COMUNICAÇÃO E NÃO COMUNICAÇÃO Ruth Goldemberg* A solicitação que nos fizeram, para falar de Comunicação e Não Comunicação nos leva a pensar inicialmente nas mudanças enormes que aconteceram e continuam acontecendo em nossa cultura, não somente a partir das duas grandes guerras que abalaram o mundo, mas também no desenvolvimento cientifico e tecnológico que elas provocaram, o que nos obriga a uma nova compreensão e a novas formas de viver o mundo atual. Se para Freud, o ponto fundamental de sua teoria, encontrava-se na observação de patologias onde o ego e a mente estavam relativamente preservados, a interpretação era sem dúvida a técnica efetiva para o bom efeito do tratamento: deitar-se no divã, associar livremente, comparecer pontualmente 4 a 5 vezes por semana... e da parte do analista, a neutralidade ,a atenção flutuante, a percepção de atos falhos, e partindo de uma teoria estabelecida, trazer a interpretação que provocaria novas associações... trazendo gradativamente as representações recalcadas. Será que isto seria possível atualmente? Os costumes mudaram, os valores se relativizaram, a liberdade sexual provocou novos comportamentos tanto em homens como em mulheres, nessas principalmente, divididas em serem boas mães e esposas, e ao mesmo tempo atendendo as exigências de trabalho, estudo, estética, etc... O ambiente familiar tradicional é raramente encontrado, as relações conjugais muito menos estáveis... Como fica o desenvolvimento maturacional das crianças, e conseqüentemente os adolescentes e adultos de hoje em dia? *Psicóloga. Especialização em Psicologia clínica. Ex Supervisora do Serviço de Psicologia Aplicada-PUC Ex Diretora do Curso de Psicologia-USU onde também exerceu as funções de professora e supervisora. Membro associado da Sociedade de Psicanálise Iracy Doyle e-mail: [email protected] 1 As pessoas que nos chegam hoje ao consultório, de um modo geral são pessoas tensas, angustiadas, confusas, com pouca disponibilidade de tempo para relaxar e associar livremente... e muitas vezes, num nível alto de ansiedade, a fala compulsiva e superficial, sem possibilidades de refletir e pensar sobre o que lhes seja dito... A interpretação parece ter perdido seu lugar soberano de comunicação... Winnicott foi um dos primeiros a se dar conta da necessidade de novas formas de contato, que possibilitassem o processo de transferência e o estabelecimento de uma relação confiável no setting, onde não somente a palavra, mas também os afetos pudessem aflorar, serem reconhecidos, aceitos, e passiveis de reformulação. É dele a famosa frase: “Quando o paciente precisa de análise, eu sou um analista fazendo análise. Quando o paciente necessita outra coisa, eu sou um analista fazendo “outra coisa” Como continuar sendo um analista fazendo "outra coisa”? Esta “outra coisa”, colocada de forma tão vaga, mas que certamente deveria ter a função de estabelecer a transferência, a intersubjetividade, favorecer a comunicação, se tornou objeto e preocupação e estudo de muitos psicanalistas atuais, a fim de facilitar e promover efetivamente o nosso trabalho. Assim, Kestenberg e Weinstein, psicólogos americanos, nos anos 70, pesquisaram em centros pediátricos, a importância do contato corporal entre a mãe e o bebê logo nos primeiros dias de vida. (fase de preocupação materna primária). Observaram que a mãe e o bebê, abraçados no ato de amamentação, provocam no bebê, experiências muito importantes para o seu desenvolvimento psíquico. O inspirar e expirar conjuntamente, i.é, ao mesmo tempo, provocam as experiência de união e separação, fundamentais para as futuras relações objetais, que poderão se realizar sem maiores angústias. 2 Assim também, o ritmo de sucção e deglutição do leite materno, muitas vezes complicado nas primeiras mamadas, vai se organizar: a quantidade de leite vai se produzir de acordo com a capacidade de sucção e deglutição do bebê permitindo uma alimentação satisfatória. Glaser vai nos dizer, que estas experiências corporais ocasionam os primeiros registros psíquicos no Sistema Nervoso Gama, da medicina chinesa e, com o desenvolvimento do Ego bem como do Sistema Nervoso Central, vão constituir o Aparelho Psíquico propriamente dito. Também neste sentido, Renata Gaddini, fez um estudo muito interessante, relacionando os excessivos afastamentos maternos no inicio da vida do bebe com as psicossomatoses. O regurgitamento, seria uma forma do bebê voltar a engolir o leite, numa sensação de que a mãe estaria ainda presente. A cólica do 3*mês, época em que a mãe normalmente já se afasta por mais tempo do bebê, seria como um protesto contra essa separação. A asma, (perda de respiração), uma ameaça de morte pelo afastamento da mãe, (sejam afastamentos reais ou psíquicos, como na depressão materna). Desta primeira fase pós-nascimento e mesmo na fase intra-uterina, com os avanços tecnológicos, possuímos hoje pesquisas mais sofisticadas, que mostram as reações do bebê, consonantes com as emoções maternas, como raiva, susto, medo, alegria.(Golse) Thomas Ogden, psicanalista contemporâneo da Escola Britânica, vem desenvolvendo as teorias de relações objetais.. Propõe uma nova posição dentro da linha kleiniana, a posição “autista contigua”, anterior à posição esquiso-paranoide, onde o bebê reage aos sentimentos maternos, provocando registros sensoriais positivos e negativos, e gerando as formas mais elementares de vivências humanas, Para Ogden, este é um modo dominado pelos sentidos, onde o sentido mais rudimentar de Self se constrói ao ritmo das sensações (Tustin 1984). A vivência do Self neste ponto é um estado não reflexivo, de “continuar existindo” pessoalmente. O mamar rítmico, o contato pele a pele, os sons harmônicos, o calor, o frio, a textura, tudo isso se integra permitindo as primeiras experiências de apego e separação, criando, ou não criando, uma vivencia sensorial tranqüilizadora. Ogden, ao usar o conceito de “posição”, propõe que paralelamente á essa posição autista-contígua, existe sempre um aspecto do paciente que funciona 3 no modo depressivo, o que vai permitir o uso da palavra,e sua integração no processo terapêutico.. Porém, a ruptura da continuidade dessas vivências primitivas, vai resultar nas angústias impensáveis, na sensação de cair no espaço sem fim (Winnicott), em suma, na ausência de holding, de sustentação. As experiências aqui relatadas, evidenciam que “o corpo fala” isto é, através de sensações e sentimentos , é possível uma comunicação em situações em que o simbólico não consegue ser ativado. André Green, também vai se preocupar com a questão da comunicação entre terapeuta e paciente, quando aborda a questão do “negativo”isto é, ausência de representação no Inc. de traumas acontecidos precocemente. Um texto muito importante de sua teoria é “A mãe morta”: a mãe depressiva, que incapacitada de sentir afeto pelo outro, não consegue dar ao bebê o holding necessário para seu desenvolvimento psíquico normal,provocando muitas vezes a “psicose em branco”, isto é, uma psicose sem representação. Usando a cisão como defesa primitiva, a criança consegue evoluir em alguns aspectos, (geralmente na parte intelectual) enquanto outra parte permanece em estagio primitivo, provocando uma ansiedade , uma experiência de perda à nível narcísico.. Houve uma descatexia maciça que deixou no Ics, traços na forma de “buracos psíquicos”, tendo como conseqüência uma ausência de representação, ocasionando , problemas de impotência, de incapacidade para amar, de realizar projetos, e principalmente uma identificação com o objeto perdido. Uma excitação autoerótica se estabelece na busca de puro prazer sexual. Uma necessidade frenética de prazer, e como consequência, vários tipos de compulsão – drogas, sexo, intelecto, arte, embora nenhuma delas consiga desempenhar um papel estabilizador na economia psíquica. Green vai considerar que este tipo de paciente dificilmente consegue estabelecer uma relação transferencial com o analista, nem receber e elaborar uma interpretação.. Para Winnicott, que também trabalha com o negativo embora não use essa terminologia, nestas situações, a coisa real é a coisa que não está ali, o nãoobjeto é o objeto. Um Não -objeto que causa uma angustia sem nome, um vazio impossível de ser preenchido, a busca de algo que não se sabe o que é, e nada é capaz de aliviar esta sensação. Nada? 4 Até agora falamos de varias formas em que este vazio se apresenta e se torna um desafio em nosso trabalho. Isto vem nos exigindo repensar as nossas técnicas, buscar novas maneiras de estabelecer contato com esses pacientes difíceis..... Winnicott, vai nos propor novas formas de atendimento, de acordo com os processos de maturação. Vai ele nos dizer, que para este tipo de pacientes, a ênfase, vai recair frequentemente no “manejo” e por vezes, passam-se longos períodos em que o manejo ocupa a totalidade do espaço. E mais adiante: Para este trabalho é necessário: a) A crença numa possibilidade de correção da falha original. b) Uma provisão ambiental especializada, seguida por uma regressão propriamente dita. c) Um novo desenvolvimento emocional. Manejo, significa basicamente um holding, um atendimento em que a sensibilidade , a capacidade de empatia do analista, mas também o tom de voz, o ritmo , o gesto, enfim, todas as ressonâncias que possam ser percebidas no setting pelos dois parceiros, vão possibilitar o estabelecimento de uma relação transferência/contratransferência produtiva, permitindo assim, um real “encontro”. Gilberto Safra, vai considerar o gesto como uma forma criativa, uma ação que rompe o estabelecido, ao mesmo tempo em que traz uma esperança de continuidade de vida e de anseios pelo futuro. Uma ação que é transição, originando novos sentidos, novos objetos transicionais,novas formas de se entender e viver a vida mais plenamente. Winnicott tem uma frase interessante a esse respeito: “Being myself and behaving myself.” Uma dialética de implicação e reserva, tanto na análise padrão como nesta análise modificada. Significa sair da neutralidade (impossível) para uma intersubjetividade onde a posição do analista fica preservada, por mais amplo que seja o holding dado. O paciente sentindo-se acolhido, bem acompanhado, confia e espontaneamente regride à situação mais primitiva, quando sucedeu a falha. Pode agora então. expressar toda a raiva, todo o medo que ali estavam congelados, incapacitados de se expressar, e fazer o caminho de volta, agora mais livre para o seu desenvolvimento 5 maturacional, que antes não tinha sido possível., Com o ego mais fortalecido, vai gradualmente criando um Espaço Potencial, lugar onde a interpretação surge como um Objeto Transicional, podendo ser aceito, repudiado, e recriado novamente, desenvolvendo assim a capacidade de simbolização, a criação de uma mente pensante, reflexiva e avaliadora ,abrindo-se agora,(se for o caso) para uma análise padrão. O Espaço Potencial, neste processo, torna-se um espaço de sonho, onde as comunicações serão recebidas e modeladas pelas subjetividades ali presentes,caracterizando um estado mental incerto, indeterminado , com muitas possibilidades, muitas contradições. Contudo, é este estado de sensibilidade, esta capacidade de experimentar sensações e emoções, que vai permitir este “encontro” fundamental, permitindo o surgimento de novas compreensões (o terceiro analítico que surge do “encntro”). É um processo, no qual, diria Winnicott, ambos, terapeuta e paciente podem exercer a sua capacidade de brincar. Nosso tempo está terminando, gostaria por exemplo de falar um pouco sobre a questão do silêncio, muitas vezes considerado como uma resistência, mas que também pode ser uma forma de comunicação, de comunhão, e mesmo de revivência da união arcaica com o objeto-mãe, em nível pré-verbal. Mas deixemos que as questões aqui provocadas abram outras portas em nosso debate, permitindo o desenvolvimento das mesmas, e espaço para novas questões. BIBLIOGRAFIA 6 Abram,Jan: “André Green e a Fundação Squiggle” – Ed. Roca Giovacchini,Peter L: “Táticas e Técnicas Psicanalíticas” – Ed.Artes Médicas Green,André:”Sobre a Loucura Pessoal” –Ed. Imago Ogden,Thomas: “Os sujeitos da Psicanálise” –Ed. Casa do Psicólogo Safra,Gilberto: “A Pó-ética na clínica contemporânea – Idéias &Letras Winnicott,D.: “Brincar e Realidade” – Ed. Imago “Da Pediatria á Psicanálise” – Ed. Imago 7