Leitura do Segundo Livro das Crônicas Cr 36,14-16.19-23 Naqueles dias: Todos os chefes dos sacerdotes e o povo multiplicaram suas infidelidades, imitando as práticas abomináveis das nações pagãs, e profanaram o templo que o Senhor tinha santificado em Jerusalém. Ora, o Senhor Deus de seus pais, dirigia-lhes frequentemente a palavra por meio de seus mensageiros, admoestando-os com solicitude todos os dias, porque tinha compaixão do seu povo e da sua própria casa. Mas eles zombavam dos enviados de Deus, desprezavam as suas palavras, até que o furor do Senhor se levantou contra o seu povo e não houve mais remédio. Os inimigos incendiaram a casa de Deus e deitaram abaixo os muros de Jerusalém, atearam fogo a todas as construções fortificadas e destruíram tudo o que havia de precioso. Nabucodonosor levou cativos, para a Babilônia, todos os que escaparam à espada, e eles tornaram-se escravos do rei e de seus filhos, até que o império passou para o rei dos persas. Assim se cumpriu a palavra do Senhor pronunciada pela boca de Jeremias: 'Até que a terra tenha desfrutado de seus sábados, ela repousará durante todos os dias da desolação, até que se completem setenta anos'. No primeiro ano do reinado de Ciro, rei da Pérsia, para que se cumprisse a palavra do Senhor pronunciada pela boca de Jeremias, o Senhor moveu o espírito de Ciro, rei da Pérsia, que mandou publicar em todo o seu reino, de viva voz e por escrito, a seguinte proclamação: 'Assim fala Ciro, rei da Pérsia: O Senhor, Deus do céu, deu-me todos os reinos da terra, e encarregou-me de lhe construir um templo em Jerusalém, que está no país de Judá. Quem dentre vós todos, pertence ao seu povo? Que o Senhor, seu Deus, esteja com ele, e que se ponha a caminho'. Mistério do “NORTE” O Norte de Israel é a região da “Meia-noite”! Aí, reinam a escuridão e a noite! Todas as forças nocivas estão concentradas em “Meia-noite”. “MEIA-NOITE” Ninguém jamais as recenseou. Quando as “portas da Meia-noite” se abrem, deixam a passagem ao mal. É Éi impossível prever a fisionomia deste mal, nem o grau, nem a nocividade dele: Será a peste, a fome, ou a espada? (Jr 14,13). Será um daqueles Impérios do Norte bárbaros e cruéis? Ou será tudo isso junto? Ou algo todo diferente? Pois, são inumeráveis as faces da Meianoite! Assim, para Jeremias, esta expressão designa primeiro uma região geográfica ameaçadora. Mas, significa também uma hora da jornada da vida, um momento da caminhada: Palavra sinônima de Vai dar Meia-noite! Hora de crer numa aurora nova ou numa noite eterna? “Meia-noite”! É a hora-limite que marca inevitavelmente o fim de um dia, escondendo ainda o dia que vai chegar. O sol do meio-dia ilumina os dois vertentes da montanha, mas a sombra da meia-noite torna a noite escura nos dois vertentes! Quem sabe se meia-noite esconde uma aurora nova ou se vai inaugurar uma noite eterna? Quem sabe se a hora seguinte será a primeira de outra claridade ou a vigésima-quinta de uma claridade irremediavelmente perdida? Meia-noite é a hora situada no vazio tragicamente hesitante que separa o passado perdido e um futuro inimaginável! Jeremias, porém, atravessa a Meia-noite! André NEHER. 2 “SER PROFETA, QUANDO DÁ MEIA-NOITE?” - Retiro Presbiteral com JEREMIAS, Julho de 2015 Palestra 1 – História de Jeremias e o encontro decisivo -I- A história de Jeremias em 30 slides O contexto geral: o final da dinastia davídica, a descoberta do Dt e a reforma do rei Josias entre 640 e 609, a queda de Jerusalém seguida do exílio, duas vezes em 597 e em 587 antes de J-C. Entre 627 e 609, no reino de Josias: Início do ministério profético de Jeremias. Pregação chamando para a conversão no reino do Norte, mensagem de esperança aos exiliados nas províncias da Assíria desde 722. Jeremias participa do entusiasmo provocado pela reforma religiosa de Josias. Apoiado por grandes funcionários reais, Jeremias se estabelece em Jerusalém para incentivar uma conversão sincera através de uma fidelidade autêntica à Aliança. Mas Josias morre de maneira precoce na guerra. Entre 609 e 598, no reino de Joaquim: Jeremias vive em Jerusalém. Descobre a falência da reforma de Josias. Enfrenta a hostilidade do rei que dá as costas à politica iniciada por Josias. Dois episódios marcam este período: o discurso contra o Templo (Jr 7) que provocará a hostilidade dos sacerdotes (briga com Pashehur, em Jr 26) e o episodio do rolo queimado em 604 pelo rei Joaquim (Jr 36) Muitas vezes, o sentimento de ser largado até por Deus domina nele. É o período das "Confissões". . Entre 597 e 587, no reino de Sedecias: depois da primeira queda de Jerusalém em 597 e diante dos funcionários reais que aconselham o rei, Jeremias preconiza uma politica de submissão a Babilônia. Mas ele se bate com a fraqueza do rei Sedecias. Os políticos favoráveis a uma aliança com o Egito se ligam contra o profeta. Odiado por muitos, Jeremias continua sozinho. Em 587, durante a prisão de Jeremias, o assedio dos Caldeus de Nabucodonosor se torna mais forte. As muralhas caem. É Meia-Noite! A hora das trevas anunciada há anos por Jeremias. A hora que desafia a esperança! O rei Sedecias tenta fugir, mas em vão. Jerusalém está em chamas e ruínas. A lógica da vaidade e da aparência hipócrita cobra o seu salário. A quem Israel poderia se confiar? Numerosos relatos ilustram esta época (Jr 27-29; 34-35; 37-39). Jeremias assiste a desgraça. Mas profetiza: “Há uma esperança para o teu futuro!” (Jr 31,17): Depois de 587, sob a dominação da Babilônia: Solto pelos Caldeus, Jeremias recusa a hospitalidade do rei da Babilônia, preferindo ficar ao lado do povo sofrido na Judeia. Depois do assassinato de Godolias (Jr 40-43), Jeremias é constrangido de ir para o Egito... Nenhum texto fala da morte do profeta, A Palavra colocada por escrito por Baruc ganhou perenidade. E a influência de Jeremias continua forte através do rolo de suas pregações. Ela levanta aos poucos uma esperança mais forte do que a desgraça. Retomado e aumentado no decorrer das releituras, o texto chegará ao livro que lemos hoje. -II- UM ENCONTRO DECISIVO – UM “PASSO NO ESCURO”, Jr 1, 4-10 O Senhor Deus tem a iniciativa do encontro. O lugar deste nem aparece. É o cotidiano. Como um encontro de uma pessoa com outra pessoa! Também, ninguém se pergunta “Por que Jeremias?” a) O amor original (v.5) Para conhecer alguém realmente, a primeira pergunta deveria ser: “De onde você vem?” A revelação bíblica nos incentiva a nos perguntar: “De quem você vem?” No Livro do Génesis, uma convicção ilumina as nossas origens: “Você vem de um Amor Original!” Pois, sem Amor original, o pecado original nem faria sentido! O testemunho de Jeremias faz eco a esta exigência fundamental. Introduz-nos numa extraordinária intimidade: a de Deus que conhece sua criatura antes mesmo que esta chegue a existir! E à revelação do Amor original, se acrescenta um ato de consagração. Quanta singularidade em cada existência humana! Pois, uma missão impossível cobra a confiança a 100% A mensagem de amor que Jeremias devia transmitir foi dirigida primeiro a ele. Como poderia anunciar o Amor original de Deus para com o ser humano, como poderia ver os sinais dele, se não acolhesse primeiro para si mesmo esta boa notícia? Se sua vida não fosse inteiramente exposta a esta força libertadora? É o início de um combate espiritual: Jeremias se opõe ao chamado recebido "Eu não sei falar, não passo de uma criança!" (v.6). Timidez juvenil? Temperamento medroso? Sobretudo, intuição profunda que não tem comparação entre a missão confiada e as capacidades dele. Nas “Confissões” de Jeremias, aparecerão na plena luz os limites de uma psicologia humana. Porém, esta vai deixar ser moldada a cada etapa da caminhada. Deus alcança o ser humano no centro de 3 sua fragilidade, e cobra a confiança a 100%! (v.7). Do impossível, Deus toma conta pelo dom total de Si mesmo: "Não tenha medo! estou contigo!" (v.8). b) Desafio impossível: Jeremias é testemunha sem ter visto, apenas por causa de uma palavra! Na vida humana, uma palavra é o que existe de mais anônimo, de mais vulnerável, de mais “sem-defesa”, de mais fácil de manipular e rejeitar! É ousado deixar ser enviado por causa de uma simples palavra de alguém! Tomé não aceitou ser testemunha simplesmente por causa da palavra das “santas mulheres”!!! Em Deus, porém, é diferente: ninguém pode brincar com a Palavra de Deus. Pois, ela realiza o que quer! Ninguém escapa! A testemunha se pergunta: “Como os demais vão acolher aquilo que eu vou falar? Pois, sou o único tendo consciência de onde vem esta Palavra? Como eles vão se submeter a ela, se somente eu a escutei?” Ser a pobre testemunha de uma Palavra divina! Esta Palavra me foi dirigida. Com um “passo no escuro”, a Palavra vai colocar-me a caminho. De agora em diante, ela pode e deve passar por mim, se eu me mostrar pronto e dócil! Com um “passo no escuro”, a Palavra vai colocar-me a caminho. Deus será o único Guardião da verdade que vai passar por mim! Na minha boca que ela tocou, ela dilatará os meus pensamentos e as minhas palavras (v.9). Será que os demais vão perceber que não serei eu a falar, mas Ele? A minha pobreza de mensageiro pode ser pesada. Porém, ela é, antes de tudo, a garantia da sublimidade da Mensagem: Tanto mais pobre é o mensageiro, quanto mais aparece a sublimidade da origem da mensagem! Que eu não espere então, brilhar por causa da Palavra que eu ofereço! Será preciso ser forte para me mostrar fiel Àquele que prometeu: “Eu estarei contigo para te libertar!” O mensageiro não deve pensar que, no cumprimento da missão, será poupado por causa de sua fidelidade! É tudo o contrário. Todos verão que Alguém vai libertá-lo, mas para isso, o mensageiro terá que deixar ser preso! Profeta para hoje? Está muito claro para mim que uma Palavra me é dirigida, para ser pronunciada por mim “para destruir e para construir” (v.10)? Que “eles vão guerrear contra ti”? Que ela não vai faltar e me libertará. Não no sentido que eu serei poupado, mas porque será visível que ela me ultrapassa. Que não serei eu a falar a verdade, mas que ela é a Verdade! c) Uma luta desigual: Proximidade e distância de Deus em sua Palavra A proximidade de Deus é inseparável de sua transcendência. Jeremias sabe que poderá contar com Deus, mas também que uma “viagem” está começando que lhe fará experimentar a que ponto Deus é o Todo-Diferente! A proximidade será percebida muitas vezes como a da Palavra presente no coração do Profeta. Mas isto não deve esconder as experiências inumeráveis pelas quais Deus faz passar Jeremias: Jeremias sente na carne a distância, aliás, a dissemelhança infinita que permanece entre Deus e ele. Isso o joga numa atitude de adoração ou de prostração, a depender dos casos. Sem esta consciência da dissemelhança sempre maior do que a semelhança, a porta se fecha à col-laboração entre Deus e nós. Pois, quando Deus vem ao ser humano, não se trata de dois protagonistas iguais, mas do abandono mais absoluto da criatura ao Criador, para que Este viva, aja, e ame nela! Sem dúvida, é um aspecto que podemos pedir a Jeremias: ensinar-nos esta atitude espiritual “de joelhos” para encontrar Deus, escutá-Lo, falar com Ele e dele! Entrar nesta atitude é um dos segredos de Jeremias. A escuta, a pregação e a reflexão "na escola dos santos" são esta graça que podemos pedir... O que esperar de uma aproximação com JEREMIAS, o profeta da Meia-Noite? Uma invasão do materialismo, inclusive religioso, caracteriza a nossa sociedade em mudança e exige de nós uma lucidez especial. Como Jeremias, recebemos de Deus o ministério da profecia num contexto marcado por uma rejeição sempre maior da Aliança que Deus sela com o Seu Povo. Como acolher esta “lucidez sem ódio” de Jeremias! i Como ser testemunhas da Palavra com as nossas palavras? Jeremias evidencia para nós como conjugar a grandiosidade da Palavra divina com a mesquinhez das nossas pobres palavras. Quando dá Meia-noite, como atravessar as hesitações e provações de uma caminhada consagrada? Como perseverar deixando-nos levar por esta Palavra que nos seduziu ao amanhecer da nossa vocação? Qual esperança pode manter-nos em pé? Nesta perspectiva, que lugar para a Caridade pastoral oferecida ao povo em nome do nosso ministério? 4 “SER PROFETA, QUANDO DÁ MEIA-NOITE?” - Retiro Presbiteral com JEREMIAS, Julho de 2015 Palestra 2 - No tempo dos reis JOSIAS e JOAQUIM, A situação de Jerusalém durante as últimas décadas da dinastia davídica deixa perplexo! A reforma iniciada por Josias foi imediatamente abandonada pelo seu filho e sucessor Josias. Jeremias e alguns outros profetas alertaram: a Cidade Santa está repetindo a idolatria do reino do Norte, e vai sofrer o mesmo destino triste que foi o de Siquem! Judá não melhora seu caminho! Atrás de uma fachada de culto no Templo de Yhwh, é a hipocrisia e a idolatria que reinam. Um pouco de lucidez faz discernir atrás desta negação da Aliança um pesado materialismo: Não aposta mais em Yhwh, mas em si mesmo. E não espera mais em Yhwh, mas somente nas próprias forças! Jerusalém se parece com o Titanic: um monstro de orgulho desafiando Yhwh, que corre para a sua perdição. Jeremias deve ser profeta, anunciando Meia-Noite. A hora em que tudo vai voltar-se, virar de cabeça pra baixo! Não demos atenção apenas para Jerusalém. Mas também para o profeta da Meia-Noite, embarcado no Titanic! Capítulo 2 1 2 As pregações mais antigas: a apostasia de Israel — A palavra de Yhwh me foi dirigida nos seguintes termos: Vai e 5 grita nos ouvidos de Jerusalém: (...) Assim disse Yhwh: O que encontraram os vossos pais em mim de injusto, para 8 que se afastassem de mim e corressem atrás do vazio, tornando-se eles mesmos vazios? (...) Os sacerdotes não perguntaram: "Onde está Yhwh?" Os depositários da Lei não me conheceram, os pastores rebelaram-se contra mim, 9 os profetas profetizaram por Baal e, assim, correram atrás do que não vale nada. Por isso vou, novamente, entrar em 11 processo contra vós —oráculo de Yhwh (...) Acaso um povo troca de deuses? —e esses não são deuses! Mas meu 12 povo trocou a sua Glória pelo que não vale nada. Espantai-vos disso, ó céus, horrorizai-vos e abalai-vos 13 profundamente — oráculo de Yhwh. Porque meu povo cometeu dois crimes: Eles me abandonaram, a fonte de água 18 viva, para cavar para si cisternas, cisternas furadas, que não podem conter água (...) Agora, pois, que te adiantará ir 19 para o Egito, beber as águas do Nilo? Que te adiantará ir para a Assíria, beber as águas do Rio? Que a tua maldade te castigue e as tuas infidelidades te punam! Compreende e vê como é mau e amargo abandonar a Yhwh, teu Deus, e 20 não me temer — oráculo do Senhor Yhwh dos Exércitos. Desde tempos remotos quebraste o teu jugo, rompeste as tuas cadeias e dizias: "Eu não servirei". Contudo, em toda colina elevada e sob toda árvore verde, tu te deitavas como 21 uma prostituta. Mas eu te plantarei como uma vinha excelente, toda de cepas legítimas. Como te transformaste para mim em ramos degenerados de uma vinha bastarda? Ainda que te laves com salitre e aumentes para ti a 23 potassa, a mancha de tua culpa permanecerá diante de mim oráculo do Senhor Yhwh. Como podes dizer: "Não me profanei, não corri atrás dos ídolos?" Observa o teu caminho no Vale, reconhece o que fizeste. Sobre o Capítulo 2 a) “...Para que se afastassem de mim e corressem atrás do vazio, tornando-se eles mesmos vazios” (v.5). O que Jeremias denuncia em relação à vaidade se baseia num princípio de antropologia: Criado à imagem e semelhança de Deus, o ser humano nasce em processo de devir. É o alicerce do desejo em todo ser humano. Cabe a cada qual se aperfeiçoar. A pessoa escolhe o que deseja e adora. Um dia, ela se tornará aquilo que adorar! b) A queixa em relação aos “Sacerdotes não perguntaram: Onde está Yhwh?” (v.8). Esta falta de busca não se refere apenas à localização de Yhwh, mas sobretudo a ignorância da Lei como expressão da Vontade divina e do Caminho de santidade aberto por Deus para o ser humano. Cf. Salmo 119(118). Estes sacerdotes são “guias cegos para conduzir cegos”, dirá Jesus. Os pastores “se rebelaram conte Mim” Cf. Parábola dos vinhateiros homicídios de Mt 21,33-46. Os profetas “profetizaram para Baal”. É o deus da fecundidade, ou seja, do crescimento, da prosperidade, do bem-estar. c) A cegueira espiritual dos ministros do Senhor provocou uma “troca de deuses”. O povo trocou “a sua Glória contra aquilo que não vale nada” (v.11), “a fonte de água viva, para cavar para si cisternas, cisternas furadas, que não podem conter água” (v.13). d) Uma lição permanece viva: “É mau e amargo abandonar a Yhwh, teu Deus, e não me temer!” (v.19). Uma tendência escondida mostra sua cara: “Eu não servirei!” (v.20). É o grito de orgulho da criatura diante do Criador. Foi atribuído pela Igreja à meta-rejeição satânica original! Oposta à atitude de Maria: “Eis aqui a serva do Senhor!” e do Senhor Jesus: “O Filho do Homem não veio para ser servido, mas para servir e dar a sua vida em resgate pela multidão”. 5 Capítulo 3 6 O reino do Norte convidado à conversão — Disse-me Yhwh nos dias do rei Josias: Viste o que fez a renegada Israel? 7 Ela se dirigia a todo monte elevado e sob toda árvore frondosa e ali se prostituía. E eu me dizia: "Depois de ter feito 8 tudo isto, ela voltará a mim". Mas ela não voltou! Judá, na irmã infiel, viu. Ela viu que eu a repudiei por causa de todos os seus adultérios, a renegada Israel, e dei-lhe o libelo de repúdio. Mas Judá, a sua Irmã infiel, não teve medo e 9 foi, também, prostituir-se. E com o seu prostituir-se leviano profanou a terra; ela cometeu adultério com a pedra e 10 com a madeira. Apesar de tudo isto, Judá, a sua irmã infiel, não voltou a mim de todo o seu coração, mas apenas de 11 mentira — oráculo de Yhwh. E Yhwh me disse: A renegada Israel é mais justa do que a infiel Judá. 19 Continuação do poema sobre a conversão - E eu dizia: Como te colocarei entre os filhos? Eu te darei uma terra agradável, a herança mais preciosa das nações. E eu dizia: Vós me chamareis "Meu Pai", e não vos afastareis de mim. 20 Mas como uma mulher que trai o seu companheiro, assim vós me traístes, casa de Israel, oráculo de Yhwh. Sobre o Capítulo 3 a) Jeremias vem do Reino do Norte (Israel). Anunciou ao Reino do Norte a conversão e, de longe acompanhou com satisfação a reforma de Josias, em Jerusalém. Depois da morte do rei Josias em 609, ele vê a volta da idolatria incentivada pelo rei Joaquim, em Jerusalém. A negação de Judá é pior do que a infidelidade de Israel. Provavelmente, seja este o motivo da transferência definitiva do profeta Jeremias para a Cidade de Davi. b) V.19b: Jeremias expressa de maneira muito forte o “Amor ferido de Deus”. Estas palavras fazem pressentir como Deus sente em Si mesmo o pecado desde o primeiro da origem. Capítulo 5 1 Os motivos da invasão - Percorrei as ruas de Jerusalém, olhai, constatai, procurai nas praças se encontrais um 4 homem que pratique o direito, que procure a verdade: e eu a perdoarei, diz Yhwh (...) Então eu pensava: "Pobre 5 gente, eles agem tolamente porque não conhecem o caminho de Yhwh, nem o direito de seu Deus. Vou dirigir-me aos grandes e falar com eles, porque eles conhecem o caminho de Yhwh e o direito de seu Deus!" Mas também eles 9 quebraram o jugo, romperam os laços! (...) Acaso não castigarei por causa destas coisas, — oráculo de Yhwh — ou não me vingarei de uma nação como esta? 26 Retomada do tema - Sim, encontram-se ímpios em meu povo, eles estão à espreita, como passarinheiros que se 27 agacham, eles colocam armadilhas, caçam homens. Como uma gaiola cheia de pássaros, assim as suas casas estão 28 cheias de rapina. Por isso tornaram-se grandes e ricos, gordos e reluzentes. Ultrapassaram, até mesmo, os limites do mal; eles não respeitam o direito, o direito dos órfãos e, todavia, têm êxito! E não julgam a causa dos indigentes (...) 30 31 Uma coisa horrível e abominável aconteceu na terra: os profetas profetizam mentiras, os sacerdotes procuram proveitos. E meu povo gosta disto! Mas que fareis quando chegar o fim? Sobre o Capítulo 5 a) Na procura de um morador mesmo que único que pratique o direito em Jerusalém, Deus promete perdoar à Cidade. Cf. A oração de Abraão em favor de Gomorra (Gn 18). A pobre gente não conhece o Caminho de Yhwh, os grandes o conhecem, mas quebraram o jugo, romperam os laços! A tensão vai subindo, Deus resolve castigar! b) “Os profetas profetizam mentiras, os sacerdotes procuram proveitos. E meu povo gosta disto!” (v.31). Capítulo 6 13 Porque desde o menor até o maior, todos eles são gananciosos; e desde o profeta até o sacerdote, todos eles 14 praticam a mentira. Eles cuidam da ferida do meu povo superficialmente, dizendo: "Paz! Paz!", quando não há paz. 15 Eles deveriam envergonhar-se, porque praticaram coisas abomináveis, mas não se envergonham e nem sabem ficar 16 envergonhados. (...) Assim disse Yhwh: Parai sobre os vossos caminhos e vede, perguntai sobre as sendas de outrora: qual era o caminho do bem? Caminhai nele! Então alcançareis repouso para vós. Mas eles disseram: "Não 17 caminharemos nele!" Coloquei sobre vós sentinelas: "Atendei ao sinal da trombeta!" Mas eles disseram: "Não atenderemos!" Capítulo 7 8 9 Eis que vós vos fiais em palavras mentirosas, que não podem ajudar. Não é assim? Roubar, matar, cometer 10 adultério, jurar falso, queimar incenso a Baal, correr atrás de deuses estrangeiros, que não conheceis, depois virdes e vos apresentardes diante de mim, neste Templo, onde o meu nome é invocado, e dizer: "Estamos salvos", para 11 continuar cometendo estas abominações! Este templo, onde o meu Nome é invocado, será porventura um covil de 13 ladrões a vossos olhos? (...) Mas agora, visto que praticastes todos esses atos — oráculo de Yhwh —, visto que não 14 escutastes quando eu vos falava com instância e sem me cansar, e não respondestes aos meus apelos, vou tratar o 6 “SER PROFETA, QUANDO DÁ MEIA-NOITE?” - Retiro Presbiteral com JEREMIAS, Julho de 2015 Templo, onde meu Nome é invocado, e em que colocais a vossa confiança, o lugar que dei a vós e a vossos pais, como tratei Silo. Sobre o Capítulo 7 a) Jeremias encontra no culto de Jerusalém uma religião falsa na qual o homem se culta a si mesmo, numa mistura de ganância idolátrica e de hipocrisia, junto com uma invocação exterior e mentirosa: “Estamos salvos!” que expressa uma confiança enganosa na posse do Templo. b) Jerusalém sofrerá a mesma sorte que sofreu Silo, na hora do castigo contra Eli fraco diante dos próprios filhos dedicados a um culto desviado. Capítulo 13 1 O cinto que não serve para nada — Assim me disse Yhwh: "Vai e compra um cinto de linho e coloca-o sobre os teus 2 rins, mas não o molharás na água". Eu comprei o cinto, conforme a ordem de Yhwh, e o coloquei sobre os meus rins. 3 4 Então me foi dirigida a palavra de Yhwh, uma segunda vez: "Toma o cinto que tu compraste e que está sobre teus 5 rins. Levanta-te, vai ao Eufrates e esconde-o lá na fenda de um rochedo." E eu fui escondê-lo no Eufrates, como Yhwh 6 me mandara. Depois de muitos dias, disse-me Yhwh: "Levanta-te, vai ao Eufrates e retoma o cinto que eu te mandei 7 esconder lá". Eu fui ao Eufrates, procurei e apanhei o cinto do lugar onde eu o escondera. Eis que o cinto estava 8 9 estragado, não servindo para mais nada. Então a palavra de Yhwh me foi dirigida: "Assim disse Yhwh. Desta maneira 10 destruirei o orgulho de Judá, o grande orgulho de Jerusalém. Este povo mau, que se recusa a escutar as minhas palavras, que segue a obstinação de seus corações, que corre atrás dos deuses estrangeiros para servi-los e prostrar11 se diante deles: ele será como este cinto que não serve para nada. Porque, do mesmo modo como um cinto adere aos rins de um homem, assim eu fiz aderir a mim toda casa de Israel e toda casa de Judá — oráculo de Yhwh — para 17 que fossem meu povo, meu renome, minha honra e meu esplendor, mas eles não escutaram". (...) Mas se não escutardes, eu chorarei em segredo pelo vosso orgulho; os meus olhos chorarão abundantemente e deixarão correr lágrimas, porque o rebanho de Yhwh é conduzido para o exílio. Sobre o Capítulo 13 a) O cinto e linho: a ação profética manifesta a aliança de Deus com o seu povo, e a destruição futura do mesmo. b) Na origem, foi uma aliança mútua. Provocou uma íntima alegria em Deus: “meu povo, meu renome, minha honra e meu esplendor”. Mas a não-escuta causou uma amargura por uma grande decepção: Deus não é apenas um patrão, um mestre, mas um amigo que investiu totalmente, sem medida, em nós como em seus amigos. É um esposo que fez tudo em favor da esposa para que fosse bela, resplendente e feliz. Ele se sente traído. c) Jeremias é testemunha do fracasso do projeto divino, da “dor” (v.17) que “o orgulho de Judá” (v.8) lhe causa. “Não serve para nada” é a sentença que prepara o anúncio da tragédia: “o rebanho de Yhwh é conduzido para o exílio” (v.17)! Reflexões para Padres 1. Esta situação de Jerusalém neste tempo perturbado manifesta a penetração de um perverso materialismo, inclusive religioso, na consciência de Israel. Jerusalém se tornou o TITANIC capaz de desfiar a Yhwh! Jeremias fica indignado diante desta traição dos seus correligionários. Quando a ameaça dos Caldeus se tornar mais forte, algumas perguntas vão se bater na cabeça de Jeremias: Para que defender Jerusalém contra Nabucodonosor, se Jerusalém não se defende primeiro contra esta perversão, através de uma conversão verdadeira? O que significa salvar Jerusalém do invasor caldeu, se o coração já está invadido pela recusa da Aliança? 2. Na raiz do TITANIC pós-moderno, discernir a “tríade da descrença, da idolatria e da desumanidade” Estes capítulos 2 a 20 das profecias de Jeremias denunciam de maneira muito atual os três pecados de Jerusalém e da nossa sociedade pós-moderna: a tríade da descrença, da idolatria e da desumanidade. “A cidade secularizada não se dá conta de que o desprezo desumano do irmão, o ódio ao próximo [que caracteriza os tempos pós-modernos] se enraíza na idolatria ou, com outras palavras, na adoração de si mesmo, do próprio projeto pessoal, na adoração do dinheiro e do sucesso. A desumanidade só constitui o terceiro grau da perversão. Aí, entra no palco a mensagem profética de Jeremias. Não se chegará a dar um fim à opressão e aos sofrimentos do próximo a não ser compreendendo bem o mal que representa a corrida para a independência, ao prazer ilimitado, às drogas, à riqueza, à subida carreirista, ao poder; a não ser tomando consciência de que de tudo isso jorra uma assustadora desumanidade! 7 Por consequência, precisamos ajudar a cidade a ver e discernir melhor as próprias raízes idolátricas. Mas isso não basta, pois a sua idolatria depende da descrença e do esquecimento de quem é Deus! (...) Qual será a resposta de Deus a esta tríade mortal? Serão as bem-aventuranças que manifestam a realeza de Deus (bem-aventurados os pobres, pois o Senhor é o seu rei), a justa avaliação dos bens (bemaventurados aqueles que tem fome e sede da justiça, bem-aventurados os fazedores da paz), o triunfo da humanidade (bem-aventurados os misericordiosos). As bem-aventuranças proclamadas por Jesus respondem, por oposição, às ameaças proféticas de Jeremias. De uma parte, o nosso jeito profético deve, como o de Jeremias, denunciar os grandes males da cidade. E, de outra parte, deve proclamar as bem-aventuranças como caminho de salvação para a Cidade, começando pelos pobres.” A cidade secularizada, o TITANIC está em nós: Do coração do homem é que jorram os maus pensamentos e as más ações. “A que ponto estou esquecendo-me de que Deus é o Senhor da minha vida? Ele é de verdade o Senhor da minha vida e das minhas ações? Agindo, eu me conformo àquilo que Ele quer? Que parte de idolatria está reinando em mim? Sonho de sucesso? Ambições de carreirismo? Amor próprio? Projetos acariciados como único ideal, sem referir à comunidade eclesial e fraterna? Falta de humanidade, falta de atenção aos irmãos?” (Cf. C. M. Martini, Jérémie, p.39-43). 3. É uma visão muito especial de Jeremias que nos é dada já nestes primeiros capítulos: “Eu chorarei em segredo pelo vosso orgulho porque o rebanho de Yhwh é conduzido para o exílio.” (Jr 13,17). a) Estas palavras não tem nada a ver com uma visão superficial muito comum do Jeremias “profeta de desgraça”, autor de estéreis lamentações. b) Também errônea é outra visão que se limita a ver em Jeremias uma “opção política” oportunista ou derrotista de submissão a Nabucodonosor. Jeremias não faz opção em favor de Nabucodonosor! c) Jeremias é a Testemunha do Amor rejeitado de Deus que continua clamando pelo seu povo amado. A raiz do mal que fere o povo é um materialismo religioso, camuflagem de uma busca daquilo que não vale nada. d) Reconhece nos acontecimentos o cumprimento de um plano divino para “destruir e renovar” o seu povo. Mas, ele tem consciência de que Nabucodonosor não passa de um instrumento que, um dia, também será rejeitado como rejeitou Israel! e) Ao seu povo, Deus vai oferecer por Jeremias a oportunidade de uma conversão em vez da hipocrisia e da vaidade que não servem para nada. O acolhimento desta graça será a única via de saída diante da ameaça de Nabucodonosor. f) Jeremias aponta para a tríplice responsabilidade dos “clérigos” de Jerusalém: sacerdotes, profetas e pastores presos na mentira, na ganância e no culto de si mesmos. Cf. A denúncia do mundanismo que ameaça a Igreja, em Evangelii Gaudium e no dicurso à Cúria Romana (20 de dezembro de 2014). 4. Para o presbítero nesta atual turbulência da humanidade, o que pode representar Jeremias? a) O diagnostico que Jeremias faz de Jerusalém evoca o diagnostico de Madalena DELBREL (1904-1964) sobre o nosso mundo: “Um Cristianismo que parece se esvaziar de dentro: Primeiro de DEUS, depois do FILHO, enfim de tudo o divino que este comunica à sua IGREJA. E parece que serão as aparências a desmoronar por ultimas!” (Nous autres gens des rues, Paris, Seuil, 1995). b) Jeremias não pode viver feliz sozinho com o seu Deus! Representa o homem profundamente sensível ao sofrimento presente e futuro do seu povo. Sua compaixão aumenta ainda a sua imensa solidariedade e identificação sem limite com o seu povo ameaçado. c) Ninguém se expressa com esta paixão e com este amor sem uma consciência muito viva daquilo que está em jogo: a graça da Aliança de Yhwh conosco, e a caricatura que Jerusalém promove com sua religião falsa. O profeta vive devorado pela gravidade do pecado que renega a Aliança, destruindo a pessoa humana em sua maior dignidade. Jeremias sofre na carne pela hipocrisia que ele denuncia e pelo desastre que anuncia como iminente - e que não lhe será poupado! É provável que muitos de nós descobrimos a nossa vocação diante do vazio existencial desta nova Cultura. d) Frente ao nosso TITANIC, as Bem-aventuranças podem ser o raio de Luz divina que fura o teto do materialismo. Jeremias nos arrasta para uma vida consagrada apaixonada e habitada pela Palavra que não passa, pois supera as opiniões, os cálculos e as modas. “Precisamos dizer coisas eternas; pois, são as únicas que permanecem sempre atuais!” (Simone Weil). 8 “SER PROFETA, QUANDO DÁ MEIA-NOITE?” - Retiro Presbiteral com JEREMIAS, Julho de 2015 Palestra 3 - Dois assassinos do DEUS-LOGOS: Joaquim e Hananias Capítulo 36 1 O rolo de 605-604 — No quarto ano de Joaquim, filho de Josias, rei de Judá, foi dirigida esta palavra a Jeremias da 2 parte de Yhwh: Toma um rolo e escreve nele todas as palavras que te dirigi a respeito de Israel, Judá e todas as 3 nações, desde o dia em que comecei a falar-te, no tempo de Josias, até hoje. Talvez, ao escutar todo o mal que tenciono fazer-lhes, os da casa de Judá, retorne cada um de seu mau caminho; então poderei perdoar-lhes sua 4 iniquidade e seu pecado. Jeremias chamou, então, Baruc, filho de Nerias, que escreveu num rolo, conforme o ditado 5 de Jeremias, todas as palavras que Yhwh lhe dirigira. Então Jeremias deu a Baruc esta ordem: "Estou impedido, não 6 posso entrar na Casa de Yhwh. Mas tu irás e lerás para o povo do rolo que escreveste, ditado por mim, todas as palavras de Yhwh, na Casa de Yhwh, no dia do jejum. Lerás, também, a todos os judeus vindos de suas cidades. 7 Talvez sua súplica chegue diante de Yhwh e eles se convertam, cada qual, de seu mau caminho; porque são grandes a 8 ira e o furor com que Yhwh ameaçou o seu povo". Baruc, filho de Nerias, fez como lhe ordenara o profeta Jeremias, 9 lendo do livro as palavras de Yhwh, na Casa de Yhwh. No quinto ano de Joaquim, filho de Josias, rei de Judá, no nono mês, foi convocado um jejum diante de Yhwh, para todo o povo de Jerusalém e para todo o povo que vinha das 10 cidades de Judá. Então Baruc leu no livro as palavras de Jeremias para todo povo; estavam na Casa de Yhwh, na sala 11 de Gamarias, o filho do escriba Safã, no pátio superior, à entrada da porta Nova da Casa de Yhwh. Ora Miquéias, 12 filho de Gamarias, filho de Safã, tendo escutado as palavras de Yhwh tiradas do livro, desceu ao palácio real, à sala do escriba. Ali todos os príncipes estavam reunidos: Elisama, o escriba; Dalaías, filho de Semeias; Elnatã, filho de 13 Acobor; Gamarias, filho de Safã; Sedecias, filho de Hananias, e todos os outros príncipes. Miquéias lhes narrou todas 14 as palavras que ouvira quando Baruc leu no livro aos ouvidos do povo. Todos os príncipes enviaram a Baruc, Judi, filho de Natanias, e Selemias, filho de Cusi, para dizer-lhe: "Toma o rolo que leste para o povo e vem!" Baruc, filho de 15 Nerias, tomou então o rolo e aproximou-se deles. Eles lhe disseram: "Senta-te e lê para nós". E Baruc leu para eles. 16 Depois de escutar todas as palavras, eles se apavoraram e disseram entre si: "É absolutamente necessário que 17 informemos ao rei todas essas palavras". E perguntaram a Baruc: "Diz-nos como escreveste todas estas palavras." 18 19 Baruc lhes respondeu: "Jeremias me ditou todas essas palavras e eu as escrevi a tinta no livro." Os príncipes 20 disseram, então, a Baruc: "Vai, esconde-te, tu e Jeremias; que ninguém saiba onde estais". Depois foram ao rei, no 21 pátio do palácio, deixando o rolo guardado na sala do escriba Elisama. E informaram ao rei todas essas coisas. O rei enviou Judi para buscar o rolo, e ele o tomou da sala do escriba Elisama e leu-o diante do rei e diante de todos os 22 príncipes que estavam de pé, em torno do rei. O rei estava sentado em sua casa de inverno — estava-se no nono 23 mês — e o fogo de um braseiro ardia diante dele. E assim que Judi lia três ou quatro colunas, o rei as cortava com a 24 faca do escriba e as lançava no fogo do braseiro, até que todo o rolo foi consumido pelo fogo do braseiro. Mas nem o rei nem nenhum de seus servidores, que escutavam estas palavras amedrontaram-se ou rasgaram as suas vestes. 25 Ainda que Elnatã, Dalaías e Gamarias tivessem insistido com o rei para que não queimasse o rolo, ele não os 26 escutou. O rei ordenou a Jeremiei, filho do rei, a Saraías, filho de Azriel, e a Selemias, filho de Abdeel, que 27 prendessem Baruc, o escriba, e Jeremias, o profeta. Mas Yhwh os tinha escondido. Então a palavra de Yhwh foi dirigida a Jeremias, depois que o rei queimara o rolo com as palavras escritas por Baruc, ditadas por Jeremias: 28 "Toma outro rolo, escreve nele todas as palavras que estavam no primeiro rolo, que Joaquim, rei de Judá, queimou. 29 Contra Joaquim, rei de Judá, dirás: Assim disse Yhwh. Tu queimaste este rolo, dizendo: 'Por que escreveu nele: 30 Certamente o rei da Babilônia virá, saqueará esta terra e dela fará desaparecer homens e animais?' Por isso assim disse Yhwh contra Joaquim, rei de Judá. Ele não terá mais ninguém para sentar-se no trono de Davi, e seu cadáver 31 ficará exposto ao calor do dia e ao frio da noite. Eu castigarei nele, na sua descendência e nos seus servos as suas faltas; atrairei sobre eles, sobre os habitantes de Jerusalém e os homens de Judá toda a desgraça que lhes anunciei 32 sem que me escutassem". Jeremias tomou outro rolo e o deu ao escriba Baruc, filho de Nerias, que nele escreveu, ditadas por Jeremias, todas as palavras do livro que Joaquim, rei de Judá, tinha queimado. E ainda foram acrescentadas muitas palavras como estas. 1. A Palavra de Yhwh se veste em roupas de pobre ! É o início de um processo que passando por Esdras e Neemias, levará à Encarnação. Cf. Benoit XVI, Verbum Domini, n. 12. A tradição patrística e medieval utilizou uma sugestiva expressão: “O Verbo abreviou-Se” [baseada na seguinte citação]: “O Senhor compendiou a sua Palavra, abreviou-a” (trd. LXX de Is 10, 23; retomada por Rm 9, 28). (…) O próprio Filho é a Palavra, é o Logos: a Palavra eterna fez-Se pequena; tão pequena que cabe numa manjedoura. Fez--Se criança, para que a Palavra possa ser compreendida por nós». Desde então a Palavra já não é apenas audível, não possui somente uma voz; agora a Palavra tem um rosto, que por isso mesmo podemos ver: Jesus de Nazaré. 9 2. Baruc, o companheiro fiel Apesar de viver sua missão de maneira bastante solitária, Jeremias não vive nem profetiza sozinho. Baruc, secretário ao lado dele, é uma figura impar que merece a confiança de Jeremias: Sendo ele discreto mas corajoso, fiel e obediente, sua contribuição é decisiva (ele é citado 16 vezes na página!). Mas é caraterizada pela humildade (está agindo em nome de outro). Pela própria natureza de qualquer ministério, ninguém exerce sozinho um ministério. Exercer o “ministério sagrado” significa carregar um jugo em nome de alguém, e com outros. Precisamos talvez aprender a ser “o vice de alguém” e a carregar este jugo com outros. Será que somos convencidos de que “não existe amor maior do que entrar na Obra de outra pessoa”? _____________________ Capítulo 27 1 A ação simbólica do jugo e a mensagem aos reis do ocidente — (No começo do reinado de Sedecias, filho de Josias, 2 rei de Judá, esta palavra foi dirigida a Jeremias da parte de Yhwh.) Assim me disse Yhwh: Faze para ti cordas e canzis 3 e coloca-os sobre o teu pescoço. Envia-os depois, ao rei de Edom, ao rei de Moab, ao rei dos amonitas, ao rei de Tiro e ao rei de Sidônia, por intermédio dos seus mensageiros que vieram a Jerusalém, junto de Sedecias, rei de Judá. 4 Encarrega-os de dizer a seus senhores: "Assim disse Yhwh dos Exércitos, Deus de Israel. Falai assim a vossos 5 senhores: Eu fiz a terra, o homem e os animais que estão sobre a terra, por minha grande força e com meu braço 6 estendido e os dei a quem me aprouve. Mas agora eu entreguei todas essas terras nas mãos de Nabucodonosor, rei 7 da Babilônia, meu servidor; eu lhe entreguei, também, todos os animais do campo para servi-lo. (Todas as nações o servirão, bem como seus filhos e os filhos de seus filhos até que chegue o tempo determinado para sua terra; então 8 numerosas nações e grandes reis o subjugarão.) A nação ou o reino que recusar servir a Nabucodonosor, rei da Babilônia e não entregar o seu pescoço ao jugo do rei da Babilônia, eu castigarei essa nação pela espada, pela fome e 9 pela peste — oráculo de Yhwh — até que eu a consuma por sua mão. Quanto a vós, não ouçais os vossos profetas, os vossos adivinhos, os vossos sonhadores, encantadores e mágicos, que vos dizem: 'Vós não servireis o rei da Babilônia.' 10 Porque é mentira o que eles vos profetizam para afastar-vos de vossa terra, para que eu vos disperse e vós pereçais. 11 Mas a nação que submeter o seu pescoço ao jugo do rei da Babilônia e o servir, eu a farei repousar em seu solo — 12 oráculo de Yhwh — para que o cultive e habite nele." E a Sedecias, rei de Judá, eu disse estas mesmas palavras: "Submetei o vosso pescoço ao jugo do rei da Babilônia; servi a ele e a seu povo, e vivereis. (...) Capítulo 28 1 A altercação com o profeta Hananias — Neste mesmo ano, no começo do reinado de Sedecias, rei de Judá, no quarto ano, no quinto mês, Hananias, filho de Azur, o profeta natural de Gabaon, disse assim a Jeremias na Casa de 2 Yhwh, na presença dos sacerdotes e de todo o povo: "Assim disse Yhwh dos Exércitos, Deus de Israel. Eu quebrei o 3 jugo do rei da Babilônia! Ainda dois anos, e eu farei retornar a este lugar todos os objetos da Casa de Yhwh que 4 Nabucodonosor, rei da Babilônia, carregou daqui e levou para a Babilônia. Também Jeconias, filho de Joaquim, rei de Judá, e todos os deportados de Judá que foram para a Babilônia eu farei retornar a este lugar — oráculo de Yhwh — 5 porque eu quebrarei o jugo do rei da Babilônia!" E o profeta Jeremias disse ao profeta Hananias diante dos 6 sacerdotes e de todo o povo que estavam na Casa de Yhwh. O profeta Jeremias disse: "Amém! Que assim faça Yhwh! Que Yhwh realize as palavras que profetizaste, trazendo da Babilônia para este lugar os objetos da Casa de Yhwh e 7 8 todos os deportados. Contudo, escuta esta palavra que vou falar aos teus ouvidos e aos ouvidos de todo povo: Os profetas que existiram antes de mim e antes de ti, desde tempos imemoráveis, profetizaram a muitas terras e a 9 grandes reinos, a guerra, a desgraça e a peste; o profeta que profetiza a paz, só quando se realizar a palavra do h 10 profeta é que será reconhecido como profeta que Yhwh realmente enviou! " O profeta Hananias tomou, então, os 11 canzis do pescoço do profeta Jeremias e os quebrou. E disse Hananias diante de todo o povo: "Assim disse Yhwh. Desta maneira eu quebrarei o jugo de Nabucodonosor, rei da Babilônia, dentro de dois anos, de sobre o pescoço de 12 todas as nações". E o profeta Jeremias foi-se embora. Mas aconteceu que depois que o profeta Hananias quebrou os 13 canzis do pescoço do profeta Jeremias, a palavra de Yhwh foi dirigida a Jeremias: "Vai dizer a Hananias: Assim disse 14 Yhwh: Tu quebraste os canzis de madeira! Mas colocarás em lugar deles canzis de ferro! Porque assim disse Yhwh dos Exércitos, Deus de Israel: eu colocarei um jugo de ferro no pescoço de todas estas nações, para servirem a 15 Nabucodonosor, rei da Babilônia. (E o servirão e eu lhe entregarei até mesmo os animais do campo.)" E o profeta Jeremias disse ao profeta Hananias: "Escuta, Hananias: Yhwh não te enviou e tu levas este povo a confiar na mentira. 16 Por isso, assim disse Yhwh. Eis que eu vou retirar-te da face da terra: neste ano morrerás (porque anunciaste a 17 revolta contra Yhwh.)" E o profeta Hananias morreu neste mesmo ano, no sétimo mês. 3. O desafio do ANO da PAZ - 2015: “Qual profeta profetiza qual paz?” (cf. v.9). Pela sua experiência, Jeremias já compreendeu que a Paz não é um simples “produto” humano. É fruto de uma atitude interior que envolve o mais íntimo do coração e os relacionamentos exteriores. “A Paz começa no coração”. Não se combina com a mentira da hipocrisia nem com a superficialidade. A Paz exige a 10 “SER PROFETA, QUANDO DÁ MEIA-NOITE?” - Retiro Presbiteral com JEREMIAS, Julho de 2015 restauração da comunhão com Deus, comigo mesmo e com os demais. A Paz é o fruto desta multiforme comunhão, haurida na Comunhão Divina pela comum docilidade à Palavra. Pretender “fazer a Paz” fora desta docilidade e do acolhimento desta comunhão é mais uma mentira. Através de Hananias, Jeremias está diante do problema central que enfrenta desde o início: O que significa salvar as muralhas e os objetos do culto de Jerusalém, se a gente não cuida da verdade e da comunhão integral? Reflexões para Padres: O coração da Aliança: “Shema, Israel!” 1. Palavra ou palavras? a. Desde a criação, o “Eu-Tu” do diálogo com Deus distingue o ser humano dos outros seres terrestres, já desde a origem (comparar em Gn 1 os vv. 22 e 28). Depois, “Deus falou” leva ao “coloco a minha palavra em tua boca” e ao “Eu estou contigo”. O nosso Deus se revela um Deus que nos fala, nos confia a sua Palavra e se doa a nós nela. b. A tradução da Palavra em palavras escritas pode ter duas consequências opostas: a perenidade ou a morte pelo fundamentalismo. c. De quem somos as testemunhas? De palavras escritas e mortas? Ou do “Verbo” vestido com palavras como se fossem roupas de pobre? d. A “desonestidade e irresponsabilidade” dos pregadores que menosprezam a importância da homilia dominical e não a preparam, Evangelii Gaudium, n. 145. 2. A atitude diante do “Mistério” da Palavra a. Pode ser comparada ao susto da pessoa como diante da beleza de uma obra artística; b. Ou como uma pessoa no cinema, fascinada pelo que tem diante dos olhos e dos ouvidos, pelo movimento, pela história, pelo sentido dela. Imaginemos, no cinema em 3D, quando a pessoa fica totalmente envolvida em nível de todos os seus sentidos, mas o espetáculo ainda é algo exterior a ele, mesmo se penetra nele; c. Ou deixar-se arrastar pelo Verbo: “Não sou mais eu que vivo, é Cristo que vive em mim!” 3. A rejeição do Deus-Logos: Como o jovem rico (Mc 10), o rei Joaquim não escutou as palavras até o fim. Ele se colocou acima da Palavra, por desprezo. Esta atitude “superiora” continua: a. No fundamentalismo que “rasga em pedaços” e acaba matando a Palavra, b. Na mentira de Hananias que rejeita as palavras que lhe desagradam: nega a profecia de Jeremias, inventa outra profecia! c. Existe uma terceira rejeição do “Logos” presente na ordem da criação como “sentido das coisas e das realidades” (Cf. Benoit XVI, Verbum Domini, n.9), mas não escrito em palavras: É a negação da Lei Natural. Esta opção do humanismo ateo, por exemplo, chega a negar qualquer “plano divino” transcendente ao seu humano. 4. O “Jugo de Hananias” a. A tentação de “quebrar o jugo”, em nossas vidas, pode significar na linguagem do Evangelho: “descer da cruz”. b. O nosso ministério sagrado é simbolizado pela estola litúrgica. Esta representa exatamente o jugo que assumimos para levar pra frente o arado do Reino. Pode existir um ministério que não seja “um jugo” recebido de alguém que nos faz participar do seu projeto? c. São João Crisóstomo pergunta aos seus padres: Se Jesus afirma que o seu Jugo é suave, e que o seu fardo é leve! (Mt 11,30) Por que será que nós, ministros de Cristo, murmuramos tanto contra este Jugo? Ou será que o jugo que carregamos não é bem o de Cristo? Então, qual pesado jugo estamos carregando? Como voltar a carregar o Jugo de Cristo? d. Até que ponto nos leva a Caridade Pastoral? Ela é capaz de levar-nos a assumir como Jeremias a canga dos sofrimentos do nosso povo? Que rosto assume, em nossa vida, a tentação de “negar a necessidade da canga” como fez Hananias, a partir de uma visão mundana? Ou a de “quebrar” a canga e afastá-la para longe de nós? 11 O rei Joaquim joga para a fogueira o rolo de Baruc com as profecias de Jeremias 12 “SER PROFETA, QUANDO DÁ MEIA-NOITE?” - Retiro Presbiteral com JEREMIAS, Julho de 2015 Palestra 4 - Um tsunami no pensamento humano Na Alemanha do século XIX-XX. Faz 150 anos, 3 faróis intelectuais chegam à mesma afirmação: K. Marx (nascido em 5 maio 1818 e falecido em 14 março 1883 em Londres, economista, sociólogo), Fr. Nietsche (1844-1900, filosofia), Sigmund Freud (1856 – 1939, antropólogo, fundador da psicanalise). Durante muito tempo, este terremoto não manifesta tanto as suas consequências. Uma afirmação básica: o homem não passa da matéria. Não há nada que esteja acima da matéria nem do ser humano. Tudo que foi “inventado” fora da matéria não passa de invenção “burguesa” para segurar os povos, restringir a liberdade e dominá-los melhor. Não existe nada acima da pessoa: Não existe Deus, não existe plano de Deus, não existe sentido para cada coisa que deva ser respeitado, não existe bem ou mal acima da pessoa, etc. As coisas são o que a pessoa quer que elas sejam. Tudo isso não passa de invenção humana. (Faz mal comer mamão com leite). Se não existe nada acima da gente, nem sentido nenhum, não existe tampouco consciência como capacidade de julgar a pessoa sobre o seu agir, nem existe liberdade, pecado ou graça, morte ou vida da alma, pois também a alma não existe... 1968 – A libertação sexual e as suas consequências Este terremoto, na América Latina dos séculos XIX e XX, permaneceu em alguns círculos fechados universitários. De repente, em 1968, estoura na sociedade a noção de “libertação sexual”: a sexualidade não tem “sentido” natural, que possa se impor, e por isso proibir algumas atitudes e permitir outras. É apenas impulsão biológica, que deve ser conduzida pela espontaneidade individual. Não tem um “sentido” próprio entre um homem e uma mulher, a ponto que não deva ser exercitada entre dos homens ou duas mulheres. Por que ficar preso numa interpretação que não passa de uma limitação na busca do prazer? “Não me liberte, eu tomo conta!” A “libertação sexual” foi o ferro de lança de penetração na consciência popular do materialismo que revoluciona de agora em diante toda a visão do cosmo e do sentido da vida. (Cf. Texto-Base da CF 2009). De repente, ela produziu duas consequências inesperadas, imprevistas, nos anos que seguiram o 1968: 1) a AIDS. Os gestos do amor são de repente portadores e multiplicadores de morte! 2) Segunda consequência imprevista: A gravidez precoce: Se não deve existir limite nem norma para o exercício do ato sexual, em nome de que eu poderia proibir a dois adolescentes fazer sexo? O transbordamento da gravidez precoce foi uma consequência imediata deste pensamento. Os discípulos de Freud se dividiram em dois grupos: 1) Primeira resposta: Nada deve limitar esta libertação sexual que faz parte do ser humano. Ninguém tem direito de impedir esta liberdade, pois não existe lei ou norma nenhuma que possa se impor à pessoa humana. 2) Outra resposta: diante do suicídio da humanidade, ela inventa uma “legitima defesa” alicerçada não sobre uma “ordem transcendente” que é negada, mas sobre os “valores tradicionais”, espécie de “credo” fundamental para impedir o desastre planetário. Esta segunda resposta, aos olhos dos representantes da primeira, não passa da invenção de um “Deus tirado do Baú” para dominar mais uma vez as pessoas. “É proibido proibir!” 13 Quatro tendências da mentalidade pós-moderna Este materialismo é bebido pelos nossos jovens. Já comunicou à nossa cultura contemporânea novas tendências que, sendo o pão cotidiano do nosso povo, impossibilitam um autêntico seguimento de Jesus Cristo, e toda transcendência. “CHICLETE”: Posso tomar, consumir, tirar o açúcar, e depois cuspir jogar para a rua ou lixeira. As coisas não tem um valor, uma consistência própria que deve ser respeitada. Não passam daquela coisa descartável da qual posso usar, abusar e depois jogar. Nesta mentalidade materialista, as pessoas acabam se tornando descartáveis: o idoso-chiclete improdutivo no regime comunista, a criança-chiclete no trabalho infantil, a namorada-chiclete explorada à vontade e cuspida para fora quando grávida. A sociedade reduz o valor da pessoa ao poder produtivo de bens ou de prazer, ou ao poder de consumo, sem consideração pelo que ela é mas apenas pelo que oferece. “LIGHT”, 2ª tendência da nossa nova cultura. Diante das consequências indesejáveis de algumas ações prazerosas, a sociedade assume a dificuldade e dispensa do esforço de se dominar. Incentivo à irresponsabilidade: Tu não precisas te preocupar pelas consequências de um excesso de “Coca”, a sociedade inventou a “Coca-light”. Além dos bens de consumo, encontram-se as atitudes-light que consistem em dissociar os atos das consequências deles: desresponsabilização, descompromisso, negação da natureza humana: a paternidade-light, a sexualidadelight, os estudos-light; dentro da Igreja, os pedidos de batismo-light, de matrimônio-light, de crisma-light. Porém, ao contrário do bicho que não tem plano, sentido a descobrir, escolher e realizar, a pessoa é chamada a “refletir, optar, perseverar”. Assim, ela se torna como Deus: o mesmo ontem, hoje e sempre! Dificuldades dos catequistas do curso de pais e padrinhos, de crisma, que mais enfrentam esta mentalidade. Talvez seja o momento da preparação para o matrimônio que os jovens são mais abertos para certa transcendência. Por causa da experiência do amor. “XUXA” 3ª tendência é a do modismo pela qual se preparam, ano após ano, os costumes que a sociedade de consumo através da mídia quer incutir no povo brasileiro para fazê-lo dançar, cantar, se vestir, namorar, pensar a sua vida do jeito que a sociedade de consumo quer... Esta tendência é uma instrumentalização da pessoa humana, para que levá-la a agir do jeito que a sociedade quer. É uma perversão satânica do discipulado cristão. Pois, neste, também Cristo nos faz agir, pensar amar como Ele. Mas cabe ao Mestre se esvaziar para nos ensinar, nos tornar mais homens ou mulheres. Cristo se esvaziou de tudo para me enriquecer. A XUXA é que se enriquece nas costas do povo. SUPERMAN Transhumanismo é a doutrina de que as novas tecnologias logo farão o mundo extremamente diferente. “Logo” significa algumas décadas, não mais do que dois séculos. Foi uma bandeira antiga dos Cristãos: Na realidade, o eterno questionamento do ser humano que procura um além toma hoje um significado particular. É neste sentido muito simples que Pascal afirma que “o homem supera o homem”. Procura razões de viver além de si mesmo. Aspira a uma alegria que não possui ainda verdadeiramente, mas cujo cumprimento ele espera de algo sobrenatural. Podemos retomar aqui um verbo inventado por Dante Allighieri, e dizer que o homem é feito para “transhumanizar”. Mas como “transhumanizar”? O que precisamos dizer com “transhumanismo”? (...) O substantivo “transhumanismo” foi criado em 1957 pelo biólogo Julian Huxley, que foi o primeiro diretor geral da UNESCO. Ele não entendia o “transhumanismo” com o jeito de Dante. Seu pensamento vai radicalmente contra o da "Divina Comédia". Mas ela nos manifesta a única alternativa que existe hoje no mundo moderno. Durante a última década, tem emergido uma nova escola de pensamento com indivíduos de muitos campos diferentes, mas de todos estes sujeitos partem alguns denominadores comuns: estão todos eles impressionados com os fatos do presente e a ideia de que as tecnologias futuras vão transformar as condições de nossa existência; todos eles são cientificamente conscientes; e buscam “se adaptar” para que esta mudança se acelere, assumindo uma atitude dinâmica, construtiva, frequentemente otimista, de lidar com a situação. Eles acreditam que nós podemos (e devemos) superar nossas limitações biológicas. O termo genérico para este tipo de pensamento é o transhumanismo. As ciências são a ferramenta para o aumento do bem-estar e transcendência humana – é um ponto de vista comum entre os transhumanistas: Nanotecnologia, tecnologia de informação, engenharia genética, criogenia, extensão de vida, colonização espacial, neurociência, ... Nanotecnologia, tecnologia de informação, engenharia genética, criogenia, extensão de vida, colonização espacial, neurociência, etc. 14 “SER PROFETA, QUANDO DÁ MEIA-NOITE?” - Retiro Presbiteral com JEREMIAS, Julho de 2015 A Teoria do Gênero: A distinção entre o homem e a mulher, assim como a heterossexualidade, são antes de tudo uma construção social e cultural. Aos poucos, se deixa entrever ... o Mito de Prometeu ... Sonhar em ser Deus-contra-Deus! Este é o transhumanismo materialista: Recusar ser Criatura, possuir todos os bens, Ser Imortal. Ser o seu próprio de Jeremias, a parir dCriador e deus! O dinheiro, como os bens materiais, é um excelente servo, mas um péssimo patrão! Superar o materialismo que nos mata? No sul do Pará, tem gente tão pobre, tão pobre que só tem dinheiro! “O fez à sua imagem e semelhança!” Ser feito “Pequeno Príncipe em busca de Irmãos” não diminui a pessoa humana “Há um vazio no formato de Deus no coração humano!” (Blaise Pascal) Somente Deus tem o tamanho exato do vazio que existe dentro de nós! Acredite! “É para a Liberdade que CRISTO vos libertou! ” Bento XVI, Carta do 1º de Janeiro de 2012, sobre Paz e Educação: “No íntimo da consciência, o homem descobre uma lei que não se impôs a si mesmo, mas à qual deve obedecer e cuja voz o chama a amar e fazer o bem e a fugir do mal, a assumir a responsabilidade do bem cumprido e do mal praticado. A liberdade autêntica não é a ausência de vínculos, nem o império do livre arbítrio; não é o absolutismo do eu. Quando o homem se crê um ser absoluto que não depende de nada nem de ninguém e pode fazer tudo o que deseja, acaba por contradizer a verdade do seu ser e perder a sua liberdade. A liberdade é um valor precioso, mas delicado: pode ser mal entendida e usada mal. Não são as ideologias que salvam o mundo, mas unicamente o voltar-se para o Deus vivo, que é o nosso criador, o garante da nossa liberdade, o garante do que é deveras bom e verdadeiro, o voltar-se sem reservas para Deus, que é a medida do que é justo e, ao mesmo tempo, é o amor eterno.” Cristo aponta para Jeremias o caldeirão do norte, anúncio da tragédia (Jr 1,13-16) 15 Anexo: Os CONJUNTOS que constituem o LIVRO de JEREMIAS Jr 1 – 6 É um conjunto de oráculos de Jeremias, a partir de sua vocação, sem dúvida, anteriores a 605. É provavelmente o conjunto mais antigo, ditado pelo Profeta a Baruc em 605-604, ou seja, o rolo do qual se fala no capítulo 36. Jr 7 – 25 Esta parte compreende a quase totalidade dos oráculos do Profeta pronunciados no tempo de Joaquim, entre 609 e 605, inclusive as passagens autobiográficas chamadas de maneira comum as “Confissões”. Porém, é também o conjunto no qual se percebe melhor o estilo redacional da “Escola Deuteronomista”: Jr 7; 11,1-14; 16,1-13; 17,19-27; 18,1-12; 19 (em parte); 21, 1-10; 22,1-5; 25, 1-11. Tanto o início (Jr 7) quanto a conclusão (25,1-11) são do “estilo Dt”. Isso leva a pensar que este conjunto foi redigido por esta Escola, durante o exílio. Encontram-se dois escritos menores: contra os reis (Jr 21,11; 23,8) e contra os falsos profetas (Jr 23,40). Jr 26-29, Jr 36-45 É a biografia do Profeta redigida por Baruc, o fiel discípulo que permaneceu ao lado dele até a morte. É preciso acrescentar também Jr 19,1; 20,6 (parcialmente retomado por Dt); 34,1-7; 51,5964. Fora dos capítulos 26, 29, 36 e 45, que dizem respeito a vários episódios do tempo de Joaquim, todas estas passagens falam dos últimos anos de Jeremias. Jr 30-35 É um conjunto muito heterogêneo, cuja unidade vem do fato que reúne (quase) somente oráculos de salvação. O núcleo primitivo é constituído pelo Livro da Consolação (Jr 30-31, que diz respeito à mais antiga pregação do Profeta), ao qual foram progressivamente acrescentados os capítulos 3233 (oráculos posteriores de Jeremias, tendo porém sofrido numerosas adições redacionais), 34,1-7 (Baruc) e 34,8 - 35,19 (Dt). Jr 46-51 É o conjunto dos oráculos contra as nações pronunciados em diferentes épocas e em várias circunstâncias; os oráculos contra babilônia (Jr 50,1 – 51,58) com certeza não são de Jeremias. No texto da “Setenta” os oráculos seguem uma ordem diferente e o conjunto inteiro é antecipado ao capítulo 25, o que traz uma numeração diferente para todos os outros capítulos. Jeremias anuncia na corte de Sedecias que Nabucodonosor cumprirá a justiça de Yhwh 16 “SER PROFETA, QUANDO DÁ MEIA-NOITE?” - Retiro Presbiteral com JEREMIAS, Julho de 2015 Palestra 5 - As Confissões: O Combate interior da purificação do amor “Hananias disse diante de todo o povo: ‘Assim disse Yhwh. Desta maneira, eu quebrarei o jugo de Nabucodonosor, rei da Babilônia, dentro de dois anos, de sobre o pescoço de todas as nações!’. E o profeta Jeremias foi-se embora.” (Jr 28,11). Não basta descobrir de fora os sofrimentos de Jeremias provocados pelos fechamentos e pelas oposições explícitas à Palavra que anuncia. Queremos penetrar dentro do mistério deste homem. Parcialmente imitadas por Paulo, as “confissões” são um exemplar único na Bíblia de uma pessoa que revela o seu itinerário interior, a sua luta, com suas resistências e fracassos. Este itinerário é, no mesmo tempo: único como qualquer itinerário do coração, e repetido ao infinito, pois é o Caminho de toda pessoa que pretende “escutar ao outro antes que a si mesmo”, afim de “amar até o fim”. Vamos tentar entender um pouco do significado dele para Jeremias e para nós... No decorrer da caminhada, uma confrontação entre Jeremias e Deus começa: As coisas não acontecem como Jeremias imaginou! Até que, um dia, a crise explode: “Tu, não intercedas por este povo ... e não insistas junto a mim porque não vou te ouvir.” Doravante, Jeremias fica proibido de interceder (Jr 7,16)!. Que sentido pode ter ainda sua consagração? Pior: Será que Jeremias pode ainda contar com o compromisso divino? Encontrar a contradição, atrever-se a enfrentá-la para atravessá-la, é um longo caminho que exige muita energia, muita perseverança. É um caminho marcado pela revolta interior, pelos questionamentos, ou pelo desespero sem resposta. No coração de Jeremias, dá Meia-Noite! Jeremias tem a ousadia de pedir respostas a Deus, não a um destino anônimo e sem-piedade. Em memória de seu Deus fiel, Jeremias se atreve a falar novamente com Deus. Entrar numa experiência espiritual deste tamanho não é simples, mas vamos sinalizar as fases deste itinerário em 4 etapas: Basta! – Onde está Yhwh? – Enrolaste-me! – Fracasso exterior mas vitória na obediência A segunda confissão: “Tu és lago enganador!” Jr 15,10-11.15-21 10 Ai de mim, minha mãe, porque tu me geraste homem de disputa e homem de discórdia para toda terra! Não 11 emprestei e nem me emprestaram, mas todos me amaldiçoam. Na verdade, Yhwh, não te servi do melhor modo possível? Não me aproximei de ti no tempo da desgraça e no tempo da tribulação? (...) 15 Agora tu sabes, Yhwh! Lembra-te de mim, visita-me e vinga-me de meus perseguidores. Na lentidão de tua ira, não me destruas. Reconhece que eu suporto humilhação por tua causa. 16 Quando se apresentavam palavras tuas, eu as devorava: tuas palavras eram para mim contentamento e alegria de meu coração. Pois teu Nome era invocado sobre mim, Yhwh, Deus dos Exércitos. 17 Nunca me assentei em um grupo de gente alegre para me divertir. Por causa de tua mão, eu me assentei sozinho, 18 pois tu me encheste de cólera. Por que a minha dor é contínua, e minha ferida é incurável e se recusa a ser tratada? Tu és para mim como lago enganador, águas nas quais não se pode confiar! 19 Por isso assim disse Yhwh: Se retornas, eu te faço retornar e estarás diante de mim. Se separas o que é valioso do que é vil, tu serás como a minha boca. Eles retornarão a ti, mas tu não retornarás a eles! 20 Eu te farei, para esse povo, uma muralha de bronze, fortificada. Eles lutarão contra ti, mas nada poderão contra ti, 21 porque eu estou contigo para te salvar e te livrar, oráculo de Yhwh. Eu te livrarei da mão dos perversos e te resgatarei do punho dos violentos. Um “basta” suscita uma súplica à qual Deus vai responder. Desejo de morte! (v.10-11). Jeremias faz a constatação que se tornou "homem de disputa e de discórdia"! É incrível! Pois, pela sua vocação de profeta, só quis o contrário! "Não emprestei e nem me emprestaram". É profundamente um homem de paz, desejoso de ver a concórdia se implantar de verdade, para muito tempo... Só quer a Paz. Por causa dela, sacrificou a sua tranquilidade! Jeremias é tudo o contrário de um ativista que perturba, de um contestador que sacode a ordem pública com prazer ou satisfação. Dá para ver isso várias vezes: É somente de mal grado que impõe aos seus ouvintes uma visão diferente da deles. E quando um falso profeta de paz se levanta (Hananias), é do fundo do coração que Jeremias gostaria que as profecias dele se cumprissem! "Não te servi do melhor modo possível? Não me aproximei de ti?" Tem um pouco de moralismo que aflora debaixo 17 destas perguntas. Isso vai se manifestar com mais força depois. O profeta fiel e sábio, Jeremias, aguarda a sua recompensa, e não compreende por que ela demora tanto. Que justiça é esta da qual se fala tanto? A súplica (v. 15). As súplicas de Jeremias, neste trecho, têm um sabor de ordens que ele lança ao Senhor com amargura. São significativas de um gigantesco sofrimento interior: "Lembra-te, visita-me, vinga-me.” E ecoa mais uma palavra, meio-forte: “Na lentidão de tua ira, não me destruas!” Será que Jeremias revela assim o seu sofrimento provocado pelas demoras de Deus! “Reconhece!” Talvez, esta seja também uma súplica indireta a Deus, para não sofrer o que tantos outros sofreram (p.ex.Sl 78,5; 79,5; 88,47), pagando às vezes com sua vida estas demoras de Deus? Aparece o versículo 16. Ele é único nos escritos do profeta. Faz memória da alegria que Jeremias sentia antigamente na escuta da Palavra. Este versículo é comovente pela sua raridade e pela sua franqueza: "Eu devorava as tuas palavras, eram para mim contentamento e alegria de meu coração... Teu Nome...". Jeremias sugere a força da atração divina sobre o coração virginal que se entrega a Deus! "Contentamento" deixa entrever o preenchimento provocado por Yhwh quando se apossa das rédeas de uma vida humana! De fato, é preciso que a experiência do “Amor original” feita na hora do chamado e nos primeiros anos seja muito forte para que a sua marca permita aguentar, ao longo de anos, transtornos e demoras, sem enfraquecer... De repente, os versículos seguintes (v.17-18) vão gritar a crise interior. O “eu” substituiu o “Tu”! É o fim da adoração. Expressa uma troca de serviços. Alguém espera de Deus que Este corresponda às expectativas humanas, em troca de tudo que o ser humano já fez para com Ele! O que vem depois é a consequência: "Yhwh, Tu és para mim como lago enganador, águas nas quais não se pode confiar!" Que abismo de angústia naquelas poucas palavras, depois da memória do “contentamento e da alegria”! Vem então a resposta de Deus (v.19-21): "Se retornas, eu te faço retornar e estarás diante de mim!" (Jr 15,19a). Palavra estranha que vincula duas liberdades, a Vontade divina e a vontade humana. Duas determinações inseparáveis. Já, na primeira vocação, Deus falou: "Não tremas! Senão Eu te farei tremer diante deles!" (Jr 1,17). O chamado e a ameaça já envolviam ambas no mesmo tempo. Como Jeremias solicitou tantas vezes a conversão do povo, assim também Deus solicita Jeremias a “retornar”. Mas tem algo novo. A livre decisão de Jeremias não pode bastar, ela precisa de outra Vontade livre e oferecida de graça, a do próprio Deus. Mistério do homem dependente de Deus. Mistério de Deus em sua submissão proposital ao homem. "Se retornas, eu te faço retornar e estarás diante de mim!" Este versículo resume de maneira impressionante a difícil questão teológica da liberdade e da graça! No pior momento da tempestade, uma reviravolta se desenha. Fruto do agir do homem, na hora em que reconhece em Deus sua verdadeira força, sua liberdade e sua salvação. Jeremias não é mais um jovem tímido. Doa-se de verdade à missão recebida. No v. 20, Deus chama de novo o profeta a ficar diante dEle. Promete sua presença e sua força de salvação. O chamado permanece o mesmo! O homem atravessou as etapas e se oferece para repousar doravante na Mão de seu Deus. A terceira Confissão: Eles me dizem: “Onde está a Palavra de Yhwh?” Jr 17,14-18 14 15 Cura-me, Yhwh, e eu serei curado, salva-me e eu serei salvo, porque tu és o meu louvor! Eis que eles me dizem: 16 Onde está a palavra de Yhwh? Que ela se realize. Eu não me acheguei a ti para o mal e não desejei o dia fatal, tu o 17 sabes; o que sai de meus lábios está aberto diante de ti. Não sejas para mim motivo de pavor, tu que és meu refúgio 18 no dia da tribulação. Que se envergonhem os meus perseguidores, mas que eu não me envergonhe! Que eles sejam amedrontados, mas que eu não seja amedrontado! Faze vir sobre eles o dia da tribulação; com uma dupla destruição, destrói-os! Eles me dizem: “Onde está?" Esta terceira confissão nasce de uma forte objeção: Eles me dizem: “Onde está a Palavra do Senhor?” Que ela se realize! A incredulidade do povo se desencadeia contra o profeta. As zombarias se tornam insuportáveis. “Pavor de todo lado” (Jr 20,10). A verdadeira resposta que Deus dá ao profeta não consta nesta passagem. Já foi dada na visão inaugural da “amendoeira/vigia” (Jr 1,11-12): “Deus vigia sobre sua Palavra para realizá-la!” Em oposição, se encontra aqui o tema do sofrimento profético causado por Deus mesmo: Por que Deus demora tanto a cumprir suas promessas? Jeremias pede a Deus de não ser mais para ele um “motivo de pavor”! Tudo acontece como se o profeta estivesse constantemente preso entre a cruz e a espada: Ou ele proclama a Palavra de 18 “SER PROFETA, QUANDO DÁ MEIA-NOITE?” - Retiro Presbiteral com JEREMIAS, Julho de 2015 Deus e deve sofrer todas as inimizades humanas; ou ele se revolta e sofre uma inimizade pior ainda, a de Deus: "Não tremas! Senão, Eu te farei tremer diante deles!" (Jr 1,17). Mais uma vez, o verdadeiro inimigo contra quem Jeremias deve lutar é o próprio Deus! A quinta Confissão: “Tu me seduziste, Yhwh” Jr 20,7-11 7 Tu me seduziste, Yhwh, e eu me deixei seduzir; tu te tornaste forte demais para mim, tu me dominaste. Sirvo de 8 escárnio todo o dia, todos zombam de mim. Porque sempre que falo devo gritar, devo proclamar: "Violência, 9 opressão!" Porque a palavra de Yhwh tornou-se para mim opróbrio e ludíbrio todo dia. Quando eu pensava: 'Não me lembrarei dele, já não falarei em seu Nome', então isto era em meu coração como um fogo devorador, encerrado em 10 meus ossos. Estou cansado de suportar, não posso mais! Eu ouvi a calúnia de muitos: "Terror de todos os lados! Denunciai! Denunciemo-lo!" Todo aquele que estava em paz comigo aguarda a minha queda: "Talvez ele se deixe 11 seduzir! Nós o dominaremos e nos vingaremos dele!" Mas Yhwh está comigo como um poderoso guerreiro; por isso os meus perseguidores tropeçarão, eles não prevalecerão. Eles se envergonharão profundamente, porque não tiveram êxito; uma vergonha eterna, inesquecível. Amargura O combate se manifesta ainda mais dramático nesta 5ª confissão. Jeremias resolveu não falar mais em Nome de Deus, eliminando assim a causa de todos os seus males. Mas o fogo ardente da Palavra está forte demais, não dá para contê-lo: Deus venceu a resistência do Profeta e Jeremias não consegue retrair-se do caminho. Fica o sabor muito amargo desta experiência: "Tu me enrolaste, Senhor, e eu me deixei enrolar!” A sexta Confissão: “Maldito!” Jr 20,14-18 14 15 Maldito o dia em que eu nasci! O dia em que minha mãe me gerou não seja abençoado! Maldito o homem que 16 deu a meu pai a boa nova: "Nasceu-te um filho homem!", e lhe causou uma grande alegria. Que este homem seja como as cidades que Yhwh destruiu sem compaixão; que ele ouça o clamor pela manhã e o grito de guerra ao meio17 dia, porque ele não me matou desde o seio materno, para que minha mãe fosse para mim o meu sepulcro e suas 18 entranhas estivessem grávidas para sempre. Por que saí eu do seio materno para ver trabalhos e penas e terminar os meus dias na vergonha? Grito sem resposta, fracasso, obediência. A sexta confissão é um grito só! Um grito de maldição: Jeremias amaldiçoa o dia do seu nascimento que só lhe trouxe sofrimento e aflição nesta vida insuportável. Ao contrário de todas as confissões anteriores, a sexta não apresenta resposta alguma de esperança ou de consolo por parte de Deus. Ela termina com uma pergunta desesperada: "Por que saí eu do seio materno para ver trabalhos e penas e terminar os meus dias na vergonha?" Pode-se dizer que Jeremias chegou ao termo do seu itinerário espiritual, do seu combate com Deus: Não conseguiu nada, nem para si, nem para os demais. Até as poucas esperanças de sucesso que subsistiam no final das confissões anteriores sumiram definitivamente. Jeremias constata o fracasso total de sua vida, do ponto de vista humano. Como Jacó ao termo de seu combate com o “Anjo de Yhwh”, Jeremias fica profundamente ferido. Mas Jacó foi vitorioso na fé, pois arrancou a benção de Deus, o mistério de sua eleição puramente gratuita e, de agora em diante pude entrar na “Terra Prometida” da inteira submissão à Palavra de Deus e da total pertença a Ele. (Gn 32,23-33). Jeremias atravessou o mesmo “vau de Jaboc”! Paradoxalmente, é no fracasso que Jeremias se revela vencedor: na ausência de toda resposta, encontra a verdadeira resposta (cf. “Minha Graça te basta!” 2 Cor 12,19). Sua vida não será mais feliz, do jeito que talvez sonhou. Pelo contrário, será cada vez mais dolorosa. Mas Jeremias não contraporá mais resistência, nem revolta alguma. Pois, captou o significado profundo da vida que a Palavra lhe revelou. A única resposta possível, aquela que dá sentido a tudo, já foi revelada antes mesmo que tudo começasse: “Antes mesmo de te formar no ventre materno, eu te conheci; antes que saísses do seio, eu te consagrei!” (Jr 1,5). Desde o início, Jeremias encontrou um Amor Original que lhe pediu tudo! Era para que este Amor pudesse se entregar totalmente a Jeremias. Deus quis Jeremias de mãos vazias para que Jeremias pudesse receber Deus. Deus fez loucuras para com Israel e Jeremias. Está na hora de Jeremias também fazer loucuras para Deus! Para entrar na “Terra Prometida” da inteira submissão à Palavra de Deus e da total pertença a Ele. É altamente significativo que esta submissão total a Deus resultou para Jeremias numa identificação absoluta ao destino trágico do seu povo, até a recusa da hospitalidade proposta por Nabucodonosor, e o desterro e a morte no Egito! 19 Reflexões para Padres: Será possível que a Palavra de Deus seja tão fraca? Para onde tudo isso leva? Esta etapa vivida por Jeremias se parece bastante com uma crise bem conhecida tanto no matrimônio, como na vida consagrada: a “crise afetiva dos 10 anos”. Em toda caminhada humana, existe a “pré-história do amor” que se confunde com o “primeiro amor”. Mais tarde, começa realmente a “história do amor!”... Esta “história do amor” traz, muitas vezes, um sabor de meio-fracasso depois de alguns anos de dedicação... Para nós, padres, ela se visibiliza através de vários sintomas: o cansaço da oração, o esfriamento da caridade pastoral e um afastamento dos pobres, um olhar negativo sobre a fecundidade da nossa doação, uma baixa no ideal do ministério, a sereia da pornografia na Internet, etc. Depois de angústias, queixas, quedas e reerguimentos pela graça de Deus, Jeremias chegou à última confissão. Aí, não teve mais resposta de Yhwh. Foi como se a única resposta fosse o silêncio vivido no fracasso da missão... Será que tal fidelidade de um homem à Palavra pode levar a esta experiência do fracasso total? Sem que o rei deixe de jogar para a fogueira os oráculos que podem salvá-lo com o seu povo? Sem que os conterrâneos, a quem Jeremias doou a sua vida para que vivessem, escutem qualquer palavra que lhes é dirigida? Sem que o mundo atual abandone sua corrida louca na rejeição do Evangelho, atraído pelas falsas felicidades que engolem os seus filhos? E, sem que Deus se dê a pena de comunicar uma só palavra de explicação a Jeremias, seu profeta? Será possível que a Palavra de Deus se mostre tão fraca? E Deus tão distante? Só resta, às vezes, a experiência do fracasso! Jeremias a enfrenta de agora em diante, de mãos vazias, no sentido em que não tem outro apoio a não ser sua aceitação do fracasso. Ele consente, sem perceber significado algum, nem receber fruto algum! Esta aceitação do fracasso pode ser mesmo o primeiro sentido desta luta de Jeremias: Sua vitória não é a da conversão de Jerusalém, mas sua própria fidelidade à Palavra recebida e testemunhada. Esta Palavra foi anunciada, recusada por Jerusalém. Mas nenhuma rejeição conseguiu mandá-la calar. É assim mesmo que o Senhor Deus também não se cala para dizer o seu Amor à humanidade! Os oráculos mais ameaçadores só testemunham que a salvação oferecida não é acolhida pelos homens, mas não negada por Deus! Deus não acabou de amar! A fidelidade de Jeremias à Palavra mostrará às gerações futuras que a Aliança selada entre Israel e Deus é mais forte do que as desobediências humanas e que a morte do profeta! Jeremias é apenas o reflexo deste Amor que chora, mas não se apaga (cf. Jr 13,17). E, se Deus é fiel, como o ser humano poderia fugir desta virtude que nos dignifica? A nossa fidelidade vem da Sua! As “Confissões de Jeremias” nos colocam diante da vulnerabilidade do Profeta que proclama a Palavra “quando dá Meia-Noite”! É a mesma fraqueza encarnada em Belém e no Gólgota que Jesus mostrou! Pois, foi assim mesmo que ele revelou o Pai! Viveu o nosso ministério, numa pobreza que nem se compara com alguma opção humana, e por isso mesmo traz a marca de Deus. Esta é a marca de Deus: o AMOR até fim! Aos poucos, mesmo sem sentir nada disso, este Amor a Yhwh e ao povo criou raízes em Jeremias. Tornou-se a única razão de ser dele! Jeremias tem palavras duríssimas contra os sacerdotes, profetas de mentira e pastores indignos (Jr 23), pois arde de amor por este povo que é afastado de Yhwh e corre para a desgraça. As “Confissões” revelam o extraordinário trabalho interior que faz dele um “consagrado” conforme a promessa inicial de Yhwh (Jr 1,5)! Jeremias nos faz sentir o que significa a noite da alma com Deus, como purificação do nosso amor: “A noite é a Obra do Espírito Santo. Este tem um plano só: Cristo, com todo o esplendor da sua Glória, a Igreja! O Espírito não vem substituir Cristo Jesus, mas construir o Cristo Total, difundindo a Vida dele em todos os membros, pelos méritos da Paixão. O Espírito é um trabalhador noturno! Faz a alma humana entrar nas profundezas do Mistério de Cristo. A noite do Espírito é o momento mais doloroso e mais obscuro deste apagão. Mas a chama ardente do Espírito só a produz para aperfeiçoar a fé, introduzindo a alma mais e mais no mistério de Cristo e realizando uma união perfeita com Ele!” (Emmanuel HIRSHAUER). ESTA OBRA é de DEUS! Por este motivo, como Jeremias, não podemos desistir, por amor a Jesus e ao Reino maior do que nós! Quando Deus quiser, outros se levantarão. Abraçarão a Palavra hoje lançada no fogo ou acorrentada, mas capaz de libertar tantos cativos. Eles deixarão ser libertados por Ela. Mas, por hoje, constata Jeremias, só existem “trabalhos e penas e terminar os meus dias na vergonha”! (Jr 20,18). “É quando dá Meia-Noite” que é preciso acreditar no depois-de-amanhã, apostando na Caridade! 20 “SER PROFETA, QUANDO DÁ MEIA-NOITE?” - Retiro Presbiteral com JEREMIAS, Julho de 2015 Palestra 6 - Num jarrinho de barro, as PROMESSAS do “depois-de-amanhã”! Esta parábola é uma das mais importantes de Jeremias. Meditada depois da queda de Jerusalém, ao longo do demorado exílio, contribuirá muito ao renascer da esperança. 1 2 Capítulo 18 - Jeremias junto do oleiro — Palavra que foi dirigida por Yhwh a Jeremias: "Levanta-te e desce à casa do 3 4 oleiro: lá te farei ouvir as minhas palavras." Eu desci à casa do oleiro, e eis que ele estava trabalhando no torno. E estragou-se o vaso que ele estava fazendo, como acontece à argila na mão do oleiro. Ele fez novamente um outro 5 6 vaso, como pareceu bom aos olhos do oleiro. Então a palavra de Yhwh me foi dirigida nestes termos: Não posso eu agir convosco como este oleiro, ó casa de Israel?, oráculo de Yhwh. Eis que, como a argila na mão do oleiro, assim 7 sereis vós na minha mão, ó casa de Israel! Ora, eu falo sobre uma nação ou contra um reino, para arrancar, para 8 arrasar, para destruir; mas se esta nação, contra quem eu falei, se converte de sua perversidade, então eu me 9 arrependo do mal que eu jurara fazer-lhe. Ora, eu falo sobre uma nação ou um reino, para construir e para plantar; 10 mas se ela faz o mal a meus olhos não escutando a minha voz, então eu me arrependo do bem que prometera fazer11 lhe. E agora dize aos homens de Judá e aos habitantes de Jerusalém: "Assim disse Yhwh. Eis que eu preparo contra vós uma desgraça e formulo contra vós um plano. Converta-se, pois, cada um de seu caminho perverso, melhorai 12 vossos caminhos e vossas obras." Mas eles dirão: "É inútil! Nós seguiremos nossos planos; cada um agirá conforme a obstinação de seu coração malvado." Vamos destacar alguns ensinamentos da Parábola do Oleiro: a. Eu posso resistir à ação de Deus, posso escapar das mãos do Oleiro que está moldando-me. O vaso que somos tem este poder trágico de resistir àquele que o molda. Assim, cada um de nós é corresponsável pelo seu destino, pela sua vida, no bem e no mal. Porém, o grande princípio da criação que marca uma dependência responsável – o elemento da liberdade introduzido na metáfora de Jeremias – significa também que Deus também é corresponsável comigo pelo que colocou em minhas mãos. Tudo não repousa apenas sobre mim! b. A corresponsabilidade tem um aspecto consolador. O crente sabe que nunca fica sozinho, inclusive quando erra. Sabe que o Oleiro está sempre disposto para vir em socorro dele. Pois, Deus que não faz nada sem a contribuição da nossa liberdade, faz tudo para nós, se o queremos. Sustentará-nos sempre e compartilhará a nossa caminhada difícil e cheia de quedas... (C. M. MARTINI, Jérémie). c. O profeta traz três esclarecimentos preciosos que ajudam a compreender a ação do Deus-Oleiro do seu Povo: i. Apesar do “estrago” do vaso, que representa o pecado de Israel, Deus age como aparece bom aos olhos do oleiro. Tem provavelmente uma alusão ao olhar divino no primeiro instante, quando Deus viu que “era muito bom” (Gn 1,31). Deus não desistiu do seu projeto criador inicial, mas pelo contrário lhe permanece fiel. ii. Ele permanece também fiel à “argila”, ou seja, ao povo que escolheu antigamente com o compromisso de uma Aliança, e que Ele já começou a moldar. iii. Em caso de estrago, o oleiro não procura retomar uma obra. Ele desiste da forma dada à argila, e começa “novamente um outro vaso”, com a mesma argila e conforme o mesmo projeto. Algo novo vai nascer, mudanças devem aparecer. d. Em relação ao exílio na Babilônia, Deus anuncia a possibilidade que seja destruída a sua obra que tanto ama. Assume a responsabilidade do castigo que fere Israel. Deus vai deixar destruir o que Ele mesmo construiu. O castigo entra na lógica da salvação. É resgatado e levado pelo Amor de Deus a um significado positivo, portador de esperança. (cf. Alberto MELLO, A coragem da fé, pp. 48.66). e. Esta parábola ilustra profundamente a “noite da alma” que o profeta passa no seu íntimo. Como se o anúncio do futuro que Deus prepara para Israel só pudesse ser feito por alguém que já passou pessoalmente por esta experiência da desconcertante fidelidade de Deus! 1 Capítulo 26 - Prisão e julgamento de Jeremias — No começo do reinado de Joaquim, filho de Josias, rei de Judá, esta 2 palavra foi dirigida a Jeremias da parte de Yhwh: Assim disse Yhwh. Coloca-te no átrio da Casa de Yhwh e diz contra todos os habitantes das cidades de Judá, que vêm prostrar-se na Casa de Yhwh, todas as palavras que te ordenei 3 dizer-lhes; não omitas palavra alguma. TaIvez eles escutem e se convertam cada um de seu caminho perverso: então 4 eu me arrependerei do mal que eu pensava fazer-lhes por causa da perversidade de seus atos. Tu lhes dirás: Assim 5 disse Yhwh. Se não me escutardes para seguirdes a minha Lei, que eu vos dei, para atenderdes as palavras de meus 6 servos, os profetas, que eu vos envio sem cessar, mas vós não escutais, eu tratarei esta Casa como a Silo e farei desta 7 cidade uma maldição para todas as nações da terra. Sacerdotes, profetas e todo povo ouviram Jeremias pronunciar 8 estas palavras na Casa de Yhwh. E quando Jeremias terminou de falar tudo o que Yhwh lhe mandara dizer a todo o 9 povo, os sacerdotes, os profetas e todo o povo prenderam-no dizendo: "Tu morrerás! Por que profetizaste em nome de Yhwh, dizendo: 'Esta Casa será como Silo e esta cidade será uma ruína sem habitantes?' " E todo o povo amotinou- 21 10 se contra Jeremias na Casa de Yhwh. Quando os príncipes de Judá ouviram estas palavras, subiram do palácio do rei 11 à Casa de Yhwh e se assentaram à entrada da porta Nova da Casa de Yhwh. Os sacerdotes e os profetas disseram, então, aos príncipes e a todo o povo: "Este homem merece a morte, porque profetizou contra esta cidade como 12 ouvistes com os vossos ouvidos!" E Jeremias disse a todos os príncipes e a todo o povo: "Yhwh enviou-me a 13 profetizar a esta Casa e a esta cidade todas as palavras que ouvistes. Mas, agora, melhorai os vossos caminhos e os 14 vossos atos e escutai o apelo de Yhwh, vosso Deus, e Yhwh se arrependerá do mal que anunciou contra vós. Quanto 15 a mim eis-me em vossas mãos. Fazei de mim o que parece bom e justo a vossos olhos. Sabei, porém, que, se me matardes, é sangue inocente que colocareis sobres vós, sobre esta cidade e seus habitantes. Porque, na verdade, 16 Yhwh me enviou a vós para anunciar-vos todas estas palavras". Os príncipes e todo o povo disseram, então, aos sacerdotes e aos profetas: "Este homem não merece a morte, pois ele nos falou em nome de Yhwh nosso Deus" (...) 20 Houve, ainda, um homem que profetizou em nome de Yhwh: Urias, filho de Semeias, proveniente de Cariat-Iarim. 21 Ele profetizou contra esta cidade e contra esta terra nos mesmos termos de Jeremias. E o rei Joaquim ouviu, com todos os seus guerreiros e com todos os seus príncipes, as suas palavras e procurou matá-lo. Mas Urias ouviu, teve 22 medo, fugiu e foi para o Egito. Mas o rei Joaquim enviou Elnatã, filho de Acobor, acompanhado de alguns homens 23 ao Egito. Eles tiraram Urias do Egito e o trouxeram ao rei Joaquim, que o mandou matar pela espada e lançar o seu 24 cadáver nas sepulturas da plebe. Jeremias, contudo, foi protegido por Aicam, filho de Safã, de modo que não foi entregue nas mãos do povo para ser morto. Esta página é um campo de batalha Além da fidelidade de Jeremias que aparece na plena luz, se deve dar atenção à liberdade interior de Jeremias. Ela é a segunda face da obediência dele. Jeremias não para de chamar os grandes e humildes à obediência incondicional ao Senhor das nossas vidas. Não oferece resistência alguma quando Deus lhe manda proclamar as coisas mais opostas ao que os ouvintes querem ouvir. Sua fidelidade à Palavra de Deus é inalterável. A Palavra é muito mais poderosa do que ele. Apesar de tudo, ele fala tudo que deve. Esta liberdade interior é recebida na hora certa, quando a necessidade se faz sentir. Jeremias foi antigamente um tímido, e permanece alguém que sente o medo. Por exemplo, quando envia Baruc proclamar seus oráculos em seu nome no Templo, e mais ainda quando suplica Sedecias de tirá-lo da morte no fundo de uma horrível prisão. Porém, a história de Urias, filho de Semeias, mostra que Jeremias não se enganou sobre os riscos possíveis. É um dos mais belos aspectos deste homem: Ele não cria confusão, nem busca o triunfo. É humilde. Permanece livre, pois só quer o que Deus quer, quando Deus quer! Nele transparece a sublimidade da Caridade pastoral! Ele nos adverte: Não procurai ser heróis; ficai satisfeitos vivendo fielmente a Palavra, a cada dia com paciência, sem deixarvos apavorar pelos vossos medos ou pela timidez. Pois, eu primeiro fiz esta experiência! 1 Capítulo 32 - A compra de um terreno, penhor de um futuro feliz — Palavra que foi dirigida a Jeremias, da parte de 2 Yhwh, no décimo ano de Sedecias, rei de Judá, ou seja, no décimo oitavo ano de Nabucodonosor. O exército do rei da Babilônia cercava, então, Jerusalém, e o profeta Jeremias encontrava-se preso no pátio da guarda, no palácio do rei 3 de Judá, onde Sedecias, rei de Judá, o havia feito prender, dizendo-lhe: "Por que profetizas nestes termos: Assim 4 disse Yhwh: Eis que vou entregar esta cidade nas mãos do rei da Babilônia para que a conquiste; Sedecias, rei de 6 7 Judá, não escapará (...)" Jeremias disse: A palavra de Yhwh me foi dirigida nestes termos: Eis Hanameel, filho de teu tio Selum, que virá ao teu encontro para dizer: "Compra o meu campo de Anatot, porque tu tens o direito de resgate 8 para adquiri-lo". Hanameel, filho de meu tio, veio, pois, ao meu encontro, conforme a palavra de Yhwh, no pátio da guarda, e me disse: "Compra o meu campo de Anatot, no território de Benjamim, porque tu tens o direito à herança e 9 o direito de resgate, compra-o." Reconheci, então, que era uma ordem de Yhwh. Comprei, pois, o campo de 10 Hanameel, filho de meu tio, em Anatot, e lhe pesei a prata, dezessete siclos de prata. Redigi, então, o contrato e o 11 selei, tomei testemunhas e pesei a prata em uma balança. Depois eu tomei o contrato de compra, o exemplar 12 selado (com as estipulações e as cláusulas) e o exemplar aberto, e entreguei o contrato de compra a Baruc, filho de Nerias, filho de Maasias, em presença de meu primo Hanameel e das testemunhas que assinaram o contrato de 13 compra, e em presença de todos os judeus que se encontravam no pátio da guarda. Diante deles dei esta ordem a 14 Baruc: "Assim disse Yhwh dos Exércitos, Deus de Israel. Toma esses documentos, esse contrato de com pra, o 15 exemplar selado e a cópia aberta, e coloca-os num vaso de argila para que se conservem por muito tempo. Porque 16 assim disse Yhwh dos Exércitos, o Deus de Israel: Ainda se comprarão casas, campos e vinhas nesta terra." Depois de 17 entregar o contrato de compra a Baruc, filho de Nerias, dirigi esta oração a Yhwh: "Ah! Senhor Yhwh, eis que fizeste 25 o céu e a terra por teu grande poder e teu braço estendido. A ti nada é impossível! (...) E tu, Senhor Yhwh, me disseste: 'Compra para ti o campo ao preço de prata e toma testemunhas', agora que a cidade foi entregue às mãos 26 27 dos caldeus!" E a palavra de Yhwh foi dirigida a Jeremias nestes termos: Eis que sou Yhwh, o Deus de toda a carne; 28 há para mim algo de impossível? Por isso, assim disse Yhwh: Eis que vou entregar esta cidade nas mãos dos caldeus 29 e nas mãos de Nabucodonosor, rei da Babilônia, que a tomará; os caldeus que combatem contra esta cidade, entrarão e incendiá-la-ão. Eles a queimarão juntamente com as casas, em cujos telhados se queimava incenso a Baal e 37 se faziam libações a deuses estrangeiros, para me irritar. (...) Eis que eu os reunirei de todas as regiões em que os 22 “SER PROFETA, QUANDO DÁ MEIA-NOITE?” - Retiro Presbiteral com JEREMIAS, Julho de 2015 dispersei, em minha ira, em meu furor e em minha grande indignação: eu os trarei de volta a este lugar e os farei 38 39 habitar em segurança. E eles serão o meu povo e eu serei o seu Deus. Eu lhes darei um coração único e um 40 caminho único para que me temiam, todos os dias, para o seu bem e o de seus filhos, depois deles. Selarei com eles uma aliança eterna, pela qual eu não deixarei de segui-los para fazer-lhes o bem: colocarei o meu temor em seu 41 coração, para que não se afastem mais de mim. Terei minha alegria em fazer-lhes o bem e os plantarei de verdade, 42 nesta terra, de todo o meu coração e de toda a minha alma. Porque assim disse Yhwh: Assim como eu trouxe sobre 43 este povo toda essa grande desgraça, assim eu trarei todo o bem que lhes prometo. Ainda se comprarão campos 44 nesta terra, da qual dizes: "É um ermo, sem homens nem animais, foi entregue às mãos dos caldeus." Comprarão campos a preço de prata (...) Porque eu trarei de volta seus cativos — oráculo de Yhwh. O Livro de Jeremias começou com uma panela fervendo (Jr 1,13). Ela representava a ameaça de Nabucodonosor, vindo do norte, “as portas da Meia-Noite”! Termina com um jarrinho de barro! Entre estes dois sinais, três caraterísticas alicerçam a fidelidade do profeta mais sofrido da Primeira Aliança: Esperança mesmo diante da ameaça, liberdade interior para não desistir hoje apesar das pressões, aposta no “depois-de-amanhã” são as condições para mais um “passo no escuro”! Em nossa mudança de época, cabe aos ministros de Jesus Cristo dar este forte testemunho. Diante do materialismo que corrói a fé e a mentalidade do povo, quando prevê-se que o amanhã não será melhor que hoje, o estilo de Jeremias nos é apontado: pela esperança teologal, apostar com liberdade no “depois-de-amanhã”, pelo Amor até o fim que doa a vida sem voltar para trás! Frente ao materialismo que mutila as pessoas e aniquila o horizonte, procuram-se testemunhas do espírito que habita o ser humano e não deixa a pessoa se conformar com respostas amputadas! Frente ao imediatismo, façam memória do eterno. Frente ao relativismo, apontem o universal. Frente ao culto de si, encarnem o dom de si! São João Paulo II conclamou esta convicção: “Os santos não envelhecem praticamente nunca, e não estão nunca sujeitos à "prescrição". Mantêm-se continuamente como testemunhas da juventude da Igreja. Não se tornam nunca pessoas do passado, homens e mulheres de "ontem". Pelo contrário: são sempre os homens e as mulheres do "amanhã", as pessoas do futuro evangélico do homem e da Igreja, as testemunhas "do mundo futuro". (João Paulo II, homilia em Lisieux, 1980). Os santos são as testemunhas do futuro, não no sentido de uma fuga do presente; pelo contrário, no sentido da encarnação do eterno no instante presente! As Bem-aventuranças são o coração deste testemunho do Reino que é Amor: Quando o TITANIC afunda sob a tríade da descrença, da idolatria e da desumanidade, elas encarnam o Reino vivido aqui e agora, na espera do Reino definitivo continuamente contemplado e acolhido! Frente a Nabucodonosor, são elas o conteúdo secreto do “vaso de argila ... para que se conservem por muito tempo” (v.14)! Reflexões para Padres: Um “passo no escuro” bem encarnado! “Compra para ti o campo ao preço de prata e toma testemunhas”, agora que Jerusálem está entregue às mãos dos caldeus! A compra de um campo na véspera da vitória de Nabucodonosor é antes de tudo um grito de esperança: A destruição e o exílio não terão a última palavra. Jeremias olha para o “depois-de-amanhã”! Nesta compra insensata, o profeta encarna a certeza da inesperada promessa que lhe é comunicada. Além deste aspecto, se descobre o aspecto escatológico do nosso celibato consagrado. Muitas vezes, este é considerado apenas na perspectiva pragmática do “imediato”. É verdade que permite uma maior disponibilidade e dispensa remunerar ministros que são celibatários com uma côngrua na altura da sua formatura e do seu cargo. Pois, o trabalho presbiteral dos ministros não é remunerado por um salário, mas apenas por uma ajuda de custo! Essa visão pragmática, porém, não esgota o sentido do celibato presbiteral. Como a cumpra por Jeremias de um campo em Anatot, “no deserto entregue às mãos dos Caldeus” (v.43), o nosso celibato consagrado supera o imediatismo. Alicerça-se sobre a Promessa de Jesus, como uma “aposta no depois-deamanhã”... Pois, se baseia, sobretudo, num carisma de imenso amor a Jesus Cristo, ao seu Reino, às suas promessas: O salário de quem “tiver deixado *tudo+ por causa de Jesus e do Evangelho” (Mc 10,29, Lc 18,29-30) é a Vida eterna! No meio de uma sociedade espiritualmente cega, incapaz de perceber o valor de uma recompensa imaterial, o nosso celibato aponta para esta retribuição invisível: O celibato consagrado é como “uma terra que ainda aguarda o seu 23 Dono e Esposo” (cf. Is 65, 4)! É sinal de um coração que crê, espera e ama! Existe “em vista do Reino dos Céus”: Bodas eternas na Paz da Comunhão divina, depois das turbulências do exílio, aqui em baixo! Ninguém se ilude sobre esta nossa “aposta pública”, tão surpreendente quanto a compra de Jeremias. No meio da nossa sociedade erotizada, a nossa abertura em viver o celibato consagrado é um “dom e mistério”! Quem aposta nesta posse eterna pode se sentir “louco segundo o mundo”. Jeremias comprou o terreno “ao preço de prata” (v.25). A dificuldade, aliás, a generosidade requisitada pelo celibato passam da força humana... Mas Deus confirmou o profeta de Anatot: “Eis que sou Yhwh, o Deus de toda a carne; há para mim algo de impossível?” (v.27). Esta forma de celibato é um carisma. Não é nem fácil, nem difícil, é divino. É de Deus em nossa carne! Como qualquer carisma, porém, precisa ser cultivado pelo amor, com gratidão e vigilância, até o fim. Este “celibato por amor” torna-se, então, um autêntico testemunho do Reino definitivo que começa na experiência do mesmo hoje implantado em nós e entre nós. Esta ‘dimensão escatológica’ do celibato, ilustrada aqui por Jeremias apostando no “depois-de-amanhã”, é que tece um laço tão profundo com o ministério sagrado, voltado também para o futuro escatológico. Muito cedo, “celibato em vista do Reino” e “ministério sagrado” foram considerados como andando de mãos dadas! Por isso mesmo, a Igreja latina identificou este carisma como o sinal divino que aponta os candidatos escolhidos por Deus, em vista do ministério presbiteral, conforme a palavra de Jesus: “Não fostes vós que me escolhestes, mas fui eu que vos escolhi e vos designei para irdes e produzirdes fruto e para que o vosso fruto permaneça, a fim de que tudo o que pedirdes ao Pai em meu nome ele vos dê. Isto vos mando: ‘amai-vos uns aos outros’.” (Jo 15,16-17). Ministério apostando no “depois-deamanhã”... Uma única lógica divina! “Celibato em vista do Reino dos Céus”... Nem fácil, nem difícil... É divino: De Deus em nossa carne! 24 “SER PROFETA, QUANDO DÁ MEIA-NOITE?” - Retiro Presbiteral com JEREMIAS, Julho de 2015 Palestra 7 - “Há uma esperança para o teu futuro!” O Anúncio da Nova Aliança, Jr 30-31 No amanhecer de sua carreira, Jeremias ouviu de Yhwh estas palavras: “Eu estou vigiando sobre a minha palavra para realizála!” (Jr 1,10). Pronunciados provavelmente em diversos períodos do ministério de Jeremias, os oráculos dos dois capítulos 30 e 31 foram reunidos para constituir o Livro da Consolação, situado antes dos capítulos que relatam a “Paixão de Jeremias” (cap. 39-45). Estes dois capítulos 30 e 31 tiveram uma importância fundamental já para sustentar a perseverança de Jeremias. E a importância deles ainda cresceu, para sustentar a fé do povo durante o exílio. Anunciam que a desgraça da destruição e do desterro não terá a última palavra em Israel. As promessas que sinalizam estas páginas nos preparam a acolher o anúncio da Nova Aliança definitiva. I. 1 Capítulo 30. A restauração prometida a Israel — Palavra que foi dirigida a Jeremias da parte de Yhwh nestes 2 3 termos: Assim disse Yhwh, o Deus de Israel: Escreve para ti num livro todas as palavras que eu te dirigi. Porque eis que virão dias — oráculo de Yhwh — em que trarei de volta os cativos de meu povo Israel (e Judá), disse Yhwh, e os 21 farei regressar à terra que eu dei a seus pais, e eles tomarão posse dela. (...) Surgirá dela o seu chefe, seu soberano sairá de seu meio. Eu o farei aproximar-se e ele se chegará a mim; com efeito, quem teria coragem de aproximar-se 22 de mim? — oráculo de Yhwh. Sereis o meu povo e eu serei o vosso Deus. (...) A promessa de um “Chefe” O exílio não terá a última palavra. Uma longa promessa faz erguer novamente o olhar para o futuro. A dinastia nascida de Davi decepcionou, mas outro descendente cumprirá as promessas: Surgirá dela o seu chefe, seu soberano sairá de seu meio. Eu o farei aproximar-se e ele se chegará a mim. Ficam indeterminadas a identidade e a função deste chefe: Rei ou sacerdote? Ou ambos? Nessas palavras “Sereis o meu povo e eu serei o vosso Deus!”, Yhwh retoma as antigas promessas já feitas no Levítico 26: “11Estabelecerei a minha habitação no meio de vós e não vos rejeitarei jamais. 12Estarei no meio de vós, serei o vosso Deus e vós sereis o meu povo. 13Pois sou eu, Iahweh vosso Deus ... quebrei as cangas do vosso jugo e vos fiz andar de cabeça erguida.” (Lv 26,12). __________________________ II. 1 Capítulo 31. A restauração do povo — Naquele tempo — oráculo de Yhwh — eu serei o Deus de todas as famílias 2 de Israel, e elas serão o meu povo. Assim disse Yhwh: Encontrou graça no deserto, o povo que escapou à espada. 3 Israel caminha para o seu descanso. De longe Yhwh me apareceu: Eu te amei com um amor eterno, por isso 4 conservei para ti o amor. Eu te construirei de novo e serás reconstruída, Virgem de Israel. De novo te enfeitarás com 5 os teus tamborins, sairás em meio a danças alegres. De novo plantarás vinhas sobre as montanhas da Samaria (os 6 plantadores plantarão e colherão). Sim, virá o dia, em que os vigias gritarão sobre a montanha de Efraim: "De pé! 7 Subamos a Sião, a Yhwh nosso Deus!" Porque assim disse Yhwh: Gritai de alegria por Jacó, aclamai a primeira das 8 nações! Fazei-vos escutar! Louvai! Proclamai: "Yhwh salvou o seu povo, o resto de Israel!" Eis que os trago da terra do Norte, reúno-os dos confins da terra. Entre eles há o cego e o aleijado, a mulher grávida e a que dá à luz, todos juntos: 9 é uma grande assembleia que volta! Em lágrimas eles voltam, em súplicas eu os trago de volta. Vou conduzi-los às torrentes de água, por um caminho reto, em que não tropeçarão. Porque eu sou um pai para Israel e Efraim é o meu 10 primogênito. Nações, escutai a palavra de Yhwh! Anunciai-a às ilhas longínquas, dizei: "Aquele que dispersa Israel o 11 reunirá. Ele o guardará como um pastor a seu rebanho". Porque Yhwh resgatou Jacó, libertou-o da mão do mais 12 forte. Eles virão gritando de alegria sobre os altos de Sião, afluirão aos bens de Yhwh: o trigo, o mosto e o azeite, as 13 ovelhas e os bois; serão como um jardim bem regado, não voltarão a desfalecer. Então a virgem terá prazer na dança, e, juntos, os jovens e os velhos; converterei o seu luto em alegria, consolá-los-ei, alegrá-los-ei depois dos 14 sofrimentos. AIimentarei os sacerdotes com gordura e meu povo se saciará com meus bens, —oráculo de Yhwh. 17 (...) Há uma esperança para o teu futuro: oráculo de Yhwh — teus filhos voltarão para o seu território. A Novidade trazida por Deus 1) “De novo!” (v.4.5) anuncia a volta para a felicidade: A destruição não terá a última palavra, Jerusalém será reedificada. 2) Anúncio de algo novo que ultrapassa o antigo: A palavra “novo/nova” não significa apenas uma volta para as condições pacíficas da existência humana: Trata-se de uma Obra de Deus, inesperada, que só um amor incondicional explica: “Porque eu sou um pai para Israel e Efraim é o meu primogênito” (v.9). Esta realidade encontrará sua expressão mais profunda na série de oráculos que culminam na profecia da Nova Aliança. 3) “Voltarão!” (v.12.17). Além da descrição da alegria religiosa que contagia o povo, Jeremias vislumbra o fim da dominação da hipocrisia, da corrupção e dos escândalos. O fim do tempo das ameaças e dos castigos. __________________________ 25 III. 18 Capítulo 31. Escutei os gemidos de Efraim: "Tu me corrigiste, eu fui corrigido, como um novilho indômito. Faze-me 19 voltar e voltarei, porque tu és Yhwh, meu Deus! Porque, depois de me afastar, eu me arrependi, depois que compreendi, bati no peito. Estava cheio de vergonha e enrubescia; sim, eu trazia sobre mim o opróbrio de minha juventude!" 20 — Será Efraim para mim um filho tão querido, uma criança de tal forma preferida, que cada vez que falo nele quero ainda lembrar-me dele? E por isso que minhas entranhas se comovem por ele, que por ele transborda minha ternura, oráculo de Yhwh. 21 Levanta marcos para ti, coloca indicadores de caminho, presta atenção ao percurso, no caminho por onde 22 caminhaste. Volta, Virgem de Israel! Volta para estas tuas cidades! Até quando irás de cá para lá, filha rebelde? Porque Yhwh cria algo de novo sobre a terra: A Mulher rodeia seu Marido. A conversão é possível: a psicologia do “pródigo Efraim” 1) Deus anuncia aqui a possibilidade da “shûv/volta”, por causa do possível arrependimento do coração. Assim como o povo voltará, assim também os corações voltarão pela conversão e pelo arrependimento. O coração humano tem esta possibilidade de desfazer hoje o que fez ontem, para o melhor, ou para o pior. Como já anunciava a metáfora do Oleiro, o coração humano não é descartável, é recarregável! Mas Jeremias compreende bem que se trata de uma obra tão humana quanto divina: “Se retornas, eu te faço retornar!” (Jr 15,19). O trabalho de correção é apresentado aqui como o trabalho da graça que liberta do fechamento. 2) O itinerário do arrependimento descrito por Jeremias é interessante: 19 “Depois de me afastar, eu me arrependi, depois que compreendi, bati no peito. Estava cheio de vergonha e enrubescia; sim, eu trazia sobre mim o opróbrio de minha juventude!" - Compreendi! O papel da inteligência é fundamental. - Bati no peito, cabe à consciência se pronunciar, reconhecendo a culpabilidade. Pois, a percepção do mal poderia provocar um fechamento sobre si, pela negação da própria responsabilidade. - Estava cheio de vergonha, é a hora do sentimento, de enrubescer. - Trazia sobre mim o opróbrio de minha juventude. É o início da confissão que levará a pessoa a descarregar o seu fardo. (Cf. a descrição do arrependimento e da confissão no Salmo 32). __________________________ IV. 31 Capítulo 31. A Nova Aliança — Eis que dias virão — oráculo de Yhwh — em que selarei com a casa de Israel (e com 32 a casa de Judá) uma aliança nova. Não como a aliança que selei com seus pais, no dia em que os tomei pela mão para fazê-los sair da terra do Egito — minha aliança que eles mesmos romperam, embora eu fosse o seu Senhor, 33 oráculo de Yhwh! Porque esta é a aliança que selarei com a casa de Israel depois desses dias, oráculo de Yhwh. Eu 34 porei minha lei no seu seio e a escreverei em seu coração. Então eu serei seu Deus e eles serão meu povo. Eles não terão mais que instruir seu próximo ou seu irmão, dizendo: "Conhecei a Yhwh!" Porque todos me conhecerão, dos menores aos maiores, — oráculo de Yhwh — porque vou perdoar sua culpa e não me lembrarei mais de seu pecado. Estes versículos de Jeremias são os mais citados do Antigo testamento, no Novo Testamento! Merecem explicação. Por enquanto, basta destacar os elementos desta profecia tão importante: - A promessa de uma Aliança Nova, - Superando a antiga pela sua interioridade a partir de uma ação divina imediata: “a lei escrita no coração”. - A realização da profecia da pertença mútua entre Deus e o povo. - O conhecimento de Deus por cada um, - Por causa da experiência do perdão do pecado e da superação da lembrança deste por parte de Deus. __________________________ Se esta profecia de Jr 30-31 recebe tamanha importância, é porque inicia a revelação que irá se desenvolvendo ao longo de seis séculos e levará ao cumprimento destas Promessas messiânicas, na efusão de Pentecostes. É interessante situar este primeiro anúncio da Nova Aliança na cabeceira das promessas sucessivas. Eis, brevemente, as mais importantes contribuições: Ez 36,26-28: 26“Dar-vos-ei um coração novo, porei no vosso íntimo um espírito novo, tirarei do vosso peito o coração 27 de pedra e vos darei um coração de carne. Porei no vosso íntimo o meu espírito e farei com que andeis de acordo 28 com os meus estatutos e guardeis as minhas normas e as pratiqueis. Então habitareis na terra que dei a vossos pais: sereis o meu povo e eu serei o vosso Deus”. 26 “SER PROFETA, QUANDO DÁ MEIA-NOITE?” - Retiro Presbiteral com JEREMIAS, Julho de 2015 Muito mais profundamente do que Jeremias, Ezequiel desenvolve como esta ação interior do Espírito de Deus consistirá em “escrever a Lei” “dentro dos corações”: substituindo um “de pedra” por um “de carne”! Mas Ezequiel não se limita a anunciar uma ação, afirma também a habitação do Espírito divino no coração humano. Ele é que tornará possível o cumprimento da “Lei escrita” no coração e as consequências tão desejadas: a terra e a pertença mútua já evocadas por Jeremias. Is 61, 1: 1“O espírito do Senhor Iahweh está sobre mim, porque Iahweh me ungiu; enviou-me a anunciar a boa nova aos pobres, a curar os quebrantados de coração e proclamar a liberdade aos cativos, a libertação aos que estão 2 presos, a proclamar um ano aceitável a Iahweh e um dia de vingança do nosso Deus, a fim de consolar todos os 3 enlutados (a fim de pôr aos enlutados de Sião...), a fim de dar-lhes um diadema em lugar de cinza e óleo de alegria em lugar de luto, uma veste festiva em lugar de um espírito abatido.” Isaías identifica o Messias pela permanência do Espírito do Senhor Yhwh: Presença comparada a uma unção que penetra e não mais sai, e que capacita para missões novas de anúncio, de cura e de libertação, típicas de Deus. Por isso mesmo, em Lc 4,16-22, na sinagoga de Nazaré, Jesus apropriando-se esta profecia de Isaias, revela a presença constante do Espírito repousando sobre ele, ungindo-o e capacitando-o para a Missão. O Espírito aparece como Amor infinito envolvendo o Messias para realizar as promessas messiânicas em sua pessoa. Jo 17,24-26: 24 “Pai, aqueles que me deste quero que, onde eu estou, também eles estejam comigo, para que 25 contemplem minha glória, que me deste, porque me amaste antes da fundação do mundo. Pai justo, o mundo não 26 te conheceu, mas eu te conheci e estes reconheceram que tu me enviaste. Eu lhes dei a conhecer o teu nome e lhes darei a conhecê-lo, a fim de que o amor com que me amaste esteja neles e eu neles”. No final de sua Oração ao Pai, Jesus encerra com o pedido supremo: “Que os seus discípulos estejam com ele (...) e que o mesmo Amor com o qual ele próprio foi amado também esteja neles!” Jesus retoma assim a profecia de Ezequiel relativa à habitação do Espírito e dele mesmo, nos corações dos fiéis. Estes “conhecerão” a Deus, de maneira nova! At 2, 16-17: 16“O que está acontecendo é o que foi dito por intermédio do profeta:17Sucederá nos últimos dias, diz o Senhor, que derramarei do meu Espírito sobre toda carne. Vossos filhos e vossas filhas profetizarão, vossos jovens 18 terão visões e vossos velhos sonharão. Sim, sobre meus servos e minhas servas derramarei do meu Espírito”. No Pentecostes, Pedro interpreta os sinais a partir de uma profecia de Joel. Manifesta o pleno cumprimento das promessas, em consonância com o pedido de Jesus ao Pai. Este derrama sobre a assembleia dos discípulos o seu Espirito prometido para fazer deles filhos, novos profetas. O resto do Livro dos Atos ajuda a perceber que este Espírito não é apenas uma força que capacita para falar e mover para onde Ele quer. É realmente uma Pessoa divina que repousa sobre a Igreja, como repousou sobre o Filho bemamado no cumprimento da Obra da Salvação. Doravante, o Espírito leva à plenitude a Obra de Jesus na santificação dos discípulos que se entregam a Ele... Resumindo: “... O amor de Deus foi derramado em nossos corações pelo Espírito Santo que nos foi dado.” (Rom 5, 5). A “Nova Aliança” evocada por Jeremias é fruto desta interiorização da Nova Lei. Assim como existe uma Lei exterior escrita em tábuas de pedra, existe também uma Lei interior. Existe também uma liberdade exterior (ausência de correntes) e uma liberdade interior (gosto pelo bem)! É obra do Espírito Santo: O “Digitus Dei / Dedo de Deus” escreve em nós a Lei divina. Esta Nova Lei que vigora a partir de Pentecostes é, segundo São Tomás de Aquino, a própria presença em nós do Espírito que suscita a caridade em nossos corações. O Livro de Jeremias nos fez presenciar toda esta Obra interior! A Caridade é “plenitude da Lei”, segundo Paulo (Rom 13,10). Pois, ela não significa de jeito nenhum a “abolição” da Lei antiga, mas a “interiorização” dela. Como as Bem-aventuranças em relação à Lei dos mandamentos. Cumpre-se assim a oração de Jesus em favor dos seus discípulos: “Pai, (...) que o amor com que me amaste esteja neles e eu neles” (Jo 17, 26). Este amor de caridade é o fruto da uma presença nova: Jesus fala: “Eu neles”. Esta é a Vida nova jorrando da nascente, não de uma cisterna, “Vida no Espírito Santo”, ou seja, no Amor que desce do Pai e que volta ao Pai. 27 Jeremias já deixou entender que, deste Amor devia brotar em nós um “novo conhecimento de Deus” (v.34). Não é mais apenas por “ter ouvido falar”, mas por experiência pessoal. A mesma oração de Jesus (em Jo 17, 26) retoma a formulação de Jeremias: “Pai, eu lhes dei a conhecer o teu Nome, e lhes darei a conhecê-lo, a fim de que o amor com que me amaste esteja neles e eu neles.” Esta é a condição do novo Povo de Deus: conhecer como o Filho conhece para amar sempre mais, como o Filho ama, no Espírito Santo! São Tomas de Aquino fala primeiro da Missão do Verbo para viver entre nós: ela não nos traz um simples conhecimento intelectual ou modelo de vida. A esta, sucede a Missão do Espírito pela efusão sobre a Igreja. Pois, Cristo é o “Verbum spirans Amorem / Verbo soprando o Amor” que é enviado em nós e derrama o Espírito Santo! Reflexões para Padres: Viver o Ministério no Espírito? Jeremias é anunciador de uma extraordinária uma boa nova para nós Padres: a) Existe um termo à dominação da “tríade” e da incoerência do materialismo prático que invade a vida mundana, eclesial e presbiteral! Existe um convite de Deus a “voltar” pessoalmente deste exílio que nos priva da nossa identidade verdadeira e da nossa alegria! b) Existe também um chefe, Jesus, o Sacerdote verdadeiro, que “se aproxima” diante de Deus em nosso nome. Santo Agostinho comenta: “Cristo ora por nós como nosso Sacerdote; ora em nós como nossa Cabeça; é orado por nós como nosso Deus. Reconhecemos, portanto, nele a nossa voz, e em nós a sua voz” (Enarratio in Psalmum, 85; CCL 39, 1176). Cabe a nós, padres, apoiar-nos nele para cumprir a nossa caminhada pessoal e ministerial. Encarnamos este Sacerdócio de Jesus Cristo para os demais, através do nosso ministério sacerdotal: Jesus abre para os Irmãos e Irmãs a sua plena participação ao Amor do Pai que é o Espírito Santo vivo, amando e agindo neles. O nosso compromisso de oração, de intercessão e de adoração em nome do povo não é uma missão de pouca importância. Toda celebração da Eucaristia é o nosso maior serviço oferecido a Deus e ao mundo! Mesmo quando acontece na intimidade de uma humilde comunidade, ou até na falta do povo, guarda todo o seu valor, pois, sempre envolve toda a Igreja e a humanidade. Será que damos toda a importância a esta dimensão trinitária da nossa liturgia, especialmente eucarística? Ou nos conformamos com uma “celebração monoteísta” que não revela a presença das três Pessoas da Santíssima Trindade no Mistério litúrgico? Ou realizamos apenas “celebrações-shows” que só refletem a nós mesmos? c) “O nosso Deus é o Deus do coração humano” (São Francisco de Sales). Acompanhar uma pessoa pelo itinerário do arrependimento até a recepção do perdão de Deus não é menos do que fazê-la voltar do cativeiro para a Cidade Santa. Os passos devem ser ensinados para ajudar a pessoa a corresponder melhor à graça divina que age nela. Aos poucos, aparece exteriormente como o Espírito “liberta a liberdade humana” (São João Paulo II) que permanecia cativa. Do mais íntimo do coração, com muita força, mas sem violência alguma, o Espírito a faz abrir-se para Ele, se entregar e entrar em comunhão. Este ministério do acompanhamento espiritual merece uma grande atenção e dedicação. Faz do Padre o “jardineiro de Deus”! d) Sair da antiga superficialidade e da falsidade para acolher a novidade de vida é a graça essencial. Quem se abandona de verdade, descobre estas iniciativas imprevistas pelas quais o Seu Amor nos conduz, atraindo-nos e nos tornando semelhantes a Ele pelo amor. A nossa obediência faz-nos abraçar horizontes e planos infinitamente mais amplos do que os nossos. Ela nos dilata. A Caridade é a nossa plena correspondência à habitação do Espírito Santo. Faz-nos amar divinamente e implanta em nós as Bem-aventuranças. Será que cultivamos cotidianamente a Caridade para deixar o Espírito reinar e agir em nós, conosco e por nós, jamais sem nós? Ou, tantas atitudes e ações da nossa vida ou do nosso ministério são apenas um “eco” da antiga presença dele, antigamente? e) O nosso ministério presbiteral é profético? É animado pelo “VERBO que sopra o AMOR”? Somos as Testemunhas do “Mundo real, presente e vindouro” anunciado pelas Bem-aventuranças? A Esperança está presente em nossas pregações? As nossas conversas ajudam o nosso povo a superar o materialismo pela Esperança? Que espaço dedicamos à Vida Eterna e ao Reino definitivo em nossas homlias? 28 “SER PROFETA, QUANDO DÁ MEIA-NOITE?” - Retiro Presbiteral com JEREMIAS, Julho de 2015 Palestra 8: A ECCLESIA em Missão em Éfeso Atos dos Apóstolos 19-20 Em Éfeso, encontramos o nosso mundo terrivelmente ferido pelo materialismo. Que sentido pode ter o nosso ministério de Anunciadores da Boa Notícia do Reino de Deus? Até onde nos leva esta Aliança no Espírito Santo anunciada por Jeremias? Atos dos Apóstolos, 19 Os joanitas de Éfeso — 1Enquanto Apolo estava em Corinto, Paulo, depois de ter atravessado o planalto, chegou a Éfeso. Ali encontrou alguns discípulos 2e perguntou-lhes "Recebestes o Espírito Santo quando abraçastes a fé?" Eles responderam: "Mas nem ouvimos dizer que haja um Espírito Santo". 3E ele: "Em que batismo fostes então batizados?" E responderam: "No batismo de João". 4Paulo então explicou: "João batizou com um batismo de arrependimento, dizendo ao povo que cresse naquele que viria após ele, a saber, em Jesus". 5 Tendo ouvido isto, receberam o batismo em nome do Senhor Jesus. 6E quando Paulo lhes impôs as mãos, o Espírito Santo veio sobre eles: puseram-se então a falar em línguas e a profetizar. 7Eram, ao todo, cerca de doze homens. Fundação da igreja de Éfeso — 8Paulo foi à sinagoga onde, durante três meses, falou com intrepidez, expondo e tentando persuadir sobre o Reino de Deus. 9Alguns, porém, empedernidos e incrédulos, falavam mal do Caminho diante da assembleia. Afastou-se, então, deles e tomou à parte os discípulos, com os quais entretinhase diariamente na escola de Tiranos. 10Isto prolongou-se pelo espaço de dois anos, de sorte que todos os habitantes da Ásia, judeus e gregos, puderam ouvir a palavra do Senhor. Os exorcistas judeus — 11Entretanto, pelas mãos de Paulo, Deus operava milagres não comuns. 12Bastava, por exemplo, que sobre os enfermos se aplicassem lenços e aventais que houvessem tocado seu corpo: afastavam- se deles as doenças, e os espíritos maus saíam. 13Então, alguns dos exorcistas judeus ambulantes começaram a pronunciar, eles também, o nome do Senhor Jesus, sobre os que tinham espíritos maus. E diziam: "Eu vos conjuro por Jesus, a quem Paulo proclama!" 14Quem fazia isto eram os sete filhos de certo Sceva, um sumo sacerdote judeu. 15Mas o espírito mau replicou-lhes: "A Jesus eu conheço; e Paulo, sei quem é. Vós, porém, quem sois?" 16E, investindo contra eles, o homem, no qual estava o espírito mau, dominou a uns e outros, e de tal modo os maltratou que, desnudos e feridos, tiveram de fugir daquela casa. 17O fato chegou ao conhecimento de todos os judeus e gregos que moram em Éfeso. A todos sobreveio o temor, e o nome do Senhor Jesus era engrandecido. 18Muitos dos que haviam abraçado a fé começaram a confessar e a declarar suas práticas. 19E grande número dos que haviam exercido a magia traziam seus livros e os queimavam à vista de todos. Calculando-se o seu preço, acharam que seu valor chegava a cinquenta mil peças de prata. 20Assim, a palavra do Senhor crescia e se firmava poderosamente. Projetos de Paulo — 21Quando se completaram essas coisas, Paulo tomou a resolução de dirigir-se a Jerusalém, passando antes pela Macedônia e a Acaia. E dizia: "Depois de lá chegar, é preciso igualmente que eu veja Roma". 22Enviou, então, à Macedônia dois de seus auxiliares, Timóteo e Erasto, enquanto ele próprio permanecia ainda algum tempo na Ásia. Em Éfeso. O motim dos ourives — 23Por essa ocasião, houve um tumulto bastante grave a respeito do Caminho. 24 Certo Demétrio, que era ourives, era fabricante de nichos de Ártemis, em prata, proporcionando aos artesãos não pouco lucro. 25Tendo-os reunido, bem como a outros que trabalhavam no mesmo ramo, disse: "Amigos, sabeis que é deste ganho que provém o nosso bem-estar. 26Entretanto, vedes e ouvis que não somente em Éfeso, mas em quase toda a Ásia, este Paulo tem desencaminhado, com suas persuasões, uma multidão considerável: pois diz que não são deuses os que são feitos por mãos humanas. 27Isto não só traz o perigo de a nossa profissão cair em descrédito, mas também o próprio templo da grande deusa Ártemis perderá todo o seu prestígio, sendo logo despojada de sua majestade aquela que toda a Ásia e o mundo veneram". 28Ouvindo isto, ficaram cheios de furor e puseram-se a gritar: "Grande é a Ártemis dos efésios!" 29A cidade foi tomada de confusão, e todos à uma se precipitaram para o teatro, arrastando consigo os macedônios Gaio e Aristarco, companheiros de viagem de Paulo. 30Este queria enfrentar o povo, mas os discípulos não lho permitiram. 31Também alguns dos asiarcas, seus amigos, mandaram rogar-lhe que não se expusesse, indo ao teatro. 32Uns gritavam uma coisa, outros outra. A assembleia estava totalmente confusa, e a maior parte nem sabia por que motivo estavam reunidos. 33Alguns da multidão persuadiram a Alexandre, e os judeus fizeram-no ir para a frente. De fato, fazendo sinal com a mão, Alexandre quis dar uma explicação ao povo. 34Quando, porém, reconheceram que era judeu, uma voz fez-se ouvir da parte de todos, gritando por quase duas horas: "É grande a Ártemis dos efésios!" 35Acalmando, afinal, a multidão, o escrivão da cidade assim falou: "Cidadãos de Éfeso! Quem há, dentre os homens, que não saiba que a cidade de Éfeso é a guardiã do templo da grande Ártemis e de sua estátua caída do céu? 36Sendo indubitáveis estas coisas, é preciso que vos porteis calmamente e nada façais de precipitado. 37Trouxestes aqui estes homens: não são culpados de sacrilégio, nem de blasfêmia, contra a nossa deusa. 38Se, pois, Demétrio e os artesãos que estão com ele têm alguma coisa contra alguém, há audiências e há procônsules: que apresentem queixa! 39E se tiverdes ainda outras questões além desta, serão resolvidas em assembleias regulares. 40De mais a mais, estamos correndo o risco de ser acusados de sedição pelo que hoje aconteceu, não havendo causa alguma que possamos alegar, para justificar esta aglomeração". Com estas palavras, pois, dissolveu a assembleia. 29 A superação do materialismo religioso Como a novidade do Evangelho pode ser acolhida pelos cidadãos de Éfeso? Como anunciar o Evangelho e a Vida no Espírito numa situação desta em que o materialismo domina? O Evangelho encontra em Éfeso quatro categorias de pessoas e crenças: Diante da irrupção tranquila de Cristo, quatro atitudes religiosas se manifestam. 1) Os discípulos de João Batista, parecidos - mutatis mudandis – se parecem com os melhores atenienses. Vivenciam uma fé com ritos religiosos que os deixam “na espera”. Paulo lhes traz “aquele que viria após João, a saber, Jesus”! Os “joanitas” representam os judeus em sua mais bela autenticidade: quando a fé na Aliança não diminuiu, e que a Esperança deixa ser surpreendida pela “novidade” de Deus! Estes discípulos do Batista representam a sede humana encontrando a sua fonte! 2) Os Judeus ficam presos pelos seus exorcismos. “Fazedores de milagres”, pretendem ser donos de uma chave, e vivem procurando poderes sagrados. O povo sempre os correrá atrás deles! Mas eles devem se renovar constantemente: Descobrir novos “nomes”, apossar-se de novas chaves que abram novas portas. Por isso, só enxergam no Nome de Jesus mais uma chave mágica que, talvez, oferecer novos poderes sagrados que sua fé não traz. Afirmam ser judeus, mas na “capital da magia e do paganismo”, reduziram sua fé a mais uma magia. Limitam-se a correr atrás de milagres, jamais compreendidos como sinais do Reino de Deus anunciado... Sua religiosidade se limita a uma busca de superioridade sobre os demais, em vista de um interesse pessoal. Na realidade, são crentes que se tornaram autênticos materialistas, pagãos disfarçados. 3) Os pagãos do “sindicato dos produtores-vendedores do sagrado”. São escravos de sua profissão e de sua busca do bem-estar. Pois, na realidade, são adoradores do seu dinheiro! Em toda novidade, só enxergam uma provável concorrência. Diante desta, procuram salvar sua deusa Ártemis mas é para salvar a si mesmos! Só investem na “conservação da instituição”, pois é ela que os sustenta. 4) Outro tipo de pagãos transparece na figura do Chanceler: Assim como alguns atenienses, pelo seu senso da verdade, compreenderam os limites do materialismo religioso (At 16,34), este homem parece sentir que a irrupção de Cristo não é um concorrente de “Ártemis”. Diante do anêmico empenho que mostra em defender a deusa da cidade, é permitido perguntar: Será que este Chanceler percebeu que a autêntica “imagem caída do céu” pode ser Cristo anunciado por Paulo, e não a Ártemis dos Efésios? Que Paulo estava trazendo a resposta de Deus aos anseios humanos, ao fazer-nos encontrar o verdadeiro Rosto de Deus? Como os antigos magos, ela poderia chegar a confessar a transcendência da fé cristã! Mas isso não aconteceu no Chanceler de Éfeso. Provavelmente, outros interesses predominaram... Calado num silêncio cumplice, este Chanceler se parece com Pilatos de quem repete a sentência. Abafa a sua consciência, abdica de sua responsabilidade e deixa a multidão decidir. Reflexões para Padres: A nova Éfeso está entre nós! 1) A sociedade de consumo não preenche o coração humano. Muitas buscas espirituais de sentido (a proliferação das seitas) ou não espirituais (o fenômeno das drogas) manifestam esta sede que não é saciada pela cultura pós-moderna. E muitos gestos religiosos que continuam sendo praticados pelas pessoas ou nas famílias pedem para encontrar a plenitude que Jesus traz pela oferta da Vida Nova e do Reino. “O nosso Deus é infinitamente jovem, comentou o Papa São João Paulo II. Pois, ultrapassa infinitamente as nossas expectativas pelas iniciativas sempre novas do Seu Amor!” (aos Jovens, em Budapest, agosto de 1991). Seria desejável despertar em nas pessoas esta expectativa da manifestação do Espírito que gera a docilidade constatada nos discípulos efésios de João Batista. Isso exige entrar numa autêntica “Vida no Espírito”, na confiança que Jesus está nos arrastando para um discipulado infinitamente mais feliz do que o seguimento a qualquer “Ártemis”. É para a divinização que Ele nos chama! Esta acontece pela transformação mais profunda do nosso ser: “Pensar como Jesus pensou, viver como Jesus vivia, amar como Jesus amava...” Pois, Deus é Amor. E é pelo amor que temos parte nele e nos tornamos semelhantes a Ele. 2) Os “charlatões exorcistas” somos nós, quando usamos da nossa autoridade - feita para libertar - para fortalecer a nossa “posição superiora”. Isso nos leva a pastorear as pessoas de tal maneira que precisem cada vez mais do nosso ministério para serem libertadas de diminuições físio ou psicológicas. Aí, precisamos encontrar sempre 30 “SER PROFETA, QUANDO DÁ MEIA-NOITE?” - Retiro Presbiteral com JEREMIAS, Julho de 2015 novos meios para libertar e curar, de maneira que o nosso ministério sempre apareça vital aos olhos das pessoas que atraímos. Esta forma de viver o ministério perpetua a dependência! “É para a liberdade que Cristo nos libertou. Permanecei firmes, portanto, e não vos deixeis prender de novo ao jugo da escravidão” (Gal 5,1). A liberdade que Cristo nos dá - e que oferecemos pelo nosso ministério ultrapassa as limitações físio ou psicológicas que afligem tantas pessoas. O Reino de Deus em nós é muito mais do que as nossas limitações! Manifesta-se na confiança perseverante na Misericórdia de Deus. Deus conhece mais do que nós as nossas limitações e das pessoas. Não se deixa indignar por elas. Mas, compadecendo-se, Ele nos arrasta acima delas. Um exercício mais puro deste Ministério poderia trazer um preenchimento infinitamente maior! Se, diante dos sofrimentos do próximo, passássemos de uma "Pastoral do Milagre" para uma autêntica oferta da Misericórdia! “A Igreja tem a missão de anunciar a misericórdia de Deus, coração pulsante do Evangelho, que por meio dela deve chegar ao coração e à mente de cada pessoa... No nosso tempo em que a Igreja está comprometida na Nova Evangelização, o tema da misericórdia exige ser proposto com novo entusiasmo e uma ação pastoral renovada. É determinante para a credibilidade do seu anúncio que viva e testemunhe, ela mesma, a misericórdia.” (Papa FRANCISCO, Vultus Misericordiae, n. 12). 3) Os “comerciantes do sagrado”. Eles não se encontram apenas no meio dos pagãos. Alguns entre nós chegam a reduzir sua fé e sua vida eclesial a esta dimensão. Quando só vêm na situação atual da Igreja a de um navio que está afundando e que precisa ser salvo a qualquer custo. Para salvar a si mesmo, salvando a própria função social. Cf. Evangelii Gaudium. Somos nós quando, mesmo sendo “ministros do Espírito”, toleramos ou até alimentamos nas pessoas a saudade da escravidão materialista, mais fácil de praticar do que a fé em Jesus. "Alguns dias atrás, um grande artista italiano, disse que para Deus era mais fácil tirar os hebreus do Egito do que tirar o Egito do coração dos hebreus! Sim, eles tinham sido libertados "materialmente" da escravidão, mas durante a caminhada no deserto, com todas as dificuldades e com a fome, começaram a sentir a saudade do Egito e se lembrar quando "comiam... cebolas e alho" (cf. Ex 11,5). Mas esqueciam-se, porém que comiam à mesa dos escravos. Em nosso coração, se introduz a saudade da escravidão: esta parece mais segura do que a liberdade, que é muito arriscada. Como nós gostamos de ficar presos dentro de muitos “fogos de artifício”, bonitos na aparência, mas que em realidade duram pouco tempo! Isto é o reino, o fascínio do instante! (Papa Francisco, Homilia, 31/12/2014). A doação da vida na gratuidade contemplada em Cristo é o que queremos vivenciar e anunciar às pessoas sedentas de seguir a Cristo. Seria preciso mergulhar no “Testamento de Paulo” (o discurso aos Anciãos de Éfeso em At 20, 17-38), para escutar bater o coração deste Apóstolo. Encontra-se nele uma expressão genuína da “Irrupção de Cristo”: Um ministério “do Evangelho e da Graça de Jesus Cristo” encarnado em total doação na maior gratuidade, longe das figuras mentirosas, amputadas ou caricaturais que ainda se encontram em nós e ao nosso redor, incapazes de levar a Cristo! O esforço colossal realizado por Paulo, além das suas inumeráveis atividades, para levantar uma “Escola da Palavra”, aberta todos os dias na casa de Tiranos (At 19,9) ilustra bem a sua Caridade Pastoral sem medida. Antes que a uma "liturgia da fumaça" ou uma "espiritualidade dos panos" que procuram encher os olhos e os ouvidos como num show mundano, dediquemos esforços em saciar a incrível sede dos nossos fiéis. Procurando oferecer o sentido espiritual de toda celebração litúrgica, o Padre abre uma "Escola de Vida no Espírito"! Aí, ensinam-se as atitudes profundas de conversão, de escuta da Palavra, da comunhão com Cristo, e da ação de graças Nesta "escola", crescem cristãos que entraram para rezar, e saem para amar! 4) Lucas nos mostra assim uma grande diferença entre a religião pagã dos efésios e a fé da Igreja: O paganismo é uma religião de massa. O individuo se dissolve na massa gritando sem procurar muito compreender. Pelo contrário, na comunidade paulina, as pessoas não se aglomeram, nem se perdem na massa. Cada cristão vive para o Senhor, numa dilatação que o mundo não conhece. O Missionário aparece então como um “barqueiro” que faz passar os clandestinos de um reino da opressão para outro reino onde vigoram a verdade e o amor. De uma maneira bem diferente do Titanic, o barquinho é capaz de levar os foragidos até a Vida Nova! Reler nesta ótica a Carta aos Efésios traz muita luz sobre a Obra Evangelizadora confiada ao nosso ministério: “Seguindo a verdade e o amor, ... não andeis mais como andam os demais gentios, na futilidade dos seus pensamentos, 18com entendimento entenebrecido, alienados da vida de Deus pela sua ignorância e pela dureza dos seus corações. 19Tendo-se tornado insensíveis, entregaram-se à dissolução para praticarem avidamente toda sorte de impureza. 20Vós, porém, não aprendestes assim a Cristo, 21se realmente o ouvistes e, como é a verdade em Jesus, nele fostes ensinados 22a remover o vosso modo de vida anterior — o homem velho, que se corrompe ao sabor das concupiscências enganosas — 23e a renovar-vos pela transformação espiritual da vossa mente, 24e revestir-vos do Homem Novo, criado segundo Deus, na justiça e santidade da verdade.” (Ef, cap.4). 31 Anexo: Homilia de Ordenação de 19 novos Padres, pelo PAPA FRANCISCO Caríssimos Irmãos! Estes nossos filhos foram chamados à Ordem do presbiterado. Seria bom se meditássemos um pouco sobre o ministério ao qual serão elevados na Igreja. Como bem sabeis, o Senhor Jesus é o único Sumo Sacerdote do Novo Testamento, mas nele também todo o santo povo de Deus foi constituído como povo sacerdotal. Todos nós! Não obstante, entre todos os seus discípulos, o Senhor Jesus quer escolher alguns de modo particular a fim de que, exercendo publicamente na Igreja em Seu nome o ofício presbiteral a favor de todos os homens, dessem continuidade à Sua missão pessoal de Mestre, Sacerdote e Pastor. Com efeito, do mesmo modo como para isto Ele tinha sido enviado pelo Pai, assim também enviou por sua vez ao mundo primeiro os Apóstolos e sucessivamente os Bispos e os seus sucessores, aos quais foram por fim oferecidos como colaboradores os presbíteros que, unindo-se a eles no ministério sacerdotal, são chamados ao serviço do Povo de Deus. Eles meditaram sobre esta sua vocação e agora vieram para receber a Ordem dos presbíteros. E o Bispo arrisca — arrisca! — escolhendo-os, assim como o Pai arriscou em relação a cada um de nós. Efetivamente, eles serão configurados com Cristo, Sumo e Eterno Sacerdote, ou seja, serão consagrados como verdadeiros sacerdotes do Novo Testamento, e com este título, que no sacerdócio os une ao seu Bispo, serão pregadores do Evangelho, Pastores do Povo de Deus e presidirão aos gestos de culto, de maneira especial na celebração do sacrifício do Senhor. Quanto a vós, que estais prestes a ser promovidos à Ordem do presbiterado, considerai que exercendo o ministério da sagrada Doutrina sereis participantes na missão de Cristo, único Mestre. Dispensai a todos a Palavra de Deus, que vós mesmos recebestes com alegria. Lede e meditai assiduamente a Palavra do Senhor, para acreditar naquilo que já lestes, ensinar o que aprendestes na fé e viver quanto ensinastes. E este seja o alimento do Povo de Deus; que as vossas homilias não sejam fastidiosas; que as vossas homilias cheguem precisamente ao coração das pessoas, porque saem do vosso coração, porque quanto lhes dizeis é aquilo que vós mesmos tendes no coração. É assim que se comunica a Palavra de Deus, e é deste modo que a vossa doutrina será alegria e ajuda para os fiéis de Cristo; o perfume da vossa vida será o testemunho, uma vez que o exemplo edifica, mas as palavras sem um paradigma são vazias, são ideias que nunca chegam ao coração e até fazem mal: não fazem bem! Vós dareis continuidade à obra santificadora de Cristo. Mediante o vosso ministério, o sacrifício espiritual dos fiéis aperfeiçoa-se, porque permanece vinculado ao sacrifício de Cristo, que através das vossas mãos, em nome da Igreja inteira, é oferecido de modo incruento no altar, durante a celebração dos Santos Mistérios. Por conseguinte, quando vós celebrais a Missa reconhecei aquilo que fazeis. Não o façais de modo apressado! Imitai o que celebrais — não se trata de um rito artificial, de um ritual postiço — pois assim, participando no mistério da morte e ressurreição do Senhor, trazeis a morte de Cristo nos vossos membros e caminhais juntamente com Ele numa vida nova. Mediante o Batismo agregareis novos fiéis ao Povo de Deus. Nunca deveis rejeitar o Batismo a quem vo-lo pedir! Com o Sacramento da Penitência vós perdoareis os pecados em nome de Cristo e da Igreja. E eu, em nome do Senhor Jesus Cristo e da sua Esposa, a Santa Igreja, peço-vos que não vos canseis de ser misericordiosos. Vós estareis no confessionário para perdoar, não para condenar! Imitai o Pai, que jamais se cansa de perdoar. Através do Óleo santo, dareis alívio aos enfermos. Celebrando os ritos sagrados e elevando nas várias horas do dia a oração de louvor e de súplica, sereis a voz do Povo de Deus e da humanidade inteira. Conscientes de ter sido escolhidos entre os homens e constituídos a seu favor para atender as coisas de Deus, cumpri com alegria e caridade sincera a obra sacerdotal de Cristo, com a única intenção de agradar a Deus, e não a vós mesmos. É negativo quando um sacerdote vive para agradar a si mesmo e «se pavoneia»! Por fim, participando na missão de Cristo, Cabeça e Pastor, em comunhão filial com o vosso Bispo, comprometei-vos a unir os fiéis numa única família — sede ministros da unidade na Igreja, na família — a fim de conduzir para Deus Pai por meio de Cristo, no Espírito Santo. E tende sempre diante dos olhos o exemplo do bom Pastor, que não veio para ser servido, mas para servir; não para permanecer nas suas comodidades, mas para sair, procurar e salvar o que estava perdido. Homilia durante a Celebração de Ordenação Presbiteral de 19 padres, Roma, 26 de abril de 2015 http://w2.vatican.va/content/francesco/pt/homilies/2015/documents/papa-francesco_20150426_omelia-ordinazioni-sacerdotali.html 32 “SER PROFETA, QUANDO DÁ MEIA-NOITE?” - Retiro Presbiteral com JEREMIAS, Julho de 2015 Palestra 9: Seis dimensões do exercício do Ministério por São Paulo, em 1 Tess 1 – 3 As Confissões de Paulo Depois de seguir Paulo em sua missão em Éfeso, precisamos entrar no coração deste Ministro do Senhor! Para isso, usaremos os capítulos mais antigos do Novo Testamento. São como uma radiografia do “coração presbiteral”! Profeta – Pastor – Sacerdote – Sacerdócio dos fièis – Comunhão eclesial – Cruz na Missão I Tessalonicenses, 1 1. Paulo, Silvano e Timóteo, à Igreja dos tessalonicenses reunida em Deus Pai e no Senhor Jesus Cristo: para vós, graça e paz! 2. 3. Damos sempre graças a Deus por todos vós, lembrando-nos de vós em nossas orações. Continuamente, diante de nosso Deus e Pai, lembramo-nos da ação de vossa fé, do esforço de vosso amor e da constância de vossa esperança em nosso Senhor Jesus Cristo. 4. Sabemos, irmãos amados por Deus, que sois dos seus escolhidos, 5. pois o nosso anúncio do evangelho aconteceu entre vós não só com discurso, mas com poder, com Espírito Santo e com muita força de persuasão. Bem sabeis como ocorreu a nossa permanência entre vós, para o vosso bem. 6. Tanto assim que vos tornastes imitadores nossos e do Senhor, acolhendo a Palavra em meio a muita tribulação e, no entanto, com a alegria que vem do Espírito Santo. 7. Assim vos tornastes um modelo para todos os fiéis da Macedônia e da Acaia. 8. Na verdade, partindo de vós, a palavra do Senhor não ecoou somente na Macedônia e na Acaia, mas a vossa fé em Deus se propagou tão bem, por toda parte, que mais não precisamos falar. 9. Pois todos contam como fomos recebidos por vós e como, virando as costas aos ídolos, vos voltastes para o Deus vivo e verdadeiro e vos pusestes ao seu serviço, 10. na espera do seu Filho, Jesus, que ele ressuscitou dentre os mortos e que virá dos céus para nos arrancar da ira que vem vindo. I Tessalonicenses, 2 1. Irmãos, vós bem sabeis que a nossa chegada entre vós não foi sem fruto. 2. Pelo contrário: embora, pouco antes, tivéssemos sofrido maus tratos e ultrajes em Filipos, como é de vosso conhecimento, o nosso Deus nos deu coragem e segurança para vos anunciar seu evangelho, em meio a muitas lutas. 3. Pois a nossa exortação não vinha de ilusão ou más intenções, nem acompanhada de astúcia. 33 Profeta – Pastor – Sacerdote – Sacerdócio dos fièis – Comunhão eclesial - Cruz na Missão 4. Mas Deus nos examinou e aprovou para nos confiar o evangelho, e é assim que falamos, não para agradar a seres humanos, mas a Deus, que examina os nossos corações. 5. Aliás, sabeis muito bem que nunca bajulamos ninguém, nem fomos movidos por alguma ambição disfarçada — Deus é testemunha. 6. Também não buscamos glória humana, nem junto de vós nem junto de outros, 7. embora, como apóstolos de Cristo, pudéssemos fazer valer a nossa autoridade. Entretanto, nos tornamos pequenos no meio de vós. Imaginai uma mãe acalentando os seus filhinhos, 8. assim a nossa afeição por vós. Estávamos dispostos, não só a comunicar-vos o evangelho de Deus, mas a dar-vos nossa própria vida, tão caros vos tínheis tornado a nós! 9. Irmãos, certamente vos lembrais dos nossos trabalhos e fadigas. Foi trabalhando noite e dia, para não sermos pesados a nenhum de vós, que proclamamos entre vós o evangelho de Deus. 10. Vois sois testemunhas — e Deus também — de que sempre vos tratamos com religioso respeito, com justiça e com toda a distinção a vós que acreditais. 11. Sabeis também que, como um pai faz com seus filhos, 12. nós exortamos e encorajamos e apelamos a todos e a cada um de vós, para que leveis uma vida digna de Deus, que vos chama para o seu reino e glória. 13. Agradecemos a Deus sem cessar, porque, ao receberdes a palavra de Deus que ouvistes de nós, vós a recebestes não como palavra humana, mas como o que ela de fato é: palavra de Deus, que age em vós que acreditais. 14. De fato, irmãos, vos tornastes imitadores das Igrejas de Deus que vivem na Judéia no Cristo Jesus, pois vós também sofrestes da parte de vossos compatriotas o que elas sofreram da parte dos judeus ali. 15. Estes mataram o Senhor Jesus, como mataram os profetas e como também perseguiram a nós; não procuram agradar a Deus e são inimigos de todos. 16. Impedem-nos de pregar aos pagãos para que sejam salvos, e, assim, vão sempre completando a medida dos seus pecados. Mas a ira de Deus está prestes a cair sobre eles. 17. Quanto a nós, irmãos, longe de vós por pouco tempo — longe da vista, não do coração —, redobramos os esforços para ir ver-vos, pois estávamos com muita saudade. 18. Sim, quisemos fazer-vos uma visita — eu, Paulo —, por mais de uma vez, mas Satanás nos impediu. 19. 20. Na verdade, qual é a nossa esperança, a nossa alegria ou a nossa coroa de glória diante de nosso Senhor Jesus, no dia da sua vinda, a não ser vós? Sem dúvida, vós sois a nossa glória e a nossa alegria. 34 “SER PROFETA, QUANDO DÁ MEIA-NOITE?” - Retiro Presbiteral com JEREMIAS, Julho de 2015 I Tessalonicenses, 3 Profeta – Pastor – Sacerdote – Sacerdócio dos fièis – Comunhão eclesial – Cruz na Missão 1. Afinal, não mais suportando a falta de notícias vossas, resolvemos ficar sozinhos em Atenas, 2. e enviamos Timóteo, irmão nosso e colaborador de Deus na pregação do evangelho de Cristo, para vos confirmar e encorajar na vossa fé. 3. E isto, para que ninguém fique abalado em meio às tribulações presentes. Aliás, vós mesmos sabeis que somos destinados a esses sofrimentos 4. e, quando estávamos entre vós, vos predizíamos que iríamos ter dificuldades, como de fato aconteceu, bem o sabeis. 5. É por isso que, não mais suportando a demora, mandei colher notícias da vossa fé, receando que o Tentador vos tivesse tentado e que o nosso trabalho tivesse sido em vão. 6. Agora, Timóteo acaba de chegar daí, da vossa comunidade, trazendo boas novas sobre vossa fé e vosso amor, e dizendo também que guardais sempre de nós uma boa lembrança e que tendes um vivo desejo de nos rever, do mesmo modo que nós desejamos muito rever-vos. 7. Assim, irmãos, em razão da vossa fé, ficamos reconfortados a vosso respeito, em toda a nossa angústia e tribulação. 8. Agora revivemos, já que estais firmes no Senhor. 9. Como poderíamos agradecer a Deus, a vosso respeito, por toda a alegria que por causa de vós experimentamos diante do nosso Deus? 10. Noite e dia pedimos-lhe, com toda a insistência, nos seja dado ver novamente vossos rostos e poder completar o que ainda falta à vossa fé. 11. Queira o próprio Deus, nosso Pai, e nosso Senhor Jesus, facilitar o nosso caminho até vós. 12. Quanto a vós, o Senhor vos faça crescer abundantemente no amor de uns para com os outros e para com todos, à semelhança de nosso amor para convosco. 13. Que ele confirme os vossos corações numa santidade irrepreensível, diante de Deus, nosso Pai, por ocasião da vinda do nosso Senhor Jesus, com todos os seus santos. 35 As seis dimensões do Ministério de Paulo a serviço do REINO, em 1 Tess 1-3: CRISTO reina em nossa vida de ministros, através do Mistério Pascal. O nosso “ministério ordenado” é tão complexo que faz-nos abraçar as funções de Cristo Sacerdote, Profeta e Pastor. Diante das “Confissões de Paulo”, somos perguntados sobre a nossa maneira de acolher e vivenciar as dimensões deste “ministério” O maior risco atual é o de fragmentalizá-lo, favorecendo uma dimensão e menosprezando outra! Vale a pena se debruçar sobre estas “Confissões de Paulo” para verificar que, também nós, damos a devida importância a cada uma das dimensões É importante também verificar que a nossa vida ministerial está realmente alicerçada sobre o mesmo fundamento do que a vida de Paulo! PAULO Sacerdote A Dimensão Sacerdotal coloca Paulo como representante dos seus irmãos diante de Deus. A toda hora, Ele se faz, ao mesmo tempo, a Voz da ação de graças e a da suplicação das comunidades: Olhando para o passado, Paulo vive sobretudo numa atitude de ação de graças por tantos benefícios recebidos na Salvação que ele vê se espalhar entre os Irmãos. Olhando para o futuro, ele suplica com insistência para que todos estes dons divinos descidos nos corações não se percam, mas crescam. A tela de fundo desta dimensão sacerdotal de Paulo não é explicita nestes três capítulos. Mas é implícita: A oferta que Cristo Sacerdote fez de Si no Mistério Pascal, para a Sua Igreja. É este Mistério invisível que sustenta toda a fé, a ação de graças, a súplica e o agir de Paulo. Revela-lhe o sentido, o “por quê” e o “para quê” das tantas graças e muitas dificuldades encontradas na caminhada das Comunidades. Com Cristo, Paulo está ciente de ser unido a este Sacerdócio de Jesus. Ele consente e assume. CRISTO-Sacerdote reina em Paulo. PAULO Profeta A Dimensão profética: Paulo está ciente de que não está falando por si mesmo, nem para si mesmo. É apenas um mensageiro desapropriado. Foi-lhe confiado algo que supera tudo: comunicar a “boa Nova de Deus” a toda pessoa e às massas de gente que Deus quer salvar. Nessas multidões encontradas, Paulo tem consciência de que o próprio Deus está trabalhando pelo Espírito Santo para suscitar a fé: pois, os fiéis “acreditam” em Deus e não Paulo. Mesmo se ao mensageiro, o trabalho não é poupado! Apelando a todos e a cada um, Paulo manifesta que não basta falar. Sempre procura conformar sua vida às suas palavras, rejeitando as atitudes humanas de vaidade ou inspiradas por outras motivações de interesse pessoal. Por isso, ele vive como um livro aberto diante de Deus e dos homens. Deus o examinou e aprovou! Os tessalonicenses “bem sabem disso”. Nesta dimensão profética, sua referência não é indicada, mas ”Deus é testemunha” de que Paulo não está traindo. Claramente, não quer outra referência a não ser Jesus, a testemunha do Pai: Jesus Se desapegou de tudo que tinha para revelar o Pai. Paulo não pode imaginar outro modelo. Este desapego integral na dimensão profetica não é uma dimensão secondária. Paulo não desmerecerá a confiança que lhe foi dada!... PAULO Pastor A Dimensão Pastoral: Interessantes são as duas únicas comparações que Paulo dá para ilustrar a dimensão pastoral do seu ministério: “Imaginai uma mãe”, e “como um pai faz com seus filhos”, “afeição” e “carinho”. Parece que Paulo não encontrou no mundo criado alguma ilustração mais fiel do que estas duas comparações para expressar o Amor salvífico de Deus-Pastor. Para Paulo, “ser pastor” é doar não somente o Evangelho, mas doar a sua vida! Esta dimensão da autoridade, que Paulo não recusa, ele quer vivenciá-la no sentido mais puro e positivo: aumentar, “completar o que anda falta à vossa fé”. Onde Paulo encontrou uma referência para ser pastor? Não tem hesitação! Só no Cristo crucificado pelas ovelhas, Paulo viu o bom Pastor e Rei. A imitação deste começa “não pela espada, mas pela Unção”! Pela escolha da humildade na autoridade, pela ternura no relacionamento, pelo serviço na liderança, pela autenticidade da dedicação. Ela leva até a doação total de si a CRISTO-Pastor da Igreja. 36 “SER PROFETA, QUANDO DÁ MEIA-NOITE?” - Retiro Presbiteral com JEREMIAS, Julho de 2015 A Cruz de PAULO Existem muitos nomes para falar da Cruz do Apóstolo, tão são múltiplas as formas do sofrimento físico ou moral que o ministério acarreta. Ser apóstolo de Cristo é começar a sofrer! Alguns sofrimentos são herança da nossa natureza pouco inclinada ao esforço: “trabalhos noite e dia, fadigas, demoras, dificuldades e angústias”. Outros sofrimentos vêm sem precisar usar de máscara, impostos por adversários: “muitas lutas, maus tratos e ultrajes” capazes de “abalar”. De vez enquanto enfim, a feiura de uma carreta se deixa reconhecer: Satanás! Às vezes, parece que o Absurdo esteja reinando mais do que CRISTO! Paulo sabe, porém, a quem deu a sua fé: O Deus a quem serve é aquele que tem coragem e segurança de sobra para os seus mensageiros nas muitas lutas. De novo, Paulo deixa entrever o Mistério Pascal que sustenta a sua vida, de maneira escondida, mas bem real. O Mistério Pascal é o caminho do REINO. Somos-lhe destinados! Paulo pode até predizê-lo sem medo de enganar aos irmãos. Mas ele também sabe que este Mistério deixa em nós a sua marca última: “a alegria que vem do Espírito Santo”. Da Cruz, sobe-se para o REINO! PAULO e o Sacerdócio dos fiéis Paulo encontra maravilhas! A cada passo, as comunidades lhe revelam tudo o que a natureza humana é capaz de se tornar quando Cristo reina nelas: “a ação de vossa fé, o esforço de vosso amor e a constância de vossa esperança em nosso Senhor Jesus Cristo”! Foi apenas preciso que Deus chamasse. O coração dos discípulos soube “dar as costas aos idolos e se voltar para o Deus vivo e verdadeiro”. Ao chamado de Deus, o coração cristão responde com uma plenitude que deixa Paulo encantado. A vida outrora devassa se tornou digna de Deus: a santidade de Deus resplandece agora naqueles que viviam escravos. Como dedicar a sua vida a um outro objetivo? Paulo compreende que todos os recursos do seu ministério são destinados a favorecer este desenvolvimento do Reino de Deus nos irmãos. Muitas vezes, as Cartas de Paulo colocarão na plena luz esta razão de ser que está norteando todo o trabalho de Paulo: A oferta livre e espontanea pela qual os batizados respondem ao Convite de Deus. Acompanhar o Sacerdócio dos fieis não acontece somente pelo gestos ministeriais em favor dos irmãos, mas pela pureza de sua vida que possa ser imitada por eles para se tornar caminho rumo ao Reino definitivo. PAULO e a Comunhão Eclesial A Igreja não é apenas uma “boa ideia” de Paulo. É a Igreja da Santíssima Trindade. Nesta, a Igreja nasce, permanece, cresce e produz fruto. Invisíveis laços entre os seus membros são tecidos, que só aparecerão na Glória celestial. Isso não tira o valor de uma comunhão ainda imperfeita. Os cristãos são “santos e pecadores”, mas isso não abafa tantos laços que já criam entre os “irmãos” que o mundo não pode suspeitar. Pois, “Deus Pai e o Senhor Jesus Cristo” é que reúnem, pela oferta da Graça e da Paz, tantas pessoas que, a primeira vista, tinham tão pouca coisa em comum! As distâncias que Paulo já percorreu nas últimas semanas são imensas. Os quilômetros separam-no dos tessalonicenses, mas o amor que se criou não vem desta terra. Ele resiste à distância e ao esquecimento. Paulo tem em comum com os tessalonicenses uma história de revelação divina, uma perseverança na luta contra o inimigo comum. Ele está consciente de que uma marca existe tanto nos fiéis gregos quanto nele. Ele fortalece neles esta consciência de que só a Volta de Jesus substituirá aquilo que nasceu entre eles por uma Visão face a face em comum! A saudade, o desejo de rever o rosto do irmão e o receio da derrota dele, a espera e o envio de notícias, o reconforto diante da firmeza, etc., são tantos traços humanos desta comunhão efetiva que vai se tecendo no Senhor: “O REINO Já!” Paulo não expressa ainda o invisível que ele pressente no fundo do coração: “Nós somos o Corpo de Cristo!” Porém todas as convicções já estão firmemente saboreadas e levam a esta revelação. Sua atitude de Pastor já abraça esta realidade que o faz vibrar por tamanha responsabilidade e dignidade. No Mistério Pascal, este “Corpo” já venceu estas oposições e dificuldades. Cristo não as tirou da caminhada sofrida, mas ninguém poderá tirar esta alegria daqueles que são unidos por Ele e nele. Na espera do “REINO definitivo”! A Igreja é da Santíssima Trindade! 37 Palestra 10: Lourdes, uma nova e incomparável efusão da Redenção! Pio XII, encíclica, 02-07-1957 A nicha da aparição A parte mais profunda da Gruta O Rio Gave 38 “SER PROFETA, QUANDO DÁ MEIA-NOITE?” - Retiro Presbiteral com JEREMIAS, Julho de 2015 A Virgem Maria e Jesus: um “mistério de associação” Nas Cartas de Paulo: Gal 4, 4-7. Cooperação extremamente discreta de Maria no Plano de Deus, mas que faz possível este Plano, levando até a nossa adoção pela Trindade santa e herança transcendente. Nos Sinóticos: Lc 11, 27-28, A verdadeira bem-aventurança: “Felizes as entranhas que e trouxeram e os seios que te amamentaram! Felizes, antes, os que ouvem a Palavra de Deus e a observam!” A superação da associação puramente carnal. Mc 3, 31-35 (Mt 12, 46-50; Lc 8, 19-21), A verdadeira família de Jesus: “Quem é a minha mãe? Eis a minha mãe e meus irmãos: aquele que faz a Vontade de Deus é para mim um irmão, uma irmã, e uma mãe!” Uma associação realmente espiritual. Lucas 1, 26-35, a anunciação: Um mistério de associação infinitamente mais profundo do que a simples maternidade carnal, pelo conhecimento e pela plena liberdade da adesão de Maria ao Plano de Deus e à Missão de Jesus. No Evangelho de João: João 2, 1-11, o sinal de Caná: Maria chamada pela primeira vez de “mulher” (Isha), associada à Obra messiânica de Jesus, aponta a Hora de dar o primeiro passo de uma caminhada que levará até o Calvário. João 19, 25-27, Jesus e sua mãe ao Calvário. Maria chamada de “mulher” pela segunda vez participa intimamente da nova criação pela Redenção. A Virgem Maria e o Padre ... Mistério de associação! Bernadete conta as Aparições A primeira vez em que fui à gruta, ia juntar lenha com outras duas meninas. Quando chegamos ao moinho, perguntei a elas se queriam ver onde a água deste se juntava à da torrente; responderam que sim. Daí, seguimos o canal. Ao chegarmos lá, achamo-nos diante de uma gruta. Não podendo ir mais longe, minhas duas companheiras puseram-se a atravessar a água que corria defronte. Foi então que me encontrei sozinha na outra margem. Perguntei às outras se queriam me ajudar a jogar algumas pedras na água, para ver se poderia passar sem tirar os sapatos. Disseram-me que fizesse como elas, se desejasse. Fui um pouco mais longe, para tentar passar sem tirar os sapatos, mas foi inútil. Assim, voltei para a gruta e pus-me a descalçar-me. Ainda não tinha tirado a primeira meia, quando escutei um ruído, como se fosse um golpe de vento. Nesse instante, em que virei a cabeça para o lado da pradaria; vi que as árvores estavam bem calmas. Continuei a tirar os sapatos e tornei a escutar o mesmo ruído. Levantando a cabeça para olhar a gruta, percebi uma Senhora de branco. Nesse instante, perturbei-me um pouco; e, crendo estar diante de uma ilusão, esfreguei os olhos, mas, debalde. Tornando a olhar, via, o tempo todo, a mesma Senhora. Coloquei a mão no bolso, tomei meu terço, querendo fazer o sinal-da-cruz, mas em vão; não consegui que a mão chegasse até à testa. A emoção apoderou-se de mim ainda mais fortemente. A Senhora tomou o terço que tinha entre as mãos e fez o sinal-da-cruz. Tentei fazê-lo uma segunda vez, conseguindo, afinal. 39 Assim que fiz o sinal-da-cruz, o grande abalo que experimentava desapareceu. Pus-me de joelhos e rezei o terço, em presença desta bela Senhora. Comecei a tirar a outra meia, para atravessar o pequeno córrego que se encontrava diante da gruta, e fomos embora. Enquanto caminhávamos, perguntei a minhas companheiras se não haviam visto nada. “Não”, responderam. “E você, viu alguma coisa?” “Oh, não! Se vocês não viram nada, eu também não!”. Eu não queria contar-lhes, mas elas insistiram tanto, que me decidi a dizer-lhes tudo, com a condição de que não contassem a ninguém. Prometeram guardar segredo; porém, assim que chegaram às suas casas, não perderam tempo em contar o que eu havia visto. Eis o que aconteceu na primeira vez; era quinta-feira, 11 de fevereiro de 1858. A segunda vez foi no domingo seguinte. Voltei ao mesmo lugar com várias meninas. Na Paróquia, apanhamos uma pequena garrafa, cheia de água benta, e partimos para a gruta. Ali chegando, cada uma tomou seu terço, e ajoelhamo-nos para rezar. Eu não havia terminado direito a primeira dezena, quando percebi a mesma Senhora. Nesse instante, pus-me a jogar-lhe água benta. Ao mesmo tempo, dizia-lhe que, se vinha da parte de Deus, que ficasse; se não, que se fosse embora. Enquanto isso, não parava de jogar-lhe, apressadamente, água benta. Ela começou a sorrir e a inclinar-se. E, quanto mais eu lhe jogava água, mais ela sorria. Após termos rezado o terço, retiramo-nos para ir a Vésperas. Foi o que aconteceu na segunda vez. A terceira vez, quinta-feira seguinte. Voltei ao mesmo lugar, com algumas pessoas adultas, que me aconselharam a levar papel e tinta e a perguntar-lhe se tinha algo a me dizer; aconselharam-me, ainda, a pedir-lhe que tivesse a bondade de ditar, para que eu anotasse. Repeti à Senhora as mesmas palavras que me haviam recomendado. Ela começou a sorrir e falou-me que não era necessário anotar aquilo que tinha a dizer; mas perguntou-me se podia fazer o favor de voltar ali durante quinze dias. Respondi-lhe que sim. Acrescentou que devia dizer aos padres que mandassem construir uma capela. Mandou-me, ainda, ir beber da fonte e lavar-me nela. Ela falou, ainda, que eu devia rezar pelos pecadores. Essas palavras, repetiu-as diversas vezes para mim. Disse-me, também, que não me prometia fazer-me feliz neste mundo, mas no outro. E, um dia, mandou-me comer da grama que se encontrava junto ao lugar aonde tinha ido beber. Isto só foi uma vez, ignoro o porquê. Na terceira vez, fui encontrar o Pároco, para dizer-lhe que uma Senhora me havia ordenado ir dizer aos padres que mandassem construir uma capela. Ele me olhou um momento e disse, num tom não muito gentil: “Que Senhora é essa?” Respondi-lhe que não sabia. Então, encarregou-me de perguntar-lhe seu nome e voltar para dizer-lhe. No dia seguinte, quando cheguei à gruta, após haver recitado o terço, perguntei o seu nome, da parte do Sr. Pároco; mas ela não fazia outra coisa senão sorrir. Retornando, fui à casa do Sr. Padre, para dizer-lhe que ela não dava outra resposta além de um sorriso. Respondeu-me, então, que a Senhora gozava de mim, e que eu faria bem em não mais voltar lá. Mas, eu não podia impedir-me de ir. Fui até lá durante quinze dias e, cada vez, perguntava-lhe quem ela era, o que sempre a fazia sorrir. Após os quinze dias, perguntei-lhe três vezes seguidas; e, só na quarta, disse-me que era a Imaculada Conceição. Daí, voltei à casa do Sr. Padre, para contar-lhe que ela me havia dito ser a Imaculada Conceição. Ele perguntou-me se eu tinha certeza. Respondi-lhe que sim, e que, para não esquecer, havia repetido essa palavra ao longo de todo o caminho. Bernadete SOUBIROUS, Depoimento ao Padre Charles BOUIN, 1866. 40 “SER PROFETA, QUANDO DÁ MEIA-NOITE?” - Retiro Presbiteral com JEREMIAS, Julho de 2015 [email protected] [email protected] Uma experiência missionária para jovens e adultos do Brasil A DIOCESE de SANTÍSSIMA CONCEIÇÃO do ARAGUAIA: Situada no sul-este do Pará, com uma superfície de 77.000,00 km² e uma população de 335.000 habitantes, a Diocese conta com 10 paróquias para 13 municípios. 20 padres exercem o ministério presbiteral: 5 padres incardinados residentes e 1 diácono, 4 padres diocesanos “fidei donum”, 11 religiosos padres. 11 congregações religiosas, reunidas na CRB diocesana, totalizam 33 religiosos(as). A PROPOSTA MISSIONÁRIA: Participar da Missão Evangelizadora na Diocese de Santíssima Conceição do Araguaia durante um período de um a dois anos. - Descobrir a realidade da Amazônia sul-paraense com as consequências das migrações, dos trabalhos escravos, da miscigenação sociocultural e religiosa. - Participar, no seio da Diocese de Santíssima Conceição do Araguaia, do esforço de MISSÃO CONTINENTAL animando projetos de promoção humana e de evangelização destinados aos estudantes, alunos do ensino fundamental 2 ou médio, a adolescentes de bairros mais carentes, a gestantes adolescentes, ou a encarcerados, etc. AS CONDIÇÕES ESPIRITUAIS: - O(A) Missionário(a) recebe do Bispo diocesano uma missão temporária dentro de um ou vários projetos e a desenvolve em comunhão com as equipes locais. - Ele recebe dessas equipes diocesanas uma formação básica e o acompanhamento para exercê-la. - Para alimentar a sua espiritualidade missionária, ele pode participar ativamente da vida paroquial e diocesana: vida litúrgica e comunitária, formações diocesanas, missões ou eventos extra, etc. AS CONDIÇÕES MATERIAIS: - Ele recebe o valor de um salário mínimo vigente e do GPS para se matricular na Previdência Social, como autônomo. O(A) missionário(a) deve ter plano de saúde ou estar disposto a utilizar o SUS. - Ele é alojado pela diocese ou pela paróquia onde trabalha. Mas a alimentação está a custo dele. Os gastos devidos ao exercício da Missão são assumidos pela Diocese ou pelo Projeto que assume o(a) missionário(a). 41 OS PROJETOS MISSIONARIOS : 1) Missão da Paz 2015: É uma missão de “Educação para a Paz” a partir de diferentes temas, realizada por consagradas e leigos universitários, nas escolas de vários municípios, sob a forma de palestras com apresentações ppt. 2) Emaús: É uma associação de leigos(as) do município de Conceição do Araguaia em favor das crianças, adolescentes e jovens. Desenvolve vários projetos de reforço escolar, evangelização, adolescente aprendiz, etc. 3) Sonho de Mãe: É um projeto de acolhimento, preparação para a maternidade e evangelização destinado às adolescentes gestantes. Conta com a participação de consagradas, missionárias francesas, e leigas das paróquias. Inclui visitas domiciliares semanais nas casas das meninas gestantes. O projeto está implantado em quatro municípios: Redenção, Xinguara, Conceição e Pau D’arco. 4) Bernadete: É um projeto de acompanhamento, formação humana e evangelização de meninas (12-18 anos) em situação de risco. Acontece a través de encontros semanais e visitas domiciliares. 5) Infância e Adolescência Missionária: É um movimento de evangelização e animação missionária com crianças e adolescentes, presente na maioria das paróquias da Diocese. Os(as) missionários(as) são colocados a serviço da equipe diocesana de coordenação para fortalecer os grupos que mais precisam e ajudar na realização de eventos diocesanos ou setoriais. 6) Residência Universitária: Assumir sob a responsabilidade do pároco de Conceição do Araguaia a responsabilidade de uma “Casa para os estudantes” da cidade de Conceição com a proposta de formações humanas e espirituais para os estudantes em relação com a Pastoral Universitária. 7) Pastoral da Criança, Pastoral Carcerária, Setor Juventude, etc. nas diferentes paróquias da Diocese. 8) Setor Juventude: Acompanhar a caminhada dos grupos espalhados nas paróquias, e apoiar o desenvolvimento de um projeto diocesano para a Juventude. A missão de cada missionário(a) será decidida numa concertação com o Bispo diocesano. AS CONDIÇÕES PARA A MISSÃO: - O Missionário deve ter 18 anos completos - Ter terminado o ensino médio, - Apresentar uma experiência de liderança pastoral eclesial, - Ser apresentado pelo próprio pároco de origem. O(A) candidato(a) envia uma carta pessoal em que retrata a sua caminhada e as motivações que o animam nesta candidatura. CONTATO: Dom Dominique YOU, Caixa Postal 33, 68540-000 - Conceição do Araguaia-PA e-mail: [email protected] fone: 94.3421.1307 cel.: 94.991.52.30.80 42 “SER PROFETA, QUANDO DÁ MEIA-NOITE?” - Retiro Presbiteral com JEREMIAS, Julho de 2015 Índice Meia-noite (André Neher) 2 1. História de Jeremias e o encontro decisivo 3 2. No tempo dos reis Josias e Joaquim 5 3. Dois assassinos do DEUS-LOGOS: Joaquim e Hananias 9 4. Um Tsunami no pensamento humano: o materialismo 13 Anexo: Os conjuntos que constituem o Livro de Jeremias 16 5. As Confissões: o Combate interior da purificação do amor 17 6. Num jarrinho de barro, as promessas do “depois-de-amanhã” 21 7 “Há uma esperança para o teu futuro!” O anúncio da Nova Aliança (Jr30-31) 25 8. A ECCLESIA em missão em Éfeso 29 Homilia de Ordenação de 19 novos Padres, pelo PAPA FRANCISCO 32 9. Seis dimensões do exercício do Ministério por São Paulo, em 1Tess. 1-3 33 CRISTO reina em nossa vida de ministros, através do Mistério Pascal 36 10. A Virgem Maria e JESUS, um mistério de associação 38 A Virgem Maria e o Padre 39 11. MISSÃO ARAGUAIA 41 43