MESTRADO INTERINSTITUCIONAL: UMA REFLEXÃO SOBRE A PRODUÇÃO
DISCENTE.
Edel Ern
Doutora em Educação pela Universidade de Chicago
Professora do Programa de Pós-Graduação em Educação/CED/UFSC
MESA-REDONDA N° 14 - Eixo Temático 4: Gestão e Políticas Educacionais
Palavras-chave do Texto: produção discente, mestrado interinstitucional, educação.
INTRODUÇÃO
Neste artigo objetiva-se analisar a produção discente de dois cursos de Mestrado
em Educação realizados em parcerias interinstitucionais pelo Programa de Pós-Graduação
em Educação (PPGE) da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) com a
Universidade do Oeste de Santa Catarina (UNOESC) e com a Universidade do Planalto
Catarinense (UNIPLAC). O levantamento quantitativo dos dados suscitou análise com
relação às implicações do processo dessa produção científica, inclusive da titulação, tanto
para os alunos quanto para as Instituições de Ensino Superior (IES) envolvidas, a executora
(PPGE/UFSC) e as receptoras dos cursos (UNOESC E UNIPLAC).
Para dar sentido a esta análise buscou-se em Bourdieu, específicamente em alguns
de seus inúmeros conceitos, “capital econômico, capital cultural, lucro econômico e lucro
simbólico” 1, um suporte teórico fértil e consistente para a discussão pretendida: a partir das
1
Segundo trabalhado por Lima (1998) em seu artigo A “violência simbólica” de Pierre Bourdieu: Capital
econômico: é constituído não somente pelos diferentes fatores de produção (terra, fábricas, trabalho, moeda,
etc.) e pelo conjunto dos bens econômicos, das rendas, mas ainda pelo tipo de interesse econômico que ocorre
num dado momento (...).
Capital cultural – existe sob três formas, a saber: a) no estado incorporado, sob a forma de disposições
duráveis do organismo. Sua acumulação está ligada ao corpo, exigindo incorporação, demanda tempo,
pressupõe um trabalho de inculcação e assimilação. Esse tempo necessário deve ser investido pessoalmente
pelo receptor – “tal como o bronzeamento, essa incorporação são pode efetuar-se por procuração; b) no estado
objetivado, sob a forma de bens culturais (quadros, livros, dicionários, instrumentos, máquinas) [... ]; c) no
estado institucionalizado, consolidando-se nos títulos e certificados escolares que, da mesma maneira que o
dinheiro, guardam relativa independência em relação ao portador do título. (BOURDIEU, P. Escritos de
Educação. Org. M.A.Nogueira e A. Catani. Petrópolis, RJ: Vozes, 1998, p. 9-10.)
Lucro, segundo o novo Dicionário Aurélio – ganho, vantagem ou benefício que se obtém de alguma coisa, ou
com uma atividade qualquer ; lucro simbólico – ganho, vantagem ou benefício representativo, que se obtém
de fenômenos propriamente simbólicos, por exemplo, os rituais. Em Lima (1998, p.167) encontra-se “ A
palavra “simbólico”, constantemente usada por Bourdieu (“dominação simbólica”, “poder simbólico”,
“capital simbólico” ... )[...] diz respeito aos modos de expressão de toda atividade humana carregada de
significação, ou seja, o domínio das representações’.
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dissertações dos alunos, destacando os temas pesquisados, tecer, com auxilio dos conceitos
teóricos do autor citado, a trama da significação desses mestrados para os alunos e as IES.
Assim, apresento os cursos de mestrado interinstitucionais situando-os no contexto geral da
pós-graduação no Brasil.
O CONTEXTO GERAL DA PÓS-GRADUAÇÃO
A produção discente de dissertações e teses, nos programas de pós- graduação em
educação nos país, já há algum tempo vem sendo
objeto de pesquisas, avaliações e
discussões por educadores e pesquisadores da área (Chaves, et all. 2000; Catani e Lima,
2000; Warde, 1990, Warde, [1993]). Com o crescimento do número de cursos de pósgraduação stricto sensu no país aumentou, também,
significativamente, o número de
dissertações e teses 2. Esse incremento levanta, cada vez mais, a necessidade de estabelecer
crivos, compartilhados pelos pesquisadores da educação, que indiquem um patamar de
qualidade que seja não apenas aceitável, mas que demarque um nível de credibilidade e
respeito dessa espécie de produção científica, tanto no interior da própria área como,
também, no confronto com investigação similar de outras áreas de conhecimento no
Brasil. Tal patamar de qualidade entra mais em questão quando se trata da produção de
dissertações e teses realizadas em cursos promovidos em parcerias interinstitucionais
(mestrados interinstitucionais, como se denomina comumente).
A nova LDB (Lei n. 9394/96) estabelece, em seu Artigo 52, inciso II, que nas
universidades um terço do corpo docente, pelo menos, tenha titulação acadêmica de
mestrado ou doutorado, no prazo de oito anos a iniciar-se um ano a partir da publicação da
Lei em 1996 (Artigo 88, parágrafo 2º ). Essa medida, sem dúvida, fez desencadear uma
demanda ainda não vista nos programas de pós-graduação credenciados, em busca de
parcerias interinstitucionais para a formação e titulação em cursos de mestrado,
principalmente, e de doutorado assumindo proporções inigualáveis. Esse contexto político
depara-se, por um lado, com a exigência da Lei de titulação de professores com mestrado,
2
Em setembro de 2002 contabiliza-se, no Brasil, 62 programas de pós-graduação em educação reconhecidos
pela CAPES, os quais oferecem 62 cursos de mestrado. Se tomarmos uma média de 25 alunos por curso
temos em torno de 1550 novos mestres e novas dissertações em educação a cada ano.
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no mínimo, e por outro, com a pressão de Instituições de Ensino Superior (IES) por esses
cursos, com vistas à composição de seus quadros docentes com a titulação requerida.
Por serem uma modalidade alternativa de oferta de pós-graduação stricto sensu,
embora vinculados às normas que regem os cursos presenciais nos Programas de PósGraduação que os promovem, a organização e o funcionamento dos cursos
interinstitucionais se caracterizam por certas especificidades, tais como: o espaço físico de
realização do curso (fora da sede), a modalidade de realização do curso (presencial, a
distância), a distribuição do tempo (aulas concentradas em determinados dias e meses) e as
práticas pedagógicas dos docentes (procedimentos metodológicos próprios para o
desenvolvimento das atividades de ensino e de avaliação). Estas diferenças todavia não se
aplicam, pelo menos em tese, à qualidade das dissertações que neles são produzidas. Os
critérios adotados para a sua aprovação e, conseqüentemente, à homologação da qualidade
(ao menos nos cursos em questão neste artigo) são aqueles aplicados
examinadoras nas defesas e essas bancas são
pelas bancas
organizadas no sistema idêntico àquele
aplicado ao curso oferecido pelo programa promotor na sede: mesmas exigências, mesmos
parâmetros, mesma composição e mesmos procedimentos administrativos.
No entanto, julgo que os questionamentos quanto à qualidade da produção discente
desses cursos sem dúvida, devem ser postos na mesa de discussões com coragem e não
varridos para debaixo do tapete como se não existissem. Questões como: qual é o tempo
médio dos alunos para as conclusões? Como se caracterizam os temas pesquisados? Os
temas pesquisados situam-se na esfera das discussões atuais de produção do conhecimento
na área? A variedade dos temas configura uma delimitação
na área da educação
caracterizando o cerne pedagógico da área?
OS CURSOS INTERINSTITUCIONAIS
Para discutir as questões acima expostas inicio situando rapidamente os dois Cursos
focalizados neste artigo. Ambos resultaram de prolongadas negociações entre os dirigentes
da UFSC e os dirigentes das Instituições envolvidas, a UNOESC/Chapecó/SC e a
UNIPLAC/Lages/SC,
bem como na própria UFSC, entre os dirigentes e professores
interessados em oferecer os Cursos e os Colegiados das várias instâncias administrativas
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competentes, incluindo o Programa de Pós-Graduação em Educação (PPGE), executor do
Curso. Aprovadas as propostas dos Cursos, deu-se início à sua execução.
Na UNOESC, o Curso de Mestrado iniciou em 08 de outubro de 1998 e as aulas
foram ministradas numa modalidade mista, a distância e presencial. As primeiras três
disciplinas foram desenvolvidas no primeiro semestre do Curso, na modalidade a distância,
via videoconferências, sendo as aulas geradas pelos professores no Laboratório de Ensino a
Distância (do Departamento de Engenharia de Produção/Centro Tecnológico) da UFSC,
sediado em Florianópolis, e a recepção pelos alunos, em Chapecó, em
uma sala da
UNOESC, previamente preparada para a finalidade de sala ponto de recepção. Outras duas
disciplinas foram ministradas no segundo semestre do Curso, na modalidade presencial, na
UNOESC, em Chapecó, deslocando-se as duas professoras para aquela cidade a cada 15
dias. Todas as disciplinas foram ministradas no período de outubro de 1998 a setembro de
1999. Nesse período os mestrandos puderam realizar Seminários Especiais de acordo com
seu interesse, na UFSC, em Florianópolis. Um total de 16 mestrandos (de 19 ingressantes)
concluiu o Curso no tempo médio de 27 meses (mínimo de 22 e máximo de 31 meses).
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Na UNIPLAC o Curso de Mestrado teve todas as disciplinas ministradas na
modalidade presencial, em Lages, para onde se deslocaram os professores a cada 15 dias,
no período de 06 de agosto de 1998 a junho de 1999. Foram atendidos 22 mestrandos que
concluíram o curso no tempo médio de 30 meses (mínimo de 24 e máximo de 36 meses).
Contabilizou-se, então, um total de 38 mestrandos nos dois Cursos. Todos concluíram suas
dissertações até 2001.
Essa experiência dos dois Cursos Interinstitucionais
interesse, motivando a análise e discussão da produção
despertou, então, meu
de dissertações e o significado
desse feito para os mestrandos, para as instituições receptoras e a instituição promotora, o
que desenvolverei a seguir. Vou argumentar que o investimento realizado pelos mestrandos
para a elaboração dessa produção intelectual (esforço mental e emocional, estudo, tempo,
recursos financeiros, trabalho) teve no horizonte a perspectiva de lucro econômico, sim,
mas, acima de tudo, do lucro simbólico. E também as IES receptoras e a promotora ao
investirem na formação e titulação dos seus professores tiveram no horizonte a perspectiva
do lucro econômico e do lucro simbólico.
3
A CAPES estabeleceu, a partir de 1998, o prazo de 24 meses para a conclusão de cursos de mestrado.
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METODOLOGIA
As informações necessárias para a análise a ser apresentada neste artigo foram
coletadas nas seguintes fontes: relatórios finais dos dois cursos, organizados pelos seus
Coordenadores e apresentados ao Colegiado do PPGE; atas das defesas das dissertações,
resumos das dissertações e as próprias dissertações, disponíveis no PPGE. Com o intuito de
orientar a análise e discussão da produção final dos mestrandos, alguns procedimentos
foram adotados: - os temas principais das pesquisas foram agrupados em categorias
analíticas, permitindo identificar aqueles mais pesquisados e os temas secundários, em subcategorias, mostrando a distribuição dos assuntos específicos abordados (os sub-temas); no conjunto dos temas foram identificados aspectos considerados importantes e que foram
destacados para tratamento na discussão mais aprofundada.
RESULTADOS E ANÁLISE DA PRODUÇÃO DISCENTE
Quanto aos resultados desenhou-se um quadro geral dos temas e assuntos mais
pesquisados pelos mestrandos nos dois Cursos, obtendo-se a seguinte distribuição no total
das 38 dissertações:
Temas/assuntos
- Prática pedagógica, acentuadamente no ensino superior (graduação).
(distribuídos em ensino de: literatura, comunicação, narrativas, ciências contábeis, frações
matemáticas, língua portuguesa, pesquisa, educação física, primeiras letras metodologia do
ensino e educação ambiental).............................................
18 (47%)
- Processos de aprendizagem.
(distribuídos entre dificuldades de aprendizagem, conflito étnico no discurso dos
aprendizes, aprendizagem e novas tecnologias, aprendizagem social, obstáculos à
aprendizagem em linguagem escrita, ).......................................................... 09 (24%)
- Política
(Projeto Político Pedagógico e os professores, financiamento em sistemas municipais de
ensino, instituições infantis e a constituição de 1988)...................................04 (10%)
- Formação de professores da graduação.
(áreas de matemática, arte, educação a distância)......................................... 03 (8%)
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- Epistemologia
(postura epistemológica ao conhecimento matemático, concepções do conhecimento e as
ciências naturais)........................................................................................... 03 (8%)
- História
(a história cultural de São Joaquim).............................................................. 01 (3%)
Viu-se que os temas mais pesquisados concentram-se na categoria “prática
pedagógica” (18 do total de 38) incluindo-se aqui temas em metodologia do ensino,
focalizando as práticas pedagógicas dos professores no ensino de conteúdos de áreas de
conhecimento variadas ou na prática docente de modo geral. Seguem-se a esses temas
aqueles agrupados na categoria “processos de aprendizagem” (09 do total de 38) centrados
no aluno, nos processos de aprendizagem e, principalmente, na mediação do professor entre
o aluno e o conhecimento. Com menor escolha encontrou-se temas nas categorias “política
da educação”, “epistemologia”, “formação de professores”e “história e educação”.
Analisando a escolha dos temas pelos mestrandos, pode-se dizer que a concentração
na prática pedagógica dos docentes, em primeiro lugar, foi norteada pela própria linha de
investigação do projeto do Curso (principalmente no caso da UNOESC - Docência no
Ensino Superior) e, em segundo lugar, por temas específicos da docência e da
aprendizagem, pois os 38 alunos são todos professores, estando, de alguma maneira,
envolvidos com essas preocupações. Isso representa um realismo, uma maturidade
investigativa configurada pela delimitação dos temas caracterizados pelo cerne pedagógico,
embora em algumas dissertações tenha-se verificado uma certa dispersão no tratamento do
tema inicialmente proposto.
Procurou-se examinar, ainda, os referenciais teóricos das dissertações e, por esta
via, observar a atualidade dos temas discutidos. Para este aspecto recorreu-se a declarações
nas próprias dissertações. Essas declarações indicam adesão a referenciais bastante
atualizados, quando se consulta o contexto das discussões sobre a produção do
conhecimento na área. Muitas dissertações mostram um forte aporte teórico como eixo do
trabalho, e outras revelam limitações indicadas pela variação de referências teóricas, além
de dispersão no articular as análises propostas.
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Mais, ainda, consultando os temas pesquisados pelos mestrandos, indagou-se por
que a maioria insistiria em permanecer estudando temas estreitamente relacionados à
docência e associados à sua área de formação? Em permanecer na área na qual lidam no seu
cotidiano? Pode-se levantar a hipótese (bastante provável ?) de que esses alunos têm
interesse em melhorar a qualidade de sua própria prática docente. Todavia, há um
contraponto interessante a ser posto – a formação de professores e a docência enquanto
profissão, são detentoras de um status inferior a muitas outras profissões, como muito bem
discute Bourdieu (1988, principalmente Capítulo 2, p.36). Diz o autor em outro texto, onde
analisa o campo científico, que o capital simbólico da área é inferior quando comparado a
outras profissões (BOURDIEU, 1983). Levanta-se, então, a dúvida se o fato de ser um
mestrado interinstitucional o tornaria ainda menos valorizado.
A questão pode ser discutida tanto pelo lado do mestrando quanto da IES onde ele
atua. Investir na própria prática pedagógica através de um curso de formação é investir no
seu “capital cultural”.Assim, o mestrando que se inicia no campo científico “ ...e que se
volta fervorosamente para os estudos, não está simplesmente produzindo conhecimento,
mas sobretudo investindo num capital cultural ...” (BOURDIEU, 1983, p.22), que irá
posteriormente assegurar-lhe uma posição mais destacada na sua área, nesse caso, na área
da educação. O título de mestre conseguido com uma dissertação na qual discute um tema
articulado à prática docente, mesmo que seja uma área de menor status, representa um lucro
simbólico bastante valioso e que faz valer o esforço dispendido pois, implicitamente, ele
conta com reconhecimento, respeito e prestígio pelos pares e pela sociedade. Então o
investimento na própria formação, na sua capacitação para melhorar a prática docente
reverte-se, principalmente, em lucro simbólico. Possuir um título de mestrado credenciado
dá maiores chances de alcançar esse lucro do que será àqueles que não o possuem. O
domínio da arte prática pedagógica com competência erudita se distingue do domínio
prático cotidiano.
Mas esse título também significa um capital econômico para o mestrando, pois traz
consigo um provável lucro econômico, na forma de ascensão no quadro de docentes da
IES, em que atua, com aumento de salário (embora não muito), de novas oportunidades
de atuar como docente em cursos de especialização e em outros cursos, de convites para
palestras e para participação em projetos, por exemplo. O lucro econômico tende a
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aumentar em conseqüência do lucro simbólico. Quanto mais prestígio, respeito, autoridade
científica mais convites para atividades, muitas vezes, remuneradas.
Já para as IES receptoras, o capital simbólico da titulação dos seus professores passa
a ter um valor bastante alto, impulsionado, mais ainda, pelas exigências dos órgãos
governamentais. E o investimento financeiro da IES não é grande para essas titulações,
pois, para esses cursos, aos professores não foi concedida liberação ou licença de tempo
integral, com as vantagens afetas ao cargo (o que implicaria em custos paralelos com a
contratação de professor substituto) e não foram disponibilizados meios para a produção
da dissertação, como auxílio financeiro para a realização de pesquisa ou pagamento de
bolsista auxiliar de pesquisa. Todavia, são grandes as chances objetivas de lucro simbólico,
uma vez que, maior número de professores com título de mestre e doutor traz prestigio à
IES que, de modo geral, faz uso dos números desses títulos em suas divulgações, buscando
o reconhecimento da comunidade científica (BOURDIEU,1983). À IES interessa, pois, e
ela corre atrás do reconhecimento científico, por exemplo, concedido pela CAPES. Ser um
programa reconhecido pela CAPES significa status diferenciado, não apenas junto às IES
pares no Brasil, mas também junto às instituições no exterior. O título concedido por uma
instituição reconhecida pela CAPES confere prestígio, autoridade, reconhecimento,
competência, reputação à IES receptora. Todo esse lucro simbólico da IES passa a ter valor
também para o possuidor do título. É mais um lucro simbólico para o mestrando. Maior
reconhecimento científico da IES, maior prestígio e respeito eqüivalem a maior
reconhecimento, prestígio e respeito ao mestrando, mais ainda porque ele está vinculado à
IES, não apenas como aluno, mas também
como
professor. Aliás, essa é uma
particularidade dos mestrados interinstitucionais: agrupar, numa mesma turma, alunos
selecionados dentre os professores da IES com a qual foi feita a parceria/convênio.
Também para a instituição promotora (o PPGE/UFSC no caso), as vantagens são visíveis,
tanto do ponto de vista do capital econômico quanto do capital simbólico.
Muitos desses alunos, pode-se dizer, não teriam feito o mestrado se tivessem
perdido essa chance, se a expansão dos requisitos legais para com as IES não lhes tivesse
trazido essa oportunidade. Observe-se que a maioria dos alunos (80%) estava com idade
superior a 36 anos, 33% desses situava-se na faixa etária de 36 a 40 anos. Por razões
particulares a maioria não estaria em condições de ausentar-se para fazer o mestrado em
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outra localidade. Essa oportunidade particular, então, eles não a perderiam apesar da
necessidade de todo o investimento extra que representava. Era a oportunidade de investir
na sua própria carreira, mesmo que a profissão de professor e a pesquisa nas práticas
docentes não fossem tão valorizadas.
Além disso, a certificação para a maioria, se não para todos esses alunos era, talvez,
também, uma questão de manter o emprego a médio e a longo prazos. A questão, como
dizia Dore (1976), já na década de 70, é talvez uma questão de currículo oculto.
Implicitamente, e as vezes explicitamente, elaborar essa dissertação e conseguir o título de
mestre poderia significar permanência no emprego – consiga o título ou você corre o risco
de perder o emprego se aparecer um outro com o título, no mínimo, de mestre (é a tirania
do sistema).
A questão da oferta de curso e demanda levanta, ainda, outros argumentos que
parecem significativos. A racionalidade do sistema que, no final da década de 90,
estabeleceu metas a serem atingidas pelas universidades quanto à titulação em oito anos e
os prazos de 24 e 48 meses, respectivamente, estabelecidos pela CAPES para concluir um
mestrado e um doutorado, conduzem a uma formação de qualidade?
Programas de Pós-graduação são
Será que os
lugares apenas onde se consegue diploma/título de
mestrado e doutorado, principalmente para as IES pressionadas pelo tempo como as que
demandam as parcerias interinstitucionais? E a qualidade do conhecimento trabalhado,
construído e veiculado torna-se de importância secundária? E as relações no interior das
universidades, não estariam sendo alteradas promovendo inovações e garantindo maior
competência científica?
Argumentei anteriormente sobre o valor do capital cultural que representa o título de
mestre e sobre o lucro simbólico que ele traz consigo. Apresentarei, ainda, outro aspecto.
A escolha de um tema de pesquisa não é algo aleatório ou que o mestrando
faz atendendo unicamente ao seu interesse individual. Aliás, como explica Bourdieu, é
artificial e mesmo impossível a distinção entre interesse intrínseco e interesse extrínseco,
entre o que é importante para o próprio mestrando pesquisador e o que é importante para os
outros mestrandos e para os orientadores. Há todo um entorno ao mestrando/professor e a
satisfação intrínseca não é a sua única motivação. Há inclusive os seus alunos que poderão
contar com aulas mais interessantes, diferentes, de melhor qualidade (supõe-se). Os temas
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das pesquisas não podem ser iguais na academia e o levantamento entre os 38 alunos
pesquisados mostrou que a maioria dos temas foi agrupada em duas categorias: prática
pedagógica e processos de aprendizagem, mas os temas trabalhados por cada um foram
desdobrados em tópicos diferentes. Mesmo assim,
prevalece o que parece ter sido
importante para todos. “O que é percebido como importante e interessante, é o que tem
chances de ser reconhecido como importante e interessante pelos outros; portanto, aquilo
que tem a
possibilidade de fazer aparecer aquele que o produz como importante e
interessante aos olhos dos outros.” (BOURDIEU, 1983, p.125). Isso traz, novamente, um
lucro simbólico valioso.
A diferença dos assuntos estudados ficou transparente também nas inovações
verificadas nas dissertações. Nas dissertações dos mestrandos da UNOESC (que foram as
analisadas com mais profundidade e em cuja instituição participamos de reuniões de
avaliação com os mestrandos), foi possível perceber o valor teórico-prático das
dissertações. Novos parâmetros de discussões foram adotados trazendo uma visão nova de
educação, fazendo emergir novas práticas docentes, ultrapassando a crítica vazia e linear,
vivenciando um discurso e uma prática como processos dinâmicos, sempre novos, sempre
mutantes, sempre diferentes (fractais), mas sem perder o eixo pedagógico - o atual sendo
diferente da condição que o produziu, como a resolução sendo algo sempre novo.
Houve um capital cultural produzido extremamente dinâmico e, é necessário dizer,
não se tem instrumentos para avaliar competentemente a qualidade desse capital. O lucro
simbólico transparece, todavia, tanto na esfera individual – surgimento de lideranças,
relações de amizade, grupos de estudo, quanto na esfera institucional – novo tipo de aulas,
mais interessantes, para os alunos, bem como relacionamentos interpessoais e
interdepartamentais (setores de trabalho) por meio de pensamento mais interdisciplinar.
Porém, a complexidade nesta discussão mostra também os limites deste trabalho. Muito
mais há para ser analisado e discutido, para ser estudado junto aos mestrandos egressos
desses cursos. Apresento, apenas, a análise de um recorte bastante específico da produção
discente de dissertações dos dois Cursos de Mestrado Interinstitucionais, em questão neste
artigo, discutindo essa produção na ótica dos conceitos de capital econômico, capital
cultural, capital simbólico, lucro econômico e lucro simbólico de Bourdieu, de certa
maneira também sofrendo minhas limitações.
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CONCLUINDO
O que se pode vislumbrar é que os resultados da realização desses Cursos, e isto
parece que se pode estender a outros cursos como os discutidos nesta Mesa , é que tanto o
capital econômico quanto o capital simbólico implícitos nessas experiências serão tanto
mais efetivos e garantidos quanto mais as dissertações construídas estiverem atreladas a
níveis excelentes de qualidade. É o lucro econômico como conseqüência do lucro simbólico
(novamente: prestígio, respeito, reconhecimento ...) que se inscreve como passaporte para
inúmeras oportunidades de lucro econômico. Lucro econômico que se faz via o lucro
simbólico.
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