METODOLOGIA PARA DETERMINAÇÃO DE MATRIZ ORIGEM/DESTINO UTILIZANDO DADOS DO SISTEMA DE BILHETAGEM ELETRÔNICA André Leite Guerra Heloisa Maria Barbosa Leise Kelli de Oliveira Departamento de Engenharia de Transportes e Geotecnia Mestrado em Geotecnia e Transportes Universidade Federal de Minas Gerais RESUMO Conhecer os deslocamentos da população é fundamental para o planejamento do transporte público por ônibus, sendo a matriz origem-destino, o principal instrumento para os estudos na área. Este artigo apresenta a descrição da metodologia proposta para determinação da Matriz Origem/Destino de um sistema de transporte público por ônibus utilizando informações do Sistema de Bilhetagem Eletrônica e o banco de dados das linhas no Sistema de Informação Geográfica. A principal vantagem relacionada a esta metodologia é a considerável redução de custo e tempo de produção da matriz final quando comparada com o método tradicional, sendo possível a sua frequente atualização. A aplicação para a cidade de Maceió (AL) indica que a metodologia pode ser utilizada na geração de informações para o planejamento do transporte público por ônibus. ABSTRACT The knowledge of the population movements is fundamental for bus public transport planning, being the OD matrix the main tool for the studies in this field. This article presents the proposed methodology for determining the Origin/Destination Matrix of a public transit system using information from Automatic Fare Collection System and GIS-based data from the transit network. The main advantage of this methodology is related to the considerable reduction in cost and production time of the final matrix compared to the traditional method, which makes possible its frequent update. The application in Maceio City indicates that the methodology may be used to generate information for bus public transport planning. 1. INTRODUÇÃO O espaço urbano, tanto na sua estrutura física como nos aspectos de uso e ocupação, apresenta uma forte relação com o transporte. Cunha (2005) destaca que as correlações entre os desenhos urbanos, a estrutura operacional e o desenho viário manifestam-se de forma natural com o desenvolvimento das cidades. Nas cidades monocêntricas as linhas de transporte tendem a ser radiais e diametrais e as cidades policêntricas estimulam, espontâneamente, a transferência e a integração entre linhas. Neste contexto, a estimativa da demanda por transportes torna-se uma das etapas fundamentais no planejamento e operação de sistemas de transportes (Kanafani, 1983 apud Bertoncini, 2007), tornando possível, por exemplo, planejar um novo sistema de transporte, reestruturar sistemas existentes e/ou programar/reprogramar linhas. Para tanto, diversas metodologias de modelagem de demanda foram desenvolvidas para auxiliar o planejamento de transporte. Entre estas, merece destaque aquelas que captam os desejos de viagem dos habitantes das cidades, coletando não só a origem e o destino de seus deslocamentos como também as variáveis de tempo a eles associados (início, fim, duração), o modo de transporte utilizado e os motivos da realização do deslocamento, além de informações socioeconômicas, consubstanciando as chamadas Matrizes de Origem/Destino (Matrizes OD). Segundo Caceres et al. (2008), tais matrizes são utilizadas para quantificar e sintetizar a mobilidade associada a pessoas e mercadorias, fornecendo o número de viagens realizadas entre cada zona de origem e destino em um determinado período de tempo, representando, portanto, a demanda por transporte em uma área. Segundo os mesmos autores, as zonas que compõem as origens e os destinos são definidas por critérios sociais e econômicos ou aglomerações populacionais que correspondem a áreas que podem ter uma relação de causa com a troca de demanda que ocorre entre elas. Contudo, a dimensão de custos financeiros e administrativos que envolvem a realização de uma pesquisa para obtenção da matriz OD, faz com que a sua periodicidade seja baixa e a sua amostra relativamente pequena (cerca de 5% do universo), sendo realizada geralmente a cada dez anos. Como o espaço urbano está em constante processo de transformação, as informações recolhidas logo entram em obsolescência, acarretando novos problemas para o planejamento urbano. Assim, é constante e primordial o desenvolvimento métodos alternativos para obtenção de matrizes OD que não dependam de levantamento de campo e que sejam menos onerosas. Entre estas alternativas, as metodologias que utilizam dados dos Sistemas de Bilhetagem Eletrônica (SBE) apresentam boas perspectivas, tratando-se apenas das viagens realizadas por transporte público coletivo. Em face de todas estas considerações, ampliando o uso de informações disponíveis para o aprimoramento das atividades de planejamento e programação dos sistemas de transportes, este trabalho explora os métodos existentes de estimativa de matriz OD e apresenta uma metodologia para determinação de uma Matriz OD, baseada no banco de dados do Sistema de Bilhetagem Eletrônica. Para tanto, este artigo encontra-se assim subdividido: na seção 2 são apresentados os aspectos para determinação da matriz OD através de métodos de contagem automática de dados e contagem volumétrica. Na seção 3 encontra-se o detalhamento da metodologia proposta, finalizando o artigo com as considerações finais. 2. DETERMINAÇÃO DE MATRIZ OD UTILIZANDO SISTEMAS DE COLETA AUTOMÁTICA DE DADOS 2.1.Contextualização Os sistemas de Coleta Automática de Dados (ADC, do termo em inglês Automated Data Collection), têm seu uso cada vez mais difundido em todo o mundo. Estes podem incluir os sistemas de Localização Automática de Veículo (AVL, Automatic Vehicle Location), de Contagem Automática de Passageiros (APC, Automatic Passenger Counting) e os Sistemas de Bilhetagem Automática (AFC, Automatic Fare Collection). Os sistemas AVL realizam o rastreamento de veículo baseado na localização geográfica do veículo por satélite, sendo o sistema mais difundido. Os APC determinam a quantidade de passageiros que embarcam e desembarcam em cada ponto de parada de uma linha do transporte coletivo. A contagem dos passageiros pode ser feita através de um sistema de feixes de infravermelho posicionado na porta do veículo. Os feixes, quando interrompidos pela presença de um passageiro, registram sua passagem e, dependendo do sentido, determina se foi um embarque ou um desembarque. Os AFC incluem um grande leque de tecnologias, incluindo bilhete comum (vale-transporte ou passe), ficha plástica ou metálica, ficha com material magnético, bilhete magnetizado, carteira de papel cartão, cartão plástico com informação magnética (smart cad) (Ferraz e Torres, 2004). Os smart cards são a opção mais moderna e flexível de pagamento de tarifa. Segundo Gordillo (2006), os sistemas de bilhetagem se destinam a fornecer uma plataforma barata, rápida segura e amigável ao usuário de coleta de tarifa e de controle de acesso ao serviço. Esses aparatos eletrônicos, conhecidos no Brasil como Sistemas de Bilhetagem Eletrônica, trazem inúmeras vantagens ao transporte em si e aos seus usuários. Trépanier et al. (2008) lembram que o uso desses cartões no transporte coletivo começou a ser explorado nos anos 2000 apesar de eles terem sido inventados no final da década de 1960. Gordillo (2006) destaca que esses cartões estão rapidamente se tornando o padrão global de tarifação nos sistemas de transporte público. Nas grandes cidades brasileiras, os smart cards representam mais de 80% dos vales-transportes, sendo que em 2000, o material mais utilizado era o papel impresso, representando 67% do total (NTU, 2010). 2.2.Determinação de Matriz OD Com o aumento da utilização dos ADC nos sistemas de transporte público em todo o mundo, houve um desenvolvimento recente nas pesquisas envolvendo estimativa de matrizes OD a partir dos dados gerados por esses sistemas de coleta (Cui, 2006). As principais vantagens destes métodos são (Cui, 2006): – Redução de Custo: Além de não envolver equipes de pesquisa, os equipamentos são adquiridos previamente para outros propósitos e são projetados para coletar e arquivar as transações dos passageiros e os eventos do veículo em todas as viagens equipadas; – Elevada amostra: O tamanho da amostra do método baseado em entrevistas é sempre limitado (menores de 5% do universo) devido aos custos envolvidos. O ADC armazena informações de forma ininterrupta nos veículos equipados; – Maior frequência de execução: O custo de produzir um sistema automatizado que processa as informações produzidas pelos ADC e gera a Matriz OD, acontecerá apenas na primeira vez. Todas as vezes que se quiser atualizar a matriz, basta coletar as informações mais recentes do sistema; – Aponta a necessidade de pesquisas por entrevistas mais específicas: Quando os resultados da matriz OD identificam certas áreas de especial interesse, uma pesquisa por entrevista direcionada pode ser conduzida para obter informações detalhadas, não disponíveis nos sistemas ADC. As metodologias já desenvolvidas para os sistemas de transporte sobre trilhos e por ônibus possuem uma diferença básica, já que no primeiro sistema o pagamento da tarifa ocorre nas estações, enquanto que no segundo, quase sempre, o pagamento é feito no interior do veículo. Quando o pagamento é feito nas estações, a origem do passageiro é a estação onde ocorreu a transação. Já nos sistemas por ônibus, os dados gerados pelos AVL são utilizados de forma complementar. Assim, a origem do passageiro é determinada pela posição geográfica do veículo no instante em que o passageiro efetuou a validação do seu cartão. O nível de precisão dessas metodologias é reduzido, por existir uma diferença de tempo entre o embarque do passageiro e o pagamento da tarifa. O controle de acesso na entrada/saída é outro fator que diferencia as metodologias. Segundo Zhao (2004), quando o controle ocorre na entrada, as seguintes suposições são feitas para se inferir o local de desembarque do passageiro: (i) O passageiro inicia sua próxima viagem no destino da viagem anterior; e (ii) O passageiro termina a sua última viagem do dia onde ele iniciou a primeira. 2.3.Aplicações Algumas publicações abordando o uso de dados de sistemas ADC na determinação de matrizes OD já foram apresentadas na literatura internacional. As aplicações ocorreram em diferentes partes do mundo como nos Estados Unidos por Buneman (1984 apud Farzin, 2008), Zhao (2004) e Cui (2006), no Canadá por Trépanier et al. (2007 apud Chapleau et al., 2008; Munizaga et al., 2010) e Trépanier et al. (2008), na China por Lianfu et al. (2007), no Brasil por Farzin (2008) e no Chile por Munizaga, Palma e Mora (2010), Munizaga, Palma e Fischer (2011) e Munizaga et al. (2013), sendo estes os trabalhos mais recentes. 3. METODOLOGIA PROPOSTA A metodologia proposta de determinação de matriz OD infere os locais de origem e destino dos usuários do transporte por ônibus utilizando os dados do SBE e a rede do sistema representada em um sistema de informação geográfica (SIG). Esta metodologia é composta por quatro processos: (i) Montagem da rede de transporte em SIG; (ii) Obtenção e tratamento dos dados do Sistema de Bilhetagem Eletrônica; (iii) Determinação da matriz OD semente; e (iv) Aplicação do modelo OD Matrix Estimation do TransCAD para determinação da matriz OD final. Na Figura 1 é apresentado o fluxograma geral da metodologia proposta. Rede viária, itinerários e dados socioeconômicos Banco de Dados do SBE Montagem da base de dados em SIG Tratamento dos dados do SBE Rede de Transporte em SIG Registros sem erros Aplicação do modelo para determinação da matriz semente Matriz Semente Aplicação do modelo OD Matrix Estimation Contagem da ocupação nos trechos Matriz Final Figura 1: Fluxograma geral da metodologia Além dos processos, são utilizadas três bases de dados primários: (i) Banco de dados do Sistema de Bilhetagem Eletrônica; (ii) Dados do sistema de transporte para construção da rede em SIG, contendo: rede viária, itinerário das linhas do transporte público e dados socioeconômicos para definição do zoneamento como, por exemplo, divisão dos setores censitários e, (iii) Contagens da ocupação das linhas em trechos pré-determinados da rede. O detalhamento das etapas da metodologia está apresentado nas subseções seguintes. 3.1. Montagem da Rede de Transporte em SIG Esta primeira etapa consiste na montagem da base de dados da área de estudo em um software SIG contendo basicamente as seguintes informações: (i) rede viária com informações de distância e velocidade operacional do sistema de transporte; (ii) rede de transporte público com os itinerários das linhas do sistema vigente no mesmo período da base de dados do SBE a ser utilizada; e (iii) divisão da área de estudo em Zonas de Tráfego. 3.2. Obtenção e Tratamento dos Dados da Bilhetagem Eletrônica Os usuais sistemas de bilhetagem eletrônica das cidades brasileiras geralmente produzem dois tipos de informação, cada uma disponível em um formato diferente. O primeiro conjunto de informações relativo às viagens possui os seguintes campos: código identificador da viagem, número da linha, data e hora do início da viagem, data e hora do final da viagem, total de passageiros que pagaram em dinheiro, total de passageiros que pagaram em cartão. O segundo conjunto de informações contempla os registros das transações de tarifa realizadas com cartão eletrônico, possuindo os seguintes campos: código identificador do cartão e da viagem, data e hora de validação do cartão. A operação do SBE depende de interferência humana para registrar o início e término de cada viagem, estando sujeito à operação eficiente por parte do cobrador. Devido a isto, é necessário auditar as informações de viagem para eliminar os registros inconsistentes, ou seja, aqueles que apresentam erros de abertura ou fechamento de viagem. Supondo que os tempos de viagens de uma linha de ônibus ocorrem dentro de determinado período horário, pode-se inferir que o tempo de viagem segue uma distribuição normal, sendo possível estabelecer um intervalo no qual esses tempos são considerados válidos. Como uma linha de ônibus apresenta grande variação nos tempos de viagem ao longo de um dia, devido às oscilações do tráfego, deve-se atribuir curvas normais específicas para cada período de tempo para uma mesma linha. 3.3. Determinação da Matriz Semente A terceira etapa da metodologia consiste em determinar a matriz semente, cuja metodologia está esquematizada no fluxograma da Figura 2 e detalhada nos subseções seguintes. Banco de Dados do SBE Rede de Transporte em SIG Tratamento dos dados do SBE Determinação da posição geográfica das linhas Registros com erros Registros sem erros % dos trechos das linhas dentro de cada zona Cartões com + de 1 registro Cartões com apenas 1 registro Definição da Origem e do Destino Definição da Origem apenas Cartões com Origem e Destino Cartões apenas com Origem Definição do Destino para os Cartões com apenas Origem Matriz Semente Figura 2: Fluxograma da metodologia para determinação da matriz semente 3.3.1. Determinação da Origem Para a determinação da matriz semente, inicialmente deve-se definir a posição relativa do passageiro na linha, no momento em que ocorreu o pagamento da tarifa. Para isso é necessário reunir informações da base SIG e do SBE, conforme ilustrado no exemplo da Tabela 1. Tabela 1: Definição da posição relativa da entrada do passageiro na linha Código do cartão 1029358670 1029359326 1029405076 Hora de registro do cartão 06:26:25 06:45:36 07:10:32 Linha 100 100 100 Código da viagem 203567 203567 203567 Início da viagem 06:20:30 06:20:30 06:20:30 Final da viagem 07:30:50 07:30:50 07:30:50 Percentual da viagem 8% 36% 71% Neste exemplo, três passageiros (cartões 1029358670, 1029359326 e 1029405076) embarcaram na linha 100 na mesma viagem (código 203567) que se iniciou às 06h20’30’’ e terminou às 07h30’50’’, tendo um tempo de viagem de 01h10’20’’. Cada um realizou o pagamento da tarifa em um horário específico: o primeiro às 06h26’25’’, o segundo às 06h45’36’’ e o terceiro às 07h10’32’’. Considerando o horário de início e fim da viagem e o horário de validação do cartão, tem-se que o primeiro passageiro validou seu cartão no momento em que o veículo completava 8% de seu itinerário total, o segundo validou com 36% do itinerário e, o terceiro, com 71% do itinerário. Supondo que o pagamento foi realizado no momento que o passageiro embarcou no veículo, pode-se afirmar que os passageiros do exemplo embarcaram em pontos de parada distintos localizados a 8%, 36% e 71% do itinerário da linha. Comparando estas informações com a posição geográfica do veículo no itinerário, pode-se inferir que os passageiros embarcaram nas zonas 1, 2 e 3, respectivamente. 3.3.2. Determinação do Destino Após definidos os pontos de origem, infere-se sobre o destino dos passageiros. Para Zhao (2004), as seguintes suposições podem ser consideradas para se determinar o ponto de destino: (i) o passageiro inicia sua próxima viagem na estação de destino (ou na mais próxima) da viagem anterior; e (ii) o passageiro termina a sua última viagem do dia onde ele iniciou sua primeira viagem do dia. No caso do sistema de transporte público por ônibus, estas suposições devem ser alteradas para captar mais efetivamente os transbordos realizados durante uma viagem. Assim, para os passageiros que utilizam mais de uma linha de ônibus para chegar ao destino final, a viagem ocorre conforme ilustrado na Figura 3: uma pessoa embarca no primeiro ônibus em sua origem, realiza um transbordo e, em seguida, embarca em uma segunda linha para chegar até o ponto de destino. Se considera-se o segundo embarque como sendo o destino da primeira linha, surgiria uma situação em que o destino final não é o destino de desejo do passageiro Figura 3(b) – mas, um local onde é realizada a troca entre linhas. Na metodologia proposta neste artigo adotou-se que se uma nova viagem for iniciada dentro de um intervalo de tempo de 1h a partir da primeira utilização, esta nova viagem seria considerada como transbordo que levará o passageiro ao seu destino final. Por exemplo, se o usuário tem sua primeira utilização do cartão às 6h00’, a segunda às 6h30’ e a terceira às 12h00’, considera-se que a utilização das 6h30’ refere-se a um transbordo, já que o intervalo entre esta e a primeira é de apenas 30 minutos. Assim, este registro intermediário é desprezado, e seu destino fica sendo o local onde ocorreu a terceira utilização, conforme ilustrado na Figura 3(c). (a) origem (b) ponto de transbordo origem (c) origem destino destino destino Figura 3: Situação quando ocorre transbordo Assim, nesta metodologia, as suposições para determinar o ponto de destino são: (i) se o tempo entre a primeira e a segunda utilização do cartão é superior à tolerância de tempo especificada, o destino da primeira viagem ocorre próximo à origem da segunda viagem; e (ii) se o tempo entre a primeira e a segunda utilização do cartão é inferior à especificação, o destino da primeira viagem será próximo à origem da terceira viagem. 3.3.3. Tratamento dos Cartões com Apenas um Registro Na metodologia, deve ser observado se o deslocamento do passageiro possui dois registros de cartão eletrônico. Quando o passageiro realiza apenas uma viagem de transporte público no dia, consegue-se obter apenas a origem do deslocamento, e esta informação necessita de um tratamento adicional, não sendo possível conhecer o deslocamento completo. Assim, adotando o conceito desenvolvido por Farzin (2008), infere-se que o destino das viagens apenas com origem conhecida apresenta a mesma proporção do total das viagens com informações completas. Assim, se o comportamento das viagens com origem e destino conhecidos tem o seguinte padrão: 50% deles desembarca na zona 1, 40%, na zona 2 e 10%, na zona 3, a mesma proporção é atribuída aos passageiros com destino desconhecido. O mesmo procedimento é aplicado aos registros dos passageiros com erro de abertura/fechamento de viagem. Ao término dessa etapa, obtém-se uma matriz semente com as informações de origem e destino dos usuários de cartão eletrônico. 3.4. Modelo para Determinação da Matriz Final A matriz semente obtida na etapa anterior, a partir do banco de dados do SBE, abrange apenas a demanda usuária de cartão eletrônico. Nesta etapa será descrito o processo utilizado para extrapolar a matriz semente, incluindo todos os usuários do transporte público por ônibus. O cálculo da matriz final é realizado utilizando-se a função Transit OD Matrix Estimation (TODME) do software TransCAD. A função TODME utiliza a matriz semente como dado de entrada, as linhas do sistema de transporte público por ônibus e a contagem da ocupação das linhas em determinados trechos da rede. De acordo com Caliper (2008), o programa realiza a alocação da demanda proveniente da matriz semente, gerando fluxos de passageiros. Estes fluxos são comparados com os dados de contagem, e a matriz é modificada individualmente para cada par origem-destino. O resultado do processo de obtenção da matriz final é uma matriz OD que, quando alocada na rede de transporte por ônibus, reproduz consistentemente as informações de contagem. O fluxograma da Figura 4 esquematiza todo esse processo. Matriz Semente (1ª iteração) Rede de Transporte em SIG Processo iterativo Alocação da demanda Fluxos de passageiros Houve semelhança? Comparação: fluxo alocado versus contagem de ocupação Matriz Estimada Alteração dos pares da matriz semente Não Sim Matriz Estimada Final Contagem da ocupação nos trechos Figura 4: Fluxograma do modelo OD matrix estimation A estimativa de uma matriz OD utilizando contagem volumétrica dos fluxos em um conjunto de segmentos da rede é outra corrente alternativa, que segundo Bertoncini (2007), pode ser considerada o inverso dos métodos tradicionais. Nela, a matriz OD é estimada a partir dos fluxos nos trechos da rede, sendo que nos métodos tradicionais os fluxos são determinados a partir do conhecimento da matriz. As demandas calculadas por esses modelos, denominadas demandas sintéticas, são estimadas a partir de contagens de tráfego obtidas em seções de vias ou interseções. A maioria desses modelos utiliza uma matriz inicial, denominada matriz semente, que pode ser obtida de uma pesquisa amostral ou de matriz antiga (provavelmente desatualizada), (Abrahamsson, 1998). Os modelos do software TransCAD baseiam-se nos métodos propostos por Nielsen (1998). 3.4.1. Matriz Semente Para determinar uma matriz semente, a metodologia empregada utiliza um conjunto importante de informações sobre as viagens, gerando uma matriz semente que tende a garantir resultados consistentes na estimativa da matriz final. A matriz semente utilizada, embora não represente todos os passageiros transportados pelo sistema, possui alta representatividade por ter sido produzida através de uma grande amostra do sistema. 3.4.2. Modelos de Alocação de Demanda Para a alocação da demanda, o TrasCAD oferece três métodos distintos: All-or-nothing (AON), Pathfinder (PF), Stochastic User Equilibrium (SUE). A escolha por um deles dependerá de fatores como o porte da área representada pela rede, o tipo de sistema estudado e o hardware utilizado. 3.4.3. Contagem de Fluxo Segundo Caliper (2008), a aplicação do modelo OD Matrix Estimation com os fluxos de passageiros observados em campo, produz uma matriz OD final consistente. Basicamente, dois tipos de contagem são aceitos como dado de entrada do modelo: (i) Contagem de embarque e desembarque em alguns pontos de parada; e (ii) Ocupação do veículo em determinados trechos da linha. O modelo permite utilizar simultaneamente os dois tipos de contagem, definindo-se a prioridade para um deles. Os dados são inseridos através de uma tabela, como mostra o exemplo da Figura 5. Figura 5: Tela da tabela de contagem de fluxo do modelo TODME Na primeira coluna (STOP) é inserido o número de identificação dos pontos de parada, a coluna ROUTE é preenchida com o número identificador de cada linha. Nas duas colunas seguintes (ON e OFF) são colocados os dados de contagem de fluxo de embarque e desembarque, respectivamente. Na última coluna (RIDERSHIP) são informadas as contagens de ocupação nos trechos. 3.4.4. Execução do Modelo Com os dados inseridos no sistema, a aplicação do modelo é bastante simples: ao escolher a função Transit OD Matrix Estimation, uma janela é apresentada conforme mostra a Figura 6. Na primeira aba, denominada Geral (General), são escolhidos o arquivo da matriz semente (Matrix File) e a matriz a ser utilizada (Matrix). Além disso, é determinado o número de iterações e o critério de convergência nos campos iterations e convergence, respectivamente. Figura 6: Tela da janela "Geral" do modelo OD Matrix Estimation Na aba counts (Figura 7) são definidos os campos de contagem. O primeiro campo, denominado dataview, é preenchido com o nome da tabela em que os dados de contagem foram inseridos, podendo ser utilizado todos os registros da tabela ou apenas uma seleção (campo selection). Em ON volume, OFF volume e ridership são indicadas as colunas da tabela de contagem que estão relacionadas com os embarques, os desembarques e os dados de ocupação, respectivamente. Em priority é escolhido o tipo de contagem que deve ter prioridade – se é a contagem de embarque/desembarque ou a contagem de ocupação – caso sejam preenchidas as duas opções na tabela para um mesmo trecho. A caixa estimate for nocount OD pairs deve ser marcada caso deseje-se estimar viagens para os caminhos entre pares OD sem informação de contagem. Os campos node-to-node count settings são preenchidos apenas se for utilizado um terceiro tipo de contagem, não abordado no item anterior. A última aba (options), apresentada na Figura 8, é utilizada quando se deseja definir valores de restrição para algum par OD. Figura 7: Tela da janela "Contagem" do Figura 8: Tela da janela "Opções" do modelo modelo TODME TODME Após a inserção destes parâmetros no modelo TODME é possível obter a matriz OD final estimada para o conjunto total de viagens pelo sistema de transporte público por ônibus. 3.5. Considerações sobre a validação da metodologia proposta A metodologia apresentada neste trabalho foi testada para o sistema de transporte público coletivo do município de Maceió (AL). Esta cidade foi escolhida por ter sido possível o acesso aos dados necessários para sua aplicação, tais como, base de ruas georreferenciada, descrição do itinerário das linhas de ônibus, banco de dados do SBE, dentre outros. Além disso, Maceió possui um Sistema de Bilhetagem Eletrônica em operação desde 2000. O sistema de transporte público de passageiros municipal de Maceió é composto de 102 linhas das quais 86 são classificadas como convencionais; quatro, como complementares; oito, como corujão (noturnas); e quatro, como integração. A frota operante é de aproximadamente 550 veículos do tipo convencional e uma pequena quantidade de microônibus e ônibus articulado. O sistema transporta em um dia útil típico, cerca de 330 mil passageiros. Fazem parte do sistema, ainda, três terminais onde ocorre a integração física e tarifária. Nesses locais, ocorre a troca gratuita entre linhas dentro da área fechada do terminal. Para caracterizar a demanda, foi utilizado o intervalo entre 6-7h que representa 21% da demanda total diária, sendo o pico da manhã mais intenso que o período da tarde. Os resultados da aplicação da metodologia estão apresentados na Figura 9. Observa-se que os principais fluxos de viagem ocorrem no sentido norte-sul do município. A atração de viagens ocorre principalmente nas áreas central e litorânea, onde se concentram as atividades de comércio e serviços do município. As regiões de maior produção de viagens localizam-se na porção norte do município onde se concentram áreas residências e grandes conjuntos habitacionais. Figura 9: Atração e produção de demanda por zona e linhas de desejo Os resultados indicam que a matriz resultante da metodologia reflete os deslocamentos do município, no entanto, não há como medir com precisão a qualidade dos resultados. 4. CONSIDERAÇÕES FINAIS Os dados do Sistema de Bilhetagem Eletrônica fornecem uma infinidade de informações fundamentais para os estudos relativos ao transporte público, podendo ser uma importante base de dados na determinação de uma matriz OD de passageiros. Neste trabalho foi apresentada uma metodologia para estimativa de uma matriz OD de passageiros utilizando os dados de um Sistema de Bilhetagem Eletrônica. A metodologia é dividida em duas etapas. Na primeira é determinada uma matriz semente que contempla apenas os passageiros usuários de cartão eletrônico. Na segunda etapa, a matriz semente é expandida através de um processo que utiliza contagens de fluxos de passageiros, que possibilita determinar o número total de passageiros incluindo aqueles não contabilizados pelo SBE. Assim, os deslocamentos representados pela matriz final não ficam condicionados ao comportamento típico dos usuários de cartão eletrônico. Vale destacar que a matriz OD proposta não corresponde às origens e destinos das viagens, mas sim a pontos de entrada e saída na rede de transporte, devendo ser, portanto, utilizada com ressalvas. Os dados necessários para a aplicação da metodologia são: base de dados do SBE (um dia completo de operação), rede de transporte em SIG, e contagem dos fluxos de passageiros em trechos distintos da rede. As rotinas computacionais são simples e não exigem cálculos avançados, pois são realizados apenas cruzamentos de informações entre os distintos bancos de dados. Uma vez que a rotina é construída, as matrizes podem ser produzidas com a periodicidade que se desejar, permitindo que as frequentes mudanças ocorridas nas cidades possam ser mais bem avaliadas. Para a aplicação em sistemas de transporte distintos, as rotinas computacionais podem ser modificadas em função das particularidades de cada banco de dados, e o processo de tratamento dos dados da bilhetagem eletrônica e da construção da matriz semente pode ser automatizado para facilitar essas operações. Pode-se concluir que a metodologia apresentada tem como grande vantagem sua simplicidade, conveniência e praticidade, podendo ser utilizada por órgãos públicos, empresas de consultoria, instituições de pesquisa, operadores de transporte, em diversos estudos relacionados ao transporte público. Recomenda-se para trabalhos futuros a melhoria do processo de validação dos resultados, por meio de análise de aderência entre a matriz resultante da metodologia proposta e a matriz obtida pelos métodos convencionais. Agradecimentos Os autores agradecem ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – CNPq e à Fundação de Amparo à Pesquisa de Minas Gerais – FAPEMIG pela concessão de auxílio para realização dessa pesquisa. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ABRAHAMSSON, T. (1998) Estimation of Origin-Destination Matrices Using Traffic Counts – A Literature Survey. International Institute for Applied Systems Analysis, Luxemburg. BERTONCINI, B. V. (2007) Uma proposta de carregamento incremental de fluxos veiculares para estimação de matrix O-D sintética. Escola de Engenharia de São Carlos da Universidade de São Paulo. São Carlos. CACERES, N.; WIDEBERG, J. P.; BENITEZ, F. G. (2008) Review of traffic data estimations extracted from cellular networks. 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André Leite Guerra ([email protected]) Heloisa Maria Barbosa ([email protected]) Leise Kelli de Oliveira ([email protected]) Dep. de Engenharia de Transportes e Geotecnia, Escola de Engenharia, Universidade Federal de Minas Gerais Av. Antônio Carlos, 6627 – Pampulha, Belo Horizonte/MG – Brasil