspectiva de lucro econômico, sim, mas, acima de tudo, do lucro simbólico. E também as IES receptoras e a promotora ao investirem na formação e titulação dos seus professores tiveram no horizonte a perspectiva do lucro econômico e do lucro simbólico. 3 A CAPES estabeleceu, a partir de 1998, o prazo de 24 meses para a conclusão de cursos de mestrado. 5 METODOLOGIA As informações necessárias para a análise a ser apresentada neste artigo foram coletadas nas seguintes fontes: relatórios finais dos dois cursos, organizados pelos seus Coordenadores e apresentados ao Colegiado do PPGE; atas das defesas das dissertações, resumos das dissertações e as próprias dissertações, disponíveis no PPGE. Com o intuito de orientar a análise e discussão da produção final dos mestrandos, alguns procedimentos foram adotados: - os temas principais das pesquisas foram agrupados em categorias analíticas, permitindo identificar aqueles mais pesquisados e os temas secundários, em subcategorias, mostrando a distribuição dos assuntos específicos abordados (os sub-temas); no conjunto dos temas foram identificados aspectos considerados importantes e que foram destacados para tratamento na discussão mais aprofundada. RESULTADOS E ANÁLISE DA PRODUÇÃO DISCENTE Quanto aos resultados desenhou-se um quadro geral dos temas e assuntos mais pesquisados pelos mestrandos nos dois Cursos, obtendo-se a seguinte distribuição no total das 38 dissertações: Temas/assuntos - Prática pedagógica, acentuadamente no ensino superior (graduação). (distribuídos em ensino de: literatura, comunicação, narrativas, ciências contábeis, frações matemáticas, língua portuguesa, pesquisa, educação física, primeiras letras metodologia do ensino e educação ambiental)............................................. 18 (47%) - Processos de aprendizagem. (distribuídos entre dificuldades de aprendizagem, conflito étnico no discurso dos aprendizes, aprendizagem e novas tecnologias, aprendizagem social, obstáculos à aprendizagem em linguagem escrita, ).......................................................... 09 (24%) - Política (Projeto Político Pedagógico e os professores, financiamento em sistemas municipais de ensino, instituições infantis e a constituição de 1988)...................................04 (10%) - Formação de professores da graduação. (áreas de matemática, arte, educação a distância)......................................... 03 (8%) 6 - Epistemologia (postura epistemológica ao conhecimento matemático, concepções do conhecimento e as ciências naturais)........................................................................................... 03 (8%) - História (a história cultural de São Joaquim).............................................................. 01 (3%) Viu-se que os temas mais pesquisados concentram-se na categoria “prática pedagógica” (18 do total de 38) incluindo-se aqui temas em metodologia do ensino, focalizando as práticas pedagógicas dos professores no ensino de conteúdos de áreas de conhecimento variadas ou na prática docente de modo geral. Seguem-se a esses temas aqueles agrupados na categoria “processos de aprendizagem” (09 do total de 38) centrados no aluno, nos processos de aprendizagem e, principalmente, na mediação do professor entre o aluno e o conhecimento. Com menor escolha encontrou-se temas nas categorias “política da educação”, “epistemologia”, “formação de professores”e “história e educação”. Analisando a escolha dos temas pelos mestrandos, pode-se dizer que a concentração na prática pedagógica dos docentes, em primeiro lugar, foi norteada pela própria linha de investigação do projeto do Curso (principalmente no caso da UNOESC - Docência no Ensino Superior) e, em segundo lugar, por temas específicos da docência e da aprendizagem, pois os 38 alunos são todos professores, estando, de alguma maneira, envolvidos com essas preocupações. Isso representa um realismo, uma maturidade investigativa configurada pela delimitação dos temas caracterizados pelo cerne pedagógico, embora em algumas dissertações tenha-se verificado uma certa dispersão no tratamento do tema inicialmente proposto. Procurou-se examinar, ainda, os referenciais teóricos das dissertações e, por esta via, observar a atualidade dos temas discutidos. Para este aspecto recorreu-se a declarações nas próprias dissertações. Essas declarações indicam adesão a referenciais bastante atualizados, quando se consulta o contexto das discussões sobre a produção do conhecimento na área. Muitas dissertações mostram um forte aporte teórico como eixo do trabalho, e outras revelam limitações indicadas pela variação de referências teóricas, além de dispersão no articular as análises propostas. 7 Mais, ainda, consultando os temas pesquisados pelos mestrandos, indagou-se por que a maioria insistiria em permanecer estudando temas estreitamente relacionados à docência e associados à sua área de formação? Em permanecer na área na qual lidam no seu cotidiano? Pode-se levantar a hipótese (bastante provável ?) de que esses alunos têm interesse em melhorar a qualidade de sua própria prática docente. Todavia, há um contraponto interessante a ser posto – a formação de professores e a docência enquanto profissão, são detentoras de um status inferior a muitas outras profissões, como muito bem discute Bourdieu (1988, principalmente Capítulo 2, p.36). Diz o autor em outro texto, onde analisa o campo científico, que o capital simbólico da área é inferior quando comparado a outras profissões (BOURDIEU, 1983). Levanta-se, então, a dúvida se o fato de ser um mestrado interinstitucional o tornaria ainda menos valorizado. A questão pode ser discutida tanto pelo lado do mestrando quanto da IES onde ele atua. Investir na própria prática pedagógica através de um curso de formação é investir no seu “capital cultural”.Assim, o mestrando que se inicia no campo científico “ ...e que se volta fervorosamente para os estudos, não está simplesmente produzindo conhecimento, mas sobretudo investindo num capital cultural ...” (BOURDIEU, 1983, p.22), que irá posteriormente assegurar-lhe uma posição mais destacada na sua área, nesse caso, na área da educação. O título de mestre conseguido com uma dissertação na qual discute um tema articulado à prática docente, mesmo que seja uma área de menor status, representa um lucro simbólico bastante valioso e que faz valer o esforço dispendido pois, implicitamente, ele conta com reconhecimento, respeito e prestígio pelos pares e pela sociedade. Então o investimento na própria formação, na sua capacitação para melhorar a prática docente reverte-se, principalmente, em lucro simbólico. Possuir um título de mestrado credenciado dá maiores chances de alcançar esse lucro do que será àqueles que não o possuem. O domínio da arte prática pedagógica com competência erudita se distingue do domínio prático cotidiano. Mas esse título também significa um capital econômico para o mestrando, pois traz consigo um provável lucro econômico, na forma de ascensão no quadro de docentes da IES, em que atua, com aumento de salário (embora não muito), de novas oportunidades de atuar como docente em cursos de especialização e em outros cursos, de convites para palestras e para participação em projetos, por exemplo. O lucro econômico tende a 8 aumentar em conseqüência do lucro simbólico. Quanto mais prestígio, respeito, autoridade científica mais convites para atividades, muitas vezes, remuneradas. Já para as IES receptoras, o capital simbólico da titulação dos seus professores passa a ter um valor bastante alto, impulsionado, mais ainda, pelas exigências dos órgãos governamentais. E o investimento financeiro da IES não é grande para essas titulações, pois, para esses cursos, aos professores não foi concedida liberação ou licença de tempo integral, com as vantagens afetas ao cargo (o que implicaria em custos paralelos com a contratação de professor substituto) e não foram disponibilizados meios para a produção da dissertação, como auxílio financeiro para a realização de pesquisa ou pagamento de bolsista auxiliar de pesquisa. Todavia, são grandes as chances objetivas de lucro simbólico, uma vez que, maior número de professores com título de mestre e doutor traz prestigio à IES que, de modo geral, faz uso dos números desses títulos em suas divulgações, buscando o reconhecimento da comunidade científica (BOURDIEU,1983). À IES interessa, pois, e ela corre atrás do reconhecimento científico, por exemplo, concedido pela CAPES. Ser um programa reconhecido pela CAPES significa status diferenciado, não apenas junto às IES pares no Brasil, mas também junto às instituições no exterior. O título concedido por uma instituição reconhecida pela CAPES confere prestígio, autoridade, reconhecimento, competência, reputação à IES receptora. Todo esse lucro simbólico da IES passa a ter valor também para o possuidor do título. É mais um lucro simbólico para o mestrando. Maior reconhecimento científico da IES, maior prestígio e respeito eqüivalem a maior reconhecimento, prestígio e respeito ao mestrando, mais ainda porque ele está vinculado à IES, não apenas como aluno, mas também como professor. Aliás, essa é uma particularidade dos mestrados interinstitucionais: agrupar, numa mesma turma, alunos selecionados dentre os professores da IES com a qual foi feita a parceria/convênio. Também para a instituição promotora (o PPGE/UFSC no caso), as vantagens são visíveis, tanto do ponto de vista do capital econômico quanto do capital simbólico. Muitos desses alunos, pode-se dizer, não teriam feito o mestrado se tivessem perdido essa chance, se a expansão dos requisitos legais para com as IES não lhes tivesse trazido essa oportunidade. Observe-se que a maioria dos alunos (80%) estava com idade superior a 36 anos, 33% desses situava-se na faixa etária de 36 a 40 anos. Por razões particulares a maioria não estaria em condições de ausentar-se para fazer o mestrado em 9 outra localidade. Essa oportunidade particular, então, eles não a perderiam apesar da necessidade de todo o investimento extra que representava. Era a oportunidade de investir na sua própria carreira, mesmo que a profissão de professor e a pesquisa nas práticas docentes não fossem tão valorizadas. Além disso, a certificação para a maioria, se não para todos esses alunos era, talvez, também, uma questão de manter o emprego a médio e a longo prazos. A questão, como dizia Dore (1976), já na década de 70, é talvez uma questão de currículo oculto. Implicitamente, e as vezes explicitamente, elaborar essa dissertação e conseguir o título de mestre poderia significar permanência no emprego – consiga o título ou você corre o risco de perder o emprego se aparecer um outro com o título, no mínimo, de mestre (é a tirania do sistema). A questão da oferta de curso e demanda levanta, ainda, outros argumentos que parecem significativos. A racionalidade do sistema que, no final da década de 90, estabeleceu metas a serem atingidas pelas universidades quanto à titulação em oito anos e os prazos de 24 e 48 meses, respectivamente, estabelecidos pela CAPES para concluir um mestrado e um doutorado, conduzem a uma formação de qualidade? Programas de Pós-graduação são Será que os lugares apenas onde se consegue diploma/título de mestrado e doutorado, principalmente para as IES pressionadas pelo tempo como as que demandam as parcerias interinstitucionais? E a qualidade do conhecimento trabalhado, construído e veiculado torna-se de importância secundária? E as relações no interior das universidades, não estariam sendo alteradas promovendo inovações e garantindo maior competência científica? Argumentei anteriormente sobre o valor do capital cultural que representa o título de mestre e sobre o lucro simbólico que ele traz consigo. Apresentarei, ainda, outro aspecto. A escolha de um tema de pesquisa não é algo aleatório ou que o mestrando faz atendendo unicamente ao seu interesse individual. Aliás, como explica Bourdieu, é artificial e mesmo impossível a distinção entre interesse intrínseco e interesse extrínseco, entre o que é importante para o próprio mestrando pesquisador e o que é importante para os outros mestrandos e para os orientadores. Há todo um entorno ao mestrando/professor e a satisfação intrínseca não é a sua única motivação. Há inclusive os seus alunos que poderão contar com aulas mais interessantes, diferentes, de melhor qualidade (supõe-se). Os temas 10 das pesquisas não podem ser iguais na academia e o levantamento entre os 38 alunos pesquisados mostrou que a maioria dos temas foi agrupada em duas categorias: prática pedagógica e processos de aprendizagem, mas os temas trabalhados por cada um foram desdobrados em tópicos diferentes. Mesmo assim, prevalece o que parece ter sido importante para todos. “O que é percebido como importante e interessante, é o que tem chances de ser reconhecido como importante e interessante pelos outros; portanto, aquilo que tem a possibilidade de fazer aparecer aquele que o produz como importante e interessante aos olhos dos outros.” (BOURDIEU, 1983, p.125). Isso traz, novamente, um lucro simbólico valioso. A diferença dos assuntos estudados ficou transparente também nas inovações verificadas nas dissertações. Nas dissertações dos mestrandos da UNOESC (que foram as analisadas com mais profundidade e em cuja instituição participamos de reuniões de avaliação com os mestrandos), foi possível perceber o valor teórico-prático das dissertações. Novos parâmetros de discussões foram adotados trazendo uma visão nova de educação, fazendo emergir novas práticas docentes, ultrapassando a crítica vazia e linear, vivenciando um discurso e uma prática como processos dinâmicos, sempre novos, sempre mutantes, sempre diferentes (fractais), mas sem perder o eixo pedagógico - o atual sendo diferente da condição que o produziu, como a resolução sendo algo sempre novo. Houve um capital cultural produzido extremamente dinâmico e, é necessário dizer, não se tem instrumentos para avaliar competentemente a qualidade desse capital. O lucro simbólico transparece, todavia, tanto na esfera individual – surgimento de lideranças, relações de amizade, grupos de estudo, quanto na esfera institucional – novo tipo de aulas, mais interessantes, para os alunos, bem como relacionamentos interpessoais e interdepartamentais (setores de trabalho) por meio de pensamento mais interdisciplinar. Porém, a complexidade nesta discussão mostra também os limites deste trabalho. Muito mais há para ser analisado e discutido, para ser estudado junto aos mestrandos egressos desses cursos. Apresento, apenas, a análise de um recorte bastante específico da produção discente de dissertações dos dois Cursos de Mestrado Interinstitucionais, em questão neste artigo, discutindo essa produção na ótica dos conceitos de capital econômico, capital cultural, capital simbólico, lucro econômico e lucro simbólico de Bourdieu, de certa maneira também sofrendo minhas limitações. 11 CONCLUINDO O que se pode vislumbrar é que os resultados da realização desses Cursos, e isto parece que se pode estender a outros cursos como os discutidos nesta Mesa , é que tanto o capital econômico quanto o capital simbólico implícitos nessas experiências serão tanto mais efetivos e garantidos quanto mais as dissertações construídas estiverem atreladas a níveis excelentes de qualidade. É o lucro econômico como conseqüência do lucro simbólico (novamente: prestígio, respeito, reconhecimento ...) que se inscreve como passaporte para inúmeras oportunidades de lucro econômico. Lucro econômico que se faz via o lucro simbólico. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BOURDIEU, P. Sociologia. Org. Renato Ortiz. São Paulo: Ática, 1983.(Col. Grandes Cientistas Sociais). ______. Escritos de Educação. Org. Maria Alice Nogueira e Afrânio Mendes Catani. Petrópolis: Vozes, 1998. ______. Homo Academicus. Stanford, California: Stanford University Press, 1988. CATANI, A.M., LIMA, A.L.G. Teses e dissertações sobre educação superior no Brasil, 1968-1995: uma análise a partir de bases de dados e catálogos. In: PEIXOTO, M.doC.de L. (Org.). Educação Superior: Avaliação da Produção Científica. Belo Horizonte: Imprensa Universitária da UFMG, 2000. CHAVES, V.L.J.; MEDEIROS, L.G..M. e VASCONCELOS, H.C. 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