PARECER N.º 38/PP/2014-P CONCLUSÃO 1. Não pode um advogado de uma sociedade anónima representar em assembleia geral os acionistas da mesma, uma vez que tal representação configura uma situação de conflito de interesses, nos termos do disposto no art.º 94.º, n.º 3 e 4 do E.O.A. 2. Pode em assembleia geral o acionista da sociedade fazer-se acompanhar de advogado ou ser representado por tal, nos termos do art.º 61.º, n.º 3 do E.O.A. e não poderá o presidente da assembleia geral ou os demais acionistas impedir tal facto. 3. Não prefigura uma situação de conflito de interesses o facto do advogado da sociedade anónima intentar ação contra um dos acionistas desta, desde que não se verifiquem as circunstâncias do n.º 3 e 4 do art.º 94º do E.O.A. I - Por comunicação escrita, datada de 3 de Julho, dirigida a este Conselho Distrital foi pedido pela Dra. (…) um pedido de parecer, em que questiona este Conselho se existirá ou não uma situação de conflito de interesses i) ao representar os acionistas numa assembleia geral sendo advogada da sociedade anónima ii) se poderia ou não representar os mesmos em assembleia geral atento o disposto no art.º 379.º, n.º 6 CSC iii) se poderá na qualidade de advogada da sociedade intentar uma ação contra os acionistas da sociedade. II – Este Conselho Distrital tem competência para emitir parecer, nos termos do disposto no art.º 50.º, nº 1, al. f) do Estatuto da Ordem dos Advogados (doravante designado de E.O.A). III – Para responder às questões colocadas, teremos de atender, desde logo, ao disposto no art.º 94.º, n,º 1 do E.O.A. Deve o advogado, nos termos deste normativo recusar o patrocínio de uma questão em que já tenha tido intervenção em qualquer outra qualidade ou seja conexa com outra em que represente ou tenha representado a parte contrária. O nº 3 do mesmo artigo dispõe, por sua vez, que o advogado não pode aconselhar, representar ou agir por conta de dois ou mais clientes, no mesmo assunto ou em assunto conexo, se existir conflito entre os interesses desses clientes. Por seu turno o n.º 4 deste normativo prevê que se um conflito de interesse surgir entre dois ou mais clientes, bem como se ocorrer risco e violação do segredo profissional ou de diminuição da sua independência, o advogado deve cessar de agir por conta de todos os clientes, no âmbito desse conflito. No propósito da consagração legal deste dever está a salvaguarda dos princípios da isenção e da dignidade e, sobretudo, da independência previsto no art.º 84º do E.O.A. i) Da representação dos acionistas na assembleia geral Sendo a ilustre Colega advogada da sociedade, parece-nos que não poderá representar os acionistas na assembleia geral, uma vez que os interesses pessoais de uns – dos acionistas - poderão ser conflituantes com os interesses da sociedade, pelo que nos termos do n.º 3 do E.O.A. estará numa situação de conflito de interesses. Além do mais, parece-nos que a Colega terá conhecimento de determinados factos no exercício das suas funções, enquanto advogada da sociedade, que poderão gerar também uma situação de conflito de interesses nos termos do nº4 do sobredito artigo e originar a violação do art.º 84.º do E.O.A., uma vez que no exercício da sua profissão deve o advogado manter sempre a sua independência, agindo livre de pressão e nomeadamente de pressões exteriores, ou in casu, dos acionistas. ii) se poderia ou não representar os mesmos em assembleia geral atento o disposto no art.º 379.º, n.º 6 CSC Esta questão fica prejudicada pela resposta à questão anterior. A Ilustre Colega não pode representar os acionistas na assembleia geral, no entanto, sempre se dirá que apesar dos próprios estatutos da sociedade vedarem a possibilidade da representação ser efetuada por advogado, uma vez que só permite que esta representação seja efetuada por “(…) cônjuge, descendente, ascendente, membro do conselho de administração ou outro qualquer acionista(…)”, parece-nos que os mesmos conflituam com o disposto no art.º 61.º, n.º 3 do E.O.A., que prevê expressamente que “O mandato judicial, a representação e assistência por advogado são sempre admissíveis e não podem ser impedidos perante qualquer jurisdição, autoridade e entidade pública ou privada, nomeadamente para defesa de diretos, patrocínio de relações jurídicas controvertidas, composição de interesses ou em processos de mera averiguação, ainda que administrativa, oficiosa ou de qualquer natureza”. O art.º 379.º, n.º 6 do CSC consagra, de facto, poderes que são conferidos ao presidente da mesa da assembleia geral, nomeadamente os de verificação de quórum, direção dos trabalhos, abertura e encerramento das reuniões. O que nos parece é que o que se pretendeu com este normativo foi o de atribuir um poder ao presidente da mesa da assembleia geral e aos sócios para a presença de terceiros nas assembleias atento o caráter confidencial das mesmas. No entanto, atendendo ao princípio da hierarquia das normas (o E.O.A. reveste forma de Lei e o C.S.C. reveste a forma de Decreto-Lei) e ao desiderato constitucional expressamente previsto no art.º 208.º da CRP no que ao advogado diz respeito, somos do entendimento que na assembleia geral poderão estar presentes os acionistas acompanhados de advogado e/ou advogado com poderes de representação dos acionistas. iii) Se poderá na qualidade de advogada da sociedade intentar ação contra acionista Parece-nos não existir neste caso qualquer situação de conflito de interesses, desde que a Ilustre Colega não tenha representado anteriormente o acionista em assuntos relacionados com o mesmo assunto ou assuntos conexos. Se for verificada tal circunstância encontra-se a mesma numa situação de incompatibilidade prevista nos termos das als. 3 e 4 do art.º 94.º E.O.A., analisada supra. IV. Conclusões 1. Não pode um advogado de uma sociedade anónima representar em assembleia geral os acionistas da mesma, uma vez que tal representação configura uma situação de conflito de interesses, nos termos do disposto no art.º 94.º, n.º 3 e 4 do E.O.A. 2. Pode em assembleia geral o acionista da sociedade fazer-se acompanhar de advogado ou ser representado por tal, nos termos do art.º 61.º, n.º 3 do E.O.A. e não poderá o presidente da assembleia geral ou os demais acionistas impedir tal facto. 3. Não prefigura uma situação de conflito de interesses o facto do advogado da sociedade anónima intentar ação contra um dos acionistas desta, desde que não se verifiquem as circunstâncias do n.º 3 e 4 do art.º 94º do E.O.A. Porto, 17 de Julho de 2014 O Relator Jorge Barros Mendes