Encontro de Ensino, Pesquisa e Extensão, Presidente Prudente, 22 a 25 de outubro, 2012 532 RELAÇÃO ENTRE TRABALHO E SOFRIMENTO PSÍQUICO DE PROFESSORES UNIVERSITÁRIOS Kelly Cristina Tesche Rozendo 1, Delza Macedo 2, Sandra Fogaça Rosa Ribeiro 3 Graduação em Psicologia/UNOESTE. Discente do Programa de Pós Graduação/Mestrado em Educação/UNOESTE. Docente do Programa de Pós Graduação/Mestrado em Educação/UNOESTE. Agência Financiadora:Pibic/CNPq RESUMO Este artigo se refere a uma pesquisa bibliográfica sobre o sofrimento psíquico de professores universitários. Justificou‐se tal temática por meio da literatura acadêmica, que identificou esse sofrimento, especialmente nessa categoria. Dessa forma, o objetivo foi identificar produções científicas sobre sofrimento psíquico de professores universitários. A base teórica foi a Psicodinâmica do Trabalho e da Psicologia Social dentre outras abordagens. O método foi a pesquisa bibliográfica, buscando artigos em base de dados Scielo e Biblioteca Virtual de Saúde da Bireme, entre os anos de 2006 e 2012. Os resultados apresentaram seis artigos referentes ao tema. A discussão apontou que a produção capitalista, ao estabelecer divisão rígida e fragmentada do trabalho, causa desajustes no plano psicológico e sofrimento psíquico. Conclui‐se assim, que surge um processo de alienação decorrente das relações de dominação e desumanização. Palavras‐chave: Sofrimento Psíquico. Trabalho. Professor. Universitário. INTRODUÇÃO E OBJETIVO A situação do trabalho e o cotidiano das instituições acadêmicas de ensino superior possuem elementos que podem desencadear problemas e sofrimento de ordem psíquica. Um ambiente de trabalho onde as relações humanas são intensas pode potencializar vivências depressivas que são identificadas e evidenciadas no cotidiano, pois a saúde psíquica influencia na realização do trabalho e em todos os aspectos da vida (MENDES et al, 2007). A pertinência dessa pesquisa se apoiou em duas questões, a responsabilidade do docente universitário no compromisso com a formação dos sujeitos humanos (GRADELLA, 2010) e dos profissionais que de maneira contínua e a alta, identificavam sofrimento psíquico na categoria (MENDES et al, 2007). Antes de discorrer especificamente sobre o sofrimento psíquico em professores universitários, apresentar‐se‐á a base teórica utilizada para compreensão do tema. Assim sendo, o conceito de trabalho e sofrimento psíquico, foi compreendido à luz das teorias de Dejours (1993), Seligmann‐Silva (2011), Codo (1989), respectivamente representantes da Psicodinâmica do Trabalho, da Psicologia Social e da Psicologia do Trabalho. De acordo com Codo (1989), o trabalho pode ser compreendido de formas diferentes, até mesmo, opostas. Uma delas considera o trabalho, um fator que interfere em outros aspectos da Colloquium Humanarum, vol. 9, n. Especial, jul–dez, 2012 Encontro de Ensino, Pesquisa e Extensão, Presidente Prudente, 22 a 25 de outubro, 2012 533 vida do ser humano. Por outro lado, pode ser concebido como uma instituição estranha, independente do indivíduo que trabalha. Diante dessas duas possibilidades, o autor escolhe a primeira, por considerar o trabalho como categoria central na constituição da natureza humana. Assim, para este estudo o termo trabalho será abordado dentro de um processo histórico, a partir das relações de produção e do novo sentido que o capitalismo deu ao trabalho, assumindo formas e estágios que tem levado ao desgaste mental ou sofrimento psíquico, conforme pressupostos da psicologia social. Cabe neste momento definir o que esta pesquisa compreende por desgaste mental ou sofrimento psíquico, utilizados neste texto com o mesmo sentido (SELIGMANN‐ SILVA, 2010, DEJOURS, 1993). O desgaste mental do trabalho ou sofrimento psíquico são conceitos que de acordo com Dejours (1993), indicam que cada indivíduo pode aliar as necessidades fisiológicas ao desejo de executar tarefas. Dessa forma sofrimento psíquico no campo do trabalho, consiste numa zona cinzenta que fica entre a saúde e a doença. É uma luta contínua, direcionada às dificuldades apresentadas no mundo do trabalho, requerendo negociações e ajustes constantes, a fim de equacionar favoravelmente desejos e possibilidades. Entretanto, quando o espaço de negociação fica bloqueado, o sofrimento psíquico se intensifica (DEJOURS, 1992). Segundo Dejours (1991), as vivências depressivas são ocasionadas pelo sofrimento dos trabalhadores que dominados pelo cansaço, são acometidos por um adormecimento intelectual e uma paralisia mental. Essas situações, incluindo insatisfação, insegurança e distúrbios emocionais, impulsionaram o interesse em aprofundar estudos científicos sobre questões relacionadas à saúde mental de professores universitários, considerando e analisando este contexto e as estratégias utilizadas para canalização do sofrimento no trabalho. Dessa forma o objetivo desta pesquisa foi identificar produções científicas sobre sofrimento psíquico de professores universitários. METODOLOGIA Esta foi uma pesquisa bibliográfica, inscrita no CCPq/UNOESTE sob o protocolo de número 1226. Seguiu bases metodológicas que envolveram disciplina, crítica e ampliação de conhecimento do tema. Esta investigação privilegiou algo importante na área das ciências humanas e sociais, estabeleceu “um diálogo reflexivo entre teoria e o objeto de investigação” (MINAYO, 1994,p. 33). Foi realizada por meio de artigos científicos coletados a partir das bases de dados Scielo e Biblioteca Virtual em Saúde da Bireme, entre 2006 e 2012, contextualizando o sofrimento psíquico Colloquium Humanarum, vol. 9, n. Especial, jul–dez, 2012 Encontro de Ensino, Pesquisa e Extensão, Presidente Prudente, 22 a 25 de outubro, 2012 534 de professores do ensino superior, no âmbito da organização do trabalho. Foram selecionados estudos sobre área da psicologia, educação, bem como das ciências sociais. RESULTADO O resultado da pesquisa bibliográfica sobre sofrimento psíquico de professores universitários no âmbito da organização do trabalho apontou seis artigos: GRADELA (2010 ), OLIVEIRA et al. (2012); DESSEN, POLONIA (2007); NEVES, SILVA (2006); VEDOVATO, MONTEIRO (2008), MENDES et al (2007). Todos apontaram que o sofrimento psíquico se encontra em diversas áreas laborais, mas seu aparecimento parece ser mais evidente em determinadas profissões, como do professor. DISCUSSÃO Em virtude da limitação de espaço deste artigo, para expor as idéias concernentes ao tema, optou‐se por fazer a discussão de apenas dois desses artigos, Gradella (2010) e MENDES (2007). Justifica‐se a escolha desses dois artigos por contemplarem de forma mais completa e detalhada o que os outros também mencionaram. À luz dos conceitos apresentados na introdução, sobre o sofrimento psíquico do professor universitário, apresenta‐se essa discussão. A análise identificou a relação entre a organização do trabalho e o psiquismo, considerando possíveis repercussões da lógica da produção capitalista no mundo do trabalho desse professor. Segundo o artigo de Gradella (2010) o trabalho do docente universitário é de extrema responsabilidade para a Educação, pois sua função além de informativa e comunicativa possui um compromisso com a formação dos sujeitos humanos e dos profissionais de maneira contínua. Deste modo, a saúde mental destes profissionais, além de necessária, é condição para que possam exercer sua atividade adequadamente. Reconhece‐se, portanto que este trabalho pode propiciar algum tipo de sofrimento psíquico relacionado ao cotidiano profissional. Segundo pesquisa apresentada por Mendes et al. (2007), a profissão de docente universitário, por utilizar das faculdades mentais, mostra evidência do sofrimento psíquico, que normalmente vincula‐se a instituição e seus problemas. Apesar de alguns pontos satisfatórios da profissão docente, as angústias e insatisfações são inúmeras, podendo ser a instituição, a convivência com os alunos, a ambivalência das relações, o desinteresse e a indisciplina dos alunos, a burocracia, a alienação, a remuneração, a autoexigência e a incapacidade de mudança, causas de sofrimento e fatores capazes de promover nesse Colloquium Humanarum, vol. 9, n. Especial, jul–dez, 2012 Encontro de Ensino, Pesquisa e Extensão, Presidente Prudente, 22 a 25 de outubro, 2012 535 profissional, depressões, paralisações nas atividades, sentimentos de indignidade, inutilidade e desqualificação (MENDES et al., 2007). Estas vivências depressivas expressadas por diferentes aspectos são reflexo do sofrimento psíquico evidenciado no contexto acadêmico e nas relações de trabalho, onde ocorrem situações conflituosas na socialização do conhecimento. Parece que “os professores se encontram ante o desconcerto e a dificuldade de demandas mutantes e a contínua crítica social por não chegar a atender as novas exigências atuais” (ZARAGOZA, 1999, p. 13). Gradella (2010) ainda ressalta uma importante característica do trabalho docente, o conteúdo emocional/afetivo da atividade que pode gerar superação e amenizar os desgostos, mas quando não realizado impossibilitam os laços que o humanizam, podendo surgir o sofrimento psíquico. Segundo Mendes et al. (2007) nem sempre há compatibilidade entre o sentimento de prazer e satisfação com o mundo externo e suas exigências. Esta incompatibilidade é um dos principais focos de sofrimento psíquico. Os mesmos aspectos que promovem sentimentos positivos podem provocar sentimentos negativos. A profissão de docente é uma busca de prazer que precede as obrigações e a sobrevivência, mas onde há prazer habita também o desprazer. Segundo Codo, Sampaio, Hitomi (1993, p. 267) “o trabalho é o momento significativo do homem, é a possibilidade da felicidade, da liberdade, da loucura e da doença mental”. Segundo Mendes et al (2007), quando esses profissionais não obtêm plena satisfação, vivendo em sociedade, afetados por problemas derivados da organização do trabalho, colocam em risco o equilíbrio psíquico e a saúde mental. O sofrimento está relacionado diretamente à atividade executada, ao seu significado e ao sentir‐se útil. De acordo com Gradella (2010), a produção capitalista ao estabelecer divisão rígida e fragmentada do trabalho causa desajustes no plano psicológico e sofrimento psíquico. Surge assim um processo de alienação decorrente das relações de dominação e desumanização que não possibilitam objetivação e realização pessoal do trabalhador na atividade que exerce. Entende‐se este sofrimento como uma descompensação que é produzida pela organização do trabalho e que gera sentimentos como angústias, desgostos, ansiedades, frustrações e infelicidade, impossibilitando o indivíduo de lograr suas objetivações. Nessa mesma perspectiva, da Psicodinâmica do Trabalho e da Psicologia Social, Ribeiro e Martins (2011) apontam o trabalho como mediação de sociabilidade, mas o considera também um processo de desumanização, na lógica dos modos de produção capitalista. Segundo essa construção teórica, a organização do trabalho pode gerar sofrimento psíquico, pois normalmente Colloquium Humanarum, vol. 9, n. Especial, jul–dez, 2012 Encontro de Ensino, Pesquisa e Extensão, Presidente Prudente, 22 a 25 de outubro, 2012 536 não coincide com o ritmo biológico e psicoafetivo do trabalhador, o qual não tem noção clara dos motivos de seu sofrimento, e se utiliza de estratégias defensivas individuais na tentativa de modificar sua percepção da realidade. Isso o faz sofrer, pois apenas logra mascarar a realidade imposta (RIBEIRO; MARTINS, 2011; DEJOURS, 1992). Para finalizar essa discussão, é relevante lembrar um elemento agravante do sofrimento psíquico, sua característica disfarçada e invisível. Assim o trabalhador, supostamente, mantém o ritmo do trabalho e o equilíbrio mental. Apenas o sofrimento físico é reconhecido na organização do trabalho, mas muitas vezes o sofrimento psíquico se traduz pelo surgimento de uma doença somática, também supõe que o trabalhador possui uma história individual repleta de desejos, aspirações, motivações e necessidades psicológicas. O conflito entre estes desejos e a realidade do trabalho coloca‐o frente a frente ao projeto espontâneo do trabalhador e a organização do trabalho que limita sua realização (DEJOURS, 1991; DEJOURS, DESSORS E DESRIAUX, 1993). CONCLUSÃO Dessa forma, foi possível concluir que a saúde e a doença na organização do trabalho docente estão profundamente vinculadas ao contexto sócio‐econômico‐cultural, marcado pela lógica capitalista de produção. Assim, a loucura se expressa individualmente, mas é evidenciada na subjetividade construída socialmente. Cada indivíduo é portador de inúmeras capacidades em suas relações com o trabalho, e seu saber é revelado no fazer produtivo e socialmente valorizado. O trabalho é formador de homens e cúmplice dos seus comportamentos, é um espaço social que possibilita a organização e estrutura da identidade do indivíduo, entretanto pode gerar e construir vias dolorosas, quando inserido numa lógica da produção capitalista, no centro de organização do mundo (CODO, SAMPAIO, HITOMI, 1993). Neste sentido, para que o trabalho seja equilibrante é preciso flexibilizar sua organização, dar ao trabalhador liberdade e autonomia, e gerar assim uma diminuição da carga psíquica (DEJOURS, 1991). Segundo Gradella (2010) o sofrimento psíquico ou desgaste mental do professor podem sofrer superação quando ele, apesar das dificuldades, alcança seus objetivos, garantindo o processo de humanização e desenvolvimento do psiquismo e da consciência. Dessa forma, para que a saúde mental se desenvolva há que se ter a existência de desejo e esperança, elaboração de metas e objetivos, que só serão possibilitadas por meio de modificações na organização do trabalho, oferecendo oportunidades criativas de transformação dos mecanismos de defesas em resistências, com efeitos saudáveis no contexto organizacional onde atuam os professores universitários. Colloquium Humanarum, vol. 9, n. Especial, jul–dez, 2012 Encontro de Ensino, Pesquisa e Extensão, Presidente Prudente, 22 a 25 de outubro, 2012 537 REFERÊNCIAS CODO, W. (orgs.). Relações de Trabalho e Transformação Social. Psicologia social: o homem em movimento. 7ed. São Paulo: Brasisiliense, 1989. CODO, W. SAMPAIO, J.J.C. HITOMI, A.H. 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