UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA ESCOLA DE ADMINISTRAÇÃO DA UFBA MESTRADO EM ADMINISTRAÇÃO PARTICIPAÇÃO SOCIAL E A GESTÃO DE RECURSOS HÍDRICOS NA BAHIA: ESTUDO DE CASO DA BACIA HIDROGRÁFICA DO RIO ITAPICURU CÉSAR AUGUSTO OLIVEIRA RIBEIRO Salvador 2006 PARTICIPAÇÃO SOCIAL E A GESTÃO DE RECURSOS HÍDRICOS NA BAHIA: ESTUDO DE CASO DA BACIA HIDROGRÁFICA DO RIO ITAPICURU CÉSAR AUGUSTO OLIVEIRA RIBEIRO Dissertação de Mestrado submetida à Escola de Administração da Universidade Federal da Bahia, como parte dos requisitos necessários para a obtenção do Grau de Mestre em Administração, área de concentração em Administração Pública. Orientador: Drª. Mª Elisabete P. dos Santos Salvador 2006 Ribeiro, César Augusto Oliveira R484a Participação Social e a gestão de recursos hídricos na Bahia: Estudo de caso da bacia hidrográfica do rio Itapicuru / César Augusto Oliveira Ribeiro. – Salvador 2005. 160 f.: il Dissertação (Mestrado em Administração) Escola de Administração da Universidade Federal da Bahia. Orientador: Profº Dr. Maria Elisabete Pereira dos Santos 1. Gestão participativa 2. Participação social 3. Recursos hídricos 4. Modelos institucionais 5. Bacia do rio Itapicuru - Bahia I. Santos, Maria Elisabete Pereira II. Título CDD 333.91 Ficha catalográfica elaborada por Lucimar S. C. Mendonça Bibliotecária – CRB 5/1239 PARTICIPAÇÃO SOCIAL E A GESTÃO DE RECURSOS HÍDRICOS NA BAHIA: ESTUDO DE CASO DA BACIA HIDROGRÁFICA DO RIO ITAPICURU CÉSAR AUGUSTO OLIVEIRA RIBEIRO Dissertação submetida à aprovação da banca examinadora da Escola de Administração da Universidade Federal da Bahia, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Administração, na área de Administração Pública. Aprovado por: ______________________________________ Prof. Drª. Maria Elisabete Pereira dos Santos Orientador ______________________________________ Prof. Dr. José Célio Andrade Examinador Interno ______________________________________ Prof. Drª Yvonilde Dantas Pinto Medeiros Examinador Externo Salvador 2006 Este trabalho é dedicado a todos que de alguma forma acreditam na semelhança divina do homem com o Criador AGRADECIMENTOS Agradeço em primeiro lugar a Deus, razão máxima e verdadeira da minha existência. Agradeço a minha família pela paciência, cumplicidade e solidariedade incondicional, tornando o ambiente da minha reflexão mais fértil à pesquisa. Agradeço a Superintendência de Recursos Hídricos pela oportunidade que me possibilitou participar deste curso de mestrado. Agradeço a Escola de Administração da UFBA, em especial ao Profº Célio pela ajuda incondicional em todos os momentos da minha vivência acadêmica. Agradeço aos funcionários e amigos da Superintendência de Recursos Hídricos, em especial a Rosa e Rosiinha, pela atenção constante e na medida necessária. Agradeço a amiga, inspiradora e motivadora deste trabalho, Profª Golde Stilfeman, pelo seu senso de parceria, amizade incondicional, e torcida constante. Obrigado a Profª Elisabete Santos pelo pronto atendimento e socorro na hora necessária. Sou-lhes muito grato, eternamente. Agradeço aos amigos colaboradores Altamirano, Fernando Fernandes, André Ferreira, Zoltan, Romay, Fábio, André (ASCOM), e todos os que por descuido não citei, porém com a certeza de que têm um lugar especial no meu coração. Obrigado. Agradeço a todos a quem de alguma forma não citei, mas que sabem que estão envolvidos e relacionados a algum momento desta obra. Com palavras não saberei expressar minha gratidão. Obrigado mais uma vez. O meu agradecimento a todos é eterno. RESUMO Este trabalho apresenta uma análise do processo de implementação da participação social na gestão dos recursos hídricos na Bahia tomando como referência a bacia hidrográfica do rio Itapicuru. Como estudo de caso, analisa o processo de definição e implantação do modelo de gestão participativa dos recursos hídricos na Bahia tomando a experiência vivida na bacia hidrográfica do rio Itapicuru, a partir da definição do acordo entre o Estado da Bahia e o Banco Mundial para instituição da Política Estadual de Recursos Hídricos através do Programa de Gerenciamento de Recursos Hídricos. Para tal finalidade foram apresentados os principais conceitos teóricos como: política de recursos hídricos, gestão de recursos hídricos, participação social, gestão participativa de recursos hídricos, modelos institucionais e organismos de bacia hidrográfica. Foram realizados além do levantamento bibliográfico, análises dos projetos e planos de trabalhos das instituições contratadas pela SRH para implantação dos organismos de bacia (COMUA, AUA Consórcio, e Comitê de Bacia), Grupos focais com os organismos instituídos, observação participante na formação do comitê de bacia, e observação e discussão em Seminário de Avaliação do PGRH, com os gestores e coordenadores do projeto. Este estudo demonstra que o governo do Estado da Bahia, através da SRH foi o principal motivador e indutor para a busca da gestão participativa optando inicialmente pela implantação de Comissões Municipais de Usuários de Água, e Associações de Usuários de Água, na bacia do rio Itapicuru, que culminaram com a instituição de um Consórcio de COMUA. Por conseguinte definiu-se a implantação do Comitê da referida bacia, fechando o processo de inserção social no que se refere ao modelo a ser adotado pela Bahia. Com avanços e limitações, os resultados refletiram aspectos da cultura da não participação, apesar de ter-se instituído diversos organismos na bacia hidrográfica. Palavras-chave: Participação social, Gestão Participativa, Organismos de bacia, Recursos Hídricos, Modelos institucionais, Bacia Hidrográfica do rio Itapicuru. ABSTRACT This work presents an analysis of the implementation process of the water resources participative management in Bahia, taking as a reference the hydrographic basin of the Itapicuru River. As a study case, it analyses the process of definition and implantation of the model of participative management of the water resources in Bahia using the experience of the hydrographic basin of the Itapicuru River, from the agreement definition between the State of Bahia and the World Bank for the institution of the Water Resources State Policy through the Water Resources Management Program (PGRH). For such purpose the main theoretical concepts were presented: water resources policy, water resources management, social participation, water resources participative management, institutional models and organisms of hydrographic basins. Besides the bibliographical survey, analysis of projects and work plans were done of the hired institutions for the implantation of the organisms of the basin (Water Users Commission (COMUA), Water Users Association Trust (AUA Consórcio) and Basin Committee). Focal groups were also created with the organisms, participant observation in the formation of the Basin Committee and observation and discussion in the seminar of evaluation of the PGRH, with the managers and coordinators of the project. This study demonstrates that the Bahia State Government, through the Superintendence of Water Resources (SRH), was the main motivator and inductor for the search of the Participative Management, choosing initially for the implantation of the COMUA and AUA, in the basin of the Itapicuru River, which ended up in the Trusts of COMUAs. After this we defined the implantation of the Itapicuru River Committee, closing the process of social inclusion in what concerns the model to be adopted by Bahia. With advances and limitations, the results reflected the non-participation culture aspects, although various organisms in the basin were instituted. Keywords: Social Participation, Participative Management, Basin Organisms, Water Resources, Institutional Models, Itapicuru River Hydrographic Basin LISTA DE FIGURAS FIGURA Figura 1 Figura 2 Figura 3 Figura 4 Figura 5 Figura 6 Figura 7 Figura 8 Figura 9 Figura 10 Figura 11 Figura 12 Figura 13 Figura 14 Figura 15 Figura 16 Figura 17 Figura 18 Figura 19 Figura 20 Figura 21 Figura 22 Figura 23 Figura 24 PAGINA – Gráfico representativo dos níveis de participação proposto por Bordenave (1983) 28 – Representação do Sistema Nacional de Gestão de Recursos Hídricos 71 – Estrutura do Conselho Nacional de Recursos Hídricos 72 – Composição dos Comitês de bacia hidrográfica 74 – Modelo da Política de Recursos Hídricos do Estado da Bahia 93 – Localização da bacia do rio Itapicuru no Estado da Bahia 96 – Áreas de atuação do PGRH 100 – Detalhe do lago da Barragem de Ponto Novo 101 – Detalhe da Barragem de Ponto Novo com estação elevatória 101 – Representação do Modelo de implementação da Gestão Participativa no estado do Ceará 103 – Representação do Modelo de implementação da Gestão Participativa na bacia hidrográfica do rio Itapicuru 104 – Representação dos municípios mobilizados na 1º etapa de formação das COMUA e AUA 105 – Representação dos municípios mobilizados na 2º etapa de formação das COMUA 107 – Representação dos municípios mobilizados na 3º etapa de formação das COMUA 108 – Representação dos municípios mobilizados na 4º etapa de formação das COMUA 109 – Representação da fase inicial da implementação da Gestão Participativa na bacia hidrográfica do rio Itapicuru na Bahia 111 – Detalhe de ribeirinho na FPP fazendo a recuperação da mata (Barragem Ponto Novo) 114 – Detalhe da Barragem de Ponto Novo com ribeirinhos recuperando a mata da FPP 114 – Gráfico de distribuição etária 119 – Gráfico de distribuição por segmento 119 – Gráfico de distribuição dor Gênero 119 – Gráfico de distribuição por escolaridade 119 – Representação da segmentação ocorrida na implementação a Gestão Participativa na bacia hidrográfica do rio Itapicuru na Bahia 137 – Representação da metodologia adotada pela SRH para a formação dos Comitês de Bacia na Bahia 138 LISTA DE TABELAS E QUADROS TABELAS Tabela 1 – Tabela 2 – Tabela 3 – Tabela 4 – Tipos de Processo Participativos 1º momento. A construção do Processo Participativo 2º momento. A construção da Autopromoção 3ª seção. Compreensão da construção do Processo de Gestão Participativa Tabela 5 - Representação da participação das entidades no processo eleitoral do Comitê do rio Itapicuru Quadro 1 – Representação esquemática da metodologia de mobilização e instituição do Comitê de bacia hidrográfica, desenvolvido para o comitê do rio Itapicuru PAGINA 29 131 132 135 142 139 LISTA DE SIGLAS ABRH ANA ANEEL APA AUA BIRD CAR CBH CBH-PS CEEIBH CEPRAM CERH CESP CIRH CODEVASF COGERH COMUA CONAMA COREH CNAEE CNDM CONERH CNRH CRA CRH CRN CONAP CVSF DAEE DNAE DNAEE DNOCS DNOS DNPM EBDA EMBASA FMI FNMA FEHIDRO FERHBA FUNAI GEX IBAM IBGE MARE MME - Associação Brasileira de Recursos Hídricos - Agência Nacional da Água - Agência Nacional de Energia Elétrica - Áreas de Proteção Ambiental - Associações de Usuários de Água - Banco Internacional para Reconstrução e Desenvolvimento - Companhia de Desenvolvimento e Ação Regional - Comitê de Bacia Hidrográfica - Comitê da Bacia Hidrográfica do rio Paraíba do Sul - Comitê Especial de Estudos Integrados de Bacias Hidrográficas - Conselho Estadual de Proteção Ambiental - Conselhos Estaduais de Recursos Hídricos - Companhia de Eletrificação de São Paulo - Conselho Interinstitucional do Projeto de Gerenciamento de Recursos Hídricos - Companhia de Desenvolvimento do Vale do São Francisco - Companhia de Gestão dos Recursos Hídricos do Estado do Ceará - Comissão Municipal de Usuários de Águas - Conselho Nacional do Meio Ambiente - Comitê Coordenador - Conselho Nacional de Águas e Energia Elétrica - Conselho Nacional dos Direitos da Mulher - Conselho Estadual de Recursos Hídricos - Conselho Nacional de Recursos Hídricos - Centro de Recursos Ambientais - Coordenação de Desenvolvimento de Recursos Hídricos - Casa de Recursos Naturais - Cooperativa Nacional de Assessoria e Planejamento - Comissão do Vale do São Francisco - Departamento de Águas e Energia Elétrica de São Paulo - Departamento Nacional de Águas e Energia - Departamento Nacional de Águas e Energia Elétrica - Departamento Nacional de Obras Contra as Secas - Departamento Nacional de Obras de Saneamento - Departamento Nacional da Produção Mineral - Empresa Baiana de Desenvolvimento Agrícola - Empresa Baiana de água e Saneamento - Fundo Monetário Internacional - Fundo Nacional do Meio Ambiente - Fundo Estadual de Recursos Hídricos - Fundo Estadual de Recursos Hídricos da Bahia - Fundação Nacional do Índio - Grupo Executivo Pró-Comitê - Instituto Brasileiro de Administração Municipal - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - Ministério da Administração da Reforma do Estado - Ministério das Minas e Energia MSIP OECD ONG ONU OSC PANGEA PEACS PERH PGRH PNRH RAA RPPN SEARA SEI SEIRH SEMA SEAGRI SEMARH SEPLANTEC SERH SIGERH SISNAMA SISPLAC SNGRH SPA SRH SRH-BA UNEB - Modelo Sistêmico de Integração Participativa - Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico - Organização Não-Governamental - Organização das Nações Unidas - Organizações da sociedade civil - Centro de Estudos Socioambientais - Programa de Educação Ambiental e Comunicação Social - Política Estadual de Recursos hídricos - Projeto de Gerenciamento de Recursos Hídricos - Política Nacional de Recursos Hídricos - Regiões Administrativas da Água - Reserva Particular do Patrimônio Natural - Sistema Estadual de Administração dos Recursos Ambientais - Superintendência de Estudos Econômicos e Sociais da Bahia - Sistema Estadual de Informações sobre Recursos Hídricos - Secretaria Especial de Meio Ambiente - Secretaria de Agricultura Irrigação e Reforma Agrária - Secretaria de Meio Ambiente e Recursos Hídricos - Secretaria de Planejamento Ciências e Tecnologia - Sistema Estadual de Recursos Hídricos - Sistema Estadual de Gestão de Recursos Hídricos - Sistema Nacional do Meio Ambiente - Sistema de Planejamento, Coordenação e Implantação - Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos - Superintendência de Políticas Ambientais - Secretaria de Recursos Hídricos - Superintendência de Recursos Hídricos - Universidade do Estado da Bahia SUMÁRIO INTRODUÇÃO 12 ESTRUTURA DA DISSERTAÇÃO 21 1. ASPECTOS METODOLÓGICOS 23 2. PARTICIPAÇÃO E POLÍTICAS PÚBLICAS 27 3. PARTICIPAÇÃO E REFORMA DO ESTADO NO BRASIL 38 4. PARTICIPAÇÃO E HERANÇA CULTURAL 42 5. PARTICIPAÇÃO SOCIAL NA GESTÃO DE RECURSOS HÍDRICOS 46 6 MODELOS DE GESTÃO DE RECURSOS HÍDRICOS 6.1 O Modelo burocrático 50 6.2 O modelo econômico-financeiro 52 6.3 O modelo sistêmico de integração participativa (MSIP) 54 7. EXPERIÊNCIAS DE ALGUNS PAÍSES 8. 9. 50 56 7.1 França 56 7.2 Alemanha 58 7.3 Inglaterra e País de Gales 60 7.4 Estados Unidos 62 7.5 Chile 63 7.6 Uruguai 64 A GESTÃO DE RECURSOS HÍDRICOS NO BRASIL 66 8.1 Evolução histórica 66 8.2 A Lei das Águas e o modelo de gestão hídrica 70 A GESTÃO DOS RECURSOS HÍDRICOS EM ALGUNS ESTADOS BRASILEIROS 77 9.1 78 São Paulo 9.2 Rio de Janeiro 80 9.3 Minas Gerais 81 9.4 Rio Grande do Sul 82 9.5 Ceará 84 9.6 Paraíba 86 10. A GESTÃO DE RECURSOS HÍDRICOS NA BAHIA 87 11. CARACTERIZAÇÃO DA ÁREA DE ESTUDO: A BACIA DO RIO ITAPICURU 96 12. DISCUSSÃO DOS RESULTADOS 12.1 1º Momento: Os primeiros organismos de bacia A gênese da mobilização 100 12.1.2 Formação dos organismos de bacia 112 12.1.4 12.1.2.1 COMUA’s 112 12.1.2.2 AUA’s 113 Análise das metodologias utilizadas para instituição dos organismos de bacia 115 Apresentação dos resultados – Grupos Focais 117 2º Momento: O Comitê de bacia hidrográfica do rio Itapicuru 12.2.1 12.3 Comentários 3º Momento: A visão dos gestores do PGRH 13. CONCLUSÕES E RECOMENDAÇÕES REFERÊNCIAS APÊNDICES ANEXOS 100 12.1.1 12.1.3 12.2 100 136 140 143 146 12 INTRODUÇÃO As questões ambientais estão na pauta de discussão e definição das novas políticas públicas e privadas, impulsionada pela degradação produzida pelo homem na busca de maximizar a produção, sem observar a necessidade de preservar o seu habitat. Como matéria prima da produção os recursos naturais foram sendo procurados e consumidos sem um planejamento capaz de conferir-lhe uma visão preservacionista denotando uma irracionalidade na promoção de suposto bem estar para a sociedade. Para Figueiredo (1995), a crise ecológica atual surge na reflexão dos atores sociais que interpretam a relação do homem com a natureza definindo uma ordem natural exterior ao indivíduo, onde os recursos são escassos, fazendo com que quando essa ordem seja transgredida, interpreta-se a instalação de crise ambiental. “Esta crise funciona como resposta ao processo histórico onde as práticas de reprodução social com base material se vêem ameaçadas pela idéia de escassez dos recursos necessários para sua manutenção”. Freitas (2000) afirma que é importante para humanidade o adequado equilíbrio entre a oferta e a demanda dos recursos naturais visando diminuir seu reflexo na vida do homem e permitindo a minimização de seus conflitos de uso. A água é considerada um recurso natural renovável, devido à sua capacidade de recompor-se em quantidade através da reprodução do ciclo hidrológico1 que por sua vez, em determinadas condições devidamente controlada tem a capacidade de absorver poluentes. Este processo de renovação fez com que, durante muito tempo, o homem pensasse que a água era um recurso “ilimitado”. Esta lógica foi possível dentro de um cenário que apresentava demandas relativamente insignificantes face à disponibilidade. Ressalta-se aqui que de acordo com Pompeu (1999), embora se utilizem com o mesmo sentido os termos água e recursos hídricos (a legislação não fez essa distinção), o correto seria 1 O termo ciclo hidrológico expressa o constante movimento que a água realiza no ambiente. Os processos de transporte de massa têm lugar na atmosfera, em terra e nos oceanos. O conjunto desses processos é chamado de ciclo hidrológico e a energia necessária ao seu funcionamento é a de origem solar – mais precisamente a radiação emitida pelo sol e a refletida pela atmosfera terrestre. O insumo básico em termos hídricos é a precipitação. Os recursos hídricos têm capacidade de diluir e assimilar esgotos e resíduos, mediante processos físicos, químicos e biológicos, que proporcionam a sua autodepuração. Mas essa capacidade é limitada à quantidade e qualidade dos recursos hídricos existentes e ao tipo e quantidade desta carga de esgotos e resíduos, chamada carga poluidora. Por isto, quantidade e qualidade são aspectos indissociáveis. SETTI, op. cit.: 128 e seguintes. 13 fazer sua diferenciação. O termo água quer significar o elemento natural, descomprometido com qualquer uso ou utilização e o termo recurso hídrico quer significar a água como um bem econômico, passível de utilização para tal fim. De acordo com o mesmo autor, “temos um Código de Águas e não de recursos hídricos, porque o Código disciplina o elemento líquido mesmo quando não há aproveitamento econômico, como são os casos de uso para primeiras necessidades da vida” (Pompeu, 1999: 602). Porém para efeito desta dissertação não considerar-se-á a diferença na utilização dos referidos termos, sendo adotados mesmo como sinônimos. Com a mudança da relação demanda versus disponibilidade, gerando “déficit hídrico” em algumas regiões do planeta despertou-se a preocupação com a preservação deste “recurso” vital. Dependendo das formas de uso, a disponibilidade de água pode se tornar limitada tanto pela diminuição da quantidade como pela degradação da qualidade. Então, embora recurso renovável, a água deve ser considerada recurso “finito” e de ocorrência aleatória. O relatório das Organizações das Nações Unidas - ONU (1997) constrói um cenário futuro preocupante ao inferir que o homem utiliza 54% das reservas disponíveis de água doce a cada ano e esse consumo deverá aumentar para 70% até 2025. Afirma ainda que o consumo da água disponível passou de 400 quilômetros cúbicos anuais para 3.240 quilômetros cúbicos anuais entre 1990 e 1999 ressaltando a expectativa de consumo global próximo a 8.500 quilômetros cúbicos/ano nas três primeiras décadas do século 21. Este relatório define uma situação já atual onde as estimativas previam que, no ano 2005, aproximadamente quatro bilhões de pessoas, cerca de 60% da população mundial, estariam vivendo em regiões urbanizadas, aumentando em muito a demanda de água. A poluição das águas, os conflitos entre usuários, os problemas de sua preservação, as disputas entre países no que diz respeito às águas transfronteiriças, entendidas como aquelas que “separam ou atravessam territórios pertencentes a mais de um Estado” são alguns dos problemas atuais relacionados aos recursos hídricos (SETTI, 2000, 251). Segundo Souza (2003) essas são questões que têm suscitado o debate internacional sobre o tema e, a partir delas, se tem procurado mecanismos institucionais que prevejam tanto a preservação quanto os diversos usos, criando ambiente favorável à superação negociada de conflitos. O Brasil, que detém grande volume de água, cerca de 12% de toda a água doce do planeta, já manifesta preocupações a respeito do seu aproveitamento. Apesar da riqueza de tanta água, é bastante comprometedor o efeito da sua má utilização. Dados da Agência Nacional de Água - 14 ANA, órgão vinculado ao Ministério do Meio Ambiente - MMA, revelam que 70% das bacias hidrográficas das regiões Sul e Sudeste, onde habita 58% da população brasileira, apresentam alto nível de contaminação por despejos domésticos e industriais não podendo utilizar-se à água para o abastecimento humano, provocando a comprometendo a disponibilidade desse recurso. A gestão das águas, utilizada como estratégia para garantir a sua preservação, é uma atividade analítica e criativa voltada à “formulação de princípios e diretrizes” que servirão de base para elaboração de documentos orientadores e normativos, que levam a tomada de decisões importantes como “promover o inventário, uso, controle e proteção dos recursos hídricos”. Na instituição de uma política para o disciplinamento do uso dos recursos hídricos, pretende-se que a “Administração Pública exerça tutela sobre esse bem, no sentido de impedir a degradação e o uso indevido dos recursos hídricos, em especial por meio da fiscalização e da exigência de outorga2, para a utilização de águas públicas” (Pompeu, 1999, p.629). Os elementos que farão parte dessa gestão são: política de águas, plano de uso, controle ou proteção e gerenciamento das águas. (BENEVIDES et al.apud SILVA, 1998, p. 106). O gerenciamento de recursos hídricos pode ser considerado como um processo dinâmico e ambientalmente sustentável, desde que tenha uma apropriada administração da oferta de águas que envolvam os diversos usos setoriais dos recursos hídricos, a fim de se obter o máximo benefício das mesmas (LEAL 2004). Os governos de países em desenvolvimento, segundo Abers & Keck (2004), “têm crescentemente fomentado a produção de bens e serviços públicos por meio de conselhos participativos, nos quais atores públicos e privados colaboram na formulação e implementação de políticas públicas”. O processo de construção participada tem como conseqüência natural o desenvolvimento de políticas descentralizadas constituindo em si uma premissa da eficiência política. Este binômio de princípios apresentam-se com argumento favorável, segundo a crença de diversos organismos multilaterais de financiamento, na ajuda do fortalecimento da democracia, fazendo políticas públicas aderentes aos interesses da sociedade, e produzindo uma 2 Outorga: Outorga de Direito de Uso dos Recursos Hídricos / Outorga do Direito de Uso das Águas - concessão ou autorização para utilização de recursos hídricos, com objetivo de assegurar o controle quantitativo e qualitativos dos usos da água e o efetivo exercício dos direitos de acesso à água pelos usuários. Estão sujeitos à outorga, na forma da lei, as diferentes derivações, captações, lançamentos, aproveitamentos e outros usos que alterem o regime das águas superficiais e subterrâneas. 15 garantida eficiência, pois, diminuem o custo de transação com o aumento do compromisso dos atores participantes com determinada política. A promulgação da Lei das Águas (Lei nº 9433 - 08 de janeiro de 1997) apresenta como princípios fundamentais da Política Nacional de Recursos Hídricos: a) a integração das políticas de órgãos federais e estaduais independentes; b) a descentralização da tomada de decisões em relação à bacia hidrográfica; c) a participação de diversos atores com a institucionalização de novos organismos deliberativos; d) a compreensão da água como bem público dotado de valor econômico. Aqui também, o binômio da descentralização e participação justifica-se como mecanismos de maximização da eficiência da gestão da água. Para Santos, I. (2004) a participação social ora é apresentada como “dádiva” justificandose que foi permitida a participação, ora apresenta-se com requisito para amenizar conflitos decorrentes da gestão de uma determinada política pública. Argumenta que no contexto da Política Nacional de Recursos Hídricos “a discussão sobre participação aparece de forma mistificada, sendo apresentada como se o simples fato de estar prescrita na lei já fosse suficiente para que promover a participação”. Justifica ainda que a mistificação da participação é retratada no fato de todos os atores sociais envolvidos na negociação estariam participando e contribuindo em iguais condições, ignorando-se a assimetria de poder econômico, do conhecimento técnicocientífico e outros fatores intervenientes. Abers & Keck (2004), em pesquisa sobre a tentativa de implementação de uma governança descentralizada e participativa, sugerem que “nem a democratização do processo decisório, nem sua maior eficiência podem ser adquiridos espontaneamente a partir da nova legislação”, afirmando que as chances de sucesso aumentam quando as lideranças confrontam a questão da sustentabilidade política desde o início reconhecendo a necessidade de “obter colaboração interna e apoio externo” para consecução dos objetivos dos organismos gestores constituídos. A política dos organismos multilaterais de financiamento apresenta a participação como um elemento indispensável para melhorar o desenvolvimento e a democracia em todo mundo. Para garantir a participação de todos os setores da população, o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) desenvolveu o “Livro de Consulta sobre Participação” (Resource Book on Participation) contendo elementos que auxiliam na compreensão deste importante instrumento da gestão. 16 Durante as últimas duas décadas o Banco Interamericano para Reconstrução e Desenvolvimento - Banco Mundial, tem adotado medidas específicas para intensificar as relações com a sociedade civil no mundo todo, adotando políticas e programas mais participativos. Segundo Garrison (2000) a política de participação da sociedade civil é um conceito que está sendo enfatizado pelo Banco Mundial, e justifica sua argumentação citando Wolfensohn (1998) em seu discurso durante a Assembléia Anual conjunta do Banco Mundial e do Fundo Monetário Internacional - FMI, em 1998: Participação realmente é importante – não apenas como instrumento para melhorar a eficácia do desenvolvimento como temos apreendido a partir de estudos recentes, mas também como o fator-chave para garantir a sustentabilidade e alavancagem em longo prazo. Nunca devemos nos esquecer que cabem ao governo e aos povos decidirem quais devem ser as prioridades. Nunca devemos nos esquecer que não podemos e não devemos impor o desenvolvimento por decreto, vindo de cima ou vindo de fora. (WOLFENSOHN, 1998, p.10). Para Garrison (2000) os diversos estudos do Banco Mundial sobre participação demonstraram que existe evidência empírica cada vez maior de que as estratégias de participação efetiva realmente contribuem para melhorar o desempenho dos programas e projetos de desenvolvimento. No financiamento de projetos desenvolvidos para concepção e implementação de políticas de gestão de recursos hídricos o Banco Mundial, assim como o BID, considera a participação social como condição precípua à consecução dos objetivos e não obstante sugere como um fim a ser alcançado, prescrito em seus acordos. Ou seja, é à busca da participação como um fim. A participação está relacionada à eficácia, proporcionando a democracia e a descentralização do poder, com crescimento significativo da sociedade civil quando efetiva. Porém, este discurso não está dissociado de interesses, o que nos obriga a reflexão no sentido de desvelá-los, para não adentrarmos inconscientemente em armadilhas. O Banco Mundial participou intensamente do processo de formulação da Lei das Águas desde o final de 1993, patrocinando seminários internacionais e organizando visitas técnicas de parlamentares e membros executivos a diversos países. Na publicação “o Banco Mundial e o Setor água”, lançada em 2002, o Banco assume sua participação na formulação da Política Nacional de Recursos Hídricos (PNRH) e na edição da Lei 9.433/97, deixando claro a influência 17 que exerce sobre os modelos legais de gestão da água desenvolvidos no Brasil, fato apresentado pelo sociólogo Jairo Bezerra da Silva (2004) que “denunciou” a influência do Banco Mundial na PNRH, citando que a legislação nacional encampa metas e pontos do receituário do Banco Mundial, eminentes do ideário neoliberal. O governo do Estado da Bahia, representado pela Superintendência de Recursos Hídricos (SRH) e o Banco Mundial firmaram acordo em 1996 para realização do Programa de Gerenciamento de Recursos Hídricos (PGRH), onde o Banco indicava a necessidade de produzir políticas inclusivas no que tange ao gerenciamento dos recursos hídricos como um meio de aumentar a eficiência da gestão das águas. Um dos objetivos fundamentais do PGRH era a questão da promoção do gerenciamento participativo e eficiente das águas, onde um indicador de desempenho postulava que “nas áreas a serem beneficiadas diretamente pelo componente de infra-estrutura do projeto (construção da Barragem de Ponto Novo e a instalação do Perímetro Irrigado na bacia hidrográfica do rio Itapicuru) devia-se estabelecer a efetiva Associação de Usuários da Água (AUA) já dentro do 1º ano após o começo da operação”. Os indicadores para a avaliação deste componente no projeto possuíam natureza quantitativa, contabilizando apenas o número de organismos construídos, a quantidade de reuniões, oficinas, seminários e outros eventos promovidos com vista à realização desta meta, bem como o número de participantes envolvidos. Em vista das divergentes posições vivenciadas em relação à gestão dos recursos hídricos na Bahia e em face dos trabalhos desenvolvidos pela SRH na tentativa de promover a institucionalização da participação nesta gestão, faz-se premente a análise desta política de inclusão social promovida dentro do PGRH na área piloto da bacia hidrográfica do rio Itapicuru. Neste trabalho de dissertação de mestrado, promovido pela Universidade Federal da Bahia, dispomo-nos a refletir sobre “a implementação do modelo de gestão das águas na Bahia, desenvolvida por meio de ações governamentais, no âmbito do PGRH” constituindo-se no objeto da presente pesquisa, que tem como referência à área da bacia hidrográfica3 do rio Itapicuru. 3 Bacia Hidrográfica: área de terra drenada por um rio principal e seus afluentes. As bacias podem ser classificadas em micro-bacias, sub-bacias e bacias propriamente ditas, conforme o seu tamanho e importância. A reunião de duas bacias próximas, com características sócio-econômicas ou outras que as aproximam, para melhor planejar a sua gestão, é denominada Unidade Hidrográfica. As bacias, para efeito de gestão de recursos hídricos, começam a ser classificadas em 1a, 2a e 3a ordens. Professor Jorge Paes Rios. Glossário sobre Bacias Hidrográficas. 2002. 18 Provocados por essa reflexão, apresentamos o seguinte problema da pesquisa: Como a SRH, órgão responsável pela política de gestão das águas no Estado da Bahia, está promovendo a implementação da gestão das águas na Bahia no aspecto da participação social? Tomou-se como referência para este estudo a bacia hidrográfica do rio Itapicuru. Tem-se por hipótese o reconhecimento da importância da participação social na gestão dos recursos hídricos, apesar das metodologias desenvolvidas apenas ratificarem objetivos inerentes ao PGRH, sem produzir mudanças significativas em relação à gestão participativa da água. A importância da participação está em facilitar o aumento da consciência crítica da população e fortalecer o seu poder de reivindicação, garantindo o acesso a bens, serviços e poder decisório. Porém, quando a sociedade não consegue assimilar os objetivos para os quais estão sendo mobilizados a participar, perde-se a identidade e por conseqüência esvazia-se o processo de construção da participação. O objetivo geral desta dissertação é compreender como o Governo do Estado da Bahia, por meio da SRH, dentro do PGRH, promoveu a institucionalização da gestão participativa da água, implementada na bacia do rio Itapicuru, analisando os avanços e limites deste processo, na expectativa de poder subsidiar futuras intervenções públicas de natureza semelhante. Os seguintes objetivos específicos da pesquisa são: x Identificar os modelos de gestão dos recursos hídricos x Compreender o histórico da gestão das águas no Brasil e na Bahia; x Entender os mecanismos instituídos de participação social, relativos à questão das águas na área da bacia hidrográfica do rio Itapicuru; x Observar o nível de participação dos diferentes grupos de atores sociais e suas principais razões a não participação dentro do PGRH (que se toma por hipótese nesta pesquisa). A discussão recorrente sobre a escassez da água no mundo tem suscitado uma preocupação crescente com a garantia da disponibilidade de água para as gerações futuras, tornando determinante o desenvolvimento de modelos de gerenciamento de bacias hidrográficas, transformando-se, a prática, num grande desafio. Dentre os inúmeros prismas de análise da questão, algumas alternativas de gestão vêm sendo implementadas em busca da inclusão social como mecanismo de controle participativo e mais eficaz da água, radicando daí a justificativa do presente trabalho. Justifica-se ainda esta proposição pela necessidade de compreender como a 19 Bahia, através de seu órgão gestor - SRH, em atendimento ao Banco Mundial através do PGRH, e na ausência de instrumento legal expresso, produziu e implementou as estratégias de participação para o gerenciamento das suas águas, tomando como área de observação à bacia hidrográfica do rio Itapicuru. Um dos fatores relevantes para a escolha desta bacia é sua indicação como área piloto para intervenção do PGRH onde há graves problemas de oferta hídrica, tanto na qualidade quanto na quantidade. Tem-se ainda um quadro de altos índices de pobreza rural agravada por um balanço hídrico deficiente com baixos níveis de mobilização e organização social. Busca-se a produção de conhecimentos teóricos e práticos que desvelem os avanços e os obstáculos da iniciativa do PGRH na Bahia, no que tange ao componente de Gestão Participativa das Águas, trazendo ao debate acadêmico, questões sobre o uso do recurso água regulado pela intervenção social, subsidiando o processo de implementação do modelo de gestão participativa numa lógica de maximização da eficiência no seu gerenciamento. A introdução de novos paradigmas na gestão pública dos recursos hídricos, por meio de da Lei 9.433/97, no que concerne à descentralização e a gestão participativa, vem exigindo dos gestores públicos, de uma maneira geral, uma maior flexibilidade no tocante a implementação de metodologias e mecanismos para a aplicação desses princípios estabelecidos na referida Lei. Outra motivação fundamenta-se no fato do termo “gestão participativa” vir ganhando, cada vez mais, importância no processo de gestão de recursos hídricos, sendo que para alguns teóricos, essa estratégia representa uma nova forma de planejamento de políticas públicas e de desenvolvimento na atualidade, que considera uma ação simultânea em vários níveis, não obedecendo necessariamente à hierarquia tradicional, onde existe uma maior interação de cima para baixo do que de baixo para cima. Esses princípios mostraram-se, portanto, decisivos na escolha do objeto da pesquisa. A abordagem utilizada para a realização dos objetivos propostos envolveu os conceituados modelos de gestão dos recursos hídricos face aos diversos momentos de disponibilidade hídrica identificados na qual à água engloba uma multiplicidade de fatores ecológicos, sociais e econômicos, que somente poderão ser adequadamente avaliados mediante uma análise sistêmica. Desta forma, o aprofundamento teórico-conceitual desse trabalho incorpora dois eixos de análise: os conceitos de políticas sociais e as estratégias dos organismos multilaterais de financiamento destas políticas públicas referentes à construção do processo de gestão participada dos recursos hídricos no Brasil. Sobre o processo de participação social, foram 20 analisadas as dificuldades para a efetivação dessa participação, adotando-se uma visão crítica sobre os seus limites e possibilidades. Nesse sentido, a discussão aborda a identificação dos papéis dos atores envolvidos na gestão dos recursos hídricos, instituídos pela Lei 9.433/97 destacando os diferentes níveis de envolvimento do cidadão no processo decisório e os mecanismos capazes de efetivar essa participação. Como cenário para discussão aborda-se a política de financiamento de políticas hídricas por parte de organismos multilaterais de financiamento. Nesse contexto, desenvolveu-se, uma pesquisa de análise sistêmica e empírica, adotandose o enfoque qualitativo, onde a investigação foi construída sobre uma base de conceitos de participação que ora definem a política de recurso hídrico, apresentando um diagnóstico direcionado para a discussão dos problemas-chave da adoção deste novo paradigma da gestão das águas através do PGRH. Neste estudo de caráter qualitativo a perspectiva metodológica pretendeu avaliar a participação cidadã na institucionalização da gestão das águas analisando os espaços criados para a efetivar esta participação. Tem-se como pressupostos a Legislação das Águas (Lei nº 9.433/97) que instituiu o modelo de gestão dos recursos hídricos no Brasil, e os critérios do Banco Mundial para implementação da gestão participativa. Para tanto, utilizaram-se os recursos de observações de campo através de Grupos Focais com os organismos instituídos (Associações, Comissões e Consórcio) tomando como referência os relatórios produzidos do PGRH. Concomitantemente realizou-se uma etapa de pesquisa participante no momento da construção e finalização do Comitê de Bacia4 Hidrográfica do rio Itapicuru. Para finalizar a pesquisa realizou-se entrevista com diversos gestores da SRH e do Banco Mundial, em Seminário de Avaliação do PGRH realizado nos dias 19 e 20 de janeiro de 2006, no Hotel Fiesta numa tentativa de confrontar esta percepção com os resultados obtidos nas outras fases anteriores. 4 Comitê de bacia hidrográfica: comissão, assembléia ou "parlamento das águas" em uma Bacia ou Unidade Hidrográfica, com funções deliberativas e consultivas, dentro da nova política das águas. Os comitês são formados por representantes do poder público - federal, estadual e municipal -, dos usuários e da sociedade civil. Uma característica marcante é a de ser um órgão colegiado e não possuir pessoa jurídica, necessitando, para seu adequado funcionamento, do apoio de uma entidade deste tipo, no caso a Agência de Bacia ou instituição a ela assemelhada, conforme dispõe a atual legislação. O Comitê aprova o Plano de Bacia, que é um documento ou relatório que descreve e justifica as prioridades de obras e ações, define as disponibilidades hídricas e os investimentos necessários para aproveitamento, proteção e conservação dos recursos hídricos, assim como a fonte de recursos principal suporte financeiro. (Professor Jorge Paes Rios. Glossário sobre Bacias Hidrográficas. 2002). 21 Esta pesquisa foi realizada a partir de uma demanda interna da SRH em atendimento a etapa de avaliação do PGRH, oportunizando a interação da pesquisa com todo o processo avaliativo, visto que, na condição de pesquisador e ao mesmo tempo como técnico da instituição a 8 (oito) anos, e participante da equipe que realizou a avaliação do componente institucional do projeto, como parte de uma rotina funcional, a reflexão produzida é produto de uma intensa relação deste observador com a sua realidade funcional. Certamente, mesmo com todos os cuidados metodológicos necessários e observados na produção desta análise, ter-se-á um produto emanado a partir da visão técnica de um investigador que realiza a pesquisa como parte de sua atividade corrente, perdendo-se em algum momento entre a posição eminentemente técnica e ora na posição de crítica despojada da postura de agente institucional, atuando com a visão de pesquisador. A fim de atingir os objetivos propostos, esta dissertação foi estruturada em seis capítulos, apresentados a seguir: 1.1 ESTRUTURA DA DISSERTAÇÃO Iniciamos com a Introdução do trabalho que faz a descrição do problema, apresentando o objeto da pesquisa, a hipótese, os pressupostos, o objetivo geral e os específicos bem a justificativa para a escolha do referido tema de dissertação. O Capítulo I ressalta os Aspectos Metodológicos detalhando as múltiplas metodologias utilizadas, devido à natureza diversificada das análises realizadas face aos diferentes tempos de observação e discussão dentro da pesquisa. O Capítulo II é dedicado à análise dos conceitos de participação enfatizando a sua natureza determinante da participação na promoção da eficiência na gestão de bens públicos quando inseridos como objetivos de uma política pública. Passa-se a seguir pela herança sócio-econômica e cultural do Brasil e suas implicações para a participação social sob diversos aspectos de abordagem, realizando por conseguinte uma reflexão sobre a prescrição da participação por organismos multilaterais de financiamento de políticas públicas sob a justificativa de promoção da democracia e da cidadania, porém fundamentada em princípios neoliberais que indicam a minimização das funções do Estado em favor de um pretenso mercado regulador. 22 No Capítulo III apresenta-se os Modelos de Gestão de recursos hídricos diante da evolução dos mecanismos institucionais (legais e organizacionais) e financeiros para o Gerenciamento das Águas que ocorreram ao longo de três fases onde, adotou-se modelos gerenciais, numa tentativa de solucionar o problema de forma eficiente. Apresentam-se ainda as Experiências Internacionais, face aos modelos institucionais implementados por diversos países dentre estes uma maior relevância para a França, que foi a referência utilizada para forjar o modelo nacional brasileiro. Fechando o capítulo faz-se uma apresentação do modelo institucional brasileiro, recuperando o seu histórico de implementação, como proposta a contextualização e reflexão do processo. O Capítulo IV apresenta as diversas experiências de estados nacionais brasileiros, ressaltando-se o Estado de São Paulo, que é uma referência quanto à implementação dos instrumentos da política de recursos hídricos, e os estados de Rio Grande do Sul, Minas Gerais e Ceará como modelo de gestão participativa. O estado do Ceará receberá uma abordagem mais detalhada devido ao seu papel referencial na definição da proposta de promoção da participação social na gestão das águas no Estado da Bahia. Por conseguinte apresentar-se-á a modelo baiano de gestão de recursos hídricos e a caracterização da área escolhida para o estudo: a bacia do rio Itapicuru, em seus diversos aspectos tais como sua localização e limites geográficos, aspectos físicos, social e econômico. No Capítulo V faz-se a discussão dos dados levantados apresentando primeiramente a estratégia desenvolvida pela SRH na bacia hidrográfica do rio Itapicuru em vistas de implementação dos organismos de bacia, com a promoção da organização social na esfera local e regional. Por conseguinte, apresentam-se os resultados da análise da instituição dos organismos formados (Comissões, Associações, Consórcios) e do Comitê da bacia do rio Itapicuru, bem como a discussão dos resultados da avaliação do PGRH, no que tange ao componente da gestão participativa, realizada pelos gestores do projeto e técnicos do Banco Mundial. Apresentam-se ainda algumas considerações finais no sentido de propor novos estudos e direcionamentos para a continuidade e afirmação do processo de institucionalização da participação na gestão das águas no estado da Bahia. 23 1. ASPECTOS METODOLÓGICOS. Esta pesquisa tem uma natureza sobretudo qualitativa uma vez que se reporta ao discurso dos principais atores envolvidos no processo de implementação da gestão participativa das águas, resultando também em um processo de observação direta / participante. Trata-se, portanto, de uma mescla de procedimentos de cunho lógico, racional e intuitivo capazes de, no conjunto, contribuírem para a melhor compreensão dos fenômenos estudados. O que caracteriza este tipo de pesquisa, segundo Godoy (1995, p.2), é a relação direta estabelecida com ambiente social / natural no qual ocorrem os fenômenos estudados - fonte direta de dados. Nesse caso a relação entre pesquisador e objeto de estudo tem um caráter especial uma vez que uma das suas preocupações fundamentais foi capturar o significado que as pessoas dão as coisas e a vida – o que nos levou a utilização de um enfoque indutivo, voltado, sobretudo para a caracterização de aspectos de natureza subjetiva. Justifica-se ainda a utilização deste tipo de pesquisa nesta dissertação pela sua adequação na busca de resposta num cenário onde não se possuem muitas informações consolidadas, ou em situações onde o fenômeno observado guarda uma grande complexidade (SAMPSON, 1991), o que é o caso desta pesquisa. Por definição a expressão “pesquisa qualitativa” compreende, entre outros significados no campo das ciências sociais, um conjunto de diferentes técnicas que visam descrever e decodificar os componentes de um sistema complexo de significados, segundo Neves (1996). Para Pope & Mays (1995. p.52) nas ciências sociais, os métodos qualitativos, quando são empregados, refletem a preocupação do pesquisador com o “processo social” e não necessariamente com a “estrutura social”, buscando a visualização do contexto e uma integração empática com o processo, objeto de estudo, implicando melhor compreensão do fenômeno. Para melhor análise e compreensão do processo de implementação da gestão hídrica na Bahia, tomando como ponto de avaliação à participação social, tomou-se como referência o Programa de Gerenciamento dos Recursos Hídricos (PGRH) que foi desenvolvido no período de 1997 a 2005, recortando-se a bacia hidrográfica do rio Itapicuru como área de observação. Procuramos enfocar essa experiência como um Estudo de Caso, que guarda peculiaridade e consistência, que ora tenta-se apreender. 24 A pesquisa foi desenvolvida em três fases distintas e para cada um destas procurou-se adequar uma metodologia que desvelasse a complexidade das relações construídas e diversidade de análises produzidas. A primeira fase consistiu em uma revisão bibliográfica referente aos conceitos da problemática proposta bem como dos fatores intervenientes. A segunda fase implicou na realização de pesquisa secundária, quando foram utilizados dados provenientes da SRH, Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), do Consórcio Intermunicipal de Usuários de Água do Alto e Médio Itapicuru, do Centro de Estudos Sócio Ambientais PANGEA, Cooperativa Nacional de Assessoria e Planejamento (CONAP) e da Universidade do Estado da Bahia (UNEB), tais como: projetos de organização e capacitação de usuários de água do rio Itapicuru; planos de trabalhos, relatórios sínteses das reuniões para implantação das Comissões e Associações, relatório de implementação do Consórcio Intermunicipal, e relatório de formação do Comitê de Bacia do rio Itapicuru. E a terceira fase fundamentou-se na participação na Avaliação do Programa de Gerenciamento de Recursos Hídricos, no que tange ao componente institucional, realizada por técnicos do Banco Mundial juntamente com os profissionais da SRH. A primeira fase reserva-se a construção dos conceitos de participação a partir dos diversos conceitos já constituídos definindo ainda os tipos e níveis de participação. Retrata-se o discurso da participação relacionada à Reforma do Estado onde se apresenta como mecanismo de promoção do receituário neoliberal sendo caracterizada como a única via possível diante de iminente crise do estado. Por conseguinte discute-se a herança sócio-cultural na reprodução da nossa sociedade no aspecto da participação. Por fim estabelece-se uma conexão entre a participação social e a gestão de recursos hídricos que por princípio legal deve constituir-se como uma gestão hídrica participativa. O trabalho de investigação referente à segunda fase foi estruturado da seguinte forma: 1º Momento: consistiu-se na análise da formação dos diversos organismos de bacia como alternativa a Lei das Águas, o que se explica em função do descompasso da legislação baiana em relação à legislação nacional no que tange a institucionalização da participação através dos comitês de bacia. Os dados utilizados foram provenientes dos Grupos Focais, realizados pela SRH, como forma de compreender o processo de formação das Comissões de Usuários da Água (COMUA), as Associações de Usuários da Água (AUA) e o Consórcio Intercomua a partir dos depoimentos dos diversos participantes alvo desta intervenção. Como pesquisador participei de cada um dos Grupos Focais na condição “mediador” registrando os depoimentos mais marcantes 25 elucidativos para esta pesquisa. Vale ressaltar que estes organismos foram instituídos no período de 1998 a 2003, e que buscamos através dos vários registros históricos reconstituir o processo de constituição dos mesmos. Dos Grupos Focais trabalhados registraram-se aproximadamente 23 horas de depoimentos, sendo que em média trabalhou-se com grupos de 06 pessoas e com tempo médio de 58 minutos por grupo. Em todos os grupos procurou-se convidar representações dos três segmentos participantes como forma de enriquecer a discussão. Todos os depoimentos foram filmados e posteriormente transcritos na íntegra para subsidiar as análises dos discursos produzidos. Ressalta-se que o roteiro utilizado para desenvolvimento dos trabalhos com os referidos grupos (Anexo I) foi estruturado a partir de diversas contribuições envolvendo consultores contratados do Banco Mundial, promotores da ação, técnicos da SRH que estavam compondo a equipe de avaliação do PGRH, e outros mais que de alguma forma estiveram inseridos no processo de formação destes organismos de bacia. Foram formados 21 grupos focais do total de 43 COMUA sendo os seguintes municípios visitados: Caém, Andorinha, Quixabeira, Queimadas, Conde, Teofilândia, Ribeira do Pombal, Pindobaçu, Jacobina, Ponto Novo, Acajutiba, Cansanção, Capim Grosso, Miguel Calmon, Antônio Gonçalves, Filadélfia, Valente, Campo Formoso, Sr. do Bomfim, Saúde e Quijingue. Fez-se ainda dois grupos focais com as AUA’s (nos municípios de Várzea Nova e Ponto Novo) do total de 04 associações instituídas no entorno da barragem de Ponto Novo, e por fim o Consórcio Intercomua que reúne a participação de 17 COMUA’s e 04 AUA’s. 2º Momento: É ilustrada pela formação do Comitê de bacia hidrográfica do rio Itapicuru, que ocorreu no período de desenvolvimento desta pesquisa, oportunizando então que se fizesse uma observação participante de todo o processo de mobilização e formação do referido comitê. O comitê de bacia foi instituído no período de maio de 2003 a março de 2004 e tinha como pressuposto a utilização das bases municipais representadas pelas comissões e associações de usuários da água de toda a bacia. A avaliação crítica deste momento fica enriquecida pela possibilidade da leitura em tempo real da intervenção produzida no sentido de promover a gestão participativa nos moldes da legislação nacional (Lei 9.433/97). Utilizaram-se ainda os relatórios produzidos pela CONAP - empresa contratada para realizar a mobilização para a formação do comitê de bacia, confrontando com os relatórios da mobilização para formação das COMUA’s e AUA’s. 26 Como forma de confrontar a posição dos gestores do PGRH e demais técnicos do Banco Mundial face a experiência de institucionalização da gestão participativa promovida na bacia hidrográfica do rio Itapicuru, arrematou-se a análise deste processo na terceira fase da pesquisa com a utilização do método de “observação participante” no Seminário de Avaliação do PGRH promovido pela SRH nos dias 19 e 20 de Janeiro de 2006, no Hotel Fiesta, na capital baiana, onde estavam presentes todos os técnicos coordenadores do projeto e, no caso específico deste estudo, os que estiveram envolvidos com o componente institucional da participação na gestão dos recursos hídricos. Os resultados observados nesta etapa referem-se à análise da avaliação realizada pelos gestores públicos envolvidos e os demais técnicos de outras instituições convidadas, com destaque para a Agência Nacional de Águas (ANA), representada pela Consultora Rosana Garjulli, e o Comitê do rio dos Sinos (Rio Grande do Sul) representado pelo seu Presidente o Engº Paulo Paim e pelos coordenadores do Banco Mundial. Com estes três tempos de pesquisa espera-se absorver a complexidade das relações instituídas a partir desta política públicas desenvolvida no âmbito do PGRH, oportunizando que os resultados desta análise possam apresentar os avanços e os limites inerentes ao processo de institucionalização da gestão de recursos hídricos na Bahia, tornando-se uma referência à reflexão de processo de natureza semelhante a ser implementado. Em todos os momentos da pesquisa são utilizados documentos (relatórios) da avaliação disponíveis na SRH, e apresentadas no APÊNDICE A em anexo. Alguns destes documentos são transcrições dos grupos focais realizados, relatórios das consultorias contratadas e relatório da oficina de avaliação final. Alguns comentários são derivados das anotações de registros fundamentados na observação participante da avaliação corrente. Gostaria de ressaltar que, do ponto de vista metodológico, a condição de observador participante, diretamente envolvido com o processo aqui descrito, trouxe vantagens como também desvantagens. As vantagens se revelaram à medida que a proximidade com o objeto de estudo permitiu aprofundar nosso conhecimento do mesmo. Entretanto, essa intimidade não deixou de se constituir em uma dificuldade uma fez que impedia um certo distanciamento dos processos em curso e, conseqüentemente, nos levou a esforço maior no sentido de construir uma visão critica dos mesmos. Entretanto, consideramos que o resultado final desse processo de envolvimento foi extremamente rico e que em muito poderá se reverter em benefício de um conhecimento critico sobre o processo de gestão das águas. 27 2 PARTICIPAÇÃO E POLÍTICAS PÚBLICAS O desafio da gestão das águas, bem de uso comum, está no centro das inquietações geradas pelo cenário de degradação ambiental, fruto do processo de reprodução de um modo de produção que demanda cada vez mais recursos naturais, em escalas que a natureza já não consegue restabelecer o equilíbrio. A gravidade dos problemas gerados pela escassez das águas se materializa na agenda internacional como uma das questões mais prementes, desde o início da década de 1990, conforme manifesto no Capítulo 18 da Agenda 21, estabelecida durante a ECO92, realizada no Rio de Janeiro. No atual contexto de crise ambiental, de reestruturação produtiva e de redefinição do papel do estado passam a predominar os discursos “modernizantes”, nos quais a “participação social” passa a ser um pressuposto, constituindo-se em instrumento de legitimação e garantia de eficiência e efetividade da política pública. Esta “mudança de paradigma” que evoca a participação como panacéia, materializa-se em um estado de tensão e conflito em torno de distintos interesses e projetos políticos, que subjazem e perpassam as relações entre o Estado e a sociedade civil. O simples ato de participar integra o cotidiano de todos os indivíduos, apresentando-se de forma multifacetada e conformando-se a partir do contexto na qual é gestado. O ato de estar ou fazer-se presente em determinado espaço (dialógico, físico, ou representativo) pode, diante de determinado contexto, representar uma ação participativa, porém em si não resume a complexa definição do ato. O dicionário “Aurélio – Século XXI”, HOLANDA (2000) define participação como: “ato ou efeito de participar; vem do latim , paerticipatione; significa fazer saber, informar, anunciar, comunicar, ter ou tomar parte, ter ou receber parcela do todo, associar-se pelo pensamento ou pelo sentimento, ter traços em comum, ponto(s) de contato, analogia(s)”. Entretanto, a etimologia da palavra “participação”, isoladamente, não manifesta a relação de interesses dos personagens envolvidos e tão pouco informa a arena onde a ação se reproduz. Não manifesta suas motivações e sua complexidade. Portanto, é preciso encontrar o contexto no qual ela ocorre para que possamos lastrear alguns de seus aspectos conceituais. 28 Várias têm sido as tentativas de qualificar e classificar a participação. BORDENAVE (1983), por exemplo, estratifica a participação a partir do menor ou maior acesso ao controle das decisões por parte dos seus membros. Figura 01: Níveis de participação Fonte: Bordenave (1983) Observando a ilustração 01 infere-se que, em tese, o processo de participação propriamente dito, pressupõe a existência de uma divisão eqüitativa de poderes entre os participantes, implicando em uma gestão conjunta, baseada em co-decisões, diferentemente, por exemplo, do processo consultivo, geralmente realizado a partir de enquetes públicas de opinião ou satisfação, ou ainda das consultas realizadas, por exemplo, nos estudos de impacto ambiental, reuniões públicas ou conferências. Segundo Bordenave (1983) a participação pode ainda ser segmentada e definida por diversos critérios. A participação pode ser qualificada como “microparticipação”, resultado da associação voluntária de duas ou mais pessoas numa atividade comum, na qual elas não pretendem unicamente tirar benefícios pessoais e imediatos. Temos ainda a “macroparticipação” que compreende a intervenção das pessoas nos processos dinâmicos que constituem ou modificam a sociedade, incidindo sobre a produção de bens materiais e culturais, bem como sua administração e usufrutos. (BORDENAVE 1983). Olivry (1985) apresenta um arranjo diferenciado apresentado na Tabela 01 destacando o objetivo da participação. 29 Tabela 01 - Tipos de Processo Participativos Fonte: Olivry (1985) O processo de concentração confere aos cidadãos o poder de expertise com o qual eles podem participar durante todo o processo decisório, em grupos ou comissões fixas, temporárias ou mesmo sob forma “ad hoc”. Esse tipo de abordagem é interessante, porém explicita pouco a dimensão propriamente política da participação. O fato é que a proposta de participação suscita reflexões em torno dos seus limites, significados e possibilidades, colocando-nos grandes desafios conceituais, sobretudo 30 diante do dinamismo da gestão publica e do fato de que a participação é, simultaneamente, um processo em construção e um conceito em formação. Face ao exposto faz-se necessário à realização da análise de alguns dos fundamentos do conceito de participação e suas relativas apropriações, desvelando parte do universo deste complexo conceitual. O conceito e a avaliação do significado da participação dividem diversos autores estudiosos do assunto, porém, sua abordagem é, consensualmente, considerada complexa, sobretudo, diante da diversidade e multiplicidade de contextos e universos na qual encontar-se inserida. Paradoxalmente, apesar de referida complexidade analítica, reiteradas leituras e críticas às políticas públicas guardam um víeis simplificador e reducionista da relação entre estado e sociedade civil, conferindo a participação um caráter excessivamente instrumental. Vários autores ao definir participação valorizam mais seu aspecto instrumental, apresentando-a como uma via de proatividade decorrente da interação dos diversos personagens envolvidos na tentativa de realizar determinada ação coletiva. A principio a participação não se define tão somente como um instrumento voltado a solução de problemas, como se pode deduzir da visão de BORDENAVE (1983) mas, “sobretudo é uma necessidade fundamental do ser humano”. O autor comenta que: “houve um tempo em que o triunfalismo dos regimes totalitários convenceu alguns filósofos sociais de que os homens tinham medo à liberdade e por isso trocavam facilmente sua autonomia pela segurança do autoritarismo”. Parece-nos que estes tempos se repetem sempre que se apresenta o medo (relativo à mudança) como justificativa corrente para a omissão e subserviência da sociedade civil que aceita as regras impostas por determinadas políticas públicas em troca de uma suposta estabilidade. Desta forma, por exemplo, foi possível impor a sociedade a mão invisível do mercado, resultante da adoção de políticas neoliberais, forjada num ambiente de crise, que embora real, favoreceu o imediatismo das decisões, a ausência de discussão e conseqüentemente a falta de uma real participação. Para DEMO (1984), a participação não é uma dádiva mas uma conquista. E além de significar uma conquista é ainda um processo no sentido legítimo do termo: “infindável, em constante vir-a-ser, sempre se fazendo”. Ele considera que não existe participação suficiente, nem acabada, pois se concebida como completa tende a regredir. O autor afirma que a participação possui a característica de ser meio e fim, porquanto é simultaneamente instrumento e objeto da 31 autopromoção5, prevalecendo à conotação instrumental, uma vez que a participação é vista como caminho para alcançar objetivos particulares. Em contraponto a esta compreensão PAUL6 (1987) critica a divisão entre participação como fim ou como meio e propõe vê-la como processo ativo de: “[...] apoderamento; de tornar o benefício capaz; de aumento da efetividade do projeto; de aumento da eficiência do projeto; de repartir o custo do projeto”. Consoante a este pensamento, MOSER (1989), define a participação a partir da análise da presença de um elemento de fortalecimento de poder, empowerment7, ou aquelas que não incluem. Programas que incluem a participação comunitária em suas ações sem um elemento de empowerment, tendem a considera-la como um instrumento para se obter resultados em termos de aumento da eficiência e efetividade e/ou redução de custos, tornando a participação um meio para atingir um dado objetivo. Os programas que se destinam a possibilitar o empowerment, por exemplo, aumentando o poder de barganha de uma comunidade pobre fortalecendo seu processo de reflexão e autoconscientização, consideram a participação comunitária como objetivo ou meta principal e definem as suas atividades de outra maneira. Nesse caso, começa preparando, capacitando, e informando essa comunidade para poder participar plenamente. A participação é considerada então como um fim. (MOSER, 1989). Ao apresentar-se a participação como meio ou fim (meta) a partir da presença ou ausência de “empowerment”, há que se questionar a possibilidade de implementação de processos participativos sem a conscientização, sem que se explicite sua dimensão política, sem o ato reflexivo da comunidade envolvida. A ausência de empowerment, parece-nos assim ser um expediente cujo objetivo é camuflar opções ou interesses de natureza ideológica – que freqüentemente são encobertas pelo manto da participação. Participar pressupõe um ato reflexivo do por quê e do para quê. Implementar-se processos participativos sem que os envolvidos tenham a necessária compreensão do processo realiza-se a mais sutil e a mais perversa forma de 5 Demo (1984) define “autopromoção” a característica de uma política social centrada nos próprios interessados, que possam autogerir ou pelo menos co-gerir a satisfação de suas necessidades, com vistas a superar a situação assistencialista de carência de ajuda. 6 PAUL, Samuel. Community participation in development projects - The World Bank experiences. Washington: World Bank, 1987. 6 Empowerment não tem tradução direta para o português, mas pode ser descrita como o “fortalecimento da capacidade de participação da comunidade” Moser (1989) sugere a tradução como apoderamento. 32 dominação, mantendo-se o agente da participação alijado do acesso a informação e à educação, instrumentos fundamentais para a equalização das oportunidades e eliminação de injustiças. Desse modo, como afirma TORO (1997), a participação implica em aprendizagem. Segundo o referido autor : Se conseguimos hoje nos entender, decidir e agir para alcançar alguma coisa [...] depois seremos capazes de construir e viabilizar soluções para outros problemas. Podemos ainda nos articular com outros grupos para desafios maiores. Quando aprendemos a conversar, a decidir e agir coletivamente ganhamos confiança na nossa capacidade de gerar e viabilizar soluções para nossos problemas, fundamentos para a construção de uma sociedade com identidade e autonomia. (TORO, 1997). A compreensão de TORO (1997) aproxima-se da visão de DEMO (1994) quando referese a noção de identidade e autonomia como elementos instituintes do conceito de participação, porém, diverge da visão de MOSER (1989) que admite uma possibilidade de participação sem empowerment, ou seja definindo-a como meio (instrumento) desprovida de natureza reflexiva. A participação pode ser vista como um complexo de ações que servem para justificar as estruturas organizacionais e legitimar situações de poder, segundo ZANINI (2001), ao invés de propriamente questioná-la ou provocar um processo de mudanças sustentáveis. Desse modo, o referido autor descrê nas possibilidades da participação sem a quebra de privilégio, sem o rompimento da estratificação social, que objetiva tão somente a manutenção do “status quo”. A participação pode servir tão somente, no âmbito das estruturas organizacionais, para manter o poder já estabelecido, num instinto de sobrevivência ou de forma deliberadamente orquestrada, mantendo seus privilégios. SANTOS, I. (2004), discordando de ZANINI (2001) apresenta uma visão mais positiva da participação ao considerá-la uma prática em disputa, que reflete a dinâmica de conflitos e contradições de um momento histórico de uma determinada sociedade. Segundo a autora: [...] a participação encerra, em si, simultânea e contraditoriamente, por um lado, à vontade das camadas populares de influir nos rumos da sociedade, como meio de dirimir as desigualdades sociais, ter acesso a maior poder político e desta forma, exercer uma prática social buscando maior inclusão social. Por outro lado, encerra também à vontade dos setores dominantes de conter as manifestações contestatórias e o acesso ao poder pelos setores populares por meio de práticas de cooptação, que iludem a população quanto à natureza da participação tanto no aspecto de sua gênese como de sua forma. (SANTOS, I. 2004). 33 Isso significa que a participação, como afirma Machado, não envolve apenas princípio democrático de sentido humanista, filosófico (quando não degenera para o demagógico ou puramente retórico), mas é também parte importante na construção de uma nova forma de encarar a gestão de recursos públicos caros e escassos. “Envolve o pressuposto de que uma pessoa envolvida na tomada de uma decisão sentir-se-á comprometida e procurará vê-la cumprida, será agente da implantação e não paciente” (MACHADO 2003). De fato, a aceitação é maior quando existe participação em todo o processo de gestão de um projeto ou de uma política, e quando o participante faz sua própria escolha. As questões do comprometimento e da escolha ressaltadas por Machado (MACHADO, 2003) emergem de uma lógica que parece não se confrontar com a realidade onde as escolhas nem sempre são possíveis e até quando são possíveis são pouco compreensíveis, por vezes diante de opções disfarçadas, tuteladas, que sugerem uma armadilha a serviço de outros interesses. Ao observar a necessidade de encarar a gestão de recursos públicos caros e escassos, Machado parece repetir o discurso neoliberal de acentuar a crise do estado transferindo para a sociedade civil a necessidade de assumir parte das funções deste. Para Santos, I. (2004) a participação social tem sido posta, ora como “dádiva”, ora como forma de amenizar conflitos decorrentes da gestão de uma determinada política pública. A referida autora justifica a afirmação lembrando que em diversos “grupos sociais ignora-se a assimetria de poder, de conhecimento técnico-científico, de eloqüência na fala e no poder de argumentação”, existente entre os partícipes. Dagnino (2002) argumenta que a assimetria de qualificação técnica e política dificulta uma participação mais igualitária nos espaços públicos justificando que a característica central da maioria dos espaços públicos exige, sempre, o domínio de um saber técnico especializado do qual representantes da sociedade civil em geral não dispõem. Muniz e Gomes8 (2002) ressaltam a natureza da armadilha que se coloca sobre a participação social no âmbito da gestão e das intervenções públicas sobre questões sociais, salientando o conteúdo retórico da mesma, estando distante das “ações que visam a consolidação das instituições democrática”. Entendem os autores que “antes de participar, antes de institucionalizar a participação, etc.., deve-se nivelar os segmentos sociais” favorecendo-os a 8 Comentários sobre os artigos que compõem a coletânea “Participação Social e Gestão Pública: as armadilhas da política de descentralização”. São Paulo 2002. 34 participar, a organizar-se para atuar como um componente do aparato institucional, pois do contrário ter-se-á, “de um lado um aparato constituído por instituições independentes, competitivas na obtenção de recursos financeiros e humanos, para oferecer serviços comuns, e por outro lado, uma sociedade desorganizada e desinformada”, posição que reforça a tese de Santos, I. (2003) apresentada anteriormente, denotando ser essa polarização uma das armadilhas do genérico convite à participação social. Esta assimetria apresenta-se ainda como uma das armadilhas ao processo de construção de espaços públicos efetivamente participativos e também como mais um desafio à participação, pois incorpora uma necessidade de promoção da inserção social pelas vias possíveis da informação, capacitação e educação que outorguem a sociedade uma nova lente de percepção e proposição diante da realidade. Este investimento (tempo, energia, recursos) certamente suscita um embate em torno da opção pela luta institucional ou pela mobilização social. O fato é que não é possível pensar em participação sem associá-la a relações de poder. A interação entre participação e poder explicita os pontos de vistas e interesses dos distintos atores (Stakholders). “A participação não é ausência, superação ou eliminação do poder, mas sim outra forma de poder” (DEMO, 1994). Diante das diversas concepções sobre a natureza da participação na partilha do poder destaca-se a que associa participação, poder e projeto político como elementos centrais.9 É essa conjugação que, segundo Dagnino, explica de um lado, a resistência dos implementadores de políticas em compartilhar seu poder exclusivo sobre decisões referentes às políticas públicas e, do outro, pela resistência de setores da sociedade civil em compartilhar efetivamente das decisões e constituir-se em objeto de controle social. (DAGNINO 2002). Efetivamente, a participação da sociedade civil brasileira nos espaços públicos retrata um processo de democratização em construção, processo esse não linear, contraditório e fragmentado (DAGNINO, 2002). Nesse processo, o Estado (conjunto de forças em permanente disputa e estrutura cujo esboço autoritário permanece intocado e resistente a impulsos participativos), os partidos políticos (mediadores tradicionais entre a sociedade civil e o Estado, inclinando-se historicamente para o Estado) a sociedade civil e as Organizações não-Governamentais (potencializada pela precariedade da função mediadora dos partidos políticos, buscando aproximar-se do Estado utilizando-se de uma representatividade construída na articulação com a 9 Toma-se aqui como referência o conceito adotado por Dagnino (2002) que se aproximando de uma visão gramsciana, designa os conjuntos de crenças, interesses, concepções de mundo, representações do que deve ser a vida em sociedade que orientam a ação política dos diferentes sujeitos. 35 sociedade civil nos espaços públicos de participação) encontram-se em permanente conflito e disputa. A chamada complementariedade instrumental entre os agentes é definida pela autora como um dos elementos fundamentais da referida relação, tendo se constituído numa estratégia do Estado para implementação do ajuste neoliberal suscitando o encolhimento das suas responsabilidades sociais. Desse modo, a participação da sociedade civil (aqui compreendida como conjunto de organizações que se diferenciam do estado e do mercado) na gestão publica pode situar-se tanto no âmbito de um projeto onde predomine relações de caráter meramente instrumental ou pode implicar, de fato, em um projeto de fato democratizante. (DAGNINO, 2002). Outra questão relevante é o fato de que a existência de indivíduos em posições estratégicas, no interior do aparato estatal, comprometido individualmente com projetos participatórios, pode torná-los elementos decisivos na implementação bem-sucedida das políticas públicas, ratificando o que a autora denomina de compartilhamento. A complementariedade instrumental é facilmente exemplificada nas relações entre as Organizações Não-governamentais (justificada pela sua competência técnica e seu pela sua inserção social, bem como pela sua imagem de interlocutores confiáveis) e o Estado, que transfere suas responsabilidades para o âmbito da sociedade civil, considerados como parceiros confiáveis. Outro exemplo se revela quando o Estado apropria-se do discurso modernizante das políticas públicas evocando uma suposta participação como forma de promover sua imagem positivamente face aos olhos dos organismos multilaterais de financiamento (estratégia largamente utilizada para captar recursos de organismos multilaterais de financiamento). É nesse emaranhado conceitual e de reestruturação do estado e da política que se constitui a proposta de participação no âmbito dos órgãos de financiamento bilaterais. A proposta de participação surge como um resultado do processo de avaliação do sucesso e insucesso dos projetos financiados em todo o mundo. Da mesma forma que começou a constatar-se que não bastava financiar obras hidráulicas e que era necessário rever o processo de regulação, os órgãos de financiamento começaram a defender a participação como forma de garantir a sustentabilidade dos projetos. O conceito de participação passa, assim, a ser considerado como um elemento indispensável para assegurar o desenvolvimento e a democracia em todo mundo. Desse modo os diversos organismos de financiamento passam a operar em vários países com receituário de promoção da participação, objetivando a diminuição da corrupção e 36 maximizando a eficiência dos projetos. Afirmam que a participação está relacionada à eficácia, proporcionando a democracia e a descentralização do poder, estimulando inclusive a organização da sociedade civil. Como justificativa histórica alegam que diversos países da América Latina, submetidos a regimes autoritários, viram surgir na década de 90 democracias constitucionais, eleições livres e organização da sociedade civil, traduzindo-se num pressuposto de que a participação tenha sido o elemento essencial para o desenvolvimento na década de 90 e nas décadas posteriores O Banco Interamericano de Desenvolvimento – BID, entende a participação como uma nova forma de cooperação, cujas raízes provém das iniciativas de desenvolvimento comunitário das décadas de 60 e 70, onde indivíduos e comunidades devem estar envolvidos nas decisões e programas que afetam suas vidas. O Banco Mundial apresenta, em estudo publicado em 1994, intitulado “O Banco Mundial e a Participação”, a interpretação mais definitiva sobre a participação: Participatory development is a process through which stakeholders influence and share control over development initiatives, and the decisions and resources which affect them. (um processo através do qual os principais atores influenciam e compartilham o controle das iniciativas, decisões e recursos relativos ao seu próprio desenvolvimento). (Report of the Participatory Development Learning Group. 1994). Neste estudo o Banco Mundial afirma que muitas barreiras culturais, econômicas e políticas efetivamente impedem os pobres de terem qualquer participação real nas atividades de desenvolvimento. E acrescenta que sem esforços especiais por parte daqueles que planejam e financiam os projetos e sem políticas apropriadas para lidar e superar estes obstáculos, “as vozes da população menos favorecidas não serão ouvidas e a participação deste setor, na melhor das hipóteses, será mínima”.(Participation Sourcebook, 1996). O Relatório do Desenvolvimento Mundial (WDR - World Development Report, 1997) do Banco Mundial, citado por GARRISON (2000), afirma que: Existe crescente evidência de que os programas do governo funcionam melhor quando buscam a participação dos potenciais usuários e quando exploram o reservatório de capital social da comunidade ao invés de trabalhar contra este capital social. As vantagens aparecem em termos de uma implementação mais eficiente, maior sustentabilidade e feedback ou retorno mais eficaz aos órgãos governamentais. (Relatório do Desenvolvimento Mundial, 1977). 37 Por sua vez, a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OECD – Organization for Co-Operation and Development) também concorda que, para que o desenvolvimento tenha êxito a população do país deve ser “a gestora” das políticas e programas de desenvolvimento, demonstrando uma tendência dos organismos multilaterais em aceitar a importância da participação social nesse processo. Existem, entretanto, condições que dificultam a participação, de acordo com os diversos organismos financiadores multilaterais: o temor do governo em perder o poder; a falta de experiência; falta de instituições e práticas democráticas; procedimentos burocráticos inflexíveis; resistência a mudanças; uso retórico da participação para conseguir fundos ou para culpar grupos locais de fracasso; conflitos sociais e resistência em comprometer recursos. Garrison (2000) considera que existem vários fatores limitantes e aspectos ainda desconhecidos em relação à participação, acrescentando que os custos financeiros e de tempo que a participação acarreta, ainda não foram devidamente quantificados, o que pode produzir uma relação entre custo e benefício desfavorável na ótica do “órgão financiador”. A postura favorável à participação social na gestão de políticas públicas, adotada pelos bancos multilaterais de financiamento, aparenta inocente interesse em auxiliar os países financiados na implementação de uma democracia efetiva, porém, subjacente ao discurso residem os interesses desses organismos financeiros. Sem presunção de julgo ou juízo de valor pode-se perceber que o receituário prescrito pelos referidos organismos de financiamento vem pautados nos preceitos neoliberais, que importam na redução do estado, na desregulamentação da economia e na ordenação através de mecanismos econômicos. Diante da diversidade de conceitos de participação social, da complexidade das relações e atores envolvidos, do embate entre interesses e concepções tão diversos, podemos concluir que a participação social é, necessariamente um processo conflituoso, porém necessário para a consecução democrática de projetos coletivos e para o reordenamento do estado brasileiro. Tratase de uma forma de reestruturação das relações de poder ora vigente, de tentativas de redefinir o conteúdo das políticas públicas, um meio para a redução das desigualdades sociais, da conquista de espaços de justiça social e de bem-estar para a sociedade. Desta maneira, a proposta de inserção social na gestão das políticas públicas vigentes precisa ser vista com a devida cautela e cuidados, correndo o risco de ser tão somente falaciosa, 38 uma vez que forjada na esteira de uma crise de estado, legitima a proposta neoliberal de produção de bens e serviços, outrora significativamente públicos. Numa lógica perversa, constata-se, às vezes, a utilização do expediente de promoção da participação social na implementação das políticas públicas com o objetivo de ratificar tão somente privilégios e interesses particulares. Nesse contexto, a participação passa a ter como objetivo, sobretudo, a transferência de responsabilidades do estado para a sociedade sob o pretexto da eficiência na gestão dos recursos, escamoteando ainda o construto neoliberal de instituir a produção e gestão dos bens e serviços públicos através de mecanismos econômicos, reportando ao mercado a sua regulação. Desse modo, a participação passa a ser entendida como uma dádiva, cujo objetivo é legitimar interesses particulares, gestados na lógica de estado mínimo e na “co-gestão”, em nada implicando em real descentralização e democratização da gestão. Não há como se compreender um processo participatório onde lideranças decidem dentro da lógica “do que foi possível”, do “permissível”, sem uma construção dialogada, reflexiva. Tomam-se as palavras de Demo (1984) para sintetizar o caminho possível dentro desta lógica liberalizante: "[...] a melhor maneira de liquidar com a participação é oferece-la como dádiva”. Partindo dessa premissa assume-se que participação social é “o processo mediante o qual as diversas camadas sociais têm parte na produção, na gestão e no usufruto dos bens de uma sociedade historicamente determinada” (BORDENAVE, 1983), ou seja, uma população que apenas usufrui da produção, sem tomar parte, de forma democrática da gestão, não pode se afirmar que participativa verdadeiramente. 3. PARTICIPAÇÃO E REFORMA DO ESTADO NO BRASIL Com o fim do regime militar, o Brasil vê ressurgir uma sociedade civil mais propositiva e organizada, fruto dos difíceis anos de luta contra o regime autoritário. Como lembra Dagnino, as organizações não governamentais desempenharam um papel fundamental no combate ao autoritarismo reinante, sendo elemento chave no longo processo de transição democrática (DAGNINO, 2002). O fato é que nesse período de reestruturação democrática, segundo, Avritzer, observa-se o crescimento exponencial das associações civis, a reavaliação da idéia de direito, a 39 defesa da noção de autonomia em relação ao Estado e a defesa dA construção de uma esfera ou espaço público de negociação com o Estado (AVRITZER, 2002). No início dos anos 80, o Brasil experimenta a face mais aguda da crise econômica já ressentida pelos diversos países do mundo na década de 70. Instaura-se a Nova República (1985) no país, que tem como prioridade o combate à inflação, privilegiando estratégias coercitivas, que produziram sérias conseqüências para o aprimoramento das instituições democráticas (DINIZ,1997). As principais decisões associadas à execução das reformas liberalizantes foram confinadas à burocracia (enclausuramento burocrático) reiterando, segundo o autor, a tendência histórica de alijamento do Legislativo, reforçada pela centralização regulatória do Estado e acentuando ainda mais a distancia entre o Executivo e o sistema representativo. A prioridade dada a política de combate inflação acirrou ainda o conflito em torno da distribuição dos escassos recursos públicos culminando no esvaziamento da agenda pública no que tange às reformas sociais. Desaconselhava-se, nesse período, em nome de uma suposta racionalidade, o aumento de gastos com políticas sociais que pudessem ser consideradas populistas, resultando numa adoção de uma agenda minimalista, contraditória, com o alargamento da participação social e a diversificação das demandas sociais (DINIZ, 1997). Nos dois primeiros governos da Nova República (1985-1992) implementaram-se oitos programas de estabilização econômica, sem êxito, alargando ainda mais o leque de problemas, gerando desgaste de recursos e descrédito das instituições. Ressalta-se como fator comum a todos esses programas “salvadores” batizados de “pacotes econômicos” o centralismo, a concepção (tecnocracia) e a forma não dialogada de sua implementação, oportunizada pela alegada urgência. Esta prática histórica perniciosa tornou-se recorrente, sempre processada nos momentos de pronunciada iminência de desestabilidade econômica, e legitimada pela suposta condição futura de garantia de estabilidade. A crise de governabilidade e credibilidade instalada no Brasil, caracterizada fortemente pelos aspectos econômicos, retratada no quadro de inflação alta e em descontrole, endividamento externo e interno, recessão, e desemprego, obscureceram a percepção da crise políticoinstitucional, que segundo Diniz, foi a principal expressão da crise do Estado (DINIZ, 1997). Configura-se então, de acordo com MORAES (2002), um contexto muito favorável para a emergência de vários tipos de propostas salvacionistas. 40 O projeto político que se faz então hegemônico é o de cunho neoliberal, que passa a implementar a reforma do Estado, sendo o principal defensor desta proposição o economista Bresser Pereira, que justifica a reforma como uma conseqüência natural ao processo de globalização econômica em curso no mundo. Boaventura Santos, contrapondo-se a tese de Bresser, anuncia que “a fraqueza do Estado não foi efeito secundário ou perverso da globalização da economia” mas é fruto de um processo político destinado a construir um Estado cuja força esteja sintonizada com as exigências políticas do capitalismo global (SANTOS, B. 2002). A reforma constituiu, assim, na transformação da capacidade do Estado em submeter todas as relações à lógica mercantil. Desse modo, o marco desse processo é a eleição de Fernando Henrique Cardoso (FHC), quando o então empossado Ministro Bresser Pereira apresenta a reforma como condição necessária à consolidação do ajuste fiscal do Brasil. E essa proposta é feita em nome da construção de um serviço público moderno, profissional e eficiente, voltado para o atendimento das necessidades dos cidadãos. Segundo o Ministro Bresser Pereira o Estado necessita deixar ao mercado certos serviços que este poderia melhor executar, cabendo ao mesmo a regulação das referidas atividades e intervenção direta em alguns setores como educação, saúde, cultura, no desenvolvimento tecnológico e nos investimentos em infra-estrutura, compensando os desequilíbrios distributivos provocados pelo mercado globalizado e pela competição globalizada. A reforma do estado é, assim, conseqüência de um movimento global impulsionado pelas instituições financeiras multilaterais e pela ação concertada dos Estados centrais, que recorrem a dispositivos normativos e institucionais muito poderosos como meio para realizar o chamado ajustamento estrutural, controle de déficit público e a inflação – é nesse contexto que se constrói a teoria do colapso do Estado-Providência (SANTOS, B. 2002). A reforma do Estado suscita, então, a adoção de certos mecanismos fundamentados no ideário neoliberal, e implica no desmonte indiscriminado do Estado, atingindo até mesmo as políticas sociais. Numa tentativa de tornar tais medidas mais palatáveis à sociedade, o governo de FHC abandonou as palavras “redução do Estado” e “transferência de suas funções” adotando a 41 expressão simplificada de “reforma dos institutos legais e estatais” cunhada, segundo PAULA10 (2001), sob o pretexto de tornar o Estado mais “administrável” pelos burocratas. É neste contexto de reforma do Estado que o neoliberalismo assume a primazia, apresentando-se como matriz ideológica mais adequada para a condução das forças modernizantes e como mecanismo propulsor da dinâmica social na direção de uma nova ordem. O receituário neoliberal fundamenta-se na lógica de “menos Estado e mais mercado” como princípio norteador do reordenamento sócio-econômico no país. Neste reordenamento a sociedade civil é convocada a participar como agente promotor de algumas ações de políticas públicas, antes responsabilidades do Estado, repartindo o ônus na gestão de novas políticas sociais. Ao ser cooptada por esse projeto político parcela considerável das organizações da sociedade civil, dentre outras instituições de representação social, passam a atuar em consonância com o Estado ou no lugar deste na promoção e gestão de políticas públicas. A repartição das responsabilidades do Estado com a sociedade processa-se porém, sem a descentralização do poder normativo (prerrogativas de formular políticas públicas, incluindo às práticas de avaliação de desempenho e distribuição dos grandes fundos). No reordenamento estrutural do Estado a sociedade assume certas atribuições deste sem, entretanto, assumir a autonomia no que diz respeito às responsabilidades que lhes são transferidas. Desenha-se nesta relação de dependência uma armadilha no que diz respeito ao convite a participação, visto que, as organizações não-governamentais, passam a ser financiadas por recursos públicos, atendendo suas determinações, encobertas pela legitimidade de sua suposta representatividade social. Estas instituições passam a figura como os parceiros ideais para o Estado, segundo Dagnino, uma vez que são tecnicamente competentes, além de confiáveis para o estado (DAGNINO, 2002). Na compreensão de HOFLING (2001) os adeptos do neoliberalismo consideram as políticas públicas sociais um dos maiores entraves ao desenvolvimento e responsáveis, em grande medida, pela crise fiscal. A intervenção do Estado, de uma maneira geral, passa então a ser considerada como uma ameaça aos interesses e liberdades individuais, pois inibe a livre iniciativa, a concorrência privada, e pode bloquear os mecanismos com que o próprio mercado é capaz de gerar com vistas a restabelecer o seu equilíbrio. O livre mercado é apontado pelos 10 PAULA, Ana Paula Paes de. ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA GERENCIAL E CONSTRUÇÃO DEMOCRÁTICA NO BRASIL: Uma abordagem crítica. 2001. Apresentado no XXV Congresso Brasileiro de Pós-Graduação em Administração. Foz de Iguaçu/PR. 42 neoliberais como grande equalizador das relações entre indivíduos e das oportunidades sociais (HOFING, 2001). Nesse novo contexto, a lógica reprodutiva do mercado, que atenta tão somente para o processo de acumulação, não consegue atender as demandas sociais, pois, não representam retorno financeiro às suas aplicações. Em outra vertente o Estado, que em nome do ajuste fiscal agrava ainda mais os níveis de exclusão social ao eximir-se de suas funções na gestão de bens e serviços públicos, repassando a sociedade atribuições, sem necessariamente, transferir-lhe autonomia e efetiva participação. Numa proposta danosa e perniciosa este mesmo Estado traveste-se de uma benevolência inominável convidando a sociedade a participar, porém, com objetivo de legitimar suas políticas arrecadatórias de fundos internacionais de financiamento, não importando desta forma em participação, mas razoavelmente em uma doação de espaços públicos tutelados. É dentro deste víeis que está sendo orquestrada a gestão das águas no Brasil. As instituições financeiras internacionais, preocupadas em constituir novos mercados para a reprodução de seu modelo acumulativo, oferecem a sociedade um suposto desafio de co-gerir os recursos naturais, induzidos por uma crise esboçada num cenário de desequilíbrio entre a oferta e demanda. Uma vez constituído um suposto espaço público de participação tenta-se legitimar a adoção de mecanismos econômicos como alternativa única capaz de reverter o quadro de desequilíbrio. O discurso da racionalidade do uso impregna-se de uma lógica economicista, importando na diminuição do esforço do estado para promover a gestão submetendo ao mercado a função de regular racionalmente o consumo. 4. PARTICIPAÇÃO E HERANÇA CULTURAL A herança cultural é, reconhecidamente, um fator condicionante do comportamento humano, influenciando tanto a conduta individual quanto à coletiva. Neste sentido, boa parte dos postulados sobre sociedade são contextualizados em seu tempo histórico e implicam em análises sobre aspectos da tradição, dos hábitos e relações socioculturais. (SOUZA JUNIOR, 2003). Esse debate nos remete a reflexão de como a herança cultural brasileira condiciona a participação na 43 gestão publica, particularmente na participação da gestão das águas no Brasil e no Nordeste brasileiro SOUZA JUNIOR (2003) trava um debate sobre o sentido e significado dessa tradição reportando-se autores clássicos como Gilberto Freyre, Caio Prado Junior e Sergio Buarque de Holanda, estabelecendo um dialogo com Robert Putman, numa tentativa de compreender as razões e os níveis diferenciados de participação social no país. As maiores preocupações, comuns à grande parte dos estudiosos da chamada tradição do pensamento social brasileiro, dizem respeito a existência ou não de um padrão nacional da formação do povo brasileiro, as explicações acerca do atraso do país, do dilemas em torno da consolidação de um modelo econômico e social para a nação. O debate em torno do caráter e da identidade do brasileiro é o cerne das análises vários desses pensadores, particularmente de Freyre. Segundo Souza Junior (2003), tais trabalhos buscam contribuir com o entendimento do universo do Brasil patriarcal, escravocrata e monocultor de “Casa Grande & Senzala” (Freyre, 1987) fortemente hierarquizados, do sistema patriarcal brasileiro, entretanto, defende a tese da existência de um certo equilíbrio nessa sociedade desigual. Desse modo, essa ordem social, de perfil profundamente hierárquico e autoritário (que qualifica o regime escravista), associa-se a espontaneidade dos afetos - valores que ressaltam as origens ibéricas do brasileiro. É o Brasil das três raças, das três culturas que se fundem, gerando uma nova identidade. Freyre aponta a dominância destas relações, mesmo com o reordenamento social ao longo do século XX. Com o final do regime escravista e as mudanças no padrão de exploração econômica, além da urbanização crescente, novas lacunas sociais vão sendo construídas entre o rico e o pobre, o branco e o negro. O poder continua com os senhores, o que mantém e até incrementa, o antagonismo entre dominadores e dominados. A leitura de HOLANDA (1999) também coloca questões fundamentais, construídas em torno da indagação acerca da identidade do brasileiro. Numa primeira via de análise o autor convida-nos a refletir sobre a mentalidade do português, “descobridor” e colonizador do Brasil, elemento central para a formação do povo brasileiro. Interessa analisar em que medida esse colonizador encontra-se impregnado dos valores modernos a partir dos quais constitui-se a moderna sociedade capitalista. Ainda, segundo HOLANDA (1999) o espírito de aventura, sistematizado, racionalizado, transforma-se no próprio espírito do capitalismo. Nesse sentido, momentos marcantes da nossa 44 história podem ser vistos como mitológicos desdobramentos do mito da fundação. É essa literatura que constrói o conceito de homem cordial, marcado pelo predomínio dos afetos, herança ibérica exacerbada pela constituição da sociedade brasileira em torno da família patriarcal rural, tradicionalista. Diante das importantes modificações políticas e econômicas que o país atravessava, Holanda infere o que seria a morte do homem cordial. Porém, o que se constata é a atualização do conceito de homem cordial, mas no sentido oposto ao desejado pelo autor. A esse sujeito movido pelo coração incorpora-se, e com grande facilidade, a dimensão do utilitarismo consumista. Aliás, essa talvez seja a única faceta perceptível da “modernidade” na sociedade brasileira, segundo SOUZA JUNIOR (2003). Em certo sentido, a dimensão positiva da cordialidade é mais um dos nossos mitos e como tal se recoloca, ocultando nossas verdadeiras mazelas, criando a ilusão de que pertencemos, elite e povo, a uma unidade, de acordo com Souza Junior (2003). Defende-se a tese de que esse mito opera para amenizar tensões, mas não as elimina, pois essas são também recolocadas, e muitas vezes manifestam-se brutalmente sob uma forma de violência desorganizada. “Assim como o homem cordial de Holanda, o cordial contemporâneo, vulgar, não parece adaptado a um regime verdadeiramente democrático. De acordo com o autor, esta cordialidade é antípoda da civilidade, pois, o verdadeiro Estado democrático não é, e não pode ser, um prolongamento das relações afetivas familiares”. (SOUZA JUNIOR, 2003). Prado Júnior (1996), contemporâneo de Holanda e Freyre, na análise de Souza Junior (2003), esforça-se para demonstrar que o atraso no desenvolvimento do Brasil é fruto do legado colonial, afirmando que o caráter de exploração colonial e de dependência econômica teria marcado toda a nossa trajetória de desenvolvimento. Em sua análise apresenta preocupações centrais à dependência externa do Brasil e às desigualdades, ambas intrinsecamente articuladas, não concebendo o Brasil como uma nação, defendendo a hipótese de que, nem com a industrialização, o país deixou de ser uma economia colonial para se constituir numa economia nacional. Entende como nação, ou economia nacional, aquela que comanda a si mesma, voltada para o atendimento das necessidades de sua população e com uma estrutura social razoavelmente homogênea. Souza Junior (2003) argumenta que outros autores buscaram compreender melhor a associação entre nossa herança sócio-econômica-cultural e as relações sociais que permeiam nossa sociedade, ora corroborando, ora contestando tais teses, sendo que a maior parte dos 45 autores atuais trava esse debate em torno desses textos clássicos, com maior ou menor detalhamento e aprofundamento, enfocando a dimensão social, econômica, cultural ou antropológica. Coexistem aqui culturas singulares, ligadas a identidades de origem de diferentes grupos étnicos e culturais. Essa composição cultural tem se caracterizado pela plasticidade e permeabilidade, incorporando em seu cotidiano a criação e recriação das diversas culturas, sem necessariamente diluí-las, e ao mesmo tempo permitindo seu entrelaçamento. Nesse entrelaçamento de influências recíprocas, configura-se a permanente elaboração e redefinição da identidade nacional, em sua complexidade. Há de se perceber e concordar que a diversidade de contribuições culturais na formação do povo brasileiro é de natureza plural, guardando aspectos particulares em cada região especificamente. Desta afirmação reitera-se a proximidade do homem nordestino ao homem cordial contemporâneo, já incorporado com os aspectos consumistas, porém ainda temente ao sistema hierarquizado, detentor de uma natureza subserviente às elites persistentes. A manutenção do regime primário de produção recorrente do período colonial, os baixos índices de alfabetização, a manutenção deliberada de políticas paternalistas e o pretenso coronelismo (ainda presente em alguns espaços no interior nordestino) são fatores que reconstroem a imagem deste arranjo cultural que é o homem nordestino. Desse modo, essa herança cultural encontra-se profundamente arraigada na sociedade nordestina, que preserva, de modo marcante, relações patriarcais. São esses traços que em certa medida pode ajudar na compreensão dos motivos pelos quais a participação pode apresentar traços diferentes do conjunto do país. Santos, E. (2004) evidencia as diferenças regionais quanto à participação social recorrendo a Medeiros (2003) que afirma ser a cultura do Sul do país diferente do nordeste em face de sua abertura, sua tradição anárquica, democrática, e conseqüentemente mais participativa, tanto do ponto de vista da colocação política como da economia independente e mais forte. Porém, a referida autora afirma que “não podemos ter diversos brasis”. Neste depoimento ressalta-se o quão pode ser complexa a uniformização de políticas públicas num país tão plural como o Brasil. Do nordestino andante, buscando fugir das agruras do sertão, ao sulista campineiro produtor e gerador de riquezas nacionais, há de se buscar compreender as diferenças nos níveis de participação social a partir das diversidades culturais. 46 5. PARTICIPAÇÃO SOCIAL NA GESTÃO DE RECURSOS HÍDRICOS A recorrente busca de soluções para os problemas da degradação dos estoques hídricos em escala global tem suscitado a reformulação dos diversos sistemas de gestão das águas, instaurando sistemas de governabilidade que implicam na abertura à participação social. Segundo Magalhães Junior (apud PENA & SOLANES, 2003) a crise da água tem sido associada à crise de governabilidade, sendo que a governabilidade da água para ser efetiva deve ser transparente, aberta, participativa, e comunicativa. Mesmo em países de antiga tradição “participativa” como a França, há uma intensificação de pressões sociais para uma maior abertura à participação social na gestão das águas, fatos muitas vezes motivados pela crise de confiança dos usuários em relação à qualidade e à transparência dos serviços públicos. Os melhores exemplos de experiências em nível global geralmente estão associados ao processo de descentralização e participação dos sistemas nacionais de gestão de recursos naturais. A concretização do princípio participativo na gestão das águas exige um desenho de Estado democrático a ser construído, impondo a criação de condições e bases para a construção da responsabilidade social na gestão do patrimônio coletivo. Para tanto a sociedade exige a construção de uma nova institucionalidade que possa tornar a gestão mais permeável às suas demandas, retirando do Estado e dos agentes sociais privilegiados o monopólio exclusivo da definição da agenda social. Devido ao seu caráter multifuncional (social, econômico, ambiental e cultura) os diversos usos das águas refletem conflitos entre os usuários, principalmente em situação de déficit hídrico, passando a exigir maior regulação e mediação instituídas por meio da legislação e da negociação entre diferentes atores da gestão. A participação social é consensualmente relevante e imprescindível para a mediação dos conflitos e a gestão dos recursos hídricos (constituída de planejamento, gerenciamento e política hídrica). Lanna (2000) salienta que na Agenda 21 são feitas mais de uma centena de menções estimulando a participação da sociedade na gestão das questões ambientais e de recursos hídricos. Justifica que a participação promove a desconcentração de poder e constitui mecanismo facilitador e legitimador para a implementação de políticas públicas de natureza participativa, 47 conferindo eficiência às decisões voltadas a prover a sociedade com bens de interesse comum. Ressalta-se nesta afirmativa do autor a sua manifesta defesa pela utilização dos instrumentos econômicos como fator de promoção da racionalização do uso das águas, admitindo implicitamente o aceite aos mecanismos de controle pelas vias do mercado (preceitos neoliberais). Pelo fato da água ter se tornado um elemento natural ameaçado em termos de qualidade e quantidade, a União e os seus estados-membros passaram a discutir e fundamentar seus respectivos aparatos legais sobre recursos hídricos, tomando como princípios básicos o gerenciamento por bacia hidrográfica, a água como bem de valor econômico, a descentralização, a integração e a participação dos usuários no processo de gestão de recursos hídricos (MACHADO, 2003). Lanna (2000) considera que a gestão participativa dos recursos hídricos no Brasil, apesar de ser um princípio fundamental, presente nos instrumentos legais, se encontra numa fase incipiente e carente de estímulos e de mecanismos que garantam a sua efetivação, atribuindo essa tímida participação à centralização do poder, da informação, de recursos e de decisão. É necessário frisar que este comportamento se verifica de forma diferenciada e em diferentes intensidades de acordo com a região do Brasil, o que significa dizer que o fator histórico-cultural contribui fortemente para na definição deste mosaico. Cordeiro Neto (2002) afirma ser importante reconhecer que os movimentos sociais e ambientais vêm contribuindo para explicitar a crise de legitimidade do Estado, bem como para fomentar uma “nova” dinâmica de participação social. No entanto, apesar de progressos pontuais significativos, o autor afirma não haver no cenário da gestão dos recursos hídricos do país um processo de gestão participativa em pleno andamento, pelo contrário, “são inúmeros os óbices encontrados para a consolidação da gestão participativa”. Esta é uma afirmação construída num ambiente de inúmeras contradições, visto que o processo de gestão de recursos hídricos no Brasil se desenvolve de forma bastante diferenciada. Observa-se ainda o crescimento exponencial nos números de Comitês de Bacia Hidrográfica instituídos. Os referidos óbices citados pelo autor certamente não fogem aos aspectos deliberadamente propugnados na instituição das políticas hídricas. Ou seja, os espaços públicos tutelados, a centralização do poder decisório nos órgão gestores, a assimetria de conhecimento estabelecida pelas representações com assento no modelo de Comitês de Bacia, dentre outros aspectos, denunciam a tentativa corrente de manutenção da 48 estrutura organizativa hierarquizada vigente. Porém, há de se reconhecer o avanço dos conflitos e o embate travado diante de alguns dos espaços já mais amadurecidos e fortalecidos no que tange a organização social. Branco (2002) argumenta que a gestão dos recursos naturais somente será possível com a participação dos diferentes atores sociais que, direta ou indiretamente, atuam no processo de utilização desses recursos, sendo que é essencial estabelecer-se mecanismos que permitam essa participação, desde a definição da gestão até a execução e monitoramento das atividades. “Anseia-se por uma participação, mais ativa, onde os atores sociais são protagonistas, na dinâmica das relações sociais, da sociedade civil e do Estado” (BRANCO, 2002). Cabe analisar nesta afirmativa da autora a responsabilidade de estabelecer os “mecanismos” que irão permitir a participação social efetiva na gestão hídrica. A participação social na gestão de recursos hídricos instituiu-se por lei e este é o mecanismo legitimador do direito a inserção social. Porém, a estratégia de fomento à participação social não é fruto de uma mobilização social histórica em torno da questão água, mas uma manifesta absorção dos preceitos neoliberais na administração pública, defendida e instituída pelos organismos multilaterais de financiamento, que tanto tem influenciado a política hídrica brasileira. O Banco Mundial, ao propor a adoção, na legislação nacional das águas, de mecanismos econômicos de controle do “uso racional”, incorporou de forma subliminar a sua crença nos mecanismos de mercado como elemento de eficiência e efetividade na implementação da política hídrica nacional. Assim, também o fez ao condicionar o recebimento de recursos financeiros à promoção da gestão participada da água, demonstrando, a princípio, a sua preocupação com a maior transparência na política e maior controle, porém, é perceptível seu interesse em retirar do Estado a atribuição isolada da gestão hídrica. Subjacentes a estes preceitos vê-se desenhado o processo de esvaziamento das funções do Estado e a instituição da racionalidade na gestão hídrica regulada através da promoção de um mercado futuro de água. Segundo Passos (et. al. 2003), cabe ao Estado o papel de propiciar a população afetada ou interessada, os meios necessários ao exercício desse direito de atuação efetiva no planejamento, e na execução das ações – “um direito social, substrato da cidadania”. Ao ressaltarem a responsabilidade legal do Estado de propiciar os meios para efetivar a participação social (aspecto frisado na Lei da Águas – 9433/97) não se pode ingenuamente descartar a possibilidade de tutelamento desta participação. Recorrendo a afirmação de DEMO (1984) que 49 repudia a participação “doada” considerando-a como o fim do que seria uma estrada possível, questiona-se qual a alternativa de produção dos meios necessários ao exercício da gestão participativa que garanta autonomia e liberdade à sociedade civil como ente participante deste embate desigual, e tendencioso? Algumas questões carecem de necessária reflexão no que tange a construção de processo participativo em torno da gestão hídrica (apresentada na Lei nº 9.433/97). A exemplo pode-se questionar quais as conseqüências ambientais, sociais e políticas da introdução de mecanismos de mercado na gestão de serviços e bens públicos de caráter universal em uma sociedade com graves problemas de exclusão social? Há outras perguntas que inquietam a busca de esclarecimento das premissas da nossa legislação costurada num mosaico de interesses diversificados. Porém, cada uma delas suscitaria inúmeras proposições de respostas possíveis deflagrando e esboçando aquilo que representa a construção do processo democrático: “a participação social”. 50 6. MODELOS DE GESTÃO DE RECURSOS HÍDRICOS Numa perspectiva histórica, verifica-se que os problemas da água no mundo moderno têm atraído a atenção de especialistas e de organizações nacionais e internacionais devido à sua crescente escassez, em quantidade e qualidade, para atendimento às demandas. Tem sido diagnosticado que a principal causa desta falta de conciliação entre as disponibilidades e as demandas é o gerenciamento inadequado e ineficiente. (LANNA, 1999). A água foi inicialmente gerida pelos seus próprios usuários, situados nos primórdios da civilização, onde ocorria uma relativa abundância deste recurso de forma que todos aqueles que dele necessitassem podiam fazê-lo realizando os investimentos necessários às próprias custas, bem como a operação e a manutenção. De acordo com a organização social existente era realizada a gestão comunitária ou a gestão privada. A necessidade da intervenção pública foi conseqüência do escasseamento da água que gerou duas demandas: a. a necessidade de resolver os contenciosos entre os usuários privados ou comunidades; b. o aumento dos sistemas de suprimento, em dimensões e complexidade operacional, aumentando os custos de investimento além da capacidade de suporte das partes privadas ou das comunidades, e também dos custos de operação e de manutenção. A evolução dos mecanismos institucionais (legais e organizacionais) e financeiros para o gerenciamento das águas ocorreram ao longo de três fases onde, adotou-se modelos de gestão, cada vez mais complexos, numa tentativa de tratar o problema de forma mais eficiente (LANNA, 1999). 6.1 O Modelo burocrático Um bem estratégico como a água, quando se apresenta de forma abundante, pode ser tratado como um bem livre, ou seja, qualquer um pode usá-lo na quantidade que necessite sem causar problemas aos demais usuários sendo que esta situação foi vivida no passado, tornando o cenário favorável a adoção do modelo burocrático. Este modelo começou a ser implantado no final do século XIX sendo que o objetivo predominante do administrador público era cumprir e 51 fazer cumprir os dispositivos legais (LANNA, 1999). Nesta fase os baixos índices de conflitos permitiam tão somente a regulação burocrática. Para instrumentalização deste modelo, segundo Freitas, são geradas uma grande quantidade de leis, decretos, portarias, regulamentos e normas sobre uso e proteção, alguns dos quais se tornam inclusive, objetos de disposições constitucionais. Como conseqüência, a autoridade e o poder tendem a concentrar-se gradualmente em entidades públicas, de natureza burocrática, que trabalham com processos casuísticos e reativos destinados a aprovar concessões e autorizações de uso, licenciamento de obras, ações de fiscalização, de interdição ou multa, e demais ações formais de acordo com as atribuições de diversos escalões hierárquicos (FREITAS, 2000). Lanna (1999) (apud Tonet e Lopes, 1994) destaca que as principais falhas desse modelo são inerentes às reações e comportamentos humanos que são considerados previsíveis e a excessiva atenção dada aos aspectos formais, que impede a percepção de elementos dinâmicos tais como o meio em que a organização se insere, a personalidade dos atores que nela contracenam, e as relações de poder que permeiam a organização. Desse modo, segundo o referido autor, diversas anomalias são derivadas, tais como: x A visão fragmentada do processo de gerenciamento, fazendo com que os atores exacerbem a importância das partes de sua competência e se alheiem dos resultados finais pretendidos e que justificam a própria existência do gerenciamento; x O desempenho restrito ao cumprimento de normas e o engessamento da atividade de gerenciamento; x A dificuldade de adaptação a mudanças internas e externas; x A demanda de decisão, com demoras desnecessárias e descompromisso; x A padronização no atendimento a demandas, que nem sempre considera expectativas ou necessidades específicas; x O excesso de formalismo; x Pouca ou nenhuma importância dada ao ambiente externo ao sistema de gerenciamento, que possui demandas nem sempre percebidas; x As pressões externas, quando acentuadas, são vistas como ameaças. 52 Freitas (2000) argumenta que este modelo é omisso nos caso de planejamento estratégico, na negociação política direta e nos casos de geração de recursos financeiros para seu funcionamento. Diz ainda o autor que “este modelo pouco usa o processo de negociação, pelas suas limitações”. Para Lanna (1999) a autoridade pública torna-se ineficiente e politicamente frágil ante os grupos de pressão atraindo por conseqüência os conflitos de uso e proteção das águas, que realimentam o processo de elaboração de instrumentos legais, dentro da assertiva de que "se alguma coisa não está funcionando é por que não existe lei apropriada". Segundo o autor: Isto acaba por produzir uma legislação difusa, confusa, muitas vezes conflitante e quase sempre de difícil interpretação, com o conseqüente agravamento dos problemas da administração pública que de um quadro de atuação ineficiente passa para outro de total inoperância. [...] Neste caso remete-se à culpa do fracasso do modelo à lentidão da justiça e à inoperância, ou mesmo venalidade do poder público, conjugado com atitudes ambientalmente criminosas dos agentes econômicos. (Lanna, 1999). È possível identificar na leitura dos referidos autores uma preocupação com os instrumentos econômicos e a necessidade de geração de recursos financeiros para realizar a gestão hídrica. A crítica maior ao modelo burocrático reserva-se a lentidão dos processos, e a concentração do poder decisório. 6.2 O Modelo econômico-financeiro De acordo com Lanna esse modelo, é fruto do desdobramento da política econômica, preconizada por John Maynard Keynes,11 tendo como uma das conseqüências a criação nos EEUU da Tennessee Valley Authority em 1933, a primeira Superintendência de Bacia Hidrográfica, fruto do momento de glória da Análise Custo-Benefício, cujas bases de aplicação aos recursos hídricos foram estabelecidas pelo “Flood Control Act”, nos EEUU, em 1936. (LANNA, 1999). Este modelo caracteriza-se pelas formas de negociação (que são a político-representativa) e pela dimensão propriamente econômica que, em geral, visa promover o desenvolvimento regional ou nacional pelo emprego de instrumentos econômicos e financeiros, ministrados pelo 11 A política econômica preconizada por Keynes destacava a relevância do papel do Estado como empreendedor, utilizada na década de 30 para superar a grande depressão capitalista. 53 poder público nesse caso específico as chamadas Superintendências de Bacia Hidrográfica. (LANNA, 1999 e FREITAS, 2000). Caracteriza-se ainda pela indução à obediência das disposições legais vigentes, funcionando à base da concessão de incentivos seletivos pelo poder público, no sentido de criar imposições que levem ao cumprimento das leis de proteção ambiental (CANEPA & LANNA, 1994). Neste modelo evidenciam-se funções deliberativas, normativas e executivas, porém sem órgãos colegiados. Suas fontes de financiamento são específicas embora não prevejam negociação política direta sendo que isto pode causar um desbalanceamento entre os diversos usos dos recursos hídricos podendo ocorrer ainda uma apropriação excessiva e, mesmo, perdulária, por certos setores restringindo a utilização social e economicamente ótima da água. (FREITAS, 2000 p. 64). Lanna argumenta que o modelo possibilita a “intensificação do uso setorial não integrado em certas bacias de importância econômica acarretando quase sempre os mesmos conflitos do modelo burocrático, agora com caráter intersetorial e, até mesmo, intrassetorial”. A principal falha desse modelo é que “adota concepção relativamente abstrata para servir de suporte para a solução de problemas contingencias: o ambiente mutável e dinâmico exige grande flexibilidade do sistema de gerenciamento para adaptações freqüentes e diversas”. (LANNA, 1999). Freitas (2000) justifica que com o objetivo de chegar ao desenvolvimento integral da bacia hidrográfica criam-se entidades públicas com grandes poderes e funções multisetoriais, porém, com dificuldades de atuação articulada com usuários e comunidade estabelecendo ainda conflitos com outras entidades preexistentes, resultando em impasses políticos de difícil solução. Lanna considera que este modelo, mesmo com a orientação setorial adotada, representa um avanço em relação ao modelo burocrático já que, “pelo menos setorial e circunstancialmente”, possibilita a realização do planejamento estratégico da bacia e canaliza recursos financeiros para implantação dos respectivos planos diretores o que pode favorecer a ocorrência de um certo grau desenvolvimento no uso, no controle ou na proteção das águas. (LANNA, 1999). O modelo econômico-financeiro mantém a estrutura de poder ainda centralizada, porém já acenando para uma possível participação de alguns setores de usuários, o que pode representar a acentuação de conflitos. O uso de instrumentos econômicos é a grande inovação do modelo. 54 6.3 Modelo sistêmico de integração participativa (MSIP) O Modelo Sistêmico de Integração Participativa surgiu como uma evolução dos modelos burocrático e econômico-financeiro de gerenciamento de recursos hídricos, como conseqüência do desequilíbrio nos volumes demandados em relação aos volumes disponíveis de água. O modelo sistêmico de integração participativa busca integrar sistematicamente os quatro tipos de negociação social: “econômica, política direta, político-representativa e jurídica” possibilitando desta forma a construção de uma sustentabilidade social mais efetiva. LANNA (1995). Para Freitas (2000) o modelo permite maior democratização das ações através dos colegiados que o compõem. Outro aspecto resultante do processo decisório descentralizado e participativo pertencente ao referido modelo e de fundamental importância é a alteração da distribuição de poder ou o “potencial de confronto”. Esse aspecto se insere num jogo de forças que defende interesses conflitantes sendo traduzidos por projetos de manutenção ou alteração do “status quo” e também por reivindicações por maior poder de decisão. Trata-se do modelo mais moderno de gerenciamento das águas, com objetivo estratégico de reformulação institucional e legal bem conduzida (LANNA, 1999). Este modelo, segundo Lanna (1999) e Freitas (2000) caracteriza-se: x Pela publicização das águas, pela qual o Estado assume seu domínio, legal ou para efeitos práticos; x Pela descentralização de seu gerenciamento, através da qual o Estado permite que seja realizado de forma compartilhada com a sociedade, mediante a participação de entidades especialmente implementadas; x Pela adoção do planejamento estratégico na unidade de intervenção da bacia hidrográfica; x Pela utilização de instrumentos normativos e econômicos de acordo com diretrizes do planejamento estratégico. O MSIP adota o modelo matricial entre o uso setorial e a oferta do recurso, apresentandose como alternativa diante das dificuldades que um controle centralizado poderia acarretar ao Estado, apesar deste manter o domínio sobre a água, descentralizando porém, o seu gerenciamento e permitindo a participação da sociedade através de entidades especialmente 55 implementadas. Lanna (1999) justifica que é estabelecida uma concepção sistêmica, apresentada no formato desta matriz institucional de gerenciamento, responsável pela execução de funções gerenciais específicas, e pela adoção de três instrumentos a saber: x Planejamento estratégico por bacia hidrográfica; x Tomada de decisão através de deliberações multilaterais e descentralizadas; x Estabelecimento de instrumentos normativos e econômicos destinados a captar recursos para implementação dos planos aprovados. Há necessidade de serem conhecidos, ou pelo menos hipotetizados, os diversos planos setoriais de longo prazo, quantificando e hierarquizando as intenções de uso, controle e proteção de forma que seja possível a elaboração de um plano multisetorial de longo prazo que buscará articular os interesses entre si e estes com as disponibilidades dos recursos hídricos. Em uma sociedade, demandas e valores mudam, e assim não será encontrada em qualquer momento uma solução final para os problemas. Lanna (1999) afirma que o planejamento deve ser um processo contínuo de julgamentos e decisões para atender a novas situações em um futuro incerto. Citando TONET e LOPES (1994) afirma que: [...] o comportamento passivo, de aguardar a manifestação da demanda para então procurar atendê-la, deixa a organização vulnerável, compromete a eficiência e muitas vezes inviabiliza soluções rápidas e práticas, exigindo maior montante de recursos para corrigir desvios que poderiam ser evitados. No ambiente mutável é preciso antecipar-se às demandas; quando há grupos de interesses conflitantes é preciso, ainda, antecipar-se à própria necessidade para poder atendê-la no menor tempo possível [...]. (TONET E LOPES, 1994). O MSIP traz de inovação o planejamento como instrumento de gestão, bem como a natureza participativa da sua formulação e aprovação. Veicula-se a este modelo o reordenamento da estrutura decisória, porém, o grande desafio é a produção efetiva da participação na gestão dos recursos hídricos. A instituição da participação tão somente por vias legais não é condição suficiente de torná-la efetiva. Há uma preocupação evidente com a adoção de mecanismos financeiros para financiamento do planejamento, o que denota a grande influência do ideário da política neoliberal, mundialmente instituída. 56 7. EXPERIÊNCIAS DE ALGUNS PAÍSES SCARE (2003) (apud CORREIA, 2000) afirma que o estudo comparado das instituições da água é uma área frutífera e crucial, para a compreensão dos fatores que influenciam e moldam as políticas de regulação e as organizações, funcionando como mecanismo promotor de mudança. Justifica-se afirmando que a análise das bacias, da diferença na disponibilidade de água e da existência de condições hidrológicas distintas, o entendimento das diferenças no uso predominante da água e das diferenças no arranjo institucional e legal, permite adequações necessárias às soluções demandadas pelas políticas internas. Face ao exposto faz-se premente uma abordagem dos modelos de gestão instituídos em alguns países da Europa e América com o objetivo de ilustrar nosso objeto de estudo. 7.1 França A França é o país de maior tradição de gestão participativa da água, fato que se verifica principalmente via organismos de bacia. Desde o final do século XIX a França editou seus Códigos de Água, Floresta e de Pesca, ressaltando tratar-se de um país de extensa tradição democrática, o que impacta na gestão das águas. (FREITAS, 2000). As raízes do atual modelo de gestão remontam a 1964, sendo atualmente marcado por um conjunto de vários níveis de intervenção integrados: as unidades territoriais intrabacia, as bacias hidrográficas (seis grandes bacias nacionais), as comunas, os departamentos, as regiões e o Estado. A Companhia Nacional do Rhone, criada em 1933 com o objetivo de gerenciar a navegação na parte francesa do rio Rhone e a irrigação, representa, para Freitas, uma primeira ação de gerenciamento, caracterizando-se como entidade casuística (modelo burocrático) justificando que dela fazem parte entidades públicas ligadas ao desenvolvimento do rio, as Câmaras de Comércio - representando os interesses privados, sendo que o governo é quem indica a maioria de seu Conselho Diretor (FREITAS, 2000). O Sistema de Gerenciamento de Recursos Hídricos da França é um modelo bem equilibrado, de acordo com Setti (et al, 2002), “com a presença dos usuários, coletividades locais, e representantes do Governo, que reconhecem a água como recurso”. Em nível nacional existe o 57 Comitê Nacional das Águas que estabelece a política nacional. Essa estrutura descentralizada, participativa e democrática é operacionalizada com base no princípio da subsidiariedade12, onde os Comitês de bacia são considerados como “parlamentos das águas” (LANNA, 1999). Concentrou-se todos os serviços de uso da água no chamado “Direction de l’Eau”, em nível federal, e as tarefas regulatórias e de coerção nas 22 regiões na ‘Directions Regionales de l’Environnement” (DIREN), de onde emanam todas as licenças ou outorgas para a coleta de água e o despejos de esgoto (SCARE, 2003). As Comunas (que possuem Conselho Municipal e Prefeito que decidem as obras a serem feitas e administram os impostos e são responsáveis pela provisão de serviços públicos principalmente o de abastecimento de água e esgoto) são agrupadas em 95 departamentos (constituído de conselho geral, cujo presidente decide o que fazer no campo social e auxilia as comunas) e 22 diretorias regionais (administradas por um conselho regional eleito pelo voto direto da população da região). Em cada bacia (em número de seis) tem-se um Comitê com respectiva Agência de Bacia, que funciona como organismo público que procura levantar recursos para os trabalhos de desenvolvimento e despoluição (FREITAS, 2000). Para Scare (2003) o fato das autoridades locais possuírem grande poder político, mas pequeno poder econômico, resulta no crescimento do sistema de delegação da provisão de serviço públicos para operadores privados. Lança-se mão dos instrumentos de mercado para prover a gestão hídrica. A fase inicial da implementação do sistema de gestão dos recursos hídricos foi fortemente marcada pela resistência dos órgãos governamentais que temiam perder poder. A implantação dos comitês e das agências de bacias ocorreu sem grande divulgação, fator que acabou “trazendo benefícios”, uma vez que tais organizações tiveram chances de mostrar resultados sem gerar expectativas exageradas (LUCHINI, 2003). Setti (et al) e Magalhães Junior concordam que os Comitês da bacia na França, têm como função principal à elaboração das orientações para a gestão das bacias, avaliando e aprovando os programas de ação qüinqüenais elaborados pelas 12 O princípio da subsidiariedade estabelece que as instâncias mais gerais da sociedade devem subsidiar as instâncias locais e as pessoas para que estas possam realizar, de forma autônoma mas solidária, obras que satisfaçam suas necessidades e seus desejos. Além disso, o desenvolvimento integral da pessoa pressupõe sua capacidade de decidir sobre sua vida e participar das decisões referentes a sua comunidade. Não basta uma resposta assistencialista que satisfaça às necessidades básicas das populações, é preciso respeitar também seu direito ao protagonismo na solução de seus problemas. O princípio da subsidiariedade não significa a defesa de um Estado mínimo, que delega ao mercado a satisfação das necessidades da população, nem de um Estado expandido, que concentra em suas mãos todos os serviços e atividades da vida social. (Lanna, 1999). 58 Agências da Água, que funcionam com instituições executoras (secretarias executivas). (SETTI et al, 2002 E MAGALHÃES JUNIOR, 2003) A concepção das agências de bacia figura não como simples secretarias executivas dos comitês, mas como organismos técnico-financeiros estáveis e independentes dos câmbios políticos federais ou estatais, com poder de cobrar e redistribuir os recursos oriundos dessa cobrança em programas votados pêlos comitês (FREITAS, 2000). A lei de 1992 procurou democratizar mais a atuação das Agências com a criação de “Commissions Locales de lÉau” (CLE) e ferramentas de planejamento de bacia e sub-bacia. As CLE possuem representantes eleitos entre os usuários da água e representantes do Estado. Foram implantados dois níveis de planejamento onde o primeiro é o “Schémas Directus d’Aménagement et de Gestion des Eaux” (SDAGE) desenvolvido no âmbito das seis agências da água pelo comitê de bacia em conjunto com o Estado e o “Schémas d’Aménagement et de Gestion des Eaux” (SAGE) realizado no patamar local seguindo as bacias dos rios ou suas divisões ou a disponibilidade de água (BARRAQUE, 2000). Nas agências francesas os presidentes são nomeados pelo Ministério do Meio Ambiente, mas seus diretores são apontados pelos conselhos de representantes existentes em cada comitê, onde tais conselhos procuram refletir nas agências a mesma estrutura de representação dos comitês segundo Luchini (1999) citando Serôa de Motta (1998) – modelo sistêmico de integração participativa. A França, apesar da tradição participativa, têm sofrido uma intensificação de pressões sociais para uma maior abertura à participação social na gestão da água, fato muitas vezes motivado pela crise de confiança dos usuários em relação à qualidade e á transparência dos serviços públicos. As pressões sociais e o amadurecimento do sistema francês levaram à busca de uma maior abertura à participação popular nas decisões. (MAGALHÃES JUNIOR, 2003) 7.2 Alemanha O sistema alemão é um dos modelos mais antigos segundo Lanna (1999) e Freitas (2000) que citam como exemplo a Associação de Bacias na Alemanha, que surgiu de uma concepção adotada pelo Kaiser Guilherme II onde, os assuntos de recursos hídricos deveriam ser resolvidos por conta de seus próprios usuários, cabendo ao Governo estabelecer diretrizes e normas para ordenar e garantir o encaminhamento de soluções (modelo burocrático). O sistema alemão, 59 instaurado em 1957 e modificado em 1986, atualmente adota também o princípio da subsidiariedade (BARRAQUE, 1995). O poder público central realiza a gestão da água por meio de representações regionais dos Departamentos de Águas das Secretarias de Meio Ambiente (MACHADO, 1998). Segundo Kramer (2000) os estados alemães (Lander) possuem padrões de cooperação entre eles para coordenar a gestão das bacias a exemplo do LAWA (Grupos Estaduais de Trabalho na Água) do Ministério do Meio Ambiente. Já as Associações são constituídas por unidades locais de governo e por corporações privadas, sendo que a direção é exercida por uma Assembléia de Representantes eleitos pelos próprios usuários, por um Conselho de Diretores para condução das tarefas do dia a dia e representação da Associação, e por um Congresso de Apelação, para onde são encaminhados os recursos a deliberações (FREITAS, 2000). As Associações tem papel fundamental na gestão dos recursos hídricos, sendo formadas por fazendeiros, indústrias e empresas públicas. O princípio de sua atuação está baseado na participação do usuário e na autonomia local, existindo um aparato legal que permite sua operação a despeito dos limites territoriais. Estas associações não contam com grande autonomia, pois, o Estado exerce uma supervisão detalhada de suas atuações tendo a tarefa de aprovar os projetos novos e as regulamentações da operação e uso de projetos existentes, podendo assumir ainda nas bacias atribuições normativas, deliberativas e executivas (KRAMER, 2000). O sistema de gestão dos recursos hídricos alemão está extremamente ligado a força e a presença de sua legislação segundo Kramer (2000), sendo que a política de regulação da água deve ser formulada em um ambiente de controle rigoroso garantindo que a relação entre os atores seja governada por leis e pelo seu poder de coerção. O autor observa ainda que para realizar a gestão de recursos hídricos tem-se como instrumentos gerais o Plano Geral de Gestão de Recursos Hídricos e o Plano de Gestão das Águas - enfocando a proteção dos corpos de água superficiais - com uso dos Planos de descarga de efluentes, Planos de carregamento de efluentes, e Regulação de proteção de água de superfície e de zona de proteção. Os municípios alemães estão transferindo a construção, o financiamento e operação temporária das estações de tratamento de esgoto para os operadores privados. Segundo Kramer (2000) o sistema institucional alemão tem méritos por separar a administração dos recursos hídricos do Estado da operação das instalações de água, combinando a regulação direta com instrumentos de incentivos econômicos, e por operar um sistema de decisão descentralizado que 60 torna possível e estável a autogestão e o autofinanciamento, dentre outros atributos. O processo de privatização serviu como instrumento para aumentar a flexibilidade operacional e a independência do sistema. (KRAMER, 2000). 7.3 Inglaterra e País de Gales Para Scare a análise dos arranjos institucionais e legais do Reino Unido contempla os sistemas estabelecidos na Inglaterra e no País de Gales por serem similares, sendo que a Escócia e a Irlanda possuem sistemas diferentes e independentes. (SCARE, 2003). A Inglaterra, por ser uma ilha, gerencia seus rios da fonte até o mar. Citando Zabel & Ress (2000) Scare (2003) ressalta que não existe a determinação de direitos de propriedade sobre a água, mas a do direito de usar a água, que só é permitida com a licença, inclusive para outros usos como a extração, o despejo de efluentes, a pesca e a navegação. De acordo com Freitas (2000), no direito britânico, a população de ribeirinhos tem o direito de usar o rio até o seu ponto médio, desde que não obstrua o curso do rio podendo extrair até 20 metros cúbico por dia. O Gerenciamento Interinstitucional foi inicialmente atribuído a um Conselho Nacional de Águas, segundo Borsoi e Torres (1998), e Lanna (1999), que determinaria a estratégia geral do uso dos recursos hídricos, sendo composto pelas Secretarias de Estado para o Meio Ambiente, Ministério da Agricultura, Pesca e Abastecimento e por representações das 10 Superintendências Regionais de Bacia, também chamada Autoridades Regionais da Água (Regional Water Authorities), que são dirigidas por Conselhos integrados por representantes das comunidades locais, das industrias, dos governos locais e do Governo Central e são responsáveis pela conservação, desenvolvimento, distribuição e utilização racional dos recursos hídricos; drenagem, depuração de águas domésticas e de outras origens; regeneração e manutenção da qualidade das águas dos rios e de outras águas interiores; desenvolvimento e preservação das utilizações recreativas e culturais das águas interiores para navegação; drenagem de terras e pesca em águas. Na reformulação da legislação de recursos hídricos de 1983 concluiu-se que as Superintendências Regionais haviam adquirido suficiente maturidade para prescindirem de um Conselho Nacional de Águas. O diálogo entre as Secretarias e as Superintendências poderia ser estabelecido de forma direta, sem intermediários. Completou-se assim a centralização 61 praticamente total do gerenciamento dos recursos hídricos, no âmbito de cada uma das 10 regiões hidrográficas, nas superintendências de bacia. Na reforma de 1989, promovida pelo governo da primeira ministra Margaret Tatcher, as 10 Superintendências Regionais foram privatizadas de uma só vez, através da oferta de ações ao público, tornando-se empresas privadas de capital aberto. O Estado ficou na posse de ações privilegiadas (golden shares), com valor simbólico, mas que lhe conferem o poder de veto sobre as decisões da assembléia de acionistas. Separou-se também a operação das atividades de suprimento hídrico e de esgotamento sanitário, que foram privatizadas, da regulação destes serviços, que foi mantida como função do Estado. Para isto foi criada a Superintendência Nacional de Rios (National Rivers Authority - NRA) como guardiã das águas, órgão regulador dos serviços públicos relacionados às águas (FREITAS, 2000). Além destas atribuições, o NRA assumiu funções na conservação, redistribuição e incremento da disponibilidade de recursos hídricos e conservação do ambiente natural, buscando oportunidades para sua melhoria, quando possível. (Scare 2003 cit. Summerton 1996). Em 1o de abril de 1996, após a aprovação da Lei Ambiental de 1995, o NRA tornou-se a Agência Ambiental, estendendo sua atuação a todo o ambiente e tornando sua atuação mais racional, ao integrar a gestão do ar, solo e água. Estas Agências ficaram com a responsabilidade de produzir os planos de bacia sendo que ao prepara-los deveriam incluir nas conclusões recomendações com exigências a serem acatadas pelas partes envolvidas, porém, os planos de bacia hidrográfica não têm força legal (FREITAS, 2000). Scare (2003) observa que além da Agência Ambiental, órgão regulador ambiental, participam também na regulação do sistema o Escritório de Serviços de Água (Office of Water Services), com atribuições no controle do preço da água e da saúde financeira das empresas regionais; a representação dos usuários e das comunidades neste órgão é viabilizada pelos Comitês Regionais de Serviços dos Consumidores (Consumers Services Committees) – modelo sistêmico de integração participativa. Outro órgão regulador é a Divisão de Água Potável (Drinking Water Inspectorate) da Secretaria do Meio Ambiente que regula a qualidade da água potável. Trata-se, portanto, de um sistema centralizado, no âmbito nacional, em órgãos governamentais, que exercem o controle, regulação e gerenciamento das águas. A ação executiva é realizada por empresas privadas de capital aberto que se submetem às determinações destes 62 órgãos governamentais, prioritariamente, e às determinações das Assembléias de Acionistas. No que tange à participação dos usuários e das comunidades, ela é restrita aos Comitês Regionais de Serviços aos Consumidores do Escritório de Serviços de Água. 7.4 Estados Unidos A lei norte-americana sobre planejamento dos recursos hídricos foi editada em 1965. A principal entidade de recursos hídricos no país é o Conselho de Recursos Hídricos, órgão federal incumbido das seguintes atividades: elaboração de balanços periódicos de recursos e necessidades de cada unidade de gestão; realização permanente de estudos sobre as relações entre os planos e programas regionais ou de bacias e as necessidades das maiores regiões do país; avaliação e recomendação de políticas e programas; estabelecimento, de acordo com consultas às entidades interessadas, dos princípios, normas e processos a serem usados pelas agências federais na preparação de planos globais, regionais ou de bacias e para a avaliação de projetos relativos a recursos hídricos federais; e revisão de planos apresentados pelas comissões de bacia, a serem instituídos por lei (LUCHINI, 2003). Além do Conselho de Recursos Hídricos, existem, em nível regional, as Comissões de Bacia, que podem ser criadas por proposição do Conselho de Recursos Hídricos ou dos Estados interessados, a partir da definição de uma unidade de gestão - seja uma região, uma bacia hidrográfica ou um grupo de bacias segundo Magalhães Junior (2000) permitindo-se a criação de Comissões de Bacias Hidrográficas com a participação de usuários da água. As comissões de bacia são responsáveis, de acordo Borsoi e Torres (1998) pela coordenação dos planos federais, interestaduais, estaduais e locais relativos a recursos hídricos, pelo preparo e atualização do plano global de desenvolvimento dos recursos hídricos, pela recomendação de prioridades, em longo prazo, para coleta e análise de dados e para projetos de investigação, planejamento e construção e recomendações às entidades responsáveis pelo planejamento dos recursos hídricos sobre sua prática e manutenção. Segundo Bourlon e Berthon (1997, p.202), citados por Luchini (2003), no modelo americano de direitos de água, “a água é um bem regulamentado submetido às leis do mercado” e sua valoração econômica é revelada através da utilização de Mercados de Direitos de Uso (MDU) e Mercados de Certificado de Poluição (MCP) onde no MDU a titularidade continua pública, mas 63 o direito de uso pode ser transacionado entre usuários e no MCP os usuários podem transacionar parte do limite de permissão recebida para descarga de poluentes. A experiência americana com criação de mercados de direitos da água, embora nem sempre exitosa, tem proporcionado recomendações para que sistemas similares possam atingir os benefícios esperados. Em primeiro lugar, é fundamental a existência de garantias de direito de modo que o usuário que venda parte de sua outorga sinta-se seguro de que poderá comprar mais tarde caso seja necessário e o usuário que tenha comprado essa outorga tenha efetivado os benefícios de sua compra (LUCHINI, 2003). É de extrema importância observar as condições de competitividade existentes, pois a alocação ótima por criação de mercado depende da existência de um grande número de participantes comprando e vendendo com diferentes custos e benefícios e fraca interdependência segundo Serôa de Motta (1998) citado por Luchini (2003). 7.5 Chile Segundo Lanna (1999) citando Peña (1998) o Chile, que é caracterizado por severa escassez de água, promulgou em 1981 um revolucionário Código de Águas caracterizado pelo uso de mecanismos de mercado para uma melhor alocação destes recursos modificando severamente a tradição institucional que era caracterizada por forte intervenção pública, onde o Estado abdicou das tarefas de desenvolvimento e planejamento dos destinos e usos da água, deixando ao livre mercado as decisões, fazendo com que este objetivo fosse alcançado pela eliminação de todas as funções do Estado voltadas a racionalização do uso de água. Apesar das águas serem consideradas bens nacionais de uso público, os direitos de uso são outorgados aos particulares. Isto lhes concede um direito real mediante o qual o titular pode usar, gozar e dispor da água, como qualquer outro bem suscetível de apropriação privada e com uma proteção jurídica similar. Em sintonia com a visão de mercado, o direito de uso de água é um bem principal e não acessório a terra ou ao uso para qual ele tenha sido originalmente destinado. Sendo assim, pode ser livremente transferido (LANNA, 1999). Não existem prioridades entre os diversos usos, segundo Lanna (1999), justificando que existindo disponibilidade de água e a outorga desta disponibilidade não afetando negativamente a terceiros, a autoridade pública poderá concedê-los a quem os solicitar ressaltando que havendo mais de um interessado, é realizado um leilão. Afirma ainda que o Código de Águas é 64 fundamentado na criação de um mercado de direitos de uso de água, sem intervenção do poder público, ao qual são entregues as decisões sobre investimento e desenvolvimento dos setores usuário da água. Lanna (1999) afirma que o Código de Águas concebe um Estado que orienta sua atuação a tarefas normativas e regulatórias, e ao fomento e desenvolvimento daquelas áreas que o setor privado não pode, ou não se interessa, em assumir. No arranjo institucional produzido, segundo o autor, cabe ao Estado, através da Direção Geral de Águas: gerar a informação hidrológica, regular do uso da água evitando conflitos com direitos de terceiros ou a sua superexplotação, regular os serviços associados à água através da outorga (água potável, hidroeletricidade), conservar e proteger a água, apoiar a satisfação dos requerimentos básicos dos setores mais pobres da população e promover, gerir e, na medida em que existam benefícios sociais, apoiar o financiamento de obras de irrigação e as grandes obras hidráulicas, que devido as suas complexidades não têm possibilidade de serem assumidas pelo setor privado (através da Direção Nacional de Irrigação e dos Distritos de Irrigação). Aos agentes privados cabe: estudar, financiar e implementar os projetos de desenvolvimento associados à água, organizar em organismos de usuários de água para a distribuição das águas de acordo com os direitos e realizar a manutenção dos sistemas comunitários. Aspectos importantes da organização, de acordo com Lanna (1999), são: a centralização em uma única instituição das tarefas de medição, a investigação e administração dos recursos hídricos e a separação das tarefas de regulação da água e do meio ambiente, das de regulação dos usos setoriais. O autor afirma ainda que o fato das bacias hidrográficas serem áreas relativamente pequenas, se comparadas as de outros países, pode ser considerada uma situação propícia para implantação de um mercado de águas, pois, contribui para uma certa pulverização dos agentes privados, diminuindo as dimensões das intervenções e os custos de investimentos. 7.6 Uruguai O Uruguai é caracterizado por ter boa distribuição espacial e temporal de água e por essa razão a opinião pública não percebe este tema como fator limitante para o desenvolvimento ou para a qualidade de vida (LOUREIRO, 1998). O sistema uruguaio de acordo com Lanna (1999) data de 1911 onde o órgão gestor nacional é a Direção Nacional de Hidrografia do Ministério de 65 Transportes e Obras Públicas cujas atribuições são a operação, a manutenção e o desenvolvimento dos portos desportivos públicos, a manutenção das vias navegáveis interiores e a administração dos recursos hídricos, com exceção das questões relacionadas à qualidade de água (que cabem à Direção Nacional de Meio Ambiente do Ministério de Habitação, Ordenamento Territorial e Meio Ambiente, criado em 1990). Não há uma coordenação operacional entre estas entidades, a não ser pontual e esporadicamente entre seus funcionários, o que cria dificuldades e desníveis de gestão, estabelecendo incertezas entre os usuários (LOUREIRO, 1998). O Código de Águas de 1978 regulou o manejo da água, segundo Lanna (1999), estabelecendo o poder executivo como autoridade máxima nesta matéria, detalhando as condutas a serem seguidas em distintas circunstâncias, reconhecendo a existência de águas de domínio público e privado, com uma diferenciação não muito precisa, que tem acarretado alguns conflitos de interpretação. É prevista a participação dos usuários na tomada de decisões, através de audiências públicas para as quais são convidadas as partes afetadas. A situação uruguaia em relação à água, não considerada um recurso escasso, tem influencia no modelo institucional permitindo que uma organização tradicional, fortemente baseada na intervenção do Estado, consiga lidar com a maior parte dos problemas. Há um projeto de lei em análise no parlamento que busca melhor especificar o domínio da água, como forma de melhor subsidiar a ação pública. 66 8. A GESTÃO DE RECURSOS HÍDRICOS NO BRASIL Vários foram os modelos de gestão das águas instituídos no Brasil no último século. A exemplo do processo anteriormente descrito, o país passou de um modelo burocrático, para o econômico-financeiro e adentrando ao modelo sistêmico de integração participativa de cunho gerencial. (MSIP). Desta forma faz-se necessária à compreensão da evolução histórica da gestão dos recursos hídricos no Brasil, de modo a melhor caracterizar a atual política de gestão das águas. 8.1 Evolução histórica A gestão das águas no Brasil não é recente iniciando-se desde 1909 (SETTI et al, 2001). Freitas, porém, afirma que o processo de gerenciamento de recursos hídricos no Brasil teve início em 1904 com a criação da Comissão de Açudes e Irrigação, da Comissão de Estudos e Obras Contra os Efeitos da Seca e da Comissão de Perfuração de Poços, observando que em 1906 foi criada a Superintendência de Estudos e Obras Contra os Efeitos da Seca (que futuramente transformou-se no Departamento Nacional de Obras Contra as Secas – DNOCS). (FREITAS, 2000). Já para Lanna, o início da institucionalização do gerenciamento das águas no Brasil data de 1920 com a Comissão de Estudos de Forças Hidráulicas, criada no âmbito do Serviço Geológico e Mineralógico do Ministério da Agricultura, lembrando ainda que em 1933 o Serviço Geológico e Mineralógico foi reformulado e contemplado com uma Diretoria de Águas, posteriormente transformada em Serviço de Águas. (LANNA, 1997). Em 1934 surge no âmbito do Ministério da Agricultura o Departamento Nacional da Produção Mineral – DNPM, que acolheu o Serviço de Águas. Data deste mesmo ano à criação do Departamento Nacional de Obras de Saneamento – DNOS e a elaboração do Código das Águas idealizado pelo jurista Alfredo Valadão. O Código das Águas foi estabelecido pelo Decreto Federal nº 24.634, de 10.07.1934, consolidando, na época, a legislação básica brasileira de águas. O código formulava alguns princípios que podem ser considerados como um dos primeiros instrumentos de controle do uso de recursos hídricos no país, sendo caracterizado como fruto de um modelo burocrático de gestão, fundamentado em uma concepção racionalista. (LUCHINI, 67 1999). No Código das Águas o Estado assumiu o poder regulador das atividades relacionadas aos recursos hídricos, deixando de contemplar a participação da sociedade em qualquer etapa de elaboração das diretrizes ou qualquer ação relativa ao tema (LEAL 2003). Ressalta-se que neste momento histórico estava-se vivenciando a época do Estado Novo. Nesta 1ª fase, a oferta de água superava a demanda e o gerenciamento se concentrava na luta contra inundações, na regularização dos cursos de água, na captação para abastecimento público, na produção de energia, entre outros (PEREIRA, 2002). Em 1939 foi criado o Conselho Nacional de Águas e Energia Elétrica – CNAEE. Em 1940, com a aprovação do regimento do DNPM, o Serviço Geológico e Mineralógico foi transformado em Divisão de Geologia e Mineralogia e o Serviço de Águas em Divisão de Águas. No início da década de 50, as atribuições e competências do setor hídrico permanecem sob a responsabilidade do Ministério da Agricultura. Em julho de 1960, foi criado o Ministério das Minas e Energia – MME, que incorporou na sua estrutura o Conselho Nacional de Águas e Energia Elétrica. Em 1961, o DNPM foi desligado do Ministério da Agricultura passando a integrar o MME. Em 1965, a divisão de Águas do DNPM transformou-se no Departamento Nacional de Águas e Energia – DNAE, tendo sua denominação alterada em 1977 para o Departamento Nacional de Águas e Energia Elétrica - DNAEE (LANNA, 1997, p. 28) acolhendo inclusive, o CNAEE (BESNOSIK, 1996; FREITAS, 2000; PEREIRA, 2002). Com o desenvolvimento acelerado das atividades industriais, da agricultura e a expansão da ocupação urbana, surgiram conflitos entre demanda e oferta de água e na tentativa de minimizá-los, optou-se pela construção de obras hidráulicas de grande porte. Pode-se identificar, neste período, que vai de 1940 a 1970, uma 2ª fase de implementação com um modelo econômico-financeiro. Lanna afirma que pretendia-se promover o desenvolvimento regional a partir de investimentos em obras hidráulicas e de infra-estrutura básica, complementadas com um programa de desenvolvimento agrícola, sendo que, essa ideologia de planejamento, enquanto instrumento de política estatal, foi adotada, de forma pioneira nesse período, destacando-se duas experiências que merecem ser citadas: uma em 1948, quando foi criada a Comissão do Vale do São Francisco - CVSF, hoje CODEVASF, “e a segunda experiência refere-se à criação dos Comitês Especiais de Estudos Integrados de Bacias Hidrográficas – CEEIBH (a exemplo do 68 CEEIVASF - Comitês Especiais de Estudos Integrados Vale do Rio São Francisco e o CEEIVAP - Comitês Especiais de Estudos Integrados Vale do Paraíba do Sul). (LANNA, 1999). Foi criada em outubro de 1973, a Secretaria Especial de Meio Ambiente - SEMA, no Ministério do Interior, onde um dos primeiros trabalhos foi o estabelecimento da classificação das águas interiores em parceria com o DNAEE, órgão responsável pela outorga de água (PEREIRA, 2003). Por conseguinte, através de Portaria Interministerial dos Ministérios do Interior e das Minas e Energia, instituiu-se os comitês com o objetivo de fazer "a classificação dos cursos de água da União, bem como o estudo integrado e acompanhamento da utilização racional dos recursos hídricos das bacias hidrográficas dos rios federais, no sentido de obter o aproveitamento múltiplo de cada manancial e minimizar as conseqüências nocivas à ecologia da Região" (Portaria nº 90 de 29 de março de 1978, MME/MINTER). No final da década de 70, surge uma proposta de gerenciamento de recursos hídricos ou de “gestão integrada de recursos hídricos”, que incorpora também as reivindicações de cunho ambientalista, tendo como objetivo geral assegurar a preservação, o uso, à recuperação e a conservação dos recursos hídricos, em condições satisfatórias para os seus múltiplos usuários e de forma compatível com o desenvolvimento equilibrado e sustentável da região. (PEREIRA, 2002). Entra-se então na 3ª fase do gerenciamento de recursos hídricos - Modelo Sistêmico de Integração Participativa (MSIP), caracterizada pelo aumento significativo da produção industrial e agrícola, associado ao crescimento populacional dos grandes centros urbanos, e pela escassez da água, originando assim, competições entre os diversos usuários, ou entre os diferentes setores da administração. Nesta fase a implantação da política estatal de desenvolvimento exigia investimentos maciços na apropriação dos recursos naturais e na expansão das “fronteiras” nacionais. Cabe ressaltar que, nesse período, o Brasil ingressou na modernidade por meio da “via autoritária, e pelo projeto geopolítico de Brasil-Potência, elaborado e gerido pelas forças armadas” segundo Pereira, (2002) (apud Becker e Egler, 1993), deixando profundas marcas sobre a sociedade e nos espaços regionais, destacando-se os problemas sociais e ambientais, sem falar do peso econômico da dívida externa. A década de 1980, que ficou conhecida nos meios econômicos como a “década perdida”, ficou também fortemente marcada pelo retorno da participação pública, por meio de entidades civis, em questões políticas e sócio-ambientais, que teve impulso a partir do enfraquecimento do poder militar e da volta gradativa à democracia, em meados dos anos 80. Magyar (et al, 1996) 69 afirma que além da falta de bases organizacionais e institucionais adequadas, existia a carência de técnicos e especialistas capacitados para viabilizar a implantação dos complexos sistemas de gestão e aumentar o diálogo entre tais especialistas e os decisores políticos, num momento em que se defendia a necessidade de reforma do Estado. Na Constituição Federal de 1988 a dominialidade das águas ganha um novo cenário deixando de existir as águas municipais e privadas previstas no Código as Águas. A Constituição Federal estipulou como competência da União e dos Estados legislarem de maneira complementar sobre os recursos hídricos superficiais, com autonomia para a implantação de uma política que regulasse os usos e a gestão desse recurso, fazendo com que os municípios ficassem impossibilitados de interferir de maneira direta na gestão dos recursos hídricos a não ser através da gestão territorial. Em 1995 foram criados, pelo Governo Federal, o Ministério do Meio Ambiente, dos Recursos Hídricos e da Amazônia Legal e a Secretaria de Recursos Hídricos - SRH, sendo que a primeira atividade da SRH foi trabalhar, junto ao Congresso Nacional, o projeto de lei da Política Nacional de Recursos Hídricos (PNRH). Com a reforma do aparelho estatal empreendida no âmbito do Ministério da Administração da Reforma do Estado (MARE) indicou-se a necessidade de remeter para novas autarquias especiais, ditas agências reguladoras e implementadoras, as funções executivas inerentes ao campo das atividades exclusivas do Estado, sendo então que em 1996 criou-se a Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL) que assumiu as atribuições que estiveram a cargo do DNAEE e da SRH. Através de recomendação do Ministério de Minas e Energia propôsse a criação do Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos (SNGRH), previsto na Constituição Federal de 1988, e instituído pelo PNRH, efetivado com a sanção da Lei Federal 9.433 de 8 de janeiro de 1997 – “Lei das Águas”. A Lei nº 9.649, de 27 de maio de 1998, regulamentada pelo Decreto nº 2.972, de 26 de fevereiro de 1999 institui o Ministério do Meio Ambiente (MMA), como órgão institucional responsável pela gestão de recursos hídricos no Brasil através da SRH. A SRH recebe então a competência de implantar a PNRH, propor normas, definir estratégias e implementar programas e projetos no âmbito da gestão integrada, do uso múltiplo sustentável dos recursos hídricos. Encontra-se também sob a responsabilidade da SRH, a implementação do SNGRH, criado pela Lei 9.433/97. 70 8.2. A Lei das águas e o modelo de gestão hídrica As diretrizes gerais da Lei das Águas “defendem uma visão integrada dos recursos hídricos, tal que os mesmos sejam considerados dentro de um todo articulado, um sistema compreendendo o sistema água-ar-solo-vegetação, continente e oceano, segundo as dimensões físicas, bióticas, econômicas, sociais e culturais, nas diferentes escalas de abordagem” (SAITO, 2001). A introdução da gestão participada da água aparece como uma inovação na Lei, sendo que para não torna-la ineficaz o controle social deve encontrar “meios de contínua e organizada informação”. (FREITAS, 2000). O então Secretário de Recursos Hídricos, Raymundo José Santos Garrido em seus comentários sobre aspectos institucionais da gestão das águas cita o quarto princípio da Lei 9.433/97 – gestão descentralizada e participativa – afirmando que: A filosofia por trás da gestão descentralizada é a de que tudo quanto pode ser decidido em níveis hierárquicos mais baixos de governo não será resolvido por níveis mais altos dessa hierarquia. Em outras palavras, o que pode ser decidido em âmbito de governos regionais, e mesmo locais, não deve ser tratado em Brasília ou nas capitais de estados. Quanto à gestão participativa, esta constitui um método que enseja aos usuários, à sociedade civil organizada, as ONGs e outros agentes interessados a possibilidade de influenciar no processo da tomada de decisão sobre investimentos e outras formas de intervenção na bacia hidrográfica. (GARRIDO, 2002). Há uma tentativa deliberadamente difundida de considerar a participação dos comitês como uma legítima manifestação da democratização da gestão hídrica. A afirmação de Garrido não revela porém, que o reordenamento do poder decisório não importou necessariamente em autonomia e capacidade de decisão por parte dos novos atores envolvidos dentro deste processo. Não desconsiderando a abertura deste espaço participatório, há de se questionar os desequilíbrios de forças nas instâncias decisórias e a ausência de autonomia por parte destas. A Lei Federal nº 9433/97 instituiu o SNGRH onde uma das principais atribuições é promover a gestão integrada, descentralizada e participativa dos recursos hídricos, equilibrando esforços da União e suas entidades regionais, dos Estados, dos municípios, dos usuários da água e das comunidades envolvidas. Cabe ainda ao SNGRH estimular a implementação dos instrumentos da PNRH. A operacionalidade do SNGRH, no que tange as inter-relações institucionais, define em si mais um desafio de natureza prática na sua implementação visto que o 71 seu processo de implantação e consolidação “representa um notável esforço na criação de um complexo aparato legal e institucional” apresentando como desafio o enfrentamento da tensão permanente entre os diferentes, e não raro conflitantes interesses setoriais e intra-setoriais em torno do uso da água. (NOVAES, 2000). O SNGRH, sugere a organização institucional em duas instancias de dominialidade da água (Federal e Estadual) bem como em duas fases diferenciadas da definição da política pública destacando a formulação e a implementação com suas instituições definidas conforme Figura 2 abaixo apresentada. O SNGRH tem como objetivos centrais coordenar a gestão integrada das águas, arbitrar sobre conflitos e implementar a PNRH. De acordo com o Capítulo I, Art 33 da Lei 9433/97, integram o Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos: o Conselho Nacional de Recursos Hídricos - CNRH; a Agência Nacional de Águas13 - ANA (art 30, da Lei 9984/2000); os Conselhos de Recursos Hídricos dos Estados e do Distrito Federal; os órgãos dos poderes públicos federais, estaduais, do Distrito Federal e municipais cujas competências se relacionem com a gestão de recursos hídricos; e as Agências de Água. Figura 2: Representação do Sistema Nacional de Gestão de Recursos Hídricos Fonte: ANA (2002) 13 Em 17 de julho de 2000 a Lei nº 9.984 instituiu a Agência Nacional de Águas que tem com principais atribuições enquanto órgão gestor das águas de domínio da União: outorgar o direito de uso da água, fiscalizar os usos, implementar a cobrança pelo uso; arrecadar, distribuir e aplicar receitas auferidas por intermédio da cobrança; planejar e promover ações destinadas a prevenir e minimizar os efeitos de secas e inundações; definir e fiscalizar as condições de operação de reservatórios por agentes públicos e privados, visando o uso múltiplo de recursos hídricos; estimular e apoiar as iniciativas voltadas para a criação de organismos de bacia. (ANA, 2002). 72 a) Conselho Nacional de Recursos Hídricos CNRH foi regulamentado pelo Decreto nº 2.612 de 03 de junho de 1998 tornando-se o foi o primeiro órgão do sistema a ser criado pela nova legislação com atribuições consultivas e deliberativas no sistema de gestão dos recursos hídricos no Brasil, integrante da estrutura regimental do MMA. É composto por representantes dos Ministérios e Secretarias da Presidência da República com atuação no gerenciamento ou no uso de recursos hídricos, por representantes indicados pelos Conselhos Estaduais de Recursos Hídricos, por representantes dos usuários dos recursos hídricos e por representantes de organizações civis de recursos hídricos. Conforme art. 34, parágrafo único, da Lei 9.433/97 há limitação na composição do Conselho em relação aos representantes do Poder Executivo Federal que não devem exceder a metade mais um do total dos membros. Figura 3 – Estrutura do Conselho Nacional de Recursos Hídricos Fonte: Freitas 2000 p. 88 Como competências fundamentais do CNRH cabe-lhe a tarefa de arbitrar, em última instância administrativa, os conflitos existentes entre Conselhos Estaduais de Recursos Hídricos e 73 deliberar sobre os projetos de aproveitamento de recursos hídricos cujas repercussões extrapolem o âmbito dos Estados em que serão implantados. No CNRH, organizações da sociedade estão sub-representadas em relação aos órgãos governamentais e aos setores industriais e os ligados à irrigação, ou seja, setores com claros interesses econômicos quanto ao uso das águas. (SOUZA, 1999). A composição do CNRH, não representa de modo eqüitativo todos os setores usuários, privilegiando aqueles usuários para quem a água pode ser considerada como um bem econômico. Desse modo, embora a política estabeleça diretrizes que garantem a não exclusão de nenhum usuário, corre-se o risco de que o CNRH tome decisões que impliquem perdas para os setores pouco ou não representados em seu interior. De acordo com art. 42 da Lei 9.433/97, verificada a dominialidade dos rios, o Conselho Nacional ou os Conselhos estaduais, devem autorizar a criação das Agências de Água, mediante solicitação de um ou mais comitês de bacia. b) Agência Nacional de Águas A Lei nº 9.984, de 17 de julho de 2000 instituiu ANA que tem com principais atribuições: outorgar o direito de uso da água, fiscalizar os usos, implementar a cobrança pelo uso; arrecadar, distribuir e aplicar receitas auferidas por intermédio da cobrança; planejar e promover ações destinadas a prevenir e minimizar os efeitos de secas e inundações; definir e fiscalizar as condições de operação de reservatórios por agentes públicos e privados, visando o uso múltiplo de recursos hídricos; estimular e apoiar as iniciativas voltadas para a criação de organismos de bacia. Compete ainda a ANA, de acordo com o Art 44 da Lei nº 9.984 propor ao Comitê o enquadramento dos corpos d’água para posterior encaminhamento ao respectivo Conselho Nacional ou Conselho Estadual de Recursos Hídricos, de acordo com o seu domínio. c) Conselhos Estaduais de Recursos Hídricos Os Conselhos Estaduais, de acordo com o texto da lei federal, além de integrarem o Sistema Nacional de Recursos Hídricos (Art. 33, II, da Lei 9.433/97), têm a competência de instância recursal dos Comitês de Bacia hidrográficas de rios de domínio estadual (art. 38, parágrafo único, da Lei 9.433/97); autorizar a criação de agências de Águas em bacias de rios de 74 domínio estadual (art. 42 parágrafo único, da Lei 9.433/97); deliberar sobre "as acumulações, derivações, captações e lançamentos de pouca expressão, para efeito de isenção da obrigatoriedade de outorga de direito de uso de recursos hídricos, de acordo com os domínios destes" (art. 38, V, da Lei 9733/97) e por fim, "encaminhar aos órgãos estaduais de meio ambiente, pedido de enquadramento dos corpos d'água propostos pelas Agências de Águas" (MACHADO, 2000). d) Comitês de Bacia Hidrográfica Os Comitês de Bacia Hidrográfica (CBH) são órgãos colegiados integrados por representantes da União, dos Estados e do Distrito Federal, e dos Municípios cujos territórios se situem, ainda que parcialmente, em suas respectivas áreas de atuação, dos usuários das águas da bacia e das entidades civis de recursos hídricos com atuação comprovada na bacia. Nas bacias cujas áreas abranjam terras indígenas devem ser incluídos representantes da Fundação Nacional do Índio - FUNAI e das comunidades indígenas ali residentes ou com interesses na bacia. Figura 4 – Composição dos Comitês de bacia hidrográfica Fonte: Freitas 2000 p. 89 75 Em área de Quilombolas deve ser garantida a disponibilidade de uma vaga para o representante dos Quilombos residentes na bacia. Deverá haver de acordo com o art 39 § 2º, nos Comitês das bacias de rios fronteiriços, ou transfronteiriços de gestão compartilhada, um representante do Ministério das Relações Exteriores. Os Comitês, de acordo com art 37 da Lei nº 9.433/97 terão como área de atuação a totalidade de uma bacia hidrográfica, ou em uma sub-bacia de tributário do curso de água principal da bacia, ou tributário deste tributário, ou em grupo de bacias ou sub-bacias hidrográficas contíguas. Compete a eles, de acordo com art 38 da referida Lei: I - promover o debate das questões relacionadas a recursos hídricos e articular a atuação das entidades intervenientes; II - arbitrar, em primeira instância administrativa, os conflitos relacionados ao uso dos recursos hídricos; III - aprovar o Plano de Recursos Hídricos da bacia; IV - acompanhar a execução do Plano de Recursos Hídricos da bacia e sugerir as providências necessárias aos cumprimentos de suas metas; V – propor ao Conselho Nacional e aos Conselhos Estaduais de Recurso Hídricos as acumulações, derivações, captações e lançamentos de pouca expressão, para efeito de isenção da obrigatoriedade de outorga de direitos de uso de recurso hídricos, de acordo com o domínio destes; VI – - estabelecer os mecanismos de cobrança pelo uso dos recursos hídricos e sugerir os valores a serem cobrados. (Art. 38 da Lei 9.433/97). e) Agência de Bacia As Agências funcionam como secretária executiva do respectivo ou dos respectivos comitês de bacia hidrográfica, tendo como área de atuação a mesma do referido comitê, sendo que sua criação será autorizada pelo CNRH (ou pelos Conselhos Estaduais) mediante solicitação de um ou mais comitês (art 41e 42 da Lei nº 9433/97). De acordo com o art 44 da Lei nº 9.433/97 compete às Agências de Água muitas atribuições de natureza executiva tais como, no âmbito de sua atuação manter balanço atualizado da disponibilidade de recursos hídricos; manter cadastro de usuários; efetuar mediante delegação do outorgante, a cobrança pelo uso de recursos hídricos; analisar e emitir pareceres sobre projetos; acompanhar a administração financeira dos recursos arrecadados; gerir o sistema de informações; celebrar convênios e contratar financiamentos; elaborar proposta orçamentária submetendo-a ao comitê; efetuar estudos necessários a gestão; elaborar Planos Diretores de 76 Recursos Hídricos; propor ao comitê o enquadramento dos corpos d’água, os valores a serem cobrados pelo uso da água, o plano de aplicação dos recursos arrecadados e o rateio de custo das obras de uso múltiplo de interesse comum e coletivo. A criação destas Agências deverá ser condicionada à prévia existência do(s) Comitê(s) e à sua viabilidade financeira, que deverá ser assegurada pela cobrança pelo uso da água. As organizações civis de recursos hídricos são consórcios ou associações intermunicipais de bacias hidrográficas, associações regionais, locais ou setoriais de usuários de recursos hídricos, organizações técnicas e de ensino e pesquisa, com interesse na área de recursos hídricos, organizações não governamentais com objetivos na defesa de interesses difusos e coletivos da sociedade, e outras organizações reconhecidas pelo Conselho Nacional e pelos Conselhos Estaduais de Recursos Hídricos (CERH). f) Organizações Civis de Recursos Hídricos As Organizações Civis podem integrar o SNGRH, sendo que de acordo com o art 48 da Lei 9.433/97 devem ser legalmente constituídos. Para os efeitos da Lei 9.433/97, são consideradas organizações civis, de acordo com o art 47: os consórcios e associações intermunicipais de bacia hidrográficas; as associações regionais e locais ou setoriais de usuários; as organizações técnicas e de ensino e pesquisa com interesses na área; as ONG’s com objetivos de defesa de interesses difusos e coletivos da sociedade; e as organizações reconhecidas pelo Conselho Nacional ou pelos Conselhos Estaduais de Recursos Hídricos. Os consórcios e associações intermunicipais de bacias hidrográficas poderão receber por delegação do Conselho Nacional ou dos Conselhos Estaduais de Recursos Hídricos, de acordo com art 51 da Lei 9.433/97, funções das Agências de Água, enquanto estes organismos não estiverem constituídos, sendo que este ato deverá ser por tempo determinado. 77 9. A GESTÃO DE RECURSOS HÍDRICOS EM ALGUNS ESTADOS BRASILEIROS Uma das principais características da PNRH e que lhe confere o caráter de uma política inovadora no campo das políticas públicas é o binômio da descentralização e participação. No aspecto da descentralização o planejamento da gestão dos recursos hídricos é elaborado pela bacia hidrográfica - em consonância com os interesses de todos os usuários da mesma bacia, onde programas e intervenções são decididos na própria bacia, bem como as prioridades para o investimento dos recursos financeiros, estabelecidas no Plano de Recursos Hídricos. A adoção da bacia hidrográfica como unidade de planejamento coloca a necessidade da cooperação entre União, estados e municípios, no caso de rios federais e também nos casos dos rios estaduais. Coloca ainda a necessidade de cooperação dos municípios entre si, bem como, pela composição dos Comitês, dos diversos usuários e o poder público. No aspecto relativo a participação tem-se como premissa o compartilhamento da gestão, a definição das diretrizes políticas e a formatação institucional que se pretende participativa, envolvendo a União, estados, municípios, usuários e sociedade civil. Entende-se que esse caráter participativo deve envolver a democratização do processo decisório e a descentralização dos mecanismos institucionais que o abrigam. Do ponto de vista da inspiração do texto legal, as possibilidades de participação desses setores deverão criar condições que favoreçam a cooperação entre eles - poder público, usuários e organizações da sociedade civil - uma vez que esses setores compõem os órgãos responsáveis pela tomada de decisões, nesse caso, os CBH e o Conselho de Recursos Hídricos. Azevedo e Baltar (2000) colocam como avanço nas últimas três décadas no setor de recursos hídricos a atuação do Banco Mundial, que tem apoiado através de “investimentos em projetos de gerenciamento de recursos hídricos, irrigação, abastecimento de água, saneamento básico, controle de enchentes, controle ambiental e energia hidrelétrica”, não só no Brasil como em outros países. Algumas das áreas beneficiadas são: os estados do Ceará, Bahia, Rio Grande do Norte e os projetos do Governo Federal que são PROÁGUA/ semi-árido; Novo Modelo de Irrigação e PROÁGUA/Nacional; Projeto de Gerenciamento e Integração de Recursos Hídricos da Bacia do Paraíba do Sul. Não se pode deixar de concordar que os investimentos dos organismos multilaterais de financiamento foram relevantes para o estabelecimento do atual modelo de gestão de recursos 78 hídricos no Brasil, porém não se pode também ingenuamente acreditar na ausência de interesse destes organismos que verdadeiramente atuam com vistas a ampliar espaços para investimentos da iniciativa privada. Desta forma estes organismos influenciaram fortemente a política de recursos hídricos do Brasil, financiando a sua discussão e formulação que culminou com a adoção de parte de um receituário neoliberal de gestão, a exemplo da cobrança da água, do reconhecimento do seu valor econômico e da substituição de funções do estado por outros agentes pertencentes ao sistema de gestão hídrica. Para Johnsson e Lopes (2003) “o Brasil constitui hoje um mosaico de experiências de gestão em diferentes esferas de atuação e em diferentes estágios de construção, que determinam ou influenciam a dinâmica local em torno dos novos organismos da bacia”. Com o objetivo de melhor caracterizar a experiência de gestão das águas na Bahia apresentaremos as principais experiências de implantação do processo participativo, em alguns estados brasileiros. 9.1 Estado de São Paulo Para Bustos (2003) a preocupação com a gestão das águas no estado de São Paulo começou em 1940, em decorrência das altas taxas de poluição das águas, decorrentes do padrão de crescimento industrial e populacional, ineficiência dos serviços de abastecimento de água e coleta de esgoto – o que veio a suscitar a criação da primeira legislação específica do Estado. No final dos anos 80, São Paulo pôs em vigor o CERH, que formou o Comitê Coordenador do Plano Estadual de Recursos Hídricos (PERH), e visando a articulação política e técnica da administração pública, instituiu o Sistema Estadual de Gestão de Recursos Hídricos. Segundo Johnsson e Lopes (2003) a partir da promulgação da Lei nº 7.633/91, sobre a Política Estadual de Recursos Hídricos e o Sistema Integrado de Gerenciamento de Recursos Hídricos - SIGRH, faz-se à inserção social através da institucionalização dos Comitês de Bacias Hidrográficas. O primeiro comitê estadual foi o dos rios Piracicaba, Capivari e Jundiaí, em 1993, servindo de modelo para a implantação de outros comitês. O PERH de 1994 definiu a divisão hidrográfica do território paulista em 22 Unidades de Gerenciamento de Recursos Hídricos (UGRHI’s), nas quais se formaram os comitês de bacias 79 hidrográficas, desencadeando assim, o processo de descentralização. Foram formados 21 comitês de bacias para gerenciar as 22 bacias hidrográficas das 22 unidades. O sistema paulista preconiza uma divisão tripartite, com um terço de representatividade para cada segmento do Estado, município e sociedade civil organizada (sindicatos, organizações ambientalistas e associações comunitárias) com apoio técnico e administrativo de suas agências de bacias. Para Bustos (2003) apesar dos avanços políticos e ambientais, “existe uma ineficiência para conter a degradação das águas e do meio ambiente em razão dos altos custos de desagravo pelos prejuízos causados e pelo déficit no planejamento integrado sob o controle social”. O processo de construção da gestão participativa da água tem como marco o Comitê da Bacia Hidrográfica do rio Paraíba do Sul (CBH-PS), que decorreu da aplicação da lei das águas paulista de 1991. Ressalta-se porém que o CBH-PS compreende os Estados de São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais (tratando-se portanto de um comitê federal), ficando na área de São Paulo o segmento superior do rio. Houve uma grande autonomia técnica para implementação deste comitê devido aos recursos do Fundo Estadual dos Recursos Hídricos (FEHIDRO), que foi operacionalizado em 1995, visando dar suporte financeiro a PERH, incluindo a operacionalização dos CBH. Comentase também sobre o Comitê de Integração sob jurisdição federal (CEIVAP), nos Estados de São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais, criado em 1996 por Decreto Federal, tendo como abrangência a totalidade da bacia do rio. O CEIVAP tem como prioridade a criação de sua Agência de Bacia e operacionalização da cobrança pelo uso da água. Por ser pioneira na implementação do sistema de gestão dos recursos hídricos em bacias de rios federais tem contado com apoio da ANA. A experiência e participação no CBH-PS, facilitaram o processo de implantação no CEIVAP. Independentemente das tendências políticas e sociais, a mobilização pública e privada em torno do rio Piracicaba é reconhecida regional, estadual e nacionalmente como uma referência. A efetivação do comitê aconteceu em 1993, abrangendo as três bacias, de forma integrada e envolveu grupos de trabalhos visando “sensibilizar os diversos agentes sociais envolvidos, no sentido destes colaborarem e legitimarem o processo de instalação do comitê, que para ser bemsucedido, precisava ser construído e não imposto”. (JOHNSSON e LOPES, 2003, p.127). Através da experiência do comitê metropolitano da bacia do Alto Tietê, Neder apresenta três origens para problemas de articulação entre comitê metropolitano e comitês regionais: a 80 assimetria de poder entre agências e entidades do executivo Federal, Estadual e municipal; a prioridades dos executivos municipais; e a composição da sociedade civil não-econômica (heterogeneidade e fragmentação da representação social) (NEDER, 2002). Percebe-se que nas instâncias colegiadas ocorrem negociações, às vezes bem estruturadas podendo trazer benefícios ou ameaças à sobrevivência do colegiado ao excluir as possibilidades de participação de grupos com pouca articulação ou “coordenação estratégica”. 9.2 Rio de Janeiro Os recursos hídricos são administrados indiretamente através de um conjunto de leis, decretos, portarias e deliberações sobre proteção do meio ambiente sendo que a fiscalização sobre os mesmos é tarefa da Comissão Estadual de Controle Ambiental (CECA) que é uma entidade colegiada, integrante da Secretaria Estadual de Meio Ambiente (SEMA), exercendo o poder de polícia inerente ao controle da poluição. O Estado do Rio de Janeiro, buscando os instrumentos adequados para recuperar e conservar os corpos de água sob seu domínio e gerenciar a disponibilidade hídrica, de forma descentralizada e participativa, vinha envidando esforços para elaborar o diploma legal competente, que permitisse sua integração no Sistema Nacional de Recursos Hídricos. O Governo do Estado do Rio de Janeiro sancionou a Lei nº. 3239, no dia 02 de agosto de 1999, que institui a POLÍTICA ESTADUAL DE RECURSOS HÍDRICOS (PERHI), cria o Sistema de Gerenciamento de Recursos Hídricos, regulamentando a Constituição Estadual, em seu artigo 261, parágrafo 1o, inciso VII. A lei estadual não só acompanha as diretrizes gerais da lei federal no 9433/97, como também apresenta algumas novidades em diversos artigos, sobretudo quando trata de características específicas do Estado do Rio de Janeiro, como os Sistemas Lagunares, os aqüíferos subterrâneos e a necessidade da manutenção da biodiversidade aquática. Com a aprovação da lei 3239/99 determinou-se o conteúdo mínimo do Plano Estadual de Recursos Hídricos (PERHI) no seu Art. 9o, assim como os elementos constitutivos dos Planos de Bacias Hidrográficas nos Artigos 13 a 15. Em 14 de março de 2000, para fins de Planejamento Ambiental, o Decreto 26.058 dividiu o Estado do Rio de Janeiro em 7 (sete) Macrorregiões 81 Ambientais (MRA). Tais regiões seguiram, de uma maneira geral, os limites das principais bacias hidrográficas, incorporando algumas bacias vizinhas, para efeito do Planejamento Ambiental, de acordo com o espírito das leis federais nº 6938/81 e nº 9433/97. Para que o Sistema de Gestão de Recursos Hídricos evolua no Estado do Rio de Janeiro e se torne efetivo é necessário que se regulamente a Lei estadual 3.239/99, sobretudo, no que diz respeito aos Comitês de Bacias, as Agencias de Água, a outorga, a cobrança pelo uso dos recursos hídricos e o Fundo de Recursos Hídricos (FUNDRHI), que se implante os Comitês de Bacias Hidrográficas e as Agências de Bacia, e que se elabore os PBH e o PERHI. Atualmente diversas Secretarias, órgãos públicos e entidades privadas, interessadas nas discussões para regulamentação da Lei estão se reunindo com esse objetivo, já existindo um documento prévio elaborado pela SEMADS. Este documento intitulado "Bases para Discussão da Regulamentação dos Instrumentos da Política de Recursos Hídricos do Estado do Rio de Janeiro" apresenta os resultados de um Grupo de Trabalho, composto por técnicos multidisciplinares de diferentes instituições do Governo do Estado. O trabalho foi realizado durante o ano de 2000, no âmbito do Projeto PLANÁGUA, com o objetivo de oferecer à sociedade do Estado do Rio de Janeiro uma primeira versão à implementação da Lei Estadual 3.239/99. O Projeto PLANÁGUA SEMADS/GTZ - de Cooperação Técnica Brasil - Alemanha apoiou este trabalho, contratando o consultor, organizando uma oficina de trabalho participativo e reuniões consecutivas do grupo. Dos itens a serem implementados foi assinado apenas o Decreto 27.208 de que criou o CERH - Conselho Estadual de Recursos Hídricos, instalado em 01 de dezembro de 2000. 9.3 Minas Gerais A Lei Estadual 13.199/99, institui a política de recursos hídricos do estado de Minas Gerais, incentivando o processo participativo, principalmente com envolvimento da sociedade civil, atribuindo aos comitês a elaboração do Plano Diretor, atribuindo-lhe poder deliberativo real na aprovação de planos de aplicação de recursos, contratação de obras e serviços, celebração de convênios entre outros. (NOGUEIRA, 2003). 82 O sistema mineiro é diferenciado dos citados anteriormente, por possuir sistema de composição do comitê quadripartite constituído por: executivo estadual, poder público municipal, usuários e sociedade civil. Segundo Nogueira (2003), o Comitê do Rio das Velhas é o primeiro do estado sendo que sua criação e funcionamento em 1999 estão ligados à existência de projetos relacionados à gestão de recursos hídricos. O processo ocorreu de forma apressada, segundo a autora, inviabilizando a participação de forma efetiva nas reuniões de mobilização e implantação. Afirma ainda que o grande desafio deste comitê é o “fortalecimento de lideranças locais que garantam o desenvolvimento de uma base social, permitindo assim a construção de uma identidade da população da bacia que assegure os funcionamento independentemente de personalismos e disputas ideológicas ou político-partidárias”. 9.4 Rio Grande do Sul O Sistema Estadual de Recursos Hídricos do Rio Grande do Sul, instituído pelo Decreto n° 30.132, de 13 de maio de 1981 (que também criou o Conselho de Recursos Hídricos do Rio Grande do Sul – CONRHIRGS), compreendia um modelo de gestão hídrica, caracterizado pela descentralização, pela participação democrática, envolvendo os múltiplos e competitivos usos. Tinha por finalidades precípuas propor o Plano Estadual de utilização dos recursos hídricos, propor normas para a utilização, preservação e recuperação dos recursos hídricos e instituir mecanismos de coordenação e integração do planejamento e da execução das atividades governamentais no setor hídrico, dentre outras. O Decreto além de definir a composição do Conselho, estabelecia que o mesmo seria assistido por uma Comissão Consultiva que deveria ser formada por representantes da comunidade e do setor empresarial relacionado aos objetivos do Sistema, devendo assegurar a "... mais ampla participação da comunidade" (artigo 8° § 1°). Em 1988, o Decreto n° 32.917, de 25 de julho, atribuiu ao CONRHIRGS a competência para o disciplinamento das águas de domínio do Estado. E, em novembro do mesmo ano, o Decreto n° 8.735 estabeleceu os princípios e as normas básicas para a proteção das águas no Estado. (SEMA, 2004). 83 O atual Sistema Estadual de Recursos Hídricos do Rio Grande do Sul, resultou da evolução do arcabouço institucional-legal, e mais fortemente da experiência concreta de comitês de gerenciamento de bacias, visto que, os primeiros comitês de rios estaduais do Brasil - os dos rios dos Sinos e Gravataí, instalados no em 1988 - trouxeram maturidade necessária à implementação de uma nova forma de gestão das águas rio-grandenses. Ressalta-se que a criação dos comitês dos rios dos Sinos e Gravataí foi marcada pela mobilização de técnicos, administradores e comunidade em geral, em virtude do agravamento dos problemas de poluição nessas duas bacias. A ação interinstitucional de organismos públicos e não governamentais, reunidos na Comissão Consultiva do CONRHIRGS, também contribuiu, de forma decisiva, para a fundamentação do Sistema, visto que essa Comissão resultou dos estudos e trabalhos desenvolvidos por um grupo de, engajados na busca de estratégias aplicadas à gestão das águas. Esses técnicos já tinham trabalhado no Comitê Executivo dos Estudos Integrados da Bacia do Guaíba - CEEIG, na década de 1980. Dessa forma, o conhecimento acumulado com os estudos pioneiros da CEEIG, associado aos subsídios fornecidos pelas experiências sobre o gerenciamento de recursos hídricos em países como a França, a Alemanha, a Inglaterra e os EUA, viabilizaram a formulação de um modelo sistêmico para a administração das águas riograndenses. O Sistema Estadual de Recursos Hídricos, incorporou modernos princípios de gestão das águas adotando a bacia hidrográfica como unidade de gestão, a outorga e a tarifação pelo uso das águas e a reversão dos recursos arrecadados em benefício da própria bacia. Pelo Decreto n° 30.132/1981 os Comitês de Bacia Hidrográfica são formados por representantes dos órgãos que constituem o Sistema Estadual de Recursos Hídricos, sendo presididos pelo titular da Secretaria-Executiva - considerada o órgão de integração do Sistema - e assistidos por Comitês Consultivos. Estes, por sua vez, são formados por Prefeitos Municipais, por representantes do setor produtivo, pela comunidade e por técnicos de órgãos governamentais. A Lei nº 10.350, de 30 de dezembro de 1994 - Lei das Águas, defini os objetivos e princípios da Política Estadual de Recursos Hídricos, reconhecendo a água como um bem público, finito, dotado de valor econômico e sua administração descentralizada e participativa. Destacam-se, como pressupostos da Política Estadual de Recursos Hídricos, o abastecimento da população como uso prioritário e a melhoria da disponibilidade qualitativa e quantitativa dos corpos de água do Estado. Após criação da lei os atores envolvidos articularam-se e organizaram 84 comissões pró-comitês, que tinham como objetivo mobilizar a sociedade para discutir e preparar a formação dos comitês e obter informações sobre a bacia. A aprovação do comitê ocorreu em 1999, com sistema tripartite. Vale ressaltar que em 2001, havia grande desarticulação e ausência de planejamento integrado entre os membros do sistema. (SOARES NETO, FREITAS e AGRA 2003). Segundo o Engº Agrônomo Paulo Paim, Coordenador do Comitesinos, a Secretaria de Recursos Hídricos gaúcha, órgão público de gestão das águas estaduais, começou a se estruturar a partir das pressões dos comitês forçando-os a se organizar para atender as demandas destes. 9.5 Ceará Em 1992, o Estado do Ceará definiu a Política Estadual de Recursos Hídricos a partir da Lei Estadual nº 11.996 (de 24 de julho de 1992) e institui o Sistema Estadual de Gestão de Recursos Hídricos (SIGERH) tendo como princípios básicos do seu modelo a descentralização, integração e participação dos usuários no processo de gestão. O Sistema de Gestão é composto por organismos colegiados tais como os Comitês de bacia, e o CERH. Dentre as características naturais, socioeconômicas e culturais determinantes da realidade do semi-árido cearense, consideradas para a definição da sua PERH, destacam-se a “dependência histórica da população em relação ao Estado” e o “paternalismo que caracteriza as intervenções mais estruturadas dos perímetros públicos de irrigação” (a dependência quase total dos irrigantes em relação aos órgãos governamentais) segundo Garjulli (2001) evidenciando a importância da gestão integrada dos recursos hídricos. A Companhia de Gestão dos Recursos Hídricos do Estado do Ceará (COGERH), criada em 1993 como uma empresa pública vinculada à Secretaria de Recursos Hídricos, é um dos órgãos que tem papel especial no SIGERH, dada a sua responsabilidade de operacionalizar a gestão dos sistemas hídricos do Estado (alguns diretamente e outros em articulação com o DNOCS). Quanto ao aspecto da participação da sociedade na gestão da águas, o Ceará tem sido uma das mais significativas e inovadoras referências do País, com criação de estruturas intermediárias de gestão, no âmbito de açudes e vales perenizados de uma bacia hidrográfica. Segundo Garjulli 85 (2001) o apoio à organização social para garantir a gestão participativa dos recursos hídricos temse mostrado fundamental, referindo-se a algumas formas de organizações preliminares à constituição dos comitês, destacando a formação de conselhos gestores de sistemas hídricos (constituídos por açude, e envolvendo representantes de todos os setores de usuários, de organizações da sociedade civil, do Poder público municipal e instituições governamentais e nãogovernamentais). O município é citado pela autora como um nível importante de apoio ao processo organizativo onde são constituídas as comissões municipais de gestão de recursos hídricos (tem como representantes os usuários, a sociedade civil e o Poder Público). Cita ainda a autora as comissões de usuários dos vales perenizados que define de forma conjunta às ações para o uso mais racional e a preservação dos mananciais. (GARJULLI, 2001) O Comitê das Sub-bacias do rio Jaguaribe, foi formado através da criação inicialmente de organismos colegiados informais e intermediários, com gestão de forma compartilhada já ao nível dos respectivos mananciais. Encontra-se em funcionamento na bacia do Jaguaribe, 36 Conselhos Gestores de Açudes e uma Comissão de Usuários dos Vales do Jaguaribe e Banabuiú com objetivo de deliberar sobre formas de uso e preservação dos mananciais. O processo de criação ocorreu através de reuniões e discussões entre a sociedade civil, poder público e setor usuário. A criação do comitê surgiu de pressão de alguns participantes e da equipe técnica da COGERH. Os recursos financeiros vêm da cobrança e do orçamento do estado e convênios financiados pelo Banco Mundial. Percebe-se certos problemas relativos a manutenção destes organismos tais como a quebra no processo participativo dos comitês das sub-bacias no tocante à comissão de usuários, a falta de assimilação dos conselhos gestores nos comitês trazendo problemas nas negociações e decisões paralelas, e a decisão da COGERH sem constituir uma instituição participativa como é exigido para criação de comitês (este órgão não esta contemplado em lei estadual sendo que as decisões que são tomadas não bastam para garantir o processo de descentralização na implementação dos instrumentos de gestão). 86 9.6 Paraíba A lei paraibana sobre recursos hídricos (Lei 6.308 de 2 de julho de 1996) contém os princípios gerais sobre gerenciamento de recursos hídricos e estabelece como instrumentos de sua política o Sistema, o Plano Estadual e os Planos e Programas Intergovernamentais. Como instrumentos de gerenciamento define a outorga, a cobrança e o rateio dos custos das obras de aproveitamento múltiplo e interesse coletivo. O Sistema de Gerenciamento da Paraíba está organizado com a seguinte composição: x Conselho Estadual, formado por órgãos federais como o DNOCS, a SUDENE e o IBAMA; x Secretaria de Planejamento como órgão integrador; x Grupo Gestor de Recursos Hídricos, órgão gestor, na estrutura da Secretaria. Os Comitês de Bacias serão propostos pelo Conselho e suas competências e estrutura estabelecidos por decreto. A lei paraibana também institui o fundo financeiro. 87 10. A GESTÃO DE RECURSOS HÍDRICOS NA BAHIA O Estado da Bahia é o maior da região Nordeste, o quinto maior estado brasileiro, com cerca de aproximadamente 57% do seu território inserido no “Polígono das Secas”. Devido as grandes extensões territoriais apresenta diferenças na paisagem geográfica, refletindo a interação de diversos elementos naturais. A partir da década de 50, com a implantação da Empresa Petróleo Brasileiro SA (PETROBRÁS), a Bahia vem experimentando crescimento em sua economia, e ocasionando por outro lado a “demanda crescente de uso dos recursos naturais e, conseqüentemente um significativo aumento dos impactos ambientais, a exemplo de: pressão sobre o solo urbano, esvaziamento e empobrecimento da área rural, desmatamento, queimadas e perdas de terras cultiváveis” (SOUZA. 2001). Segundo Kiperstok (2003), “dentro do conjunto de recursos naturais identificados e sob impactos adversos no estado, a questão dos mananciais de abastecimento de água assume posição de destaque no quadro de preocupações”. Além dos conflitos de uso dos recursos hídricos, outros impactos existem como: a geração de poluentes hídricos via esgotos sanitários, drenagem urbana, drenagem de plantações agrícolas e efluentes industriais. Em decorrência dos problemas existentes surge a necessidade de criar instrumentos orientadores como alternativa para intervir na situação instalada. (KIPERSTOK, 2003). A Lei estadual nº 2.321, de 11 de abril de 1966, no seu art. 19, ao estabelecer as competências da Secretaria de Minas e Energia do Estado da Bahia, demonstrou a preocupação com “a distribuição racional dos recursos hídricos” e com a constituição de um cadastro dos recursos hídricos do Estado, configurando como uma das primeiras preocupações institucional na busca da gestão. A instituição do Conselho Estadual de Proteção Ambiental (CEPRAM), através da Lei nº 3.163 de 04/10/73 foi outra iniciativa preliminar na Bahia para regular as questões relativas ao meio ambiente. O CEPRAM estava vinculado a Secretaria do Planejamento, Ciência e Tecnologia . Esta iniciativa fez da “Bahia o primeiro estado brasileiro a criar o seu Conselho Estadual de Meio Ambiente, ainda na década de 70. Até a década de 80, o Estado baseava suas 88 ações na abordagem do Comando & Controle14” (KIPERSTOK, 2003). A referida legislação visava quase que exclusivamente combater a poluição de origem industrial, devido principalmente ao Pólo Petroquímico de Camaçari. A Secretaria de Saneamento e Recursos Hídricos do Estado foi instituída pela Lei nº 2.929, de 11 de maio de 1971, tendo por finalidade “executar a política governamental de abastecimento de água e esgotamento sanitário e de aproveitamento global dos recursos hídricos no âmbito estadual”. A partir daí, diversas alterações se deram na estrutura dessa Secretaria até que, finalmente, foram criadas duas grandes divisões, uma responsável pelo saneamento, e, outra, pelos recursos hídricos, áreas que, através dos anos, foram sendo juntadas ou separadas de acordo com as diversas políticas governamentais. A Secretaria do Saneamento e Recursos Hídricos do Estado foi reorganizada pela Lei 3.305, de 10 de outubro de 1974, e transformada na Secretaria de Saneamento e Desenvolvimento Urbano pela Lei 3.385, de 6 de junho de 1975. A Secretaria de Saneamento e Desenvolvimento Urbano foi, por sua vez, transformada em Secretaria de Saneamento e Recursos Hídricos, pela Lei 3.700, de 31 de maio de 1979. Através da Lei Estadual nº 3.858, de 03 de novembro de 1980, criou-se o Sistema Estadual de Administração dos Recursos Ambientais (SEARA), visando garantir a qualidade ambiental uma vez que surge também a preocupação com outros fatores ambientais. O SEARA tem como finalidade “promover a conservação, defesa e melhoria do ambiente, em benefício da qualidade de vida”. Porém, a Bahia ainda não tinha um instrumento que tratasse a questão das águas do Estado. Em 1983, durante o governo de João Durval Carneiro cria-se a Comissão Interinstitucional de Saneamento e Recursos Hídricos - ligada a Secretaria de Saneamento e Recursos Hídricos, tornando-se, o que se considera ser, o embrião da institucionalização da gestão dos recursos hídricos na Bahia. Em 1987 extingue-se a Comissão Interinstitucional e surge então a Coordenação de Desenvolvimento de Recursos Hídricos (CRH) vinculada a Secretaria de 14 Modelo comando-controle, no qual o Estado tem grande preponderância na decisão e implementação de políticas, através das suas diversas atribuições, cabendo à sociedade civil uma possibilidade participativa, mas que se limita principalmente ao acesso a informações necessárias à conscientização, através de atividades de educação ambiental, e pontualmente aos Conselhos (Matilde Souza, 2002). Comando/controle é exercido pela administração pública, fazendo cumprir disposições emanadas de um órgão central forte - o Conselho Nacional de Meio Ambiente CONAMA, praticamente sem espaço para negociação social em nível local e regional. (Munhõz, 2000). 89 Recursos Hídricos e Irrigação, caracterizando uma preocupação já mais acentuada com a gestão das águas do estado. Em 05 de outubro de 1989 foi promulgada a Constituição do Estado da Bahia que trata as questões relativas às águas em capítulo referente à política hídrica e mineral conforme Art 198 da referida lei, onde a preocupação com o aspecto da racionalidade do uso dos recursos hídricos e minerais fora apresentada por influência da CRH. Entre outros requisitos a política hídrica e mineral do Estado apresenta-se nos termos da própria Constituição Estadual com objetivo de propiciar os usos múltiplos das águas, priorizando o abastecimento às populações, e instituindo mecanismos de concessão, permissão e autorização para uso da água sob jurisdição estadual, pelo órgão competente. No Art 199 define-se a responsabilidade do Estado em instituir por lei o Plano Estadual de Recursos Hídricos. “O Estado instituirá por lei e manterá atualizado o Plano Estadual de Recursos Hídricos, congregando os organismos estaduais e municipais para a gestão destes recursos [...]”. (Art 199, Constituição do Estado da Bahia). Em 18 de janeiro de 1995, através de Lei nº 6.812 foi criada a Superintendência de Recursos Hídricos - SRH, órgãos gestor das águas no Estado da Bahia, autarquia integrante da administração indireta da Secretaria de Recursos Hídricos, Saneamento e Habitação, que teria a atribuição de administrar a complexidade das atividades pertinentes ao gerenciamento dos recursos hídricos, tendo como objetivo desenvolver e executar projetos, políticas públicas, medidas e providências relativas à disciplina no uso e gestão das águas. O modelo de gestão ora vigente era o burocrático (se dispunha tão somente de instrumentos jurídicos para realizar a gestão hídrica do estado) e centralizado. Após a criação da SRH, é publicada a Lei Estadual da água nº 6.855, de 12/05/95, que dispõe sobre a Política, o Gerenciamento e o Plano Estadual de Recursos Hídricos, formando o tripé de sustentação da política hídrica no estado. A maior crítica apresentada a esta legislação ressaltava seu desalinhamento com a legislação nacional no que se refere a instituição dos comitês de bacia e de um sistema de gestão. Alguns defensores da política baiana argumentavam que este desalinhamento era proveniente da antecedência com que a mesma foi instituída (1995) face a Lei das Águas nacional (1997), o que não justifica-se pois, o ante-projeto da Lei 9433/97 já previa a formação dos comitês, e sua discussão remota do meado dos anos 80. Tem-se ainda a 90 argumentação contrária de que a legislação hídrica de São Paulo (que previa a formação dos comitês) é mais antiga (1991) que poderia servir de parâmetro para a lei baiana. O certo é que o governo do estado relutou em assumir um modelo de gestão que implicasse de fato em descentralizar a gestão. A SRH é responsável por elaborar e atualizar o Plano Estadual de Recursos Hídricos PERH, controlar, proteger e recuperar a água nas bacias hidrográficas e nos aqüíferos subterrâneos, autorizar o uso, registrar informações sobre a quantidade e a qualidade da água, fazer cumprir as leis sobre os recursos hídricos do Estado e incentivar os usuários da água a se organizarem (Art 5º Lei 6.855/95). O Art 2º da Lei 6855/95 cita que “a PERH tem por finalidade o desenvolvimento e o aproveitamento racional dos recursos hídricos” obedecendo a alguns princípios básicos tais como o direito de todos a acessar aos recursos hídricos do Estado, e definido para fins de planejamento e gerenciamento que cada bacia hidrográfica de seu território constituir-se-á em unidade físico-territorial básica. O Decreto nº 6.295, de 21 de março de 1997, institui o SISPLAC (Sistema de Planejamento, Coordenação e Implantação do PGRH - Projeto de Gerenciamento de Recursos Hídricos do Estado da Bahia). A organização institucional decorrente do Decreto nº 6.295/97 está composta de órgãos que representam as instâncias executivas, consultivas e normativas. O SISPLAC está composto do Conselho Interinstitucional do Projeto de Gerenciamento de Recursos Hídricos – CIRH (colegiado de integração política entre as secretarias de Estados executores do PGRH e destas com outras Secretarias intervenientes, com outros Estados e com órgãos e entidades federais atuantes em recursos hídricos), e o Comitê Coordenador – COREH (colegiado de coordenação técnica do PGRH). O CIRH se constitui em um colegiado de integração política entre as Secretarias: SEPLAN - Secretaria de Planejamento, SECTI – Secretaria de Ciências e Tecnologia, SEAGRISecretaria de Agricultura Irrigação e Reforma Agrária, e a SEMARH- Secretaria de Meio Ambiente e Recursos Hídricos. Tem como atribuições: a) Apreciar e encaminhar ao Governador as propostas e os assuntos que dependam da decisão deste; b) Aprovar o Plano Estadual de Recursos Hídricos e encaminhá-lo ao Governador; c) Aprovar os relatórios de avaliação e revisão do PERH; 91 d) Criar grupos técnicos de trabalhos especializados ou regionais, com a participação das entidades executoras, para fins de coordenação e acompanhamento das atividades do PGRH; e) Articular-se com outras Secretarias de Estado para harmonização das políticas e compatibilização de programas e projetos relacionados com recursos hídricos, meio ambiente, saúde, recreação, turismo e outros; f) Articular-se com a União, em especial com o Ministério do Meio Ambiente, com o Ministério do Planejamento e Gestão e Secretarias de outros Estados, para ações conjuntas ou compatibilização do PGRH com programas federais de recursos hídricos e saneamento. Em 1997 regulamenta-se a Lei n. 6.855/95, no tocante aos aspectos relativos à outorga de direito de uso dos recursos hídricos estaduais, bem como às infrações e penalidades, definidas pelo Decreto nº 6.296, de 21 de março de 1997. Cria-se no ano seguinte o Conselho Estadual de Recursos Hídricos – CONERH, através da Lei nº 7.354, de 14/09/98, órgão então da Secretaria de Infra-Estrutura (atualmente na Secretaria de Meio Ambiente e Recursos Hídricos), com caráter deliberativo, normativo e de representação da Política Estadual de Recursos Hídricos, tendo como principais atribuições à formulação da Política Estadual de Recursos Hídricos, a aprovação do PERH, a decisão em última instância administrativa dos conflitos sobre usos das águas e os recursos interpostos quanto à aplicação de multas e sanções, representar o Estado junto ao CNRH e acompanhar o funcionamento do Sistema Estadual de Informações sobre Recursos Hídricos (SEIRH), servindo de articulador entre órgãos e entidades estaduais, com vistas à harmonização das políticas e compatibilização de projetos e programas relacionados aos recursos hídricos. Em 07 de fevereiro de 2001, a Lei Estadual nº 7.799 “institui a Política Estadual de Administração dos Recursos Ambientais, visando assegurar o desenvolvimento sustentável e a manutenção do ambiente propício à vida”. O Capítulo VI da Lei 7.799/01 determina os critérios, diretrizes e normas de utilização dos recursos naturais, e na Seção VI sobre o “Planejamento e controle da qualidade das águas”, nas subseções trata da classificação das águas estaduais; das bacias hidrográficas do Estado; gestão de bacias hidrográficas; monitoramento da qualidade das 92 águas. A Seção V trata do “monitoramento da qualidade das águas”, Seção VI a “prevenção e controle de lançamentos de poluentes hídricos”. A Lei nº 7.799/01 determina também que a “bacia hidrográfica deva ser adotada como unidade física de planejamento de modo a possibilitar uma harmonização das ações dos órgãos que compõem o SEARA”. Cita ainda que a SRH e o Centro de Recursos Ambientais (CRA) devem elaborar estratégias para gestão integrada da quantidade e da qualidade das águas de modo compatível com o Plano Estadual de Meio Ambiente e o PERH. Por sua vez, em 21 de janeiro de 2002, foi aprovada a Lei nº 8.194, que dispõe sobre a criação do Fundo Estadual de Recursos Hídricos da Bahia – FERHBA, a reorganização da SRH e do CONERH. No Art 5º da Lei 8.194/02 a SRH aparece vinculada a Secretaria de Meio Ambiente criada pela Lei nº 8.538 de 20 de dezembro de 2002. A novidade relevante da Lei 8.194/02 é a atribuição dada a SRH, da competência para fomentar a organização e o funcionamento de organismos de bacias hidrográficas e entidades civis de recursos hídricos, assim como apoiar a criação, instalação e o funcionamento de organizações de usuários de recursos hídricos, fornecendo-lhes, quando for o caso, assistência técnica financeira e gerencial (Art.5º, X e XI). Como observa Ogata (2001), a articulação dos colegiados superiores não vem se dando nos moldes previstos na Lei n. 7.354/98 e no Decreto n. 6.295/97. Todavia, as articulações entre os demais órgãos, necessárias à implementação do PGRH, estão sendo realizadas a partir da coordenação centrada na SRH, que tem sob a sua responsabilidade, a execução das ações do PGRH. A Figura 5 ilustra a estrutura de gestão dos recursos hídricos na Bahia, que se assenta em três instâncias básicas: a executiva, a técnica ou consultiva, a deliberativa e normativa. 93 Figura 5: Modelo da Política de Recursos Hídricos do Estado da Bahia Fonte: Adaptado de Branco, 2002. Para Freitas (2002) o arcabouço jurídico e institucional previsto para a Bahia tem dificultado à adequação da Política Estadual à Política Nacional, como se pode perceber na ausência de um Sistema de Gestão de Recursos Hídricos no Estado. Essa questão deve ser explicitada em lei, para que não haja inconsistência quanto aos organismos a serem formados e aos critérios a serem adotados para a sua formação. A PERH da Bahia considerou pertinente descentralizar as responsabilidades do Estado na direção de uma forte co-responsabilidade, para que o cidadão e os usuários de água compreendessem que a manutenção da qualidade e quantidade dos recursos hídricos não é responsabilidade única do Poder Público, mas sim de toda a sociedade. Nesse sentido foram criadas pela SRH 10 Regiões Administrativas da Água-RAAs. Porém, o processo de descentralização resume-se tão somente ao aspecto administrativo, pois não se configura em reordenamento decisório as instancias instituídas, tão pouco confere às mesmas, autonomia para atuar na gestão regional ou seja, os órgãos regionais não obtiveram autonomia para formular políticas locais. Às RAA’s, cabe tão somente a função de cadastrar os usuários da água; fiscalizar os usos da água e as atividades que venham a comprometer a quantidade, a qualidade ou o regime das águas, de forma articulada com outras instituições, fiscalizar o atendimento aos critérios estabelecidos nos atos de outorga; instruir os processo de outorga, apoiar a criação de CBH ou de associações de usuários a nível regional, tendo assento 94 aos mesmos, como representante da SRH e resolver os conflitos eventualmente existentes entre usuários de recursos hídricos, sendo que todas essas funções são derivadas de um comando central que determina as ações e atribuições que possam julgar pertinente. A implantação de núcleos regionais, responsáveis pela implementação de projetos locais e pelo contato direto com as demandas populares, favoreceu o relacionamento direto com os cidadãos, valorizou a organização comunitária e desconcentrou algumas ações. Observa-se que no modelo de gestão das águas na Bahia, a julgar pela instituição das Casas de Recursos Naturais (CRN), fundamenta-se numa tentativa incipiente de gestão integrada, porém não descentralizada. A intenção de promover a integração entre os agentes executores dos diversos órgãos públicos relacionados com a água e meio ambiente, encontra-se em fase embrionária. As questões relativas à gestão participativa estiveram sempre presentes no discurso de diversos dirigentes da SRH, que ao admitirem os avanços institucionais conseguidos não souberam explicar o descompasso com a Lei das Águas no que tange a participação social na gestão hídrica. Contraditoriamente a seu posicionamento quanto à política interna estadual, o Estado da Bahia liderou as ações referentes à instituição e consolidação do Comitê de Bacia do rio São Francisco que em seu segundo mandato tem o Secretário de Meio Ambiente e Recursos Hídricos da Bahia como presidente. Face aos diversos embates decorrentes da transposição do rio São Francisco, a Bahia defendia ferozmente a não-transposição do rio e sua posição firme fomentava diversas dúvidas quanto à posição do estado em não fomentar a formação de Comitês de Bacia dentro dos moldes da legislação nacional. As pressões externas causavam constrangimento aos dirigentes baianos que defendiam o posicionamento forte do Comitê do Rio São Francisco fazendo valer as atribuições legais referente a este organismo do sistema de gestão, porém não ensejavam permitir que dentro do estado os Comitês pudessem ser instituídos legalmente, abrindo as portas ao descentralização das decisões na gestão das águas baianas. Em resposta às pressões externas o então Secretário de Meio Ambiente e Recursos Hídricos Jorge Khoury envia Projeto de Lei a Assembléia referente à formação de Comitês de Bacia no estado da Bahia, sendo que a no dia 29 de dezembro de 2005 o Governador Paulo Souto aprova a Lei 9843/05 corrigindo aquilo que era considerado um equivoco da legislação baiana 95 para gestão das águas, face ao reconhecimento da necessidade de institucionalizar a participação social através dos Comitês de Bacia. Na prática, trata-se de um significativo passo no processo de descentralização da gestão das águas na Bahia, porém, pode-se afirmar que a “ausência” de recursos financeiros por parte do estado, para auxílio e manutenção destes comitês poderão leva-los ao esvaziamento ou ao tutelamento visto que os repasses previstos não prevêem a obrigatoriedade de custeio ou consignação direta mesmo depois de instituída a cobrança pelo uso das águas. A atribuição legal dos comitês de bacia em aprovar o Plano Diretor não torna obrigatória a aplicação de recursos em empreendimentos ou intervenções na bacia, pois, assim como ocorreu com a transposição do rio São Francisco, a instância final para decisão dos conflitos vai para o Conselho Estadual que majoritariamente é composta de entes do poder público. Retorna-se a condição de participação como dádiva do estado e não como fruto de mobilizações sociais em favor da sua inserção. Esta condição porém, não vitima as instâncias participativas de véspera. É preciso abandonar o discurso da “novidade” quando se trata de gestão de recursos hídricos na Bahia e entender que é necessária a implementação da política de forma a permitir a uniformidade dos conhecimentos e das informações referentes à questão hídrica favorecendo a equidade na discussão e a conseqüente efetividade na participação. Assim como na política nacional da águas o Banco Mundial interveio na política estadual na Bahia, ratificando seu corolário salvacionista forjado na lógica neoliberal. O “aceite” da Bahia a lógica de gestão fomentada pelos organismos multilaterais de financiamento está fortemente atrelada a sua dependência financeira para promoção de novos investimentos neste setor. Não contraditoriamente ao receituário do Banco Mundial, como se pode fazer acreditar, a Bahia mantém a centralidade do poder, financiando um “cenário” de repartição das atribuições sem necessariamente abrir mão da decisão. Para tanto a lógica do Estado mínimo não vigora diante das questões culturais de serventilismo, paternalismo e autoritarismo vigente na política das águas na Bahia. 96 11. CARACTERIZAÇÃO DA ÁREA DE ESTUDO: A BACIA DO RIO ITAPICURU A bacia hidrográfica do rio Itapicuru está localizada na região nordeste do Estado da Bahia, entre as coordenadas 09º 55’ e 12º 55’ de latitude Sul e 37º 30’ e 40º 50’ de longitude Oeste. Faz limites, ao norte, com as bacias dos rios Real, Vaza Barris e do Sub-médio São Francisco; ao sul, com as bacias do Paraguaçu e Recôncavo Norte; a oeste, com as bacias dos rios Verde/Jacaré e Salitre e, a leste, com o Oceano Atlântico (Figura 6). Figura 6 - Localização da bacia do rio Itapicuru Fonte: SRH, 2000. A bacia possui uma área de 36.226km², equivalente a 6,4% do território estadual, e abrange terras de 54 municípios, com uma população total de 1.203.812 habitantes, conforme dados do Censo Demográfico 2000. Sua população equivale a cerca de 9,2% da população do Estado estando 90% do seu território localizado no Polígono das Secas. 97 A densidade demográfica da bacia é de 33,2hab/km2 sendo sua população rural majoritária, representando cerca de 65% da população total da bacia. Entretanto, em alguns municípios existe uma grande concentração de população urbana, a exemplo de Acajutiba (75,4%) e Jacobina (65,32%). (SRH, 1996). Os municípios mais populosos são Senhor do Bonfim e Campo Formoso. Há uma grande diversidade na distribuição espacial da população ao longo da bacia. A existência de processos de variações populacionais que se manifestam nas várias regiões da bacia é decorrente do êxodo rural, das correntes migratórias e da emancipação de distritos para a criação de novos municípios. Na Bacia do Itapicuru há predomínio do clima semi-árido com temperatura superior a 18qC em todos os meses do ano e a precipitação anual excede 750 mm. A precipitação anual média varia de 477 mm a 1.129 mm, sendo o período mais chuvoso os meses de janeiro a março e o período mais seco os meses de agosto a outubro. Apesar do predomínio do clima semi-árido, existem áreas de clima semi-úmido e úmido na parte baixa da bacia. Devido à diversidade de suas condições fisiográficas a Bacia do Rio Itapicuru apresenta diversas formações vegetais. Destacam-se os ecossistemas representados pela caatinga, vegetação característica do semi-árido, e floresta estacional decidual, nas áreas de clima mais úmido. Possui nos seus limites uma Reserva Particular do Patrimônio Natural (RPPN) e duas Áreas de Proteção Ambiental (APA) do Litoral Norte e de Mangue Seco, administradas pelo CRA, que se situam na zona costeira do Estado (CRA, 2001). A Bacia do Rio Itapicuru possui seu sistema hidrográfico principal representado pelo rio Itapicuru, o qual nasce nos contrafortes da Serra de Jacobina e desemboca próxima à cidade de Conde, na região do litoral norte do Estado. Os outros rios significativos que compõem a bacia são: Itapicuru-Açu, Itapicuru-Mirim, Peixe, Cariaçá, Quinjingue, Aipim, Jacurici, Riacho do Monteiro, Barracão e Pau a Pique. A grande extensão geográfica da bacia do rio Itapicuru, aliada à grande diversidade de condições geomorfológicas e fisiográficas, proporciona a existência de variadas regiões fitoecológicas. Porém, os ecossistemas mais representativos identificados na bacia são: a caatinga, cerrados, manguezais, refúgios ecológicos, zona de ecótono e áreas antropizadas ocupadas principalmente pela exploração agrícola, pastagens naturais e artificiais e reflorestamento. A bacia do rio Itapicuru situa-se fora dos principais eixos de desenvolvimento do estado e o atraso econômico contribuiu para a diversificação de atividades na busca por estratégias de 98 sobrevivência e de emergência fora das atividades agrícolas. Em termos econômicos, destacam-se também as atividades de mineração no alto e médio Itapicuru e a exploração de florestas comerciais nos tabuleiros no trecho inferior da bacia, com mais de 100 mil hectares implantados. A bacia apresenta atividades minerais importantes, com explorações em larga escala de ouro, cobre, cromo, manganês, esmeralda, calcário, mármores e granitos, todas elas concentradas nos seus trechos superior e médio. Essa região apresentou, em 1996, 60,2% da produção mineral baiana comercializada totalmente em face desses bens minerais produzidos, denota um grande contraste econômico-social, haja vista que embora a sua população apresente níveis alarmantes de pobreza, somente a atividade mineira, movimenta recursos da ordem de milhões dólares ao ano. A base econômica da região está assentada também na agricultura e na pecuária extensiva, ambas fortemente condicionadas pela irregularidade das precipitações pluviométricas. A pecuária representa algo em torno de 13% do rebanho estadual destacando-se a caprinocultura e ovinocultura. Esta prevalência dá-se pelo baixo consumo de água por animal (aproximadamente 8 litros/ cabeça/ dia), dispensando maiores cuidados. Trata-se, na maioria dos produtores, de cultura de subsistência. As atividades de irrigação são limitadas pela pouca disponibilidade de solos aptos e pela insuficiência de recursos hídricos, que dependem de obras de regularização. A prática da agricultura irrigada não é ainda muito difundida na bacia, que ainda conta com o atraso tecnológico. As áreas irrigadas de maior expressão registram-se em Antônio Gonçalves (390ha), Itiúba (193ha), Queimadas (41ha) e Senhor do Bomfim (34ha). A região dispõe de uma infra-estrutura hídrica relativamente desenvolvida, como as barragens de Ponto Novo e Pedras Altas, além de inúmeros barramentos de médio porte. A irregularidade na disponibilidade hídrica é responsável pelos principais problemas no gerenciamento dos recursos hídricos. As causas disso são as secas periódicas que atingem a região, reduzindo a garantia do suprimento de água para seus múltiplos usos, comprometendo principalmente o abastecimento urbano e a irrigação (BAHIA, 2001). A qualidade ambiental em toda a bacia vem sendo bastante deteriorada pelos impactos decorrentes das atividades agropecuárias, pelos lançamentos de efluentes de esgotos urbanos sem tratamento, pelos resíduos sólidos urbanos, que apresentam problemas quanto à coleta, transporte e disposição final, pelas atividades de irrigação e pela mineração. No baixo curso, os principais problemas ambientais são decorrentes da degradação da qualidade das águas em função das 99 intensas atividades antrópicas (maricultura, balneário, turismo intensivo...) que se desenvolvem na zona litorânea da bacia. (CRA, 2001). Por sua vez, há de se considerar que a construção da Barragem e a implantação dos projetos de irrigação desenvolvidos e em desenvolvimento pelo PGRH instituem práticas de uma agricultura não predatória, portanto, dando lugar a uma nova tendência ambientalmente menos destrutiva. Com isso, deve ocorrer uma expansão da agricultura irrigada na região, que segundo projeções feitas a partir do Projeto de Reassentamento da Barragem de Ponto Novo, poderá ultrapassar os 5.000 hectares em médio prazo (SRH, 2001). A bacia do rio Itapicuru possui um Plano Diretor, elaborado em 1995, como instrumento de planejamento articulado com as políticas regionais de desenvolvimento, tendo como objetivo básico estabelecer os mecanismos e as ações que assegurem que a água, recurso natural essencial à vida, ao crescimento econômico e ao bem estar social, esteja disponível de maneira permanente, em padrões de qualidade e quantidade satisfatórios, para os atuais e futuros usuários. Ressalta-se a cultura política da região dominada, na maioria dos municípios da bacia, por famílias tradicionais que se alternam no poder municipal dividindo os interesses em torno dos seus mandatários. Prevalece a política clientelista e centralizada. O baixo nível de conhecimento da sociedade civil favorece aqueles que se destacam pela oratória transformando-os em lideranças naturais. Este processo enfraquece os movimentos associativos que servem muito mais com mecanismos para capitanear recursos de políticas de financiamento do que como manifestação de mobilização para resolução de interesses oriundos das bases. Devido ao alto índice de pobreza, em contraponto ao ambiente de riquezas minerais tais como ouro, mármore e esmeralda, a bacia tem despertado a atenção do setor público suscitando a implementação de políticas de natureza social, principalmente devido à alteração da qualidade da água, e da falta de uma gestão integrada e participativa na área da bacia. 100 12. DISCUSSÃO DOS RESULTADOS 12.1 1º Momento: Os primeiros organismos de bacia 12.1.1 A gênese da participação social O Programa de Gerenciamento de Recursos Hídricos (PGRH) do Estado da Bahia foi instituído a partir do acordo de empréstimo firmado em 1996, entre o governo de Estado representada pela então Secretaria de Recursos Hídricos Saneamento e Habitação (hoje pela Superintendência de Recursos Hídricos) e o Banco Interamericano para Reconstrução e Desenvolvimento – Banco Mundial. A finalidade era promover a institucionalização do Sistema de Gestão de Recursos Hídricos do Estado. A área de intervenção do projeto corresponde à bacia hidrográfica do rio Itapicuru, Verde e Jacaré e do Alto Paraguaçu, justificando-se como critério de escolha dessas áreas os baixos índices de desenvolvimento humano – IDH, constatando níveis elevados de pobreza. Fig 7 – Áreas de atuação do PGRH Fonte: SRH, 2002 101 O PGRH previa como componente institucional do projeto a “promoção do gerenciamento eficiente e participativo”, sendo que uma das metas prioritárias determinava que “nas áreas a serem beneficiadas diretamente pelo componente de infra-estrutura do projeto – no caso a construção da barragem de Ponto Novo e a instalação do Perímetro Irrigado – fosse estabelecida a efetiva associação de usuários da água dentro do 1º ano após o começo da operação”. Por conseguinte este modelo estender-se-ia ao restante da bacia do rio Itapicuru. Ressalta-se que os recursos do empréstimo originalmente eram para o desenvolvimento do programa institucional da SRH, todavia a inserção de intervenções físicas foi aceita pelo Banco Mundial, desde que as ações institucionais fossem realizadas. O projeto de instalação da barragem de Ponto Novo na calha do rio Itapicuru-Açu previa a construção do barramento com acumulação de 40 hm3 (40 milhões de metros cúbicos), regularizando um volume de 4,70 m³/s (com 90% de garantia) projetada para os seguintes usos: atendimento das demandas urbanas das sedes municipais de Ponto Novo, Filadélfia, Caldeirão Grande e outras localidades próximas; demandas rurais difusas (humana e animal); irrigação; descarga ecológica; e perenização do rio Itapicuru-Açu por uma extensão de 80 km, beneficiando a irrigação de pequenos agricultores. Figura 8: Detalhe do lago da Barragem de Ponto Novo Figura 9:Detalhe da Barragem de Ponto Novo com estação elevatória Fonte: SRH, 2003. Este projeto determinou, no primeiro momento, a sub-bacia correspondente ao AltoItapicuru como espaço para desenvolvimento dos trabalhos de envolvimento da sociedade na gestão participativa das águas. Desta forma então, começou-se a estudar qual o modelo de 102 organismo de bacia que seria representativo para a região definida. A área inicial compreendia aos 11 (onze) municípios que tinham maior interação com a obra da barragem. Os municípios que correspondem a esta área são: Caém, Campo Formoso, Antônio Gonçalves, Pindobaçu, Filadélfia, Itiúba, Queimadas, Ponto Novo, Saúde, Caldeirão Grande e Mirangaba. Como proposta para iniciar os trabalhos de envolvimento da sociedade nas questões relativas a gestão participativa das águas, atendendo às metas estabelecidas pelo Banco Mundial no PGRH (componente institucional), a equipe técnica da SRH tinha em mente a formação de Comitês de Bacia Hidrográfica - CBH, porém, a direção do órgão, no período de 1999 a 2002, não era favorável a esta iniciativa, bem como a legislação baiana não amparava a criação destes comitês. A solução encontrada para dar conformidade ao projeto foi implementar um modelo de gestão alternativo ao instituído pela Lei das Águas. Sob a alegação de ausência de experiência naquele momento e de base legal sugeriu-se a busca de experiências vivenciadas em outros estados. A SRH contratou a consultoria de Flavio Terra Barth que sugeriu que se olhasse de forma especial para a experiência em curso no estado do Ceará, que realizava a implementação de um Comitê de bacia naquele momento. O Ceará, segundo Stifelman (2005), já havia iniciado o trabalho de organização dos usuários da água através do PGRH, também financiado pelo Banco Mundial, e possuía um Sistema de Gerenciamento de Recursos Hídricos onde estava incluída a participação dos Comitês de Bacia Hidrográfica (figura 10). A situação do Ceará era bastante diversa da Bahia, com gerenciamento de açudes e não de rios, com uma Companhia formada para implantar o gerenciamento participativo, uma agência, com características diferentes da autarquia baiana. A alternativa conseqüente das experiências vivenciadas foi então a de promover a formação de organismos de âmbito municipal (lembrando que nesse período inexistia no estado da Bahia, base legal para a formação de Comitês de Bacias Hidrográficas nos moldes da Gestão das Águas Federais). Começou-se, então, a promover a formação de Comissões de Usuários da Água – COMUA, baseando-se na sugestão de consultoria especializada (que teve destacada participação na organização do sistema do Ceara), que defendia a posição de que os Comitês de Bacia deveriam ter uma base municipal como elemento de difusão de informações, além de o município ser a referência para qual convergem as demandas locais. Tendo a SRH adotado a posição de construir as comissões municipais de usuários - a equipe responsável pelo 103 desenvolvimento dos trabalhos (consultoria da UGP), passou a trabalhar na formação de organismos participativos para a gestão das águas na Bahia. Fig. 10 – Representação do Modelo de implementação da Gestão Participativa no estado do Ceará Fonte: Stilfeman, 2005. O Modelo do Ceará começava então a ser adaptado para a realidade da Bahia naquele momento (figura 11). Concomitantemente a formação das COMUA organizou-se também os usuários que eram proprietários de terrenos dentro da Faixa de Preservação Permanente – FPP, relativa aos terrenos no entorno do lago da Barragem de Ponto Novo. Muitos eram os pequenos proprietários que não possuíam alternativa de sustento utilizando-se das áreas mais próximas do lago para produzir. Diferente do trabalho com as representações da sociedade civil, o estímulo nesse contexto era a pessoa individualizada, o usuário da água. Para promover o associativismo entre os “ribeirinhos” formou-se Associações de Usuários da Água – AUA, com o objetivo de garantir a preservação da FPP, transformando-os em fiscais voluntários, e a partir da sensibilização e mobilização estender a discussão na busca de alternativas viáveis para garantir a sustentabilidade destes pequenos proprietários. 104 Fig.11 – Representação do Modelo de implementação da Gestão Participativa na bacia hidrográfica do rio Itapicuru Fonte: Stilfeman, 2005. O desenvolvimento das atividades para a formação das COMUA e AUA foi realizado no período de novembro de 1998 até o segundo semestre de 2001, quando foram realizadas aproximadamente 80 reuniões na região do Alto/Médio da Bacia do Itapicuru. No decorrer desse processo realizado por técnicos da SRH, lotados na UGP (Unidade de Gerenciamento de Projeto) com o auxílio da UNEB (através de convênio) promoveu-se a sensibilização dos referidos municípios até a realização dos Encontros Municipais, e com uma maior maturação e consciência organizacional, foram constituídas inicialmente 11 COMUA’s e quatro AUA’s (figura 12). Ressalta-se neste processo inicial a falta de disposição para mobilização do município de Caém15, sendo esse desconsiderado deste primeiro grupo e substituído pelo município de Senhor do Bomfim, que por iniciativa de seus representantes, solicitaram a SRH que instituísse a Comissão no município. Este episódio preocupava os técnicos da SRH que sentiam a dificuldade de mobilização em alguns municípios e ensaiavam os primeiros embates no campo. 15 A mobilização e instituição da COMUA de Caém foi preterida por questões relativas a política municipal. O então Prefeito não manifestou interesse em apoiar a iniciativa devido às lideranças mobilizadas para a formação da Comissão serem ligadas ao partido de oposição, contrariando portanto os seus interesses. Por tratar-se de um município muito dependente do poder local a iniciativa foi abortada como uma estratégia política. 105 Fig. 12 – Representação dos municípios mobilizados na 1º etapa de formação das COMUA e AUA Fonte: SRH, 2005 Como parte da metodologia de mobilização adotada, cada Comissão desenvolveu um Plano de Prioridades. Entre outubro de 1999 e março de 2000, realizaram-se 02 reuniões regionais onde cada um dos representantes das 11 COMUA apresentou o conteúdo dos Planos de Prioridades do Uso dos Recursos Hídricos (elaborados em cada município, resultado da estratégia de consolidação das Comissões). Como resultado dessa relação “INTERCOMUA”, constatou-se a impossibilidade de resolução dos problemas de maneira isolada e reconheceu-se a necessidade de se trabalhar a unidade espacial “bacia hidrográfica” como unidade de planejamento e de gestão territorial, aproximando-se mais da referência legal – Lei 6.855/95. A orientação da diretoria da SRH não admitia a criação de Comitês de Bacia e considerava que os usuários de água deveriam se organizar autonomamente, sem a tutela do Estado (Stilfeman, 2005), porém este posicionamento não estava fundamentado em questões legais, mas sim em um posicionamento particular do dirigente da organização. 106 Assim, no dia 22 de março de 2000, Dia Internacional e Estadual da Água, foi formado o Consórcio Intermunicipal dos Usuários de Água, estruturado no curso Alto e Médio da Bacia do Itapicuru, fortalecendo a idéia de se constituir uma entidade regional de bacia, ainda que fosse um ente de caráter privado. O Consórcio se constitui em uma forma de organização voluntária de entes públicos e privados. É um órgão colegiado com atribuições executivas (estando apto a criar projetos e obter recursos para a execução dos mesmos, via parceria com a SRH) e não deliberativas. De acordo com Ogata (2001), a estrutura organizacional desse Consórcio de Usuários da Água não encontrava similar em outros estados brasileiros (existe uma estrutura semelhante no Paraná). Não se trata de um Consórcio de Prefeituras, modelo usual entre os municípios com problemas comuns, mais sim de uma entidade civil sem fins lucrativos. Doravante a instituição deste Consórcio, a equipe da Latin Consult, empresa contratada pela SRH para hierarquizar os Planos de Prioridades, em reiteradas reuniões com representantes do Consórcio, percebeu a possibilidade desta entidade desenvolver um projeto de organização de usuários da água em municípios vizinhos a sua área de abrangência. O objetivo desse trabalho se apoiava principalmente em dois fatores: a capacitação dos representantes do Consórcio e a aplicação do modelo de gerenciamento de bacia por uma organização de usuários que já havia vivenciado os acertos e erros dessa metodologia. Dentro dessa perspectiva foi feito o primeiro contrato entre o Consórcio e a SRH, através do PGRH para que o mesmo mobilizasse e organizasse as seis novas COMUA’s. Os municípios mobilizados nesta etapa foram: Santa Luz, Nordestina, Cansanção, Caém, Andorinha e Jaguarari (figura 14). Com a integração destes municípios, completar-se-ia a área da sub-bacia do rio Itapicuru-Açu, correspondendo a maior parte da bacia hidrográfica do Alto/Médio Itapicuru. O Consórcio passou então ser composto de 17 municípios o que representou um passo a mais em termos de organização social dentro do estado da Bahia no que se refere à gestão de recursos hídricos. 107 Fig. 13 – Representação dos municípios mobilizados na 2º etapa de formação das COMUA Fonte: SRH, 2005 Numa etapa seguinte à formação das 17 Comissões, passou-se a buscar a contratação da UNEB para realizar a formação de novas COMUA’s o que não se verificou, devido à demora de definição da forma de contrato possível. Através de ação isolada a equipe técnica da UGP, insistiu em continuar as ações de construção de novas comissões, representando, naquele instante, uma ação desconexa do planejamento institucional pois, contrariava as determinações da Direção. Os referidos técnicos seguiram numa metodologia de identificação de lideranças nos municípios visitados, exposição da proposta de formação da COMUA e sua instituição. Desta forma foram formadas mais 08 (oito) novas comissões envolvendo municípios do Médio e Baixo Itapicuru. Os municípios mobilizados foram: Araci, Cipó, Crisópolis, Itapicuru, Nova Soure, Olindina, Ribeira do Amparo e Tucano. Nos municípios mobilizados realizaram-se tão somente reuniões para a formação das Comissões, sendo que após a sua instituição havia o afastamento da SRH e o simples reconhecimento da ação realizada. 108 Fig. 14 – Representação dos municípios mobilizados na 3º etapa de formação das COMUA Fonte: SRH, 2005 Em seguida, foi realizada nova intervenção já com a implementação de um novo convênio (contrato Nº 010/2002), firmado entre a Superintendência de Recursos Hídricos – SRH do Estado da Bahia, e o Centro de Estudos Socioambientais PANGEA16, organização não-governamental, fazendo parte do Programa de Gerenciamento de Recursos Hídricos – PGRH, da Superintendência. Ao PANGEA coube realizar a quarta e última etapa deste processo de organização social, num trabalho que envolveu os dezoito municípios restantes. Foi objetivo do OUSA-ITAPICURU a facilitação e a promoção do processo de organização dos usuários da água nos municípios de Jacobina, Miguel Calmon, Serrolândia, Quixabeira, Capim Grosso, Conceição do Coité, Quijingue, Monte Santo, Euclides da Cunha, Banzaê, Rio Real, Aporá, Acajutiba, 16 PANGEA. Centro de Estudos Socioambientais. Projeto de Organização dos Usuários da Água na Bacia do Rio Itapicuru – OUSA ITAPICURU. Salvador, 2003. 109 Conde, Jandaíra, Teofilândia, Ribeira do Pombal, e Valente. O município de Ribeira do Pombal, apesar da mobilização realizada pelos técnicos da SRH na etapa anterior. Fig. 15 – Representação dos municípios mobilizados na 4º etapa de formação das COMUA Fonte: SRH, 2005 O PANGEA operacionalizou as ações em três etapas contíguas: Diagnóstico institucional, encontros municipais para mobilização e instituição das COMUA e levantamento dos problemas ambientais relativos aos recursos hídricos para confecção do Plano de Prioridades. Formaram-se ainda 4 (quatro) Associações de Usuários da Água (AUA) ao redor do reservatório de Ponto Novo, durante o período de maio a agosto 1999, mediante a realização de 15 reuniões. Foram formadas as AUA de Sítio do Meio (Filadélfia), Várzea Grande (Pindobaçu) e Lajedinho (Saúde). A AUA de Ponto Novo, última a ser formada, apresenta uma particularidade: é constituída por uma grande maioria de jovens estudantes moradores da área urbana, que já pertenciam a uma associação local, e demonstraram interesse em participar do processo, na 110 discussão e resolução dos conflitos sobre o uso da água do Reservatório de Ponto Novo e, sobretudo no processo de desenvolvimento de alternativas economicamente compatíveis com a conservação da água, sob a perspectiva da elevação dos níveis de renda local. Nesse período realizou-se um seminário de atividades alternativas para uso da água de forma sustentável – Seminário de Alternativas de Emprego e Renda. A partir desse evento empresas mistas, banco de desenvolvimento, setor público se reuniram para discutir uma agenda comum, respondendo às demandas dos usuários, que se interessaram em conhecer experiências de piscicultura, discutir e facilitar os procedimentos da outorga da água, apicultura e formas de financiamento existentes para os pequenos produtores. Em relação à outorga de direito de uso da água foi colocada a dificuldade dos pequenos proprietários em pagar o projeto agronômico. A solução apresentada naquele momento foi a oferta de um curso de capacitação a agrônomos da EBDA para elaborarem projetos de até 5ha irrigados, gratuitamente. Foram realizadas ainda as seguintes atividades junto as AUA’s: a) Apoio jurídico para a legalização das Associações; b) Palestras sobre a área de preservação permanente ao redor do Lago; c) Cadastro de usuários da água; d) Diagnóstico ambiental da área de preservação permanente; e) Seminário de Alternativa de emprego e renda associadas à Barragem de Ponto Novo; f) Trabalhos de campo para conhecimento de experiência associativa bem sucedida, no semi-árido baiano, a exemplo da APAEB, situada em Valente, bem como sobre a piscicultura, realizada no DNOCS, em Jacurici, com experiência em tanque, e pela BAHIAPESCA, em Paulo Afonso com experiência em tanque–rede. Um programa diferenciado por gênero desenvolvido na área de atuação das AUA foi o Programa de Sensibilização e Organização das Mulheres do Entorno do Lago da Barragem de Ponto Novo e do Reassentamento - Programa da Valorização da Mulher, elaborado pela instituição “Gênero, Mulher e Desenvolvimento Regional – GEMDER”. O objetivo deste programa era formar grupos de mulheres, visando estimular o associativismo, geração de emprego e renda e efetiva participação nas associações de usuários da água que se situam no entorno do lago da Barragem de Ponto Novo 111 Além do trabalho com as mulheres, foi desenvolvido um convênio com uma faculdade de turismo no sentido de desenvolver um projeto, em parceria com a população local, de turismo, para explorar economicamente o uso do lago enquanto lazer. Como proposta idealizou-se a construção 4 (quatro) balneários que seriam administrados pelas AUA’s, dando-lhes sustentabilidade financeira enquanto instituição de natureza ambientalista desvinculada, por hipótese, de outros interesses. Fechava-se assim o primeiro e segundo momento da construção do modelo de gestão participativa na bacia hidrográfica do rio Itapicuru com 43 COMUA’s, 4 AUA’s e o Consórcio Intercomua (da qual as AUA’s faziam parte). Fig. 16 – Representação da fase inicial da implementação da Gestão Participativa na bacia hidrográfica do rio Itapicuru na Bahia Fonte: Stilfeman, 2005 112 12.1.2 Formação dos organismos de bacia 12.1.2.1 As COMUA’s O modelo para a formação das comissões sugeria que fosse tripartite, (inspirando-se na idéia do Comitê de Bacia), porém sem definir claramente os atores de cada uma das partes integrantes: x Os usuários de água seriam aqueles que usavam a água com fins econômicos, como hotéis, lava-jatos, irrigantes, restaurantes, dentre outros. x A sociedade civil foi representada por todas as instituições de interesses difusos sem haver a necessidade de definir a área de atuação. x Os segmentos do Poder Público selecionados foram os que apresentavam algum vínculo com o poder público local e os representantes do legislativo local. O número de participantes para cada Comissão era definido em plenária onde os representantes presentes definiam ser ou não interessante haver limites de participantes. Implementaram-se então os fóruns de discussão, dentro do âmbito municipal, natureza precípua das COMUA, para abordagem de questões relativas à água, indicando uma via provável e possível para a instalação do processo de descentralização e de participação na gestão das águas do estado que, numa visão de médio e longo prazo, (de membros do corpo técnico) seria um ensaio para o advento dos Comitês de Bacias Hidrográficas (CBH). Os objetivos específicos deste processo de mobilização foram: x Divulgar a Política Estadual de Recursos Hídricos; x Formar um núcleo em cada um dos municípios, voltado para a discussão e ação sobre a questão dos recursos hídricos; x Formar uma entidade de abrangência regional de gestão das águas; x Desenvolver um “Programa de Capacitação” para reforço institucional e operacional das COMUA’s; x Estabelecer mecanismos para a sustentabilidade do processo de gestão participativa dos recursos hídricos. 113 Os Encontros Municipais serviram para dar início a uma fase de interação mais intensa entre a SRH (inclusive com a Casa de Recursos Naturais – CRN), e os municípios envolvidos. Desta forma tem-se um primeiro retrato do que foi a proposta idealizada e realizada pela Superintendência de Recursos Hídricos – SRH – na tentativa de promover um modelo participativo de gestão das águas nestas bacias, tomada como área-piloto. 12.1.2.2 As AUA’s O modelo de associação de usuário das águas adotado na Bahia, segundo Stilfeman (2005, apud Salman, 1997), fundamentou-se em um estudo comparativo feito para a FAO realizado entre seis países (Colômbia, Índia, México, Nepal e Filipinas) enfocando a transferência de responsabilidade sobre parte do gerenciamento do sistema de irrigação para as Associações de Usuários da Água, tendo como objetivo primário à otimização do uso da água através de um processo participativo, o que confere um papel importante aos usuários na tomada de decisão, tanto sobre o gerenciamento da água e quanto o manejo do solo. Conforme esse estudo, a participação dos usuários tem contribuído para a coesão da comunidade para melhoria das condições de vida. Foi feito o mapeamento de 181 propriedades rurais, contidas na Faixa de Preservação Permanente – FPP, perfazendo um total aproximado de 831 ha, sendo que essas propriedades foram compradas pelo Estado através da Companhia de Engenharia Rural da Bahia – CERB. A intervenção para a formação das AUA iniciou-se com o contato com os proprietários do entorno da barragem e a discussão sobre a importância da FPP, prevista na legislação ambiental como instrumento de preservação dos ecossistemas. Duas escolhas estavam em jogo no que tange a FPP: entregar aos proprietários a fiscalização individual da área em frente sua propriedade ou a fiscalização coletiva, com o cercamento e isolamento. Segundo Stilfeman (2005) a existência dessa área de preservação pertencente ao Estado era, de certa forma, mal compreendida pelos usuários, proprietários do entorno, que acreditavam que poderia haver uma ocupação de posseiros, já que essa faixa representava a área mais próxima à água. Realizou-se, por conseguinte um trabalho em relação à utilização sustentável do entorno da FPP. Reuniões foram realizadas com os proprietários ribeirinhos, para explicar a necessidade dessa área de preservação, onde se discutia o que podia ser feito e o que não se podia, e a 114 necessidade de parceria das organizações comunitárias na fiscalização dessa área. Nessa discussão surgiu a necessidade de criação de AUA, com o propósito de: a) Participação da sociedade civil na gestão das águas do Lago recém-formado de Ponto Novo, de modo a garantir a qualidade e a quantidade da água; b) Proteção da área de preservação permanente com 100 metros de largura; c) Controle do uso do solo ao redor do Lago e definição de usos econômicos compatíveis para evitar o conflito de usos da água; d) Discutir a elevação dos níveis de renda através do desenvolvimento de atividades economicamente compatíveis com a conservação da água. Fez-se a opção pela via coletiva, ainda que não existisse uma tradição de cuidado coletivo do solo, que é comumente interpretado como “terra do governo” – “terra de ninguém”. Figura 17: Detalhe de ribeirinho na FPP fazendo a recuperação da mata (Barragem Ponto Novo). Figura 18: Detalhe da Barragem de Ponto Novo com ribeirinhos recuperando a mata da FPP. Fonte: SRH, 2003. Contrariando as bases teóricas sobre a formação da “identidade brasileira” em Holanda (1993), que ressalta um certo personalismo ou individualismo na nossa formação (agravado pelo contexto concorrencial), Stilfeman afirma que se iniciou um trabalho de fortalecimento das AUA e do caráter coletivo, abandonando também, de certa forma, uma visão antropocêntrica, discutindo-se a necessidade da recomposição do ambiente natural alterado pela barragem e não apenas, a sua utilização produtiva economicamente. (STILFEMAN, 2005). 115 12.1.3 Análise das metodologias utilizadas para a instituição dos organismos de bacia Os trabalhos foram implementados de forma gradativa devido à extensão territorial das bacias hidrográficas, iniciado-se em 1998 e com sua conclusão em 2003. Pretendia-se discutir em cada município os problemas relativos aos recursos hídricos sem perder a contextualização de bacia hidrográfica. A opção metodológica, realizada para consecução das COMUA’s, AUA’s, e Consórcio foi à mesma, tendo sido inspirada na metodologia Diagnóstico Rápido Participativo (DRP) ou Estimativa Rápida Participativa (ERP), que consiste em um método voltado para o levantamento de informações relativas aos aspectos culturais, ambientais e sócio-econômicos de comunidades rurais e urbanas, visando o planejamento e a implantação de políticas públicas, programas e/ou projetos de desenvolvimento. Na área sensibilizada pela UNEB, além do processo de mobilização, houve programas de “capacitação” cujos preceitos foram amplamente fundamentados na gestão participativa, integrada e descentralizada de recursos hídricos. Foram realizadas palestras temáticas, produção de cartilhas e discussão dos problemas ambientais envolvendo representantes dos poderes públicos, produtores rurais, ONG, Agentes dos Portais da Alvorada e professores através dos técnicos da SRH. Procurou-se promover a abertura de um canal de interlocução entre a Superintendência e os usuários na gestão compartilhada das águas. O Consórcio de Usuários de Água do Alto e Médio Itapicuru foi criado em março de 2000 e devido ao curto período estipulado para as atividades de mobilização e formação de novas COMUA’s, (quatro meses), julga-se não houve tempo suficiente para a capacitação da comunidade. Portanto, realizaram apenas a tomada de informações sobre a problemática dos recursos hídricos, a mobilização e a criação das COMUA’s que seriam integradas ao Consórcio, bem como a definição de um Plano de Prioridades. Conforme informação do plano de trabalho, descrito no Relatório de Planejamento do Centro de Estudos Sócio Ambientais PANGEA apresentado a SRH, adotou-se, como metodologia para o desenvolvimento das atividades de sensibilização, mobilização e capacitação, um método fundamentado no planejamento por objetivos admitindo-se ser este um método flexível, ágil e passível de ser adaptado as finalidades do projeto OUSA-ITAPICURU 116 denominado de método ZOPP17. Nas reuniões que se seguiram, eram apresentados temas referentes às questões ambientais para informação e sensibilização dos participantes que na grande maioria foi da sociedade civil. As análises apontam que, devido ao curto tempo e a forma superficial como foram trabalhados os temas, houve só um processo de mobilização da sociedade para criação das COMUA, sem que se possibilitasse sua capacitação, que era um dos objetivos iniciais. Observa-se que o objetivo desta intervenção não foi agir diretamente sobre os problemas levantados nos municípios, uma vez que nenhuma iniciativa foi tomada visando a solução dos mesmos, ficando na discussão e planejamento de ações a serem desenvolvidas para possíveis soluções. Este posicionamento certamente enviesou o processo gerando expectativas iniciais e posterior descontentamento por parte das representações participantes. Não houve uma distinção entre capacitação e mobilização o que causa confusão na identificação das fases deste projeto. Sabe-se que o processo de capacitação demanda uma maior conscientização e necessita ser desenvolvido em médio e longo prazo, e com metodologias específicas, ou seja, para acontecer à participação propriamente dita demanda-se diálogo, aumento do poder de intervenção, autonomia e organização da comunidade (empowerment). Entende-se ainda que a descontinuidade das ações de implementação dos referidos organismos instituídos, bem como a falta de apoio da SRH no sentido de fortalecer o processo já desenvolvido, aparecem como limites à consecução da proposta, que se produziu por pressão do Banco Mundial. A instituição do comitê de bacia representava para os técnicos da SRH envolvidos no processo, o fechamento “ideal” dos trabalhos visto que a totalidade da bacia já havia sido mobilizada e já se ensaiava o exercício da participação na gestão de suas águas. A ação isolada de constituição destes organismos em desacordo com a orientação da Direção da instituição, tornou-se um ensaio a desmobilização devido a carência de apoio institucional. Por conseguinte verifica-se que grande parte das COMUA’s formou-se em média após três reuniões, onde na primeira desenvolvia-se a sensibilização através de diagnóstico participativo, 17 Método Zoop – Ziel Orientierl Projekt Planung – criado pela Agência Alemã de Cooperação Técnica (GTZ), na década de 1970, testado em fase piloto no início da década de 1980 e definitivamente implementado nos projetos de Cooperação da Alemanha a partir de 1987. É um método essencialmente participativo de planejamento, do qual tomam parte, não apenas os executores dos projetos de desenvolvimento, mas o grupo alvo e todos os demais segmentos envolvidos no processo de planejamento. Além disso, é um método que deve ser aplicado em etapas sucessivas e interligadas e faz uso de reuniões, chamadas oficinas de trabalho, nas quais um moderador utiliza instrumentos e técnicas de trabalho, fundamentados em princípios integradores e práticos. 117 na segunda apresentava-se a proposta de formação da comissão e na terceira indicava-se as lideranças interessadas em participar da mesma, referendando a COMUA ao final desta plenária. Entende-se que diante de tanta informação e conhecimento ensejado na proposta de instituição das comissões e associações, conforme objetivos específicos do projeto, o tempo é fator condicionante deste, favorecendo-o quando devidamente dimensionado. Por tratar-se de uma experiência “nova” pode-se inferir que o pouco tempo utilizado para a intervenção comprometeu o sucesso do planejamento e a consecução positiva dos objetivos. 12.1.4 Apresentação dos resultados – Grupos Focais Os resultados desta pesquisa são referentes a dados gerados pela equipe técnica da gerência de Gestão Participativa (Coordenação de Estratégias) da SRH a partir de discussões em Grupos Focais realizados com as COMUA’s, AUA’s e com o Consórcio, como objeto de proposição para avaliação do Componente Institucional do PGRH. Os resultados obtidos são de relevante significação para a análise do processo de implementação da gestão participativa na Bahia, a partir da experiência ocorrida na bacia do rio Itapicuru. Ressalta-se que a metodologia utilizada para a avaliação decorreu da necessidade produzir dados qualitativos que agregassem valor aos tantos outros dados quantitativos apresentados nos relatórios realizados durante o processo de implementação dos organismos instituídos, fundamentados nos depoimentos do público alvo desta intervenção. Para consecução da avaliação há de se considerar as diferentes metodologias de implementação da política participativa e os diferentes organismos instituídos, o que importa também em considerar a questão temporal existente entre o período em que se fez a intervenção em relação ao período da avaliação. Este, certamente, é um aspecto relevante em face do distanciamento entre os dois tempos, suscitando algumas declarações equivocadas diante do baixo nível de aprisionamento do conteúdo desenvolvido durante a implementação da política. O trabalho de avaliação do componente institucional do PGRH desenvolvido pela SRH iniciou-se com a tentativa de formar Grupos Focais com todas as organizações instituídas (COMUA’s, AUA’s e Consórcio), porém isto não foi possível. A equipe técnica responsável pela avaliação detectou que algumas destas organizações não estavam mais funcionando e em outras 118 os contatos com as lideranças das Comissões e Associações não logrou êxito devido a diversos fatores apontados, tais como mudança de endereço dos contatos cadastrados, mudanças de lideranças locais, desinteresse em participar, dentre outras. Consegui-se realizar a atividade com 18 COMUAs’s, 2 AUA’s e com o Consórcio. As COMUA’s onde se realizaram os grupos focais foram: Queimadas, Caem, Cansanção, Capim Grosso, Pindobaçu, Jacobina, Conde, Campo Formoso, Ponto Novo, Teofilândia, Ribeira do Pombal, Acajutiba, Filadélfia, Valente, Miguel Calmon, Antônio Gonçalves, Andorinha e Quixabeira. Estes municípios representam 42% dos mobilizados para a formação das COMUA’s. Diante do universo existente a amostra tornou-se bastante representativa. Nenhum município da 3ª fase de mobilização participou do trabalho de Grupo Focal por não existir mais as COMUA’s. As AUA’s onde ocorreram os grupos foram: Várzea Nova (Pindobaçu) e Ponto Novo. O Consórcio também participou apesar de só estar representado por 3 representantes no grupo focal (número estabelecido como mínimo para realização desta atividade). O total de presentes aos 18 grupos focais realizados foi de 135 pessoas, perfazendo a média de 7,5 participantes por grupo, sendo o menor com 3 participantes (Senhor do Bomfim) e o maior com 12 (Ponto Novo). O tempo médio desta atividade ficou em 57 minutos por grupo sendo que o tempo estabelecido na metodologia previa 1 (uma) hora por grupo. Para sistematizar a avaliação os participantes dos grupos foram categorizados segundo aspectos de idade, gênero, escolaridade e segmento do qual participa. O aspecto da escolaridade apresenta-se de forma relevante à análise, uma vez que o número de alfabetizados participantes é diminuto, comparativamente aos demais níveis de escolaridade, e somando-os ao grupo que declarou ter o 1º grau esta representação ainda é menor do que o total de participantes que declararam ser secundaristas. O grupo pertencente aos que declararam ter 3º grau também desperta uma característica não previsível para a região em análise, perfazendo o total de 30% dos presentes, o que sugere maior massa crítica na construção deste processo participativo, que por hipótese importa em maior consciência em relação aos aspectos ambientais, bem como à compreensão dos objetivos das políticas sociais. 119 Figura 19: Gráfico de distribuição etária Figura 20: Gráfico de distribuição por segmento Participação por Segmento Participação por média de idade 35 Poder Público 35% 30 25 20 15 Soc.Civil 58% 10 Usuários 7% 5 0 18 a 20 21 a 30 31 a 40 41 a 50 51a 60 61 a 70 Faixas de idade Figura 21: Gráfico de distribuição por Gênero Figura 22: Gráfico de distribuição por escolaridade Distribuição por Escolaridade Participação por Gênero 30% Mulheres 35% 9% 40% Homens 65% 21% Alfabetizado 1º Grau 2º Grau 3º Grau Fonte: SRH, 2005. Quanto à distribuição por segmento representativo, paradoxalmente, as COMUA’s têm menor percentual de representantes dos usuários da água, apesar destes representarem o grupo de maior impacto nas questões relativas aos usos dos recursos hídricos por estarem mais intimamente ligados à água, e por serem público prioritariamente definido para a mobilização. O segmento da sociedade civil teve a maior representação aproximando-se de 60% dos participantes. Quanto à distribuição etária houve uma maior concentração dos 31 aos 40 e de 41 a 50 denotando uma participação de público que sugere uma maior vivência e maturidade face ao objeto da mobilização para instituição dos organismos. 120 Com a finalidade de analisar a compreensão dos grupos instituídos em relação ao objetivo da implementação da política de gestão participativa, bem como as suas reais motivações à participação, alguns elementos da pesquisa tornaram-se relevantes, tais como a relação de dependência destes com os entes públicos, as sugeridas razões do sucesso ou não de constituição dos organismos, os obstáculos e as possibilidades em cada realidade instituída, e a definição de valor para cada participante da iniciativa de participar da gestão dos recursos hídricos locais. No histórico da sensibilização desenvolvida no processo de instituição de cada um dos organismos os depoimentos apresentados nos Grupos Focais são diversas vezes vagos, porém, pode-se identificar maior absorção dos argumentos utilizados no 1º grupo de municípios mobilizados na bacia do rio Itapicuru. Este fato é facilmente entendido devido ao maior tempo de intervenção nesta área da bacia em face da obra da barragem de Ponto Novo. No município de Filadélfia, o Sr. Alvino Maia Neto fez uma descrição detalhada do processo de instituição da comissão neste município. Este, representante do Poder Público na COMUA, foi estrategicamente escolhido como coordenador do grupo, como forma de garantir o apoio da Prefeitura à comissão. Sua indicação foi feita pelo então prefeito (com quem mantém grau de parentesco direto) e desta forma a COMUA fundou-se sob a regência do poder local. [...] o prefeito me indicou para fazer os trabalhos de convocação da sociedade devido ao pedido do pessoal da SRH através da Golde, Gravina e não me lembro bem se o Romay estava no começo [...] esta reunião era para tratar assunto de meio ambiente devido às obras da barragem no rio Itapicuru..[...] fiz a divulgação, nos temos uma rádio da prefeitura, fizemos vários convites diretos e convocamos varias pessoas para a reunião. Foram várias reuniões até chegar-se a falar de COMUA. Em 1999 formalizamos a nossa COMUA sem uma personalidade jurídica [...] A representante da Sociedade Civil do município de Queimada, D. Nena, afirmou que basicamente a estratégia adotada para fazer a mobilização da sociedade local foi através de convite às lideranças reconhecidas do município, e estas por sua vez convocaram outros tantos que julgaram importantes convidar. [...] no dia 12 de março de 1998 iria estar aqui em Queimadas um grupo de pessoas da Superintendência de Recursos Hídricos e esse pessoal ia passar para a gente todas as informações que a gente estava desejando ter. Essa mobilização foi feita pelo ex-secretário de agricultura que na época era Zé Arnaldo[...] então ele tinha acesso as associações, então ele marcou essa data justamente com as associações do FUMAC, [...] e eu fui uma convidada. Ai tinha lá presente a 121 Associação dos Moradores e Produtores da Fazenda Primavera; Associação dos Moradores e Produtores do Alecrim; Sindicato Rural Patronal de Queimadas; Associação dos Produtores de Abobrinha de Aroeira; Associação Beneficente Recreativa e Cultural do Espanta Gado tinha 20 associações presentes, alem dessas associações tinha representante da cultura, representante da Igreja Católica, da igreja Evangélica, a Embasa, o agente de telecomunicações da Telebahia e também tinha representante da segurança pública de Queimadas e lá nós ficamos o dia todo discutindo e falando o que é que realmente ia se discutir sobre o rio Itapicuru, ai todo mundo se empolgou e Golde passou para a gente deveria formar uma COMUA e Gravina ficou de pensar de que forma era que iria se formar essa COMUA, em cima disso Romay sempre vinha aqui nos orientava, Gravina, Golde e foi formada a COMUA só que ai o pessoal ficou sentindo uma certa dificuldade porque era um trabalho voluntário, era um trabalho que não tinha retorno nenhum a não ser a gratidão e a gratificação de você ver a coisa dar certo, mas em relação a custos a gente não tem, então o que é que aconteceu? Todas essas associações todos esses representantes fugiram, sumiram, aí eu botei a mão na cabeça. Meu Deus! Meu sonho vai acabar! [...] Apesar da divulgação realizada por meio de cartazes, folder, convite, visita aos órgãos e escolas, para realização das atividades, conforme relatórios apresentados das diversas instituições mobilizadoras, percebe-se dificuldades encontrada no sentido de garantir a mobilização de alguns setores em vários municípios com a ausência sentida de representantes do segmento dos usuários das águas, a exemplo da Empresa Baiana de Saneamento (EMBASA), dos irrigantes, e dos grupos privados. Ressalta-se ainda a ausência de representações do poder público municipal em diversas comissões. A ausência destes foi citada na maioria dos Grupos Focais a exemplo de município de Conceição do Coité onde o Sr. José Bispo Mascarenhas, representante da sociedade civil argumenta que “[...] os usuários e a prefeitura são sempre convidados, mas, nunca comparecem [...] se fosse para falar de dinheiro e obras eles estavam aqui”. As instituições responsáveis pela mobilização, inclusive a própria SRH (que atuou na 3ª etapa de forma isolada) apresentaram-se de forma diferenciada, o que se justifica pelo fator tempo, recurso financeiro, conhecimento do processo, motivação, dentre outras. É facilmente perceptível que a 1ª etapa da bacia do rio Itapicuru, por tratar-se de área de influência do Projeto da Barragem de Ponto Novo sofreu uma mobilização mais intensa favorecida pelo tempo disponibilizado nesta fase inicial foi relativamente muito maior que o tempo disponibilizado para realização dos trabalhos de sensibilização e mobilização nos outros municípios (nas três etapas subseqüentes). Com exceção da 1ª etapa todas as demais realizaram a instituição da comissão de usuários em média com a realização de três reuniões. Por conseguinte construía-se o Plano de Prioridade que não se traduziu em ação propriamente dita, e este fato também foi apresentado 122 com elemento negativo ao processo em face da expectativa criada. Foi feita uma tentativa de capacitar as comissões no intuito de promover iniciativas de autopromoção, porém o tempo para maturação destes grupos formados foi muito pequeno. Segundo Demo (1995), uma das fases cruciais do processo de mobilização social é a ação, que através do seu exercício confere capacidade de realização e autonomia. No que se refere à motivação pessoal para a participação foi quase uníssono o discurso da preservação ambiental, do meio ambiente degradado, e da necessidade de promover a recuperação dos mananciais. O Sr. Raimundo Araújo representante do Poder Público do município de Queimadas afirmou que: [...] eu não tenho uma participação efetiva, no sentido de estar presente nas reuniões, presente nos trabalhos que o grupo faz, que o grupo direciona, mas a preocupação com a questão ambiental, e a questão dos recursos hídricos isso é claro né todos queimadense tem isso na própria veia, na própria veia, na própria carne, porque a gente nasceu na beira do rio e principalmente a minha afirmação, eu sou engenheiro agrônomo, tenho propriedade da beira do rio e a gente já trabalha com alguma coisa referente à gestão de recursos hídricos. [...] O Sr. Antônio Augusto representante da Sociedade Civil de Sr. do Bomfim argumentou que: “[...]o que me fez realmente estar e continuar é só essa questão ambiental”. Para Maria de Lurdes Bassi representante da Sociedade Civil do município de Andorinha: “[...] a forma como que cada um encontrou motivação para entrar na COMUA, foi pelo contágio com pessoas preocupadas com o meio ambiente. Um processo bastante interessante da gente se engajar [...]”. Os depoimentos dos Grupos Focais mostram que a participação foi mais efetiva durante o desenvolvimento da intervenção revelando que o processo incentivou em alguns, à vontade de participar e se envolver inclusive em outros programas. Uma dos pontos que suscitou grande discussão nos grupos retrata-se na estratégia de mobilização fundamentada na produção participativa de um Plano de Prioridades a partir do diagnóstico produzido pelas comissões. Diversas alegações alertam para a nulidade desta estratégia visto que os primeiros grupos mobilizados afirmaram que o plano foi desenvolvido dentro da etapa de constituição da comissão com a ajuda de todos os participantes, porém, boa parte destes planos foram entregues a instituição responsável pela mobilização, não retornando ao grupo para continuidade e possível implementação, frustrando-lhes às expectativas. 123 Para Adriana Miranda de Souza, representante do Poder Público do município de Andorinhas: “[...] fizeram o trabalho de mobilização até a criação da COMUAS e o plano de prioridades. Todo esse momento teve êxito [...]”, a partir deste instante tudo perdeu o sentido pois, já não tínhamos o nosso Plano”. Alvino Maia Neto Coordenador da COMUA de Filadélfia argumenta que: [...] fizemos nosso planejamento e depois trabalhamos nosso plano de prioridades, a SRH nos ajudou [...] com a participação de vários dos que estão aqui presentes [...] nos foi dado formulário numa oficina para desenvolver nosso plano. Nos municípios mobilizados pela UNEB e pelo Consórcio, as prioridades foram levantadas e escolhidas pelos representantes presentes nos encontros municipais, e sistematizadas posteriormente pela comissão definitiva. D. Nena representante da Sociedade Civil do município de Queimadas (pertencente ao segundo grupo mobilizado) afirmou que: [...] o plano de prioridade ficou não muito bom, [ ...] foi assim porque o plano de prioridade era para ser entregue a COMUA, mas a SRH entregou nas mãos do Consorcio e o Consorcio por isso ou por aquilo prendeu o plano de prioridade junto com o projeto [...] Porque a idéia era de entregar à COMUA este plano, porque foi um plano de trabalho feito com às COMUAS e eu não sei porque a SRH entregou esse plano para o Consorcio. Quanto aos municípios mobilizados pela PANGEA, somente no município de Jacobina foi discutida a versão final do Plano de Prioridade entre os representantes das COMUA. Em alguns municípios, o Plano de Prioridade permaneceu obscuro, pois, conforme a maioria dos depoimentos, não houve conhecimento da versão final do Plano, que deveria ter sido discutido antes do Encontro das COMUA em Caldas do Jorro-BA (Encontro Intercomua’s). Analisando os planos de trabalho e os depoimentos dos grupos, pode-se inferir que na maioria dos casos os trabalhos de mobilização realizados nos municípios sugerem o que Gandin (2002) classifica de primeira fase (quanto aos níveis em que a participação pode ser exercida), que é a colaboração. Ou seja, foram colhidas muitas informações, em todos os municípios, com o envolvimento e participação da comunidade. Analisando-se a fase seguinte que foi à saída da SRH do processo de acompanhamento dos organismos instituídos, caracterizada pelo fim dos trabalhos das instituições contratadas, bem como pela interrupção das ações correntes, atendendo as diretrizes da Diretoria da instituição, os 124 depoimentos registrados sugerem que a SRH fez uma saída prematura “sacramentando o fim do que seria o começo”. A saída da SRH do processo denota uma situação no mínimo curiosa: foi uma ação programada, planejada ou uma conseqüência do desestímulo interinstitucional? Ou talvez pela compreensão da impossibilidade momentânea da consecução da etapa pretendida que era formar o Comitê? Não está claro dentro deste processo qual a finalidade e a expectativa que a instituição tinha visto que diversas comissões só tiveram tempo de ser constituída, atendendo as metas programadas e isto não garantia a produção de novas posturas e ações espontâneas derivadas do possível aprendizado decorrente do processo de mobilização. Elaine Fagundes, representante da Sociedade Civil de do município de Quixabeira argumenta: “[...] não tivemos grupo porque a SRH veio em duas reuniões só e depois foi o Encontro no Jorro e não foi possível ir porque a prefeitura não ajudou. Com duas reuniões a COMUA se criou com dependência[...]”. Todos os grupos sentiram a saída da SRH e colocaram este fato como obstáculo à consecução dos trabalhos e a continuidade das Comissões, reconhecendo porém, que este não foi o único fator determinante. Este foi o segundo nível do processo de implementação de modelos participativos definido por Gandin (2002) como o da decisão, em que todos decidiram juntos, ao concordarem que era importante a constituição da COMUA. Ressalta-se porém que o “poder de decisão” ficou vinculado à decisão da SRH. Segundo Nogueira (2003), uma política participativa não faz somente transferir responsabilidades, mas capacitar as pessoas para decidirem sobre questões que afetam suas vidas de uma forma mais geral. O depoimento de Antônio Augusto, representante da Sociedade Civil de Sr. do Bomfim, demonstrou quanto foi sentida a interrupção desta fase de capacitação: “o nosso parceiro seria a SRH. Na realidade a SRH fez um trabalho muito importante, e vem fazendo, realizando um trabalho muito importante, mas houve um hiato muito grande entre a SRH para com as COMUAS”. Na área correspondente ao Consórcio, o processo foi embasado no conceito de capacitação técnica e do diálogo entre “iguais”, porém detectou-se que o argumento que contraria 125 este objetivo está fundamentado justamente no enfraquecimento organizacional das Comissões, demonstrando total falta de capacidade e autonomia para transformar a realidade. “Sobrevivemos a tronco e barrancos, mas sobrevivemos. A SRH não assumiu a COMUA, desapareceu”. (Silvana Neves, representante do Poder Público do município de Teofilândia). [...] depois da COMUA continuamos realizando várias reuniões juntamente com outro conselho que nós temos aqui no município, O Faz Cidadão no município e o Fórum do município onde a COMUA participa junto com outros grupos e ajuda na construção da pauta [...]. (Manuel Alves da Silva, representante da Sociedade Civil do município de Filadélfia). Depois da criação da COMUA que eu me lembre eu acho que não teve a participação da SRH. Acho que só na fundação [...]. (Alfio Pinto Neto, representante dos Usuários do município de Conceição do Coité). O último nível definido no processo de mobilização por Gandin (2002) é o da construção em conjunto, o que não chegou a ser contemplada nos trabalhos, uma vez que o produto final foi o Plano de Prioridade para a bacia, produzido pelas comissões, com a participação e discussão de representantes de todos os municípios, porém sem a reprodução de nenhuma das iniciativas planejada na prática. Algumas exceções, como Filadélfia, apresentaram uma rotina de continuidade após a saída da SRH de acordo como depoimento de Jailton Araújo, representante da Sociedade Civil: “[...] nós continuamos os trabalhos realizando reuniões, construindo nossa pauta, planejando ações como reflorestamento de áreas degradadas, área da barragem [...]” A equipe técnica da SRH teve a iniciativa de tentar favorecer o processo de continuidade das organizações quando contratou a Latin Consult para dar forma aos referidos planos. A proposta inicial era dispor de uma quantia de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) para que cada comissão realizasse uma das ações planejadas que fosse de possível com os recursos que seriam liberados, porém estes recursos foram empregados tão somente no pagamento da consultoria. Todas as comissões alegaram que a participação do poder público local é fundamental para a constituição dos grupos, porém, ao mesmo tempo indagaram que não é vital. Sugeriram que esta participação é fundamental do ponto de vista da sustentabilidade visto que não há recursos financeiros para nenhuma ação concreta, criando um laço de dependência com o poder local. Porém, não era vital para justificar que sua ausência fosse a causa do fim das organizações instituídas. 126 Segundo a Profª Ione Jatobá representante da Sociedade Civil do município de Jacobina: “em alguns poucos municípios, onde o empenho foi vinculado ao setor público municipal, representado por Secretários de Agricultura, onde não havia Secretário de Meio Ambiente, foi expressiva a participação do Poder Público localmente” Na opinião, respectivamente, da Alvian de Jesus, representante do Poder Público e da Profª Telma Cunha representante da Sociedade Civil de Quixabeira: [...] a Prefeitura quando tinha que nos ajudar para a gente mandar um representante lá para Jorro, mandou uma pessoa que não tinha nada a ver com o grupo [...] entendo que a Prefeitura esteve muito ausente e isso dificultou para a nossa continuidade [...] [...] em termos de conhecimento a gente não é pobre não, temos diversas iniciativas e propostas como na área de gestão ambiental [...] no início há dependência porque é algo novo [...]. A estratégia de formação das comissões sugeria a participação do poder público local como possibilidade de apoio e sustentabilidade financeira às ações necessárias e pretendidas. Esta proposição guarda em si uma armadilha de conseqüências prováveis de tutelamento do espaço participatório instituído. A política partidária, em pequenos municípios onde a economia depende do poder público local, culturalmente vincula a ação popular aos interesses do mandatário ou liderança local. Ao definir as comissões diversos municípios tiveram dificuldade de garantir o apoio das prefeituras devido à presença de representações que eram contrárias ao posicionamento político do grupo majoritário que comandava as prefeituras. Os principais problemas ocorridos após implantação das COMUA’s, apontados a partir dos depoimentos dos grupos foram: x Falta de articulação dos órgãos públicos; x Falta de projetos visando solucionar os problemas citados nos planos de prioridade, argumentos vinculados ao programa de Educação Ambiental; x Desmotivação dos participantes por falta de ações concretas e aplicadas em curto prazo; x Falta de apoio dos poderes públicos estaduais e municipais; x Dificuldade de reunir as pessoas para continuar os trabalhos; 127 x Falta de informação e de planejamento; x A falta de tradição da participação, associada à cultura do coronelismo x A arraigada cultura individualista e paternalista (“o que o governo vai me dar em troca?”); x A desigualdade de informação sobre a importância do processo participativo, bem como sobre as questões relacionadas com a preservação da água; x Pouca divulgação nas escolas, ruas, universidades, comércios, etc; x A dificuldade com custos de transporte, para que os membros das comissões participem das reuniões do Consórcio, quando estas são realizadas nos municípios mais distantes; x Disponibilidade de tempo das pessoas que estão à frente do processo; x Falta da participação da SRH; x Falta de recursos de forma generalizada; x Falta de comprometimento dos interessados; Evidenciou-se ainda a necessidade de programas de educação ambiental mais consistente em cada município, de forma que a própria população exponha suas reais dificuldades e necessidade proporcionando assim, o que afirma Loureiro (2003) a aproximação entre os diversos segmentos, inicialmente a nível local e depois promover a inter-relação entre os demais para se chegar à compreensão da interdependência e articulação com a região. Após criação das COMUA’s, na área correspondente ao Consórcio, houve continuação dos projetos através da capacitação da sociedade com o Programa de Educação Ambiental e Comunicação Social (PEACS) envolvendo vários segmentos da sociedade em todos os municípios agrupados pelo mesmo. Apesar dos problemas atuais a área do Consórcio pode ser considerada privilegiada em relação às outras COMUA’s devido a mais esta intervenção. A referida área do Consórcio representa os 11 municípios iniciais e mais os 6 que tiveram as COMUA’s instituídas após reunião Intercomua. Quanto à área do rio Itapicuru-Mirim, afluente do rio Itapicuru, nenhuma atividade visando capacitar a comunidade foi realizada após criação das COMUA’s, sendo admitida como de fundamental importância para adquirir autonomia decisória, com a finalidade principalmente de desvincular-se do “paternalismo” ainda existente no cotidiano da população do interior baiano, 128 principalmente na questão de escassez de água, como sugere o depoimento da Sra. Carla Saldanha, representante da Sociedade Civil do município de Queimadas: [...] eu participei ativamente, como a exemplo da feira do meio ambiente, a exemplo do iniciozinho da educação ambiental nas escolas porque essa é uma questão importante, agora que eu acho que essa idéia tem que ser disseminada efetivamente porque houve um borbulhando de idéias, borbulhando ainda por cima, né? Foram muitas idéias novas, sete anos, tem muito a ser disseminado ainda, principalmente nas escolas, então nós fizemos esse trabalho aqui eu inseri na minha disciplina, na época era jornalismo escolar, um trabalho, um projeto todo relacionado à água, como ela é tratada, incluindo às pretensões dos projetos que ela passava para mim, depois a gente foi tentando soluçar, essa questão tem que resolver muito, eu acho que agora é o momento, eu acho que depois de todos esses anos a gente tem que pegar profundamente na educação ambiental [...]. De acordo com o depoimento da Profª Ione Jatobá da Comissão de Usuários de Jacobina: [...] sugeriu-se que, na área da sub-bacia do rio Itapicuru-Mirim, que depois de implantada a COMUA, se iniciasse ações como oferecer programa de educação ambiental, principalmente direcionada para as escolas uma vez que os docentes e discentes serão futuros multiplicadores desse conhecimento. Seria então uma atividade pertinente às ações das COMUA, integrando-lhe a responsabilidade de desenvolver esta atividade que traria subjacente o exercício da autonomia, da cogestão, e outros predicados necessários a construção do “empoderamento”. No decorrer desta pesquisa, constatou-se a importância da criação das COMUA’s devido à sensibilização e mobilização (ainda que questionável), e principalmente aos debates dos problemas em nível local que, ao serem internalizados produzem reivindicações de ações que poderão vir a contribuir para a gestão participativa dos recursos hídricos e conseqüente melhoria da qualidade de vida. Observaram-se dificuldades para dar continuidade aos projetos e para mobilizar a comunidade a participar de forma efetiva dos mesmos ainda que as pessoas estivessem abertas ao convite à participação, porém como afirma Gandin (2002), esse processo tem que ir além da fase de colaboração. É necessário que as representações envolvidas entendam que devem participar também das decisões e da construção em conjunto de ações visando solucionar os problemas ambientais locais. No que se refere à mobilização para a participação social, considera-se elucidativo o argumento de Loureiro (2003) que cita premissas que levam a caminhos metodológicos para a 129 participação cidadã: despertar a disposição para mudanças, facilitar para que a participação aconteça e aceitar as diferenças. De modo geral, a metodologia desenvolvida no decorrer da criação das COMUA, nas diversas fases, tais como em relação às decisões, interlocução entre a comunidade, setor público e SRH não se desenvolveram depois de concluído o programa. A bibliografia existente sobre o processo de participação, de acordo com alguns autores tais como Setti et al (2001), Demo (1995), Bodernave (1994), Bustos (2003) e Rocha (2003), exalta como fatores essenciais ao êxito desta política à divulgação de informações, a educação e a conscientização e inclusão. Mesmo que inconscientemente o diálogo, a informação e construção coletiva do conhecimento visando à motivação e sensibilização, foi percebido e incorporado ao consciente do construto social. De forma majoritária, a sociedade civil sempre foi em número maior. Se por um lado isto sinaliza para o desejo de participação e mudanças por outro retira a possibilidade de inter-relação com os demais atores do processo, influenciando na legitimidade dos posicionamentos assumidos. Um dos indicativos positivos deste processo de criação de espaços participatórios foi à abertura de canais de diálogo com a SRH. Entende-se que a iniciativa do grupo em buscar nesta parceria sustentação para promover ações em seu município representa uma maturidade alcançada e instituída em favor da compreensão do que seja gestão participativa da água. Muitos dos grupos alegaram que não mantiveram contato com a SRH e que quando fizeram não obtiveram resposta (esta informação não pode ser mensurada, pois não há registro de contatos das comissões com a instituição). Em alguns depoimentos alegram que não compreenderam porque a SRH deixou de estar com eles nas ações de implantação efetiva das comissões e o fato da espera pela instituição desmobilizou vários grupos, mesmo aqueles que tinham lideranças fortes. Vários depoimentos foram feitos em favor de haver uma nova mobilização para retornar as atividades. Para muitos, o processo motivou a vontade de participar de futuros projetos. Conclui-se que deve ser aproveitado o momento de instituição do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio Itapicuru, para fortalecer o processo participativo que será essencial para o amadurecimento social e para o processo de negociação, através da informação e do diálogo, visando atingir um futuro estágio de co-gestão. 130 Todos os grupos foram unânimes em considerar que a experiência foi válida e necessária. Curiosamente em todos os grupos que se encontravam parados acreditavam que a reunião (grupo focal) fosse verdadeiramente para retomada dos trabalhos o que para eles seria de fundamental importância desde que a SRH estivesse presente. A tabela nº 6 apresenta um resumo estruturado do que foi esta primeira fase de depoimentos, retratando a heterogeneidade dos grupos instituídos em momentos distintos e por organizações diferentes, apesar da metodologia utilizada ter sido a mesma. Os maiores avanços podem ser percebidos no 1º grupo mobilizado pela SRH em parceria com a UNEB, o que pode-se atribuir ao fator tempo de intervenção e a maior identificação com a obra da barragem de Ponto Novo devido a sua interferência mais direta. Nesta primeira fase a presença do Banco Mundial foi marcadamente mais forte devido a construção do barramento, o que favoreceu o processo no medida em que disponibilizou maior soma de recursos financeiros e maior disposição em constituir as organizações no modelo proposto atendendo a meta estabelecida no Programa. Em parte, a recusa de apoio da SRH no segundo momento e o enfraquecimento da pressão por parte do Banco Mundial na cobrança de continuidade deste processo repercutiu contrariamente ao objetivo fundamental da participação efetiva, conseguindo tão somente a formação dos grupos sem que estes estivessem em condições de operacionalizar a continuidade dos trabalhos. De acordo com o posicionamento do então Diretor da SRH, Milton Cedraz, “não se deve favorecer a formação de organismos sociais sem que estes sejam auto-suficientes e capazes de se conduzir sem a tutela do estado”. Em parte esta afirmação é verdadeira porém, cabe também ao estado, enquanto representação da vontade social, favorecer a instituição de espaços de participação como mecanismos de fortalecimento do princípio democrático. 131 Tabela 2 – 1ª Seção. A construção do Processo Participativo Fonte primária: a pesquisa de avaliação do PGRH Na segunda seção dos Grupos Focais, tentou-se elencar as possíveis realizações ainda que individuais de ações que pudessem ser atribuídas à intervenções construídas pelas Comissões de Usuários, indicando uma tentativa, mesmo inconsciente, da Promoção, conforme conceito apresentado inicialmente por Demo (1984), que pode transformar-se em Autopromoção que 132 significa a característica de uma política pública centrada nos próprios interessados, nos atores promotores da ação, que passam a autogerir ou pelo menos a co-gerir a satisfação de suas necessidades com vistas a superar a situação assistencialista de carência de ajuda. Daí porque se diz que a participação possui a característica de ser meio e fim, porquanto é instrumento de autopromoção, e é igualmente a própria autopromoção. Nesta etapa foi pedido aos grupos que apresentassem algumas ações desenvolvidas que pudessem clarear e indicar uma via de maturidade e aprimoramento das ferramentas operativas de promoção da participação tais como: ações de influência na legislação municipal para gestão do meio ambiente e recursos hídricos pós-constituição dos grupos; instituição de Conselho Municipal do Meio Ambiente; participação na Administração Pública; reconhecimento das comissões como de utilidade pública; projetos municipais com a participação das Comissões; ações diversas como seminários, palestras, mutirões, caminhadas, denúncias, ofício dirigido a entidades públicas ou privadas com fins de melhoria ambiental; projetos com a Universidade e núcleos de ensino local; ações dirigidas à implementação da Agenda 21 Local, enfim todas as iniciativas desenvolvidas individualmente ou pelo grupo que podessem ser caracterizada com conseqüência do processo de mobilização e instituição dos referidos organismos. Tabela 3 – 2ª Seção. A construção da Autopromoção Fonte primária: a pesquisa de avaliação do PGRH Verificou-se que apenas 3 (três) COMUA continuam funcionando (Queimada, Filadélfia e Mirangaba). Todas as demais Comissões de Usuários apresentam-se sem funcionamento sendo 133 que em várias delas, principalmente as pertencentes a 2ª, 3ª e 4ª etapa do processo de formação desenvolvido pela SRH só funcionaram até a sua instituição. Não há registro de novas reuniões e nada foi feito pelas referidas comissões. As que desenvolveram algumas ações apresentadas nos depoimentos nos Grupos Focais, demonstram que não conseguiram alcançar uma fase segura de autopromoção. Na 3ª seção dos trabalhos com os Grupos Focais, está a chave para compreender a relação que “fora ou não construída” entre os organismos instituídos e o Comitê de bacia. Esta recuperação anterior foi proposta como mecanismos de facilitar o entendimento da constituição de um comitê de bacia com fortes relações com as instituições locais. Fechar-se-ia assim o Modelo de Implementação de Gestão Participativa com a consecução do comitê fundamentado em sua base nos organismos locais que foram constituídos para dar-lhe suporte e subsídios. Este seria então o momento de afirmação do modelo alternativo desenvolvido para promoção da participação na gestão das águas na bacia do rio Itapicuru. Na análise dos depoimentos sobre o entendimento referente à gestão participativa e descentralizada enfatiza-se de maneira obvia, a diferença de percepção de cada membro das COMUA’s. Isto porque, há diferentes graus de envolvimento, e discernimento pessoal ou institucional. Não se pode deixar de considerar as diferenças de conhecimento entre os representantes presentes. Esta diferença refere-se a argumentação de Santos, E. (2003) que afirma que o desnivelamento de conhecimento e recursos discursivos aprisiona os menos qualificados em detrimento dos que detém mais recursos, desfavorecendo a instituição de espaços de participação efetiva, tornando a participação mais uma dádiva do que uma conquista. Os poucos participantes que se dispuseram a apresentar seus conceitos diante do processo vivenciado, entenderam quase que univocamente que gestão participativa está associada às parcerias, à cooperação entre o Poder Público e a comunidade e tem como objetivo a discussão e resolução dos problemas do município. Como contraponto alguns apresentaram a argumentação da importância da “educação” de uma maneira geral, como fator indispensável para a condução e sustentabilidade desse processo. Poucas comissões do Itapicuru conseguiram construir uma lógica relativa entre as COMUA’s e os demais organismos - Consórcio e Comitê de bacia. Não há compreensão da continuidade e interação entre estes organismos, representando, esta 134 dificuldade da análise, um elo frágil na proposta de institucionalização dos comitês a partir de bases locais. Reiterados depoimentos registraram o desconhecimento do processo de constituição do Comitê de bacia alegando o fato ao possível baixo nível de divulgação e a pouca informação, contrariamente a estratégia de divulgação estabelecida pela SRH que propôs a convocação das referidas organizações como mecanismos de fortalecimento para a formação do Comitê. Quanto aos questionamentos sobre a Política Nacional de Recursos Hídricos (PNRH), Comitê de Bacia Hidrográfica e as relações entre Comitê e COMUA, a grande maioria alegou já ter ouvido falar, porém, superficialmente sobre os dois temas. Muitos dos grupos entrevistados afirmaram não saber se existia relação entre os dois organismos. Isto vem comprovar a necessidade de informações sobre os referidos temas. Os grupos afirmaram que o tempo de aprendizado e formação das comissões foi insuficiente, pois argumentam que são muitas novidades a serem apreendidas que necessitam de muito trabalho e divulgação mais intensa. Houve baixo nível de absorção diante da quantidade das informações repassadas e o caráter de novidade que caracteriza as questões relativas à gestão das águas no Brasil e por conseguinte na Bahia. A tabela 3 apresenta um resumo daquilo que foi a tentativa de avaliar a formação dos conceitos referentes à participação social na gestão de recurso hídricos na bacia do rio Itapicuru. Ressalta-se mais uma vez que o fator tempo (relativo ao espaço entre o processo de mobilização e “capacitação” e o momento desta avaliação) contribui fortemente para a perda de elementos possivelmente construídos quando na implementação da formação dos organismos de bacia. A justificativa de “novidade” muitas vezes apresentada quando se aborda o tema da gestão participativa, é um forte argumento para se afirmar que no processo de formação destes organismos não se desenvolveu a capacitação das representações o que não favorece a manutenção e afirmação destes grupos enquanto espaços de participação na gestão hídrica local. 135 Tabela 4 – 3ª seção. Compreensão da construção do Processo de Gestão participativa Fonte primária: a pesquisa de avaliação do PGRH 136 2º Momento: O comitê da bacia hidrográfica do rio Itapicuru 12.2 Com a mudança de Direção da SRH e a criação da Secretaria de Meio Ambiente, já no ano de 2003 a questão do comitê de bacia volta a ser discutida internamente motivada pala participação marcante da SRH nos trabalhos de formação e instituição do Comitê de Bacia do Rio São Francisco (a SRH era uma das instituições que compunha a Diretoria Provisória do Comitê do rio São Francisco). A Superintendência empenhou-se na formação do Comitê do rio São Francisco sendo o Instituto Manoel Novaes – IMAN, a instituição responsável pela mobilização e implementação da estratégia de formação deste comitê. Trata-se de uma experiência referencial (nacionalmente) dada a complexidade desta bacia envolvendo 6 (seis) estados da Federação e mais o Distrito Federal, cada um deste com suas particularidades e interesses face a formação do comitê. É importante ressaltar que esta mudança de posicionamento da SRH ocorreu após intensa pressão externa de diversos estados que não aceitavam a postura assumida pela instituição baiana, que defendia a instituição de comitês de bacia para a política externa, defendendo maior democratização da gestão hídrica nacional, porém em sua política interna arbitrava isoladamente todas as questões relativas a gestão das águas. Desta forma foi que a SRH passou a fomentar a instalação de seus comitês sendo que as bacias contempladas inicialmente foram o Itapicuru e o Paraguaçu, apesar da ausência de instrumento legal (do ponto de vista interno do estado da Bahia) para instituição dos mesmos (baseou-se na legislação Federal). Ambas as bacias já apresentavam um histórico de mobilização e conscientização para os aspectos relativos à gestão da águas. Na bacia do rio Itapicuru acreditava-se supostamente que havia se formado uma rede de possíveis colaboradores e potenciais representantes no comitê de bacia baseado no pressuposto da mobilização local e regional constituída anteriormente (COMUA, AUA e Consórcio). Esta mudança de rumo alteraria então o arcabouço do modelo construído como alternativa a institucionalização da participação social na gestão dos recursos hídricos da Bahia. Doravante, destaca-se neste momento a vontade determinante do dirigente máximo do órgão, que definiu como meta institucional a implementação do princípio definido na legislação nacional da águas (Lei nº 9.433/97) da gestão participativa das águas baianas. Era uma tentativa de alinhar a política de relação institucional externa entre a SRH e a ANA, corrigindo a dissonância da política interna no que tange a gestão hídrica estadual. 137 Fig. 23 – Representação da segmentação ocorrida na implementação a Gestão Participativa na bacia hidrográfica do rio Itapicuru na Bahia Fonte primária: a pesquisa de avaliação do PGRH Outrossim, ressalta-se que no momento de constituir-se o Comitê de Bacia do rio Itapicuru, a rede de possíveis colaboradores, formada a partir das COMUA’s e AUA’s não funcionou, denotando a fragilidade do processo de mobilização. Portanto, para a formação do Comitê do Itapicuru desconsiderou-se o processo anteriormente instituído. Stilfeman (2005), admite que: [...] percebendo que as COMUA e o Consórcio não subsistiam autonomamente, já que tinham sido criados a partir de um discurso externo, o institucional, e que ao mesmo tempo a SRH não tinha condições de apoiar ações na esfera municipal, retomamos a formação do Comitê e a reformulação da Legislação Estadual, constatando que em matéria de organização de um sistema de gerenciamento participativo precisávamos adequá-lo ao modelo Federal”. (Stilfeman – Relatório PGRH, 2005). Para realizar a “mobilização” e formação do comitê do Itapicuru a SRH deu apoio financeiro através da contratação da consultoria externa - CONAP, que teria por objetivo implementar um modelo de mobilização constituído a partir de diversas experiências nacionais. Neste modelo consta todo o processo de mobilização da bacia finalizando na eleição dos representantes das diversos atores participantes. 138 Fig. 24 – Representação da metodologia adotada pela SRH para a formação dos Comitês de Bacia na Bahia Fonte: Adaptado de Stilfeman, 2005. A formação Grupo Executivo Pró Comitê – GEX, foi o primeiro passo para a formação do Comitê, constituído por lideranças locais (da Bacia) que representam os três segmentos – Poder Público, usuários e organizações da sociedade civil. O GEX tinha a função de elaborar a proposta de mobilização na bacia para a formação do Comitê e indicar uma Diretoria Provisória que acompanhou o processo eleitoral. Esta proposta foi entregue ao órgão gestor para tomar conhecimento e instituir a Diretoria Provisória. 139 Quadro 1 – Representação esquemática da metodologia de mobilização e instituição do Comitê de bacia hidrográfica, desenvolvido para o comitê do rio Itapicuru Fonte primária: a pesquisa de avaliação do PGRH A proposta de mobilização para a formação do Comitê, elaborada pelo GEX, abrangia as etapas de sensibilização, de encontros regionais, das inscrições das instituições e habilitação para participação nas plenárias eleitorais, conforme quadro 01: Seguindo esta trajetória o Comitê de Bacia Hidrográfica do rio Itapicuru finalizou o seu processo de formação em janeiro de 2005. Faltava-lhe então a base legal para seu reconhecimento e institucionalização. Após plenária de eleição da sua 1ª Diretoria nada mais foi feito. 140 12.2.1 COMENTARIOS SOBRE O COMITÊ DE BACIA DO RIO ITAPICURU Faz-se necessário refletir sobre alguns fatores relevantes à implementação do comitê de bacia com vistas a agregar elementos de análise deste momento. Tem-se inicialmente o fato da empresa contratada para realizar a implementação do comitê, a CONAP ter sido responsável pelo processo de mobilização na bacia do rio São Francisco (como sub-contratada do IMAN), o que já representa um ponto positivo diante da experiência vivenciada e capacidade laborativa desenvolvida. Porém, a CONAP, não vivenciou o processo de mobilização anteriormente promovido na bacia o que dificultou na identificação das lideranças que poderiam vir a agregar na mobilização para consecução da formação do comitê. A CONAP baseou-se tão somente em algumas orientações da própria SRH. Este fator foi negativamente determinante no processo de formação do comitê, pois não contou com a participação de diversos líderes locais ocasionando até em alguns casos sentimento de rejeição ao processo devido à interpretação equivocada de “abandono”. Observou-se também que os 4 (quatro) mobilizadores contratados para auxiliar no processo de convocação das instituições e da sociedade de forma geral, nos 43 municípios (identificados no momento da formação das COMUA’s) com vista à realização dos Encontros Regionais, não tinham perfil adequado citando-se como exemplo a mobilizadora do município de Santa Luz, que era uma anotadora de “jogo do bicho” e desconhecia a razão efetiva para a qual estava trabalhando (fora indicada por um vereador da cidade que era membro da Comissão Coordenadora do comitê). Como justificativa, a questão do tempo foi o argumento mais forte. Entre o período de liberação dos recursos por parte da SRH e a contratação dos mobilizadores e o fechamento do processo teve-se tão somente 4 meses, o que atenta de forma negativa para a consecução dos trabalhos. Não havendo tempo para identificar os mobilizadores com perfil ideal passou-se a aceitar, sem muitos critérios, às indicações. Houve uma etapa de “capacitação” dos referidos mobilizadores, porém totalmente inócua devido ao tempo exíguo do treinamento face a grande quantidade de informações repassadas, o que dificultou a disseminação das mesmas, que deveriam ser repassadas ao público alvo desta mobilização (Poder público, sociedade civil representada pelas associações e Organizações não governamentais e os Usuários da água, definidos de acordo com a Resolução nº 5 do CNRH). 141 Os mobilizadores contratados tiveram de realizar visitas aos municípios vizinhos e localizar as instituições que foram alvo desta mobilização, sendo que para tanto receberam o valor mensal de R$ 300,00 (trezentos reais) para custeio de despesas com alimentação, hospedagem e transporte passando a atuar na verdade como “voluntários”, pois não receberam remuneração. A Diretoria do Consórcio Intercomua tentou auxiliar no processo, porém por falta de apoio financeiro não realizaram ações significativas, segundo depoimento do Sr. Antônio Augusto, Vice-presidente da instituição. Verificou-se neste momento ainda a falta de apoio dos representantes do poder público dos diversos municípios envolvidos que ficaram omissos ao processo devido ao esforço desprendido em campanha eleitoral coincidentemente vivenciada imediatamente antes do período de mobilização, sendo que alguns destes representantes não se reelegeram ou não elegeram seus pares, e outros que estariam assumindo o poder local não manifestaram interesse. Para quantificar a mobilização pode-se refletir o processo de mobilização a partir dos números de instituições inscritas para pleitear uma vaga no comitê que limitou-se a 134 inscrições, que ocorreram devido a forte esforço desprendido por parte de todos envolvidos na implementação do comitê. No Diagnóstico Institucional realizado durante o período de formação das COMUA’s e AUA’s, registrou-se um número de 936 instituições cadastradas nos 43 municípios envolvidos. Das 134 inscrições 14 não se habilitaram a participação no processo eleitoral, sendo que somente 86 fizeram-se presentes em plenárias (desconsiderando o poder público que de 43 municípios só comparecerão 8 prefeitos para a plenária). Segundo Relatório Final da CONAP, os Encontros Intermunicipais, realizados com o objetivo de estabelecer uma integração entre os atores locais e representantes do poder público (estadual e municipal), ocorreram com alto índice de ausência de representações. Justificou-se afirmando que apesar das sentida ausência, este fato não impediu o alcance dos objetivos estabelecidos. A ausência das representações foi também justificada pelo período pós-eleitoral, sendo confirmada pela baixa presença de representantes do poder público na sua Plenária Eleitoral. 142 Tabela 5 - Representação da participação das entidades no processo eleitoral do Comitê do rio Itapicuru Fonte: CONAP, 2005. Nas Plenárias Eleitorais não foi possível preencher todas as vagas disponíveis devido à ausência de representações, justificadas pela dificuldade de locomoção, falta de apoio do poder local, e falta de conhecimento do processo. O Futuro dos organismos de bacia e do Comitê A visão do futuro desses organismos instituídos reproduz um paradoxo nos diversos depoimentos registrados nos Grupos Focais, onde os participantes admitiram a necessidade de participarem, porém reconhecerem que participar é uma tarefa bastante complexa em face da sua natureza voluntária e não remunerada. Precisamos repensar as COMUA e AUA para que as pessoas que ainda acreditam não desistam e contribuam para a continuidade dos trabalhos. O Comitê será conseqüência.( Ione Jatobá, do município de Jacobina). Como participar se temos tantas outras tarefas a realizar? Somos pessoas ocupadas. (Cirilo Damasceno, do município de Cansanção). Espero que possamos recomeçar, pois, precisamos participar da defesa de nossas águas, só não sei como poderemos fazer isto. (Zenilda Miranda do município de Miguel Calmon). A participação da sociedade é obrigatória devido ao financiamento da política publica por bancos internacionais para diminuir a corrupção. Mas não é verdadeiramente uma necessidade do governo. Não dá para entender o que se quer com essas coisas. (Jessé Rodrigues dos Reis do município de Quixabeira). 143 É complicado porque não é prioridade para alguns gestores. (Rosenete Bertolodo do município de Caem). O futuro da COMUA, AUA e Comitê depende da comunidade. (Romero Menezes do município de Andorinha). Preocupante. (Salvador de Oliveira do município de Valente). A SRH deve garantir a subsistência das COMUA. (Antonio Gonçalves de Matos do município de Capim Grosso). Convocar a gente para poder dar continuidade aos trabalhos. Estamos adormecidos mas queremos muito participar. (Judivam Sobrinho do município de Quinjngue). Se o Consórcio não funcionar o Comitê terá mais trabalho. (Paulo Terra Nova do município de Sr. do Bonfim (Consórcio)). 12.3 A visão dos gestores do PGRH Como proposta de fechamento desta discussão apresenta-se aqui a visão de alguns dos principais gestores do Projeto de Gerenciamento de Recursos Hídricos da Bahia, retirada do Seminário de Avaliação realizado em Salvador, no Hotel Fiesta, nos dias 19 e 20 de janeiro de 2006. Além de representantes do Banco Mundial, fizeram-se presentes autoridades de diversas instituições tais como da ANA, da Secretaria de Recursos Hídricos Nacional e dos estados de Minas Gerais, São Paulo, Rio Grande do Sul, Alagoas, Sergipe, Ceará, dentre outros. A metodologia utilizada foi de observação dos trabalhos de avaliação. Todas as etapas do projeto foram apresentadas por técnicos e coordenadores responsáveis, e como parte do método de avaliação foi proposto pelo facilitador, representante do Banco Mundial, o debate ao fim de cada apresentação. Para o componente institucional de implementação da gestão participativa, política definida durante a vigência do PGRH, após a apresentação das informações referentes à avaliação deste componente, foram feitas várias ponderações. No contexto geral considerou-se que houve êxito no processo de implementação da gestão participativa, como mecanismo de promoção da eficiência do gerenciamento dos recursos hídricos no estado, o significa dizer que esta meta foi atingida. Mesmo reconhecendo que as formas organizacionais criadas no âmbito do PGRH estão 144 em fase embrionária, os gestores e coordenadores do projeto afirmam que elas refletem uma vontade política, buscando ajustar um modelo ideal para a introdução da gestão participativa dos recursos hídricos na Bahia. O modelo de implementação adotado no PGRH não deve necessariamente servir a outras intervenções, pois, se entendeu que as etapas iniciais (instituições locais) poderiam ser suprimidas. Segundo Golde Stilfeman, consultora da SRH, as COMUA’s, AUA’s e o Consórcio, foram etapas significativas, porém não necessárias, que poderiam ser desconsideradas em outras intervenções. Segundo a mesma: “... foi um bom exercício, porém poderíamos desconsiderar esta ação numa outra intervenção”. De forma geral as opiniões expressaram consensos relacionados à importância das diversas formas organizacionais e dissensos relacionados às suas funções e as competências de cada organismo instituído. Considerou-se como premissa que o Governo do estado só deverá estimular a formação de organismos de bacia de acordo com sua capacidade de apóia-las (princípio da subsidiariedade). Caso o governo não tenha a intenção de suportar estes organismos não deve incentivar a sua formação sob pena de desprender energia e recursos sem efeito para a política social em questão – a gestão das águas. A SRH juntamente com os governo do estado apresentaram mudanças significativas nas questões relativas a gestão participativa das águas, ratificando este re-posicionamento com a promulgação da Lei nº 9843/05, que corrigiu o descompasso existente entre a lei estadual e a nacional no que tange a participação social na gestão da águas. Acredita-se que todas as ações de natureza “social” do projeto devam fazer parte de um único planejamento como forma de maximizar os seus efeitos convergentes, permitindo o rápido alinhamento de cada uma dessas proposições, minimizando custos, aumentando a eficiência do processo, e agregando valor aos produtos. Entendeu-se que as ações descoordenadas reproduziram-se em mais obstáculos devido à instituição de novos organismos conflitantes nos seus objetivos. Os gestores apresentaram proposta aos gestores consultores do Banco Mundial para promover ações de natureza avaliativa de forma mais freqüente e com avaliadores externos ao Projeto, como forma de garantir maior legitimidade às ações implementadas e avaliadas. Entende-se que as avaliações sistematizadas poderiam subsidiar o planejamento dos trabalhos 145 permitindo o seu ajustamento em tempo, significando maior eficiência na construção do processo de inserção social na política de gestão das águas. Do ponto de vista da conformidade os objetivos propostos no PGRH referentes ao componente institucional foram considerados exitosos e aceitos pelo Banco apesar de toda fragilidade constatada no processo. Esta aceitação inconteste dos resultados apresentados traduzse num posicionamento no mínimo suspeito aguçando-nos a reflexão do real objetivo subjacente a lógica dos organismos multilaterais de financiamento. Será que atender a objetivos propostos simplesmente no seu aspecto numérico e de conformidade pode responder as expectativas dos interesses representados pelos organismos multilaterais de financiamento? 146 13. CONCLUSÕES E RECOMENDAÇÕES Faz-se premente a conscientização dos gestores públicos que, para haver gestão participativa propriamente dita faz-se necessário à participação dos diversos atores sociais envolvidos desde o início do processo de implementação de um comitê de bacia hidrográfica, não esquecendo o grau de amadurecimento social que vem, a partir da preparação, informação e conscientização da sociedade. Conclui-se que o Estado, baseado em seu ritmo próprio e experiências bem sucedidas ou não, vêm buscando regulamentar um modelo de gestão que esteja de acordo com a Política Estadual de Recursos Hídricos. Muitos desafios ainda virão quanto à implantação de Leis, regulamentações e a conscientização da sociedade civil em participar das decisões referentes às questões ambientais e sócio-ambientais. Conclui-se ainda que mesmo com o advento da institucionalização dos comitês de bacia no estado, a Bahia deve, através da SRH, repensar quais as relações que deverão ser construídas a partir deste momento com vistas a efetivação da participação social na gestão hídrica estadual. É preciso afinar o discurso com a prática sob pena de instituir mais um organismo sem objetivo concreto, atendendo tão somente aspectos de natureza legal da política de gestão das águas. Mesmo diante das dificuldades identificadas, a experiência de mobilização e participação social promoveu na Bacia do rio Itapicuru a discussão entre os usuários de água e atores sociais dos mais distintos e mais variados níveis e perfis, de questões inerentes a gestão hídrica local, sendo que cada um deste atores sociais tem seu próprio tempo para incorporar e processar novas condutas e atitudes. Todo o esforço que fora desprendido para institucionalização das COMUA’s, AUA’s e do Consórcio Intercomua, serviram como exercício de aprendizagem, porém, não representando um modelo a ser perseguido. Os organismos de bacia podem figurar ora como entraves ao processo gestacional e ora com mecanismos de eficiência da gestão de recursos hídricos. O fiel da balança certamente estará no nível de “empoderamento” que se construirá dentro do processo de relacionamento interinstitucional. Constatou-se que a consolidação dos organismos de bacia instituídos carece de ações mais duradouras fundamentadas no princípio da subsidiariedade e que desenvolva os níveis de “empoderamento” social, capacitando o grupo sob intervenção a atingir níveis de participação de co-gestão a auto-gestão. Desta forma se estará retirando as amarras da 147 sociedade em relação ao poder local ou regional, tornando-a parceira e indutora de políticas sociais mais justas. A SRH tem sido diversas vezes lembrada por muitos consultores como uma referência nacional na gestão dos recursos hídricos. Este é um dos fatores que paradoxalmente dificulta que a SRH reconheça efetivamente seus demais “parceiros” instituídos para auxiliá-la na gestão hídrica, visto que por acreditar fortemente na sua tecnocracia desconsidera a participação social efetiva no gerenciamento dos recursos hídricos. Com a aprovação da Lei 9843/05, que reconhece os comitês de bacia na Bahia, porém sem instituir um Sistema de Gestão Estadual de Recursos Hídricos, ter-se-á que tecer novas relações institucionais com vistas a reconhecer o papel individual e interinstitucional dos atores envolvidos na gestão das águas do estado. A participação, ora proposta dentro do modelo implementado pela Bahia caracteriza o aceite aos receituários dos organismos multilaterais de financiamento, engendrado numa lógica neoliberal que propugna a transferência de atribuições do estado para a sociedade civil, escamoteando à participação social. Consoante a este fator acrescenta-se a instituição do controle da gestão hídrica através de mecanismos de mercado, conferindo a água uma natureza meramente de insumo. Diante de iminente crise de escassez hídrica, tão fortemente pronunciada, é temível a aceitação passível das soluções salvacionistas apresentadas pelos mecanismos econômicos ora vigentes na nossa legislação da águas, instituídas de forma influenciada por estes organismos de financiamento. Considerando a hipótese tomada nesta pesquisa pode-se concluir que a não participação no processo de institucionalização da gestão participativa na bacia hidrográfica do rio Itapicuru tem suas justificativas fundamentadas em diversos aspectos da formação histórica do perfil social, econômico, cultural e político das populações residentes no semi-árido nordestino. Consoante a estes aspectos a relação de dependência do poder público, local ou regional, e a baixa compreensão das políticas públicas instituídas favorecem a desmobilização. A estrutura de poder centralizado, conformando-se na lógica da descentralização construída na dispersão do aparato administrativo configura-se em mais um entrave a conseqüente e necessária participação social na definição de suas políticas hídricas. Não havendo reformulação da postura do órgão gestor na condução da “gestão compartilhada” das águas pode-se antever mais um óbice à participação social de forma efetiva e transformadora. 148 Recomenda-se que os comitês de bacia sejam fundamentados no princípio da subsidiariedade e autonomia institucional, proporcionado por um plano de capacitação que seja alinhado com as intervenções a serem desenvolvidas promovendo a sinergia dos esforços e o êxito da iniciativa. Recomenda-se também a avaliação processual da intervenção, inclusive com a utilização de auditorias externas, como forma de validar o processo sem influência dos gestores implementadores. A bem da política social, a avaliação não deverá ser feita pelos mesmos atores que implementam a política, sob pena de falsear os resultados produzidos. Recomenda-se ainda especial cuidado na adoção dos receituários gestacionais prescritos pelas organizações multilaterais de financiamentos, que admitidos como salvacionistas, podem configurar-se em uma armadilha à construção do processo democrático e a promoção do bem estar social, prerrogativa dos poderes instituídos e representantes legítimos da sociedade para governar em seu favor e não para atender a interesses das elites econômicas mundiais. 149 REFERÊNCIAS ABERS, R., KECK, M. Comitês de Bacia no Brasil, uma abordagem política no estudo da participação social R.B. Estudos Urbanos e Regionais, V.6, N.1/maio de 2004. AMARAL, Helena Kerr do. Princípios de gerenciamento de recursos hídricos em bacias hidrográficas: política e gestão de recursos hídricos no Estado de São Paulo. 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Por que? ¾ Construção da Autopromoção da COMUA/AUA a) Legislação municipal para gestão do meio ambiente e recursos hídricos pós-constituição da COMUA/AUA. b) Conselho municipal do Meio Ambiente c) Participação na Administração Pública – relação com as Prefeituras d) Reconhecimento da COMUA/AUA como de utilidade pública? e) Projetos municipais com a participação da COMUA/AUA. f) Ações (com apoio SRH e sem apoio) – seminários, palestras, mutirões, caminhadas, denúncias, ofício dirigido a entidades públicas ou privadas com fins de melhoria ambiental... g) Projetos com a Universidade e núcleos de ensino local h) Agenda 21 Local – construção. ¾ Gestão Participativa e descentralizada da água a) Conceitos construídos, realidade, construção, atores – Gestão participativa b) COMUA => Comitês de Bacia Hidrográfica – continuidade? Ruptura? Recomeço? - Participação da COMUA/AUA na construção - Relação entre os organismos c) Promoção da participação efetiva da COMUA/AUA: Foi construída? Existe? d) Descentralização – Conceitos e modelo. => Sobrevivência dos organismos de bacia.