Queridos colegas e amigos, Ao pensar no que lhes diria hoje, me deparei com uma citação de Vygotsky que “bateu” com aquilo que eu estava sentindo. "Existe, no círculo de tempo que se completa a cada dia, na cadeia infinita de horas de luz e de escuro, uma fronteira entre a noite e o dia muito difícil de perceber. Antes do nascer do sol, há uma hora em que a manhã já chegou, mas a noite ainda continua a existir. Não há nada mais misterioso e ininteligível, intrigante e sombrio, do que essa transição da noite para o dia. A manhã veio mas ainda é noite; a manhã fica como que incorporada na noite que ainda está em volta, ela nada nessa noite" (Vygotsky, 19251/1986, p. 356-357). Essa idéia traz consigo duas dimensões de continuidade que, em meu modo de perceber e sentir, marcam este momento: • A continuidade de sonhos, projetos e ações que, por três décadas, vivemos junto com e através de nossos colegas que hoje estão aposentados; • A continuidade entre os diversos domínios da vida, especialmente quando o trabalho se destaca dos demais, como agora. Começando pelos sonhos, que são sempre a melhor parte (por que realizar uma obra de arte, se é tão belo sonhá-la...?). Às vezes me assusto diante do quanto estamos ocupados e com pequena capacidade de sonhar. Estar diante de vocês, neste momento, me devolve a consciência de quanto nossos projetos hoje em andamento estão impregnados do sonho de ontem – um ontem que muitas vezes foi noite. Parafraseando Vygotsky, diria que nossos projetos que hoje se realizam, ou estão em vias de se realizar, nadam neste mar de sonhos: o Instituto de Psicologia, a pós-graduação, as mudanças curriculares, a ampliação do campo de práticas e estágios, a nossa própria qualificação e produção enquanto docentes, enfim, a própria possibilidade de inquietarse e zelar pela qualidade da formação... Aqui, eu poderia nomear cada um de vocês. De modo que esta oportunidade de homenagear os colegas ainda é atual – mesmo que tardia, em vários casos -, pois se trata de reconhecer sua presença nesses sonhos e projetos que são o nosso cotidiano presente e incorporam vocês. A segunda dimensão de continuidade é aquela que une as várias esferas da existência, e que nos faz perceber, neste momento, que o trabalhar juntos nos torna amigos, e que não é possível “aposentar” a amizade, por mais que o tempo pareça ter encolhido neste mundo contemporâneo cheio de tanta comunicação e de tão pouco encontro, no qual é difícil defender o espaço para ver e conviver com os amigos. Por essa razão fico feliz pela oportunidade de fazermos este registro, que, para além de um ritual necessário, é o reconhecimento da presença de vocês na vida do Departamento e em nossas vidas pessoais – cada um de seu modo único e singular, insubstituível. São treze os colegas que se aposentaram nos últimos anos – quatorze se contarmos Eulina, que, mais presente do que nunca, acaba de pedir sua aposentadoria. Para concluir, queria desejar a todos vocês, na pessoa dela, uma experiência de aposentadoria muito bem vivida, de preferência entre nós, dentro do nosso cotidiano. Até porque, para mim, é impossível imaginar esse cotidiano sem ela – minha querida amiga por parte de mãe. Nas pequenas e grandes decisões, vamos precisar por muito tempo de sua sabedoria e de sua competência, de seu profundo senso de justiça e de sua coerência. Porque, Bola, mesmo quando discordo de você, acredito, de verdade, que você tem razão e que está se orientando por critérios justos. E é esse tipo de presença que não sofre descontinuidade, não tem como! Por tudo isso essas palavras não são de despedida, pelo contrário: são de reconhecimento, de gratidão inclusive, de carinho, e de celebração de caminhadas feitas, e ainda por fazer, em conjunto. Sei que falo por todos – e quero destacar Luiza, que com certeza estaria hoje, feliz por essa festa - ao dizer isto.