Celoricenses de Sucesso Em conversa com… Rita Maia “Celorico de Basto é o meu porto de refúgio, onde me sinto bem” (Rita Maia, 21 de fevereiro de 2015) Nascida e criada em Celorico de Basto, Rita Maia é uma das promessas da Investigação Molecular e do Cancro. Neste momento, trabalha em Amesterdão na Nederlands Kanker Instituut - Antoni van Leeuwenhoekziekenhuis (NKI-AVL), “uma área que sempre a atraiu apesar do seu grande sonho passar pela medicina”. Formou-se na faculdade de Ciências da Universidade do Porto e é uma cidadã do mundo com o coração em Celorico de Basto. P: Como surgiu o gosto pela investigação? R: Desde a secundária sempre tive a ideia de fazer investigação, era uma área que me atraia e apesar do meu sonho passar por tirar medicina, sempre pensei que poderia conciliar, a medicina com a investigação. Concorri para medicina mas não entrei. Acabei por entrar em Bioquímica, um curso onde somos muito expostos a trabalhos com investigadores, que por norma são nossos professores. Eles acabam por estimular a vertente do estágio no laboratório, sobretudo no estrangeiro, sempre mais valorizado. Fatores que acabaram por condicionar o meu percurso profissional até ao momento. P: Os métodos de ensino e trabalho no estrangeiro são diferentes de Portugal? R: Em cada país e em cada laboratório há uma maneira de pensar e fazer as coisas que está muito enraizada, não apenas a forma de fazer ciência mas também, a forma como as pessoas interagem, uma ideia que ficou muito clara quando fui para a Holanda. Mudar de laboratório, cidade, país permite-nos aprender coisas novas e reajustarmo-nos à forma de trabalhar e viver. Ir para fora, para um ambiente novo ajuda-nos a perceber que há maneiras diferentes de trabalhar e pensar. P. Sempre foste recetiva ao conhecimento e a essas formas de aprendizagem? R: Quando há vontade de ir para fora temos que ser recetivos ao que nos espera. Mente aberta para novos conhecimentos e formas de estar. P: Com 33 anos e um futuro radioso pela frente, quais os objetivos em termos de carreira na investigação? R: Em termos de objetivos a longo prazo pretendo ter o meu grupo independente e continuar com a mesma linha de investigação que tenho atualmente. Neste momento estou mais focada no cancro de mama e obviamente, melhorar o tratamento de cancro de mama é o objetivo que eu gostava de atingir. E quem sabe, um dia mais tarde direcionar a minha investigação para outro tipo de cancro. P: Porquê o Cancro? R: Advém de uma situação pessoal. Quando tinha 17 anos foi-me diagnosticado cancro, felizmente correu tudo bem. Além disso, durante o meu estágio a minha orientadora teve cancro de mama e acabou por falecer. Estes acontecimentos acabaram por me tocar e condicionar para a área, extremamente ativa, que precisa de muita pesquisa. P: Sentes que o caminho que a comunidade cientifica está a percorrer na investigação é o adequado? R: Cada vez mais há maior cuidado para que os doentes vivam mais tempo e com maior qualidade de vida, esses esforços estão a ser feitos e são reconhecidos. P: Como funciona a investigação em laboratório, como é feito o trabalho de campo? R: Estou a usar ratinhos como modelo de estudo. Comecei por usar linhas celulares de doentes que tiveram cancro para realizar investigações mais primárias nessas linhas celulares. A partir do momento em que haja uma descoberta interessante aplicamos no ratinho, se funcionar no animal há maior possibilidade de funcionar em humanos. Agora, no instituto onde estou, estamos inseridos numa clinica que funciona como o IPO da Holanda, temos acesso a muitos dados e amostras de pacientes, essas amostras servem, muitas vezes, como método de estudo e verificação de resultados. P: O teu trabalho incide na investigação molecular e do cancro e pertences a uma equipa que já tem arrecadado alguns prémios. Qual é a sensação de pertencer a uma elite de galardoados na área da investigação? R: É extremamente satisfatório a nível pessoal e profissional. O nosso objetivo é poder ajudar as pessoas que têm cancro e o nosso trabalho vê-se refletido nessas pessoas. E acho que sempre tive a sorte de integrar equipas de trabalho onde há muita cooperação e esforço de equipa. P: O último prémio foi ganho em Portugal? R: Sim, o último prémio foi o prémio Pfizer, atribuído ao meu antigo chefe, Hélder Maiato, e por consequência a toda a equipa. Foi o reconhecimento do esforço da equipa. P: Como é que funciona esse trabalho de equipa? R: No início temos que seguir os ensinamentos do chefe até atingir um grau de autonomia que nos permita atuar em conformidade com ações que vão de encontro às necessidades da investigação. P: Uma aprendizagem necessária para teres a tua própria equipa? R: Estou a trabalhar para isso. P: Que importância atribuis aos prémios que vais arrecadando? R: É fruto do nosso empenho mas é também um estímulo muito grande para continuar. P: É um incentivo para fazer mais e melhor? R: Sem dúvida. P: Em Portugal existe esse incentivo? R: Sem dúvida que sim. Há muitas pessoas que têm muito orgulho naquilo que fazem. E fazem questão de o fazer bem, e a partir do momento que isso acontece, acabam por ser grandes profissionais, fundamental para o país e a estrutura organizacional. Não é preciso dar a palmada nas costas mas é importante reconhecer que se está a fazer um bom trabalho para que esse bom trabalho continue a ser feito. P: Fazes exposição do teu trabalho? R: Sim. Tanto em Portugal como na Holanda somos incentivados a expor o nosso trabalho, uma espécie de networking, onde podemos interagir com outros investigadores e proporcionar a partilha de conhecimentos. Tenho oportunidade de, pelo menos uma vez por ano, ir a um congresso internacional, participar na conferência, como oradora ou com a presentação do poster. P: Recordas o que sentiste na primeira vez que foste oradora numa conferência para a comunidade científica? R: Foi aterrador. A sensação de estar perante uma audiência bastante informada na área e sabermos que no final eles vão fazer perguntas sobre o nosso trabalho, deixa-nos sempre com algum receio. No entanto, é também uma experiencia bastante satisfatória. É a oportunidade que temos de demonstrar e dar a cara pelo nosso trabalho. P: Um gosto, por certo. R: Sim. Gosto de estar e falar com as pessoas, de discutir o trabalho e chegar a conclusões. Somos sempre bem acolhidos na comunidade científica e isso ajuda-nos a progredir como investigadores e até como conferencistas. P: Se fosse necessário deixavas a investigação para entrar em outro ramo de trabalho, há algo superior à investigação como carreira profissional? Estudar medicina estaria em cima da mesa, novamente? R: Não, honestamente, não. Eu, cada vez mais, tenho a certeza que é mesmo isto que eu gosto e espero ter a oportunidade de continuar a fazer. P: A vocação é fundamental para ter sucesso na carreira profissional? R: Uma pessoa pode ter ambição e pode querer chegar longe mas se realmente não há aquele chamamento, aquele apelo, podemos ser muito bons, mas se não vier de dentro, o resultado dificilmente será o mesmo. P: E quando sentiste esse apelo para a investigação? R: Acho que veio de forma gradual, desde a faculdade, quando verifiquei que era mesmo aquilo que eu gostava de fazer. Mas recordo-me de ter técnicas de laboratório aqui na escola e de pensar, “eu gosto disto, pipetar soluções, colocar A com B verificar, o resultado… P: Os professores têm, também, essa função, de ajudar a encontrar a vocação? R: Sim, é fundamental termos um professor capaz de nos ajudar a encontrar a nossa vocação. Às vezes não é fácil mas com devida orientação podemos encontrar o caminho certo. P: Surgindo uma hipótese para ir para outra cultura, para outro país, estás recetiva? R: Não posso dizer que não. Primeiro temos que ver as condições de trabalho e as condições que me oferecem para realizar esse trabalho. Até ao momento quer nos EUA quer na Holanda os recursos são muito melhores do que aqui, mas também asseguro que nunca foi por falta de recursos cá em Portugal que nós deixamos de fazer o trabalho que fizemos e a qualidade de trabalho com que o fizemos. P: É fácil a adaptação a essas culturas? R: É, sobretudo, fruto de um esforço pessoal, o mais difícil é estar longe da família e dos amigos. Mas também me sinto bem na Holanda, sinto como se tivesse duas casas. Fui muito bem acolhida e isso faz toda a diferença. Estou bem integrada no país onde estou a trabalhar. P: Com as facilidades da rede de comunicação, o mundo não passa de uma aldeia global. És uma portuguesa como milhões, a viver fora de Portugal. Apesar de teres sido sempre bem acolhida fora do teu país achas que emigrar é solução? R: Eu fui muito bem recebida, criaram todas as condições para me acolher da melhor forma. As pessoas são muito acolhedoras e é fácil fazer amigos, o que ajuda imenso à integração na cultura do país. Ao mesmo tempo, devo reforçar que o nosso país deve saber acolher melhor os nossos jovens para que eles não partam à debandada por esse mundo fora, por falta de oportunidade cá dentro. Um país constrói-se com a força da juventude e com base na união. Devemos emigrar por opção e não porque a conjuntura nos obriga. P: Tens disponibilidade para a vida pessoal? R: Faço um esforço para que isso aconteça e para me sentir verdadeiramente saudável é necessário um pouco das duas coisas, pessoal e profissional. Tenho muitos amigos e tenho a oportunidade de fazer programas de lazer como uma jovem qualquer da minha idade. Obviamente nas alturas de maior trabalho é mais complicado, sobretudo quando vou às 22h00, 23h00 para casa, mas ao fim de semana aproveito da melhor forma. P: Tens como objetivo regressar a Portugal? R: O meu sonho é regressar a Portugal. Qualquer português tem essa ambição. Eu fiz os meus estudos cá e pretendo agradecer o empenho feito pelo meu país para que eu me formasse. Parti por opção e pretendo regressar capaz de contribuir da melhor forma para a investigação científica em Portugal, um país com muita qualidade na área da investigação. … Celorico de Basto uma terra com muito significado P: E este espaço que marca a nossa entrevista, tem muito significado? R: Sim. Tenho memórias muito bonitas deste espaço. Gostava mais antes das obras de remodelação, está bonito, de facto, mas eu sou muito saudosista, revivalista, e nas minhas memórias recordo a paragem dos autocarros, os jardins, o presépio, mas está bonito, é um sitio de referência. P: De referência em que sentido? R: Andei num infantário que era mesmo aqui em cima, e recordo-me de passar por este jardim, com uma liberdade diferente da que se vive nos dias de hoje. Eu saía de manha para ir brincar com os meus amigos e não era tão confinada a um espaço, como as crianças são atualmente. Tínhamos mais liberdade, o que nos permitia uma imaginação mais fértil. Eramos felizes. P: Tens muitas recordações? R. Toda a minha infância e juventude foi passado em Celorico, tenho ótimas recordações e acho que se pudesse escolher crescer em outro sitio, não escolheria. É aqui que gosto de estar. É o meu porto de refúgio. Onde tenho a minha família, onde me sinto melhor, confortável. P: Consegues ver as mudanças do desenvolvimento local? R: Uma coisa que se nota é que, em termos de infraestruturas está muito melhor, sobretudo ao nível da organização dos espaços. A nível social nota-se mais a sensação de pertença, há mais coletividades, pessoas que trabalham em conjunto, programas de animação mais apelativos… P: Que mensagem deixarias aos jovens que querem singrar na profissão que escolheram? R: Acho que devemos, acima de tudo, acreditar nos nossos sonhos e trabalhar para que eles aconteçam. Por vezes é necessário um sacrifício pessoal, atingir objetivos, ambições e projetos dá muito trabalho. A valorização profissional depende do empenho de cada um e como diz Dalai Lama “ o período de maior ganho em conhecimento e experiencia é o período mais difícil da vida de alguém”. Mas acredito que todos os sacríficos serão ultrapassados e o mérito será justamente atribuído. P: Define Celorico de Basto numa frase. R: Celorico de Basto é o meu porto de refúgio. Gabinete de Comunicação em entrevista com Rita Maia, Investigadora Molecular e do Cancro Praça Albino Alves Pereira, 21 de março de 2015