53j ECONOMIA SOCIAL: UM PILAR PARA COMBATER A ATUAL CONJUNTURA ECONÓMICA E SOCIAL Ângela Patrícia de Sousa Lima Barbedo Bolseira do CECEJ – Centro de Estudos de Ciências Empresariais e Jurídicas Instituto Politécnico do Porto Instituto Superior de Contabilidade e Administração do Porto Ana Maria Bandeira Professora Adjunta Instituto Politécnico do Porto Instituto Superior de Contabilidade e Administração do Porto CECEJ – Centro de Estudos de Ciências Empresariais e Jurídicas Área temática: J) Entidades sem fins lucrativos Palavras-chave: Economia Social, União Europeia, Portugal, Crise Atual. 1 ECONOMIA SOCIAL: UM PILAR PARA COMBATER A ATUAL CONJUNTURA ECONÓMICA E SOCIAL Resumo Em Portugal, a crise atual fez acentuar diversos fatores, como por exemplo: a geração de pobreza, aumento do desemprego e os reflexos nos ritmos de crescimento económico. Assim, fez levantar a necessidade de remodelação do modelo existente para a afirmação de uma nova realidade, a designada Economia Social. Nessa conformidade, o objetivo da investigação consiste em demonstrar, através de uma opção metodológica baseada na revisão de literatura, o papel e o potencial da Economia Social para combater a atual conjuntura. As principais conclusões assentam na ideia que esta Economia assume um papel pertinente na superação da crise, nomeadamente através da promoção da coesão social, na geração de emprego, na inovação e no desenvolvimento local e regional. Resumen En Portugal, la crisis actual hizo acentuar diversos factores, como por ejemplo: la generación de pobreza, aumento del desempleo y los reflejos en los ritmos de crecimiento económico. Así, hizo levantar la necesidad de remodelação de la plantilla existente para la afirmación de una nueva realidad, la designada Economía Social. Con esta finalidad, el principal objetivo de este estudio mira, através de una opción metodológica basada en el repaso de literatura, el papel y el potencial de la Economía Social para combatir la actual coyuntura. Las principales conclusiones asientan en la idea que esta Economía asume un papel pertinente en la superación de la crisis, expresamente a través de la promoción de la cohesión social, en la generación de empleo, en la innovación y en el desarrollo local y regional. Palabras Clave: Economía Social, Unión Europea, Portugal, Crisis Actual. 2 1. Introdução A conjetura atual veio agravar as fragilidades dos países a nível financeiro, económico e social, bem como a nível político. Perante esta situação, a sociedade portuguesa vive um período conturbado, através do aumento da pobreza, do desemprego e os reflexos nos ritmos de crescimento económico, no qual o Estado está incapacitado de dar resposta ao número significativo de pedidos de ajuda que chegam dos vários setores da sociedade. Assim, fez levantar a necessidade de remodelação do modelo existente para a afirmação de uma nova realidade. A Economia Social é considerada cada vez mais emergente e a cada dia que passa torna-se mais necessária face à realização de respostas adequadas para os novos desafios da sociedade e da economia global. Este setor através de um conjunto de caraterísticas distintivas e de iniciativas solidárias procura responder às necessidades para as quais o setor público e privado não conseguem. O principal objetivo do estudo consiste em demonstrar e correlacionar através de uma metodologia baseada na revisão de literatura, o papel e o potencial da Economia Social para combater a atual conjuntura económica e social. A escassez de estudos realizados e o forte interesse por esta temática constituíram as principais razões motivacionais para a sua realização. O presente estudo encontra-se estruturado em cinco secções. Na primeira secção de introdução, é proporcionada uma visão do trabalho, evidenciando o seu âmbito, objetivo e justificação. Na segunda secção, aborda-se o conceito de Economia Social, elabora-se um breve enquadramento sobre a sua evolução histórica, analisa-se os diferentes tipos de caraterísticas que as distinguem do setor público e do setor privado e identifica-se as principais entidades portuguesas que são abrangidas pela definição. Na terceira secção, identifica-se de forma breve a origem da crise mundial e o seu impacto em Portugal. Na quarta secção pretende demonstrar a relevância da Economia Social como um pilar para combater a crise, focando as suas formas de atuação e as suas limitações. Por último, na quinta secção encontra-se a síntese das principais conclusões, sem deixar de referir as limitações do presente estudo e eventuais sugestões para investigações futuras. 3 2. Economia Social Nesta secção apresenta-se o conceito de Economia Social e um breve desenvolvimento histórico do termo. Seguidamente pretende-se identificar as suas principais caraterísticas em relação ao setor público e privado. Por último, descreve-se os grupos das entidades que integram o conceito e que são abrangidas pelo ordenamento jurídico português. 2.1. Conceito de Economia Social A estrutura económica e social de Portugal encontra-se pressuposta no artigo n.º 82 da Constituição da República Portuguesa, disponível no site da Assembleia da República delimitando a coexistência de três setores: o público, o privado e o cooperativo e social. Este último é equiparado ao da Economia Social pelo grupo de entidades tão diversas que abrange (Instituto Nacional de Estatística, 2013). O conceito de Economia social tem vindo a ganhar grande relevância na Europa, tendo sido estudadas diferentes definições e/ou tentativas de definições no sentido de procurar um fio condutor suficientemente forte para permitir de forma consistente entender o que se pretende esclarecer (Caeiro, 2008; Oliveira, 2012). A problemática do conceito e a delimitação das fronteiras surge como o principal tema de debate, onde geralmente a sua noção passa pelas instituições que a constituem, pelas suas funções, pela identificação dos seus limites e pela sua finalidade (Soares, Fialho, Chau, Gageiro, & Pestana, 2013). Apesar da ausência de uma definição única, em Portugal foi utilizado na Conta Satélite da Economia Social1 uma definição operacional proposta pelo relatório “A Economia Social na União Europeia2” (Oliveira, 2012). Esta definição é considerada como a que melhor se adapta ao sistema de contabilidade nacional, aos princípios e aos valores da economia social. Por conseguinte, é um termo que expõe um amplo consenso científico e permite quantificar alguns grupos das entidades referentes à economia social (Instituto Nacional de Estatística, 2013). 1 A Conta Satélite da Economia Social foi elaborada no âmbito do Protocolo de cooperação assinado em 2011, entre o Instituto Nacional de Estatística, I.P. e a Cooperativa António Sérgio para a Economia Social, CIPRL, decorrente da necessidade de avaliar de forma exaustiva a dimensão económica e as principais caraterísticas da Economia Social em Portugal. 2 Relatório elaborado pelo CIRIEC (Centro Internacional de Pesquisa e Informação sobre Economia Pública, Social e Cooperativa), em 2012, para o Comité Económico e Social Europeu. 4 O conceito de Economia Social citada no presente relatório foi o seguinte: “um conjunto de empresas privadas organizadas formalmente, com autonomia de decisão e liberdade de filiação, criadas para servir as necessidades dos seus associados através do mercado, fornecendo bens e serviços, incluindo seguros e financiamentos e em que a distribuição pelos sócios de eventuais lucros ou excedentes realizados, assim como a tomada de decisões, não estão diretamente ligadas ao capital ou às cotizações dos associados, adequando um voto a cada um deles” (Instituto Nacional de Estatística, 2013). A Economia Social também “inclui empresas privadas organizadas formalmente, com autonomia de decisão e liberdade de filiação, que prestam serviços de “não mercado” a agregados familiares e cujos eventuais excedentes realizados não podem ser apropriados pelos agentes económicos que as criam, verificam ou financiam” (Instituto Nacional de Estatística, 2013). 2.2. Breve evolução histórica A Economia Social é uma definição com raiz europeia, mais especificamente de origem francófona. Surgiu na Europa no século XIX, mais concretamente em 1830, num tratado publicado por Charles Dunoyer que remonta às práticas de solidariedade interclassista como reação às alterações económicas e sociais da revolução francesa e do capitalismo industrial (Caeiro, 2008). Nesta época, os trabalhadores mais desfavorecidos tentaram encontrar ferramentas para reagir ao mercado criando uma economia de entreajuda e de cooperação criando as cooperativas, as mutualidades e as associações (Amaro, 2005). A paternidade do conceito de Economia Social é geralmente atribuída a Charles Gide, que perspetiva a economia social como um ramo da ciência económica, distinto da economia política normalmente protagonizado por Adam Smith (Oliveira, 2012). É ele quem marca um período áureo da Economia Social francesa, e concretiza o espírito de solidariedade pelo qual seria possível a eliminação do capitalismo. O auxílio mútuo e a educação económica através da cooperação podem por si só promover a transformação do homem (Caeiro, 2008). 5 Posteriormente, na década de 90 do século XX surge uma nova fase da Economia Social surge através das grandes transformações no contexto da globalização e no aumento dos problemas sociais (Amaro, 2005). Esta mudança proporcionou uma consciência global perante o aumento das diferenças sociais, desfazendo a noção de que o desenvolvimento económico tem necessariamente resultados diretos na melhoria das condições de vida das pessoas. Assim, a conjuntura não podia ser mais propícia ao fomento de reflexões e debates sobre uma visão alternativa à economia neoliberal, lançando o renascimento da Economia Social (RIIBES, 2013). 2.3. Principais caraterísticas da Economia Social O conceito de Economia Social identifica sete caraterísticas no relatório “A Economia Social na União Europeia” publicado pelo Comité Económico e Social Europeu: 1) Privadas: devem ser institucionalmente separadas do setor público, isto é, não fazem parte nem são controladas pelo mesmo, embora possam receber apoio financeiro do Estado; 2) Organizadas formalmente: em regra, são dotadas de personalidade jurídica; 3) Autonomia de decisão: têm plena capacidade para eleger e destituir os seus órgãos dirigentes e para controlar e organizar todas as suas atividades; 4) Liberdade de filiação: não há obrigatoriedade de adesão. Estas organizações são caraterizadas por uma posição significativa de recursos humanos em regime de voluntariado; 5) Distribuição de eventuais lucros entre os usuários: não é feita proporcionalmente ao capital ou às cotizações dos membros, mas sim em função da sua atividade ou participação no seio da organização; 6) Realização de um trabalho económico: com o objetivo de satisfazer as carências dos seus filiados, nomeadamente pessoas individuais ou famílias. Por este motivo, diz-se que as organizações de economia social são instituições de pessoas e não de capital. Trabalham com o capital e outros recursos não monetários, mas não para o capital. 6 7) São organizações democráticas, exceto algumas organizações de voluntariado que produzem serviços de "não mercado": as organizações da economia social de primeira linha aplicam o princípio de “uma pessoa, um voto”, independentemente do capital ou das cotizações dos seus membros. 2.4. Grupos das entidades da Economia Social As instituições/Organizações assumem um papel preponderante no desenvolvimento da Economia Social. Os intervenientes apresentados seguidamente são os impulsionadores da Economia Social, uns como maior importância do que outros, mas em tempo de crise o espírito cooperativo faz toda a diferença entre o êxito e o fracasso (Coutinho, 2003). Seguidamente irá ser abordado as principais tipologias das instituições sociais presentes em Portugal, conforme o exposto no artigo n.º 4 da Lei n.º 30/2013. Cooperativas As cooperativas na sua constituição e funcionamento são pessoas coletivas autónomas, de livre constituição, de capital e composição variáveis, que, através da cooperação e entreajuda dos seus membros, obedecem aos seguintes princípios cooperativos: adesão voluntária e livre, administração democrática pelos associados, participação económica dos membros, autonomia e independência, intercooperação, educação e informação e interesse pela sociedade. Estas visam, sem fins lucrativos, satisfazer as necessidades e aspirações económicas, sociais ou culturais dos sócios (Lei nº 51/96, 7 de Setembro). Associações Mutualistas As mutualistas encontram-se reguladas pelo Código das Associações Mutualistas, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 72/90, definindo a sua natureza como sendo instituições particulares de solidariedade social com um número ilimitado de associados, capital indefinido e duração indeterminada, no qual o objetivo primordial é o auxílio recíproco dos seus associados e familiares. 7 Misericórdias As irmandades da misericórdia ou as santas casas da misericórdia são associações constituídas de acordo com o direito canónico com o objetivo primordial de satisfazer necessidades sociais e de efetuar atos de culto católico (Instituto Nacional de Estatística, 2013). Fundações Uma fundação é uma pessoa coletiva, sem fins lucrativos, atribuída de um património razoável e irrevogavelmente destinado à prossecução de um fim de interesse social. São considerados como fins de interesse social aqueles que se traduzem num benefício para a sociedade e não em favor do seu fundador ou pessoas das suas relações (Instituto Nacional de Estatística, 2013). Instituições Particulares de Solidariedade Social (IPSS) As IPSS estão reguladas pelo Estatuto das Instituições Particulares de Solidariedade Social, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 119/83. Este define-as como sendo fundadas por iniciativa de particulares, sem qualquer finalidade lucrativa, uma administração própria e com o propósito de dar expressão organizada ao dever moral de solidariedade e de justiça entre os indivíduos. Associações e outras organizações da Economia Social As associações são pessoas coletivas sem fins lucrativos, cujos associados se agrupam em torno de objetivos e necessidades comuns. Neste conjunto são consideradas todas as organizações que não são contempladas nos grupos anteriores: as associações com fins altruísticos que atuem no âmbito cultural, recreativo, do desporto e do desenvolvimento local; as instituições abrangidas pelo subsetor comunitário e autogestionário, integrados nos termos da Constituição no setor cooperativo e social e outras entidades dotadas de caráter jurídico, que respeitem os princípios da Economia Social (Lei n.º 30/2013). 8 3. O contexto da crise económica e social A terceira secção tem por objetivo principal explicar de forma sucinta a origem da crise mundial e o seu impacto negativo no progresso português, particularmente a nível social e económico. 3.1. A origem da crise mundial (2008-2013) Alguns autores referem a ideia de que as principais crises financeiras do capitalismo são aquelas vivenciadas pela Grande Depressão (crise de 1929) e a recente crise financeira, no entanto, não são comparáveis devido a um conjunto de fatores (Braga & Vincelette, 2011; Jansem & Uexkull, 2010) Os Estados Unidos da América (EUA) estiveram no epicentro desta crise financeira por efeito de gestões pouco claras e ambiciosas que podem ser explicadas através de fatores macroeconómicos e microeconómicos (Silva, 2010; Mackenzie, 2011). A união destes fatores originou a crise do Subprime, que consiste numa crise financeira desencadeada a partir do crédito hipotecário de alto risco a um tomador que não dá garantias suficientes para beneficiar de taxas de juro mais baixas e vantajosas, conduzindo diversos bancos a uma posição de insolvência (Mackenzie, 2011). Esta situação originou que os governos tivessem que injetar dinheiro nas instituições bancárias em dificuldade de sobrevivência (Silva, 2010). Por efeito da globalização e do livre acesso ao mercado, a Europa foi contaminada por fenómenos como a crise do Subprime e a dívida soberana na Europa, que conjuntamente agravaram o impacto da crise e causaram maiores obstáculos quanto à retoma financeira (Lane, 2012). 3.2. O impacto da crise em Portugal Portugal, por pertencer à União Europeia encontrava no mercado soberano uma ótima forma de se financiar em condições favoráveis, através de taxas baixas e de um prazo alargado. Tal parecia ser uma medida inteligente, se o capital obtido fosse aplicado para investimentos em projetos reprodutivos e geradores de rendimento (Condesso, 2011). 9 A conjetura financeira atual veio agravar as fragilidades da economia portuguesa que enfrenta hoje um dos maiores desafios da sua história, devido à mudança de paradigma no financiamento soberano, fazendo com que as condições de acesso aos mercados de financiamento internacionais se deteriorassem de forma acentuada, dando lugar a sérias preocupações relativas à solvabilidade das instituições (Condesso, 2011; Gomes, 2012). Nesse sentido, Portugal enfrenta graves problemas porque tem de recorrer novamente ao mercado, pois não possui ativos nem rendimentos para pagar os financiamentos. Assim, o governo executou medidas de austeridade, no entanto, sem sucesso (Gomes, 2012). Face à fragilidade financeira, à exigência do mercado e à pressão da União Europeia, o Governo Português cedeu às exigências acabando por pedir ajuda externa, assim como os pacotes de austeridade, assente nos cortes e reduções de verbas por diferentes setores da economia (Gomes, 2012). Assim, a presente crise teve um impacto negativo tanto a nível financeiro, económico e social, bem como a nível político. Em Portugal, o contexto atual fez acentuar inúmeros fatores, como por exemplo: a geração de pobreza, aumento do desemprego, redução de salários e os reflexos nos ritmos de crescimento económico, nas transferências sociais e na extensão e na qualidade dos serviços públicos (Silva, 2010). Perante esta situação, os portugueses vivem um período conturbado no qual o Estado está incapacitado de estruturas e de dar resposta aos pedidos de ajuda que chegam dos vários setores da sociedade (Caminal, 2011). Este espaço vazio deixado pelo Estado é preenchido por estruturas da sociedade civil que tentam colmatar algumas das carências de emprego e inclusão social trabalhando para a erradicação da pobreza, promovendo o desenvolvimento local e regional. Este tipo de iniciativas tem vindo a assumir os limites de uma economia paralela, muitas vezes designada de Economia Social (Neves, 2010). 10 4. Economia Social: um pilar para o desenvolvimento socioeconómico Esta secção tem por objetivo primordial demonstrar a importância da Economia Social como um pilar para combater a crise, principalmente na promoção da coesão social, do emprego, da inovação e do desenvolvimento local e regional. Contudo, o seu contributo poderá ser colocado em causa devido aos limites de sustentabilidade. 4.1. A importância da Economia Social Presentemente, a designada nova Economia Social está a transformar-se num setor cada vez mais emergente e que a cada dia que passa se torna cada vez mais indispensável se se quiser dar uma resposta adequada para os novos desafios da sociedade e da economia global (CIRIEC, 2007). Apesar de não serem exclusivas de hoje, a sua consolidação e ampliação tornam-se mais urgentes face ao contexto atual de crise económica mundial e das consequências sociais que provocou (Neves, 2010). Assim, através de um conjunto de caraterísticas distintivas e de iniciativas de caráter solidário procuram responder às diversas necessidades para as quais o setor público e o privado não conseguem, ou não desejam, encontrar respostas (Caeiro, 2008; Couto, Santos & Guerra, 2012). A Economia Social apresenta uma série de atributos essenciais, como a competência de oferecer novas respostas às carências sociais conjugando rentabilidade e solidariedade, associando a produção, o desenvolvimento sustentável e potenciando o exercício da cidadania ativa e da responsabilidade social empresarial (Liz, 2010). Pela sua natureza, também procura dar resposta às carências de bens e serviços da sociedade, aproveitando os recursos disponíveis na criação de emprego e na aplicação de uma responsabilidade partilhada e inspirada por valores humanos e cívicos (Silva, 2010). Assim, tem vindo a construir-se uma visão de que este conceito pode desempenhar um papel importante nas economias através da criação de valor acrescentado e equilibrando o crescimento económico (Neves, 2010). Nesse contexto, adquire maior visibilidade a projeção de estratégias e políticas de desenvolvimento que venham a ser tomadas para enfrentar esta crise e prevenir e erradicar a pobreza (Silva, 2010). 11 Na União Europeia o termo tem vindo a ser reconhecido e a assumir um papel cada vez mais relevante, declarando através de uma publicação que “a Economia Social ao aliar rentabilidade e solidariedade, desempenha um papel essencial na economia europeia, criando empregos de elevada qualidade, reforçando a coesão social, económica e regional, gerando capital social, promovendo a cidadania ativa, a solidariedade e um tipo de economia com valores democráticos que põe as pessoas em primeiro lugar, para além de apoiar o desenvolvimento sustentável e a inovação social, ambiental e tecnológica” (Instituto Nacional de Estatística, 2013). O nosso país também não ficou indiferente ao setor reforçando ainda mais a relevância como um mediador entre a população e o Estado, através de serviços prestados a um valor baixo e com resultados a curto prazo (Silva, 2010). Estes desafios demonstram a origem do interesse no papel que a nova Economia Social pode desempenhar no bem-estar sociedade, o papel relevante na gestão e a superação da presente crise, evidenciando o alcance forte e extensivo a vários domínios da atividade humana e a barreira para enfrentar as lacunas deixadas pelo setor público e privado (Liz, 2010; CIRIEC, 2007). 4.2. A Economia Social como um instrumento de interesse público A principal tendência que pode ser observada recentemente no progresso da economia social é a sua consolidação na comunidade europeia enquanto “pólo de utilidade social” multidimensional proporcionando a coesão social, o desenvolvimento local e regional, a inovação e o emprego (CIRIEC, 2007). a) Coesão social O conceito de economia social está intimamente ligado ao progresso e coesão social. A coesão social possui uma componente cultural, no sentido de influenciar a sociedade a querer ser coesa. Todo o movimento desenvolve-se na conjuntura cultural que é ou não favorável á coesão da comunidade. Essa componente cultural deve ser das pessoas em geral (CIRIEC, 2007). 12 No nosso país e na Europa, diversas instituições têm um contributo decisivo no combate à pobreza, à desigualdade social, ao desemprego e à insegurança, sendo estes os maiores problemas por resolver (Silva, 2010). Por exemplo, a EAPN é uma rede de organizações e indivíduos empenhadas no combate à pobreza e exclusão social que está representada nos outros EstadosMembros e em Portugal pela EAPN Portugal à semelhança de em outros EstadosMembros. Esta organização tem como principal missão “defender os direitos humanos fundamentais e garantir que todos tenham as condições necessárias ao exercício da cidadania e a uma vida digna, promovendo a luta contra a pobreza e a exclusão social, o trabalho em rede e o envolvimento de toda a sociedade civil” (EAPN Portugal). A Economia Social tem demonstrado a sua capacidade no aumento dos níveis de coesão social sob duas formas. Em primeiro contribuiu para a integração social e laboral de pessoas e regiões desfavorecidas e em segundo lugar, a sociedade reforçou a sua cultura democrática (CIRIEC, 2007). A sua orientação para a capacitação individual através da responsabilidade social tem proporcionado um bom nível de integração para os jovens, as mulheres, os imigrantes e as minorias étnicas (Liz, 2010) b) Desenvolvimento local e regional A Economia Social é um instrumento para o desenvolvimento local e regional. De facto, demonstra um grande potencial na iniciação de processos de desenvolvimento endógeno em áreas rurais, na reativação de regiões industriais em declínio e na reabilitação e revitalização de áreas urbanas degradadas (CIRIEC, 2007). No contexto de globalização em que vivemos a transferência de processos de produção é um desafio constante para as regiões. Dessa maneira, a economia social com base em princípios democráticos e na participação dos cidadãos, pretende manter a gestão do processo económico nas mãos da sociedade da zona em questão, munindo as empresas de maior proteção no contexto local e oferecendo maior autonomia ao poder local na definição do respetivo modelo de desenvolvimento (CIRIEC, 2007). 13 c) Inovação O contributo da Economia Social para as várias dimensões da inovação é particularmente importante no contexto da sociedade (CIRIEC, 2007). Os recursos que o Estado dispõe para distribuir são cada vez mais reduzidos e, por isso, é necessário trabalhar atendendo à inovação (Soares et al, 2013). O contato direto entre o setor social e a sociedade dá-lhe a competência de detetar novas necessidades, de as direcionar para o setor público e privado e, sempre que adequado de dar respostas inovadoras. Este cariz fica evidente nas medidas precursoras de segurança social das sociedades mútuas e de caridade do século XIX, mas também na conceção e disseminação de novas ideias de governação institucional (CIRIEC, 2007). Através da aposta na inovação social também se pretende descobrir novas áreas de intervenção com programas de apoio ao desenvolvimento social, criando novos empregos (Soares et al, 2013). Contudo, a inovação social não tem recebido um financiamento equilibrado por parte do setor público e do setor privado, dando-se preferência ao financiamento de inovações tecnológicas em prejuízo de inovações onde a Economia Social assume maior liderança (CIRIEC, 2007). d) Emprego É na regulação dos numerosos desequilíbrios do mercado de trabalho que a maisvalia da Economia Social transparece de forma mais visível e explícita (CIRIEC, 2007). O setor social cumpre um papel particular na integração social e profissional de indivíduos que se encontram à margem do mercado do trabalho através da criação de emprego, na conservação de postos de trabalho em setores ou empresas em crise, na transferência de empregos da economia paralela para a oficial (CIRIEC, 2007; Liz, 2010; Neves, 2010). Em Portugal, nas últimas décadas os dados estatísticos têm demonstrado que o volume de emprego criado pela Economia Social assume menor preponderância relativamente a outros países da Europa, no entanto não deixa de ser significativo particularmente na era atual e porque gera mais emprego do que outros setores da economia (CIRIEC, 2007) 14 O emprego pode ser criado pela Economia Social através da forma direta e indireta. A criação de emprego de forma indireta, com caraterísticas do chamado emprego clássico, já que não constitui uma finalidade destas organizações, mas um meio necessário para as edificar e possibilitar uma atividade produtiva, sendo recrutados trabalhadores com vínculo de trabalhadores efetivos. Por outro lado, o emprego pode surgir de forma direta como finalidade para criar emprego (Gomes, 2012). 4.3. As limitações da Economia Social A atual crise traça um papel relevante para a Economia Social. Esta terá de dar resposta a um maior número de pessoas com menos fundos, mas mantendo a mesma qualidade nos seus serviços e projetos (Santos, 2012; Azevedo, Franco & Meneses, 2010). No entanto, as organizações da Economia Social lidam diariamente com o conceito de sustentabilidade, que atingiu efeitos maiores através do agravamento da atual conjuntura económica e social que proporcionou efeitos de dimensão extraordinária. Esta situação de alarme torna-se cada vez mais visível, uma vez que os recursos que já eram escassos em épocas mais favoráveis tornaram-se inexistentes, devido ao aumento da procura por parte das famílias com menos autonomia financeira (Santos, 2012; Azevedo, Franco & Meneses, 2010). Dada a importância do setor e a sua dependência de fundos externos às organizações, a Economia Social não pode estar sujeita à incerteza de financiamento. A dependência económica revela-se um fator crítico de sucesso a médio e longo prazo (Santos, 2012). Conforme o observado na Figura 1, o peso das receitas era o seguinte: Figura 1: Peso das Receitas no terceiro setor 15 Fonte: Elaboração própria 16 De modo geral, o setor da Economia Social em Portugal apresenta grandes fragilidades a nível de recursos técnicos, a rigidez do sistema de segurança social, a enorme presença das organizações de caráter religioso, a falta de formação dos cargos de direção, o fraco envolvimento da sociedade civil e a elevada dependência de financiamento por parte de fundos públicos (Neves, 2010; Silva, 2010). O grande desafio por parte destas organizações é melhorar a sua eficácia e eficiência, ou seja, melhorar a aplicação de recursos e conseguir atingir os objetivos a que se propõem, uma vez que têm um certo grau de dependência do Estado. Este tem vindo a verificar uma diminuição no financiamento, devido às restrições orçamentais crescentes, o que pode pôr em causa a sobrevivência de várias organizações (Gomes, 2012). A consciencialização desta necessidade é o primeiro passo para fazer face a este desafio. Uma utilização eficiente dos recursos, sobretudo os financeiros, poderá ter um impacto considerável no seu desempenho e na sua sustentabilidade económica (Santos, 2012; Azevedo et al, 2010). 5. Considerações Finais O estudo pretendeu analisar o papel e o potencial da Economia Social para combater a atual conjuntura económica e social, no âmbito nacional e internacional. Face ao atual contexto da sociedade e conjuntura económica e social a Economia Social adquiriu uma importância essencial. Presentemente é considerada um pólo de utilidade social proporcionando a coesão social, o desenvolvimento local e regional, a inovação e o emprego. O termo acentua a sua importância quando face ao atual contexto se assume como um grande aliado à incapacidade do setor público e desinteresse do setor privado, na resolução dos problemas e necessidades sociais. No entanto, as organizações da Economia Social apresentam fragilidades ao nível da sustentabilidade, que atingiu efeitos maiores através do agravamento da atual conjuntura que proporcionou efeitos de dimensão extraordinária. Esta posição torna-se visível, uma vez que este setor tem uma forte dependência de fundos externos. Neste enquadramento a Economia Social deverá obter uma melhor gestão sobre os seus recursos e identificar outras opções. Uma utilização eficiente dos recursos 17 poderá ter um impacto considerável no seu desempenho e na sua sustentabilidade económica. 5.1. Limitações do estudo A escassez de estudos e o número reduzido de investigadores sobre a Economia Social limitou a presente investigação, uma vez que não permitiu compreender um conjunto de opiniões diversas sobre a temática, bem como obter uma visão crítica e consistente. 5.2. Sugestões para investigações futuras Para futuras investigações propõe-se que se amplie o estudo demonstrando outras formas pelas quais a Economia Social assume grande relevância, nomeadamente, na manutenção e geração do tecido económico, reforço da democracia e no desenvolvimento científico devido à escassez de pesquisas académicas realizadas na área. Por outro lado, a situação da Economia Social também pode ser abordada juntamente com a teoria da dependência dos recursos e a teoria institucional. 18 Referências bibliográficas Amaro, R. (2005). Toda a economia deveria ser solidária. Acedido em 16 de Outubro de 2013, disponível em: http://www.esquerda.net/media/rogerio_roque_amaro.pdf. Assembleia da República. Constituição da Republica Portuguesa [publicação]. Acedido em 16 de Outubro de 2013, disponível em: http://www.parlamento.pt/Legislacao/Paginas/ConstituicaoRepublicaPortuguesa.aspx# art82. Azevedo, C., Franco, R.C. e Meneses, J.W. (2010). Gestão de Organizações sem Fins Lucrativos. O desafio da inovação social, Vida Económica. Braga, A. & Vincelette, G. (2011). Sovereign debt and the financial crisis: will this time be different?. Washington: World Bank. Caeiro, J. (2008). Economia social: conceitos, Fundamentos e tipologia. Revista Katálysis. Vol. 11, pp. 61-72. Caminal, R. (2011). The EU Architecture to Sovereign Deb Crisis. Journal Financial Market Trends. CIRIEC: Comité Económico e Social Europeu (2007). A Economia Social na União Europeia. Acedido em 16 de Outubro de 2013, disponível em: http://bookshop.europa.eu/pt/a-economia-social-na-uni-o-europeia-pbQE7007068/. Condesso, F. (2011). Portugal em Crise: Pela Reforma Global do Sistema Político e das Políticas Públicas, Livros do Brasil. Coutinho, M. (2003). Economia Social em Portugal. A emergência do Terceiro Sector na Política Social. Lisboa: Centro Português de Investigação em História e Trabalho Social (CPIHTS) e Associação dos Profissionais de Serviço Social (APSS). Couto, A., Santos, M. & Guerra, P. (2012). A importância da economia solidária na promoção da coesão social: breve reflexão a partir do caso português. Boletim do Mercado de Trabalho, Vol. 52. Decreto-Lei n.º 72/90, de 3 de Março. Código das Associações Mutualistas. Diário da República, 1ª Série. 19 Decreto-Lei nº 119/83, 25 de Fevereiro. Estatuto das Instituições Particulares de Solidariedade Social, Diário da República, 1ª Série, 46. EAPN Portugal. Missão da EAPN Portugal. Acedido em 6 de Dezembro de 2013, disponível em: http://www.eapn.pt/quemsomos.php?ID=26 Gomes, N. (2012). Os projetos organizacionais da economia social no contexto da crise atual. Dissertação de Mestrado, ISCTE, Lisboa. Instituto Nacional de Estatística (2013). Conta Satélite da Economia Social 2010. [publicação]. Acedido em 16 de Outubro de 2013, disponível em: http://www.ine.pt/xportal/xmain?xpid=INE&xpgid=ine_publicacoes&PUBLICACOESpub _boui=157543613&PUBLICACOESmodo=2. Jansen. M. & Uexkull, E. (2010). Trade and Employment in the Global Crisis. International Labour Office. Lane, P. (2012), The European Sovereign Debt Crisis. Journal of Economic Perspectives. Vol. 26. Lei n.º 30/2013, de 8 de Maio. Lei de Bases da Economia Social, Diário da República, 1ª Série, 88. Lei nº 51/96, 7 de Setembro. Código Cooperativo, Diário da República, Série A. Liz, J. (2010). A economia social na Europa: uma perspetiva da sociedade civil. Revista Dirigir, n.º 109. MacKenzie, D. (2011). The Credit Crisis as a Problem in the Sociology of Knowledge, AJS, Vol. 116. Neves, C. (2010). As potencialidades da economia social para a geração de emprego e realização pessoal. Revista Dirigir, n.º 109. Oliveira, I. (2012). Economia Social, Pilar de um Novo Modelo De Desenvolvimento Económico Sustentável. Dissertação de Mestrado, Instituto Superior de Contabilidade e Administração do Porto, Porto. 20 RIIBES - Rede de Informação do INE em Bibliotecas do Ensino Superior (2013). Economia Social. Acedido em 16 de Outubro de 2013, disponível em: http://www.ine.pt/xportal/xmain?xpid=INE&xpgid=ine_cont_inst&INST=80066558&xlan g=pt Santos, M. (2012). Contabilidade de Gestão no Terceiro Setor. Dissertação de Mestrado, ISCTE, Lisboa. Silva, M. (2010). Enfrentar a crise. Erradicar a pobreza – o contributo da economia social. Acedido em 4 de Dezembro de 2013, disponível em: http://www.gep.msess.gov.pt/edicoes/revistasociedade/41_7.pdf Soares, C., Fialho, J., Chau, F., Gageiro, J., & Pestana, H. (2013). A Economia Social e a sua Sustentabilidade como Fator de Inclusão Social. Acedido em 16 de Outubro de 2013, disponível em: http://www.poatfse.qren.pt/upload/docs/Diversos/ESTUDOS/Relatorio%20Final.pdf 21