Você também pode ser Papai Noel
Um sonho que virou o compromisso de levar alegria e esperança a quem necessita
Thereza Gerhard
Andréa tinha oito anos. Numa loja de brinquedos, em frente à sua casa na Vila Santa
Cecília, em Volta Redonda, os pais compravam presentes de Natal para os filhos, mas era o
Papai Noel quem os entregava. Num Natal, ela estava com seu avô e presenciou essa
distribuição de presentes. Ela ainda era criança, mas já desejava ter muito dinheiro quando
crescesse, para ser Papai Noel.
Andréa sempre teve festa natalina em casa, com ceia, presentes, Papai Noel e Ho-hoho, e sabia que muitos de seus amigos não tinham nada disso. Ela queria levar presentes a
outras crianças, mas pensava que precisaria ter muito dinheiro. Hoje ela sabe que são
necessários apenas amor e boa vontade. E isso ela tem de sobra para motivá-la e para
contagiar a família e os amigos.
Em 1997, já formada em Educação Física e morando em Visconde de Mauá, com seu
primeiro 13º salário de professora no bolso, Andréa Senna Machado se lembrou do seu sonho
de infância e partiu para São Paulo. Voltou com a pick up abarrotada com nada menos que 500
brinquedos diferentes para meninos e meninas. A mãe dela, vendo todos aqueles presentes,
perguntou o que ela faria com tudo aquilo. “Vamos arrumar um lugar para distribuir”,
respondeu. E assim, surgiu a Companhia da Alegria.
Andréa, os pais dela, a avó, o irmão e as três irmãs doaram todos os brinquedos no
Natal daquele ano para pacientes de hospitais de Volta Redonda e Barra Mansa e para 200
crianças da comunidade de posse do bairro Dom Bosco. Ela conseguiu um ônibus e levou todas
as crianças da comunidade para a fazenda da Dona Belinha, onde fizeram uma grande
comemoração, noticiada pela mídia local que a convenceu a mostrar a iniciativa para que
outras pessoas percebessem que todos são capazes de fazer algo parecido. Após esse dia,
começou o processo de estruturação da Companhia. Programaram visitas e doações a
hospitais, entidades, famílias e comunidades carentes de várias cidades da região, como Volta
Redonda, Barra Mansa, Pinheiral, Paraty e Seropédica, e também de outros estados, quando
tinham condições – eles também visitaram três entidades em Vitória, no Espírito Santo.
Compromisso
Em 2007, após outros projetos pessoais, Andréa retomou a Companhia da Alegria.
Durante o ano seguinte, reuniu-se com a família e amigos, a maioria também professores de
Educação Física, mas também profissionais de outras áreas que davam apoio nos eventos nas
áreas jurídica e de marketing, todos trabalhando voluntariamente para a Cia., e começaram
um estudo para profissionalizar o atendimento. Pesquisaram e experimentaram várias formas
de abordagem, de conversar com os pacientes, bem como de realizar todas as brincadeiras,
mágicas, teatro, contação de histórias, músicas e todas as palhaçadas que poderiam fazer para
alegrar e levar esperança às crianças, jovens e adultos dos hospitais e instituições visitados.
Em outubro de 2008 a ONG foi registrada. Na época, queriam formalizar o grupo, mas
também combater pessoas de má-fé que teimavam em usar o nome da Cia. Da Alegria e de
outras instituições vendendo nariz de palhaço para fins desconhecidos. Essas pessoas ainda
chegaram a entrar em hospitais, mas foram barrados, pois Andréa e sua trupe já eram
conhecidos.
Andréa enfatiza que a Cia. Da Alegria não fica nas ruas e não vende nada. “Somente
perto do Dia das Crianças e Natal vendemos a camisa da ONG em stands, com nosso banner e
com todos da equipe devidamente uniformizados. O dinheiro das vendas é todo utilizado para
comprar brinquedos e outros materiais que utilizamos nas visitas. Todos somos voluntários e
não recebemos nada pelo nosso trabalho”, informa.
O objetivo dessas visitas está no estatuto e também no coração de cada um que faz
parte da Cia.: proporcionar através do lúdico a melhoria das condições psicológicas de
crianças, adultos e idosos, minimizando, com suas ações, o sofrimento e o impacto causado
pela internação em ambientes hospitalares e outros, como orfanatos, asilos, creches, escolas e
casas de passagem, proporcionando por meio da atuação de seus membros o sentimento de
uma internação e estadia mais agradável com momentos de alegria, despertando, no possível,
o sorriso e, inserindo nos pacientes e familiares o desejo de recuperação e a esperança de vida,
utilizando para tanto os seguintes mecanismos: jogos, leitura e brincadeiras, apresentações
teatrais e musicais; humanização hospitalar; visitação sistemática; e atividades afins.
O foco da Cia. é a visita a hospitais, portanto o cuidado é ainda maior em relação à
higiene, aos materiais e brinquedos permitidos e a um pedido de autorização formal prévio
para o ingresso nas instituições. A interação com os pacientes deve ocorrer sem atrapalhar os
procedimentos nem despistar o que está sendo feito, mas apenas tornar mais fácil o trabalho
dos médicos ou enfermeiros. E os integrantes do grupo ainda cuidam para que sua presença
não seja obrigatória; sempre pedem permissão para entrar, afinal tudo nos hospitais é imposto
aos pacientes: hora de comer, dormir, de tomar remédio, da visita de um médico e eles
perdem a identidade sem suas roupas, seus brinquedos, seus pertences. Não há como obrigálos a mais um item nesta agenda, ainda que seja apenas alegria.
Eles perguntam com o olhar, com gestos ou palavras: “Posso entrar?” Nunca
receberam um não. Mas deixam todos à vontade para escolher. E todos, até agora, têm
escolhido sorrir. “Nos poucos minutos em que conversamos, fazemos brincadeiras, tocamos
violão, contamos histórias, fazemos mágicas e malabares, e conseguimos que um paciente
sorria, amenizamos horas de dor”, relata Andréa. Uma vez um idoso, paciente de um dos
hospitais visitados, que estava sem vontade de comer, fez uma revelação após uma das
apresentações. “Hoje quero sair daqui. Antes de vocês chegarem a vida não tinha sentido mais
para mim”, lembrou Andréa das palavras do senhor que passava o Natal em companhia da
família, conseguiu ter mais forças para jantar e não queria que o grupo fosse embora de jeito
nenhum.
E o grupo sempre se preocupa em deixar cada paciente com uma mensagem positiva,
de melhoras, de força, para que volte para a casa o mais rápido possível. É o momento do
toque, do carinho e também do puxão de orelha. “Vou voltar semana que vem e não quero te
ver mais aqui não”, brinca. Claro que há casos graves e para tudo há também um improviso. “E
se você estiver aqui, vou te colocar nessa outra cama”, completa sorrindo.
Mas parece que esse compromisso em fazer o bem tem um retorno maior para quem
faz do que para quem recebe. “A retribuição que nós temos é um sorriso, um olhar fixado em
nossas bolhas de sabão. Saber que conseguimos amenizar a dor e o sofrimento não tem
preço”, garante Andréa. Mas as grandes recompensas são as histórias marcantes que
emocionam a todos da ONG.
Emoção
“Uma vez, entramos no quarto e havia uma paciente deitada. Ao redor dela estava a
família. Os pais aprovaram a brincadeira e, muito religiosos, ao final pediram para fazer uma
oração para a equipe. “A paciente acabou sentando e orando junto com a família. Foi uma
energia tão boa que acho que ganhamos alguns anos ali naquele quarto de hospital”, recordase Andréa.
Outra história que a faz querer chorar, embora tenha que se controlar quando está na
frente dos pacientes, é a de uma criança em coma. “Ela não tinha nada físico que explicasse
estar em coma. Era véspera de Natal e ela só teria alta quando acordasse. Assim que nós
entramos no quarto e começamos a fazer teatro, mágicas e palhaçadas, ela abriu os olhos
encantada. Quando fomos embora, a mãe debruçou-se na janela e disse que a filha teve alta.
Elas passariam o Natal em casa”, conta Andréa emocionada.
Também em um dos hospitais visitados, foi a vez de fazerem a festa de aniversário
mais esperada da vida de uma paciente. Ela sempre quis ter uma festa de palhaços. A
enfermeira avisou que era seu aniversário e então apareceram várias bexigas na porta de vidro
de seu quarto. Depois entraram vários palhaços e começaram a tocar música, a cantar
parabéns e fazer festa. Ela ligou para a família, queria compartilhar aquele acontecimento. E
passaram outras pacientes no corredor, que também foram chamadas para participar do
parabéns: eram as convidadas para a comemoração. A aniversariante não sabia se ria ou
chorava. Acabava de completar 82 anos e era sua primeira festa de palhaços.
Em 2007, o grupo Cia. da Alegria fez uma visita aos pacientes da Casa de Saúde Santa
Maria, em Barra Mansa, nas vésperas do Natal. Naquele ano, praticamente 80% dos pacientes
receberam alta e passaram o Natal em casa, o que nem era esperado pelos médicos. Aquela
evolução no quadro de um número expressivo de pacientes chamou a atenção da diretoria do
hospital, que quis saber o que havia ocorrido de diferente naquele período. Os integrantes da
Cia. da Alegria foram convidados para conversar com a direção da Casa e, desde então, as
portas da Santa Maria estão abertas para recebê-los.
Após o registro, em 2008, o trabalho da Cia. da Alegria passou a ser sistemático e feito
por seis voluntários - quatro palhaços e dois de suporte. Nove empresas passaram a colaborar
com o grupo. Em 2007, foram entregues 252 brinquedos comprados com recursos próprios e
com a ajuda dos amigos e familiares. Já em 2008, com as parcerias das empresas, a ONG
conseguiu doar 416 brinquedos, nove kits para idosos e 80 minipanetones.
Ajude você também
Andréa, que não tem formação artística, apenas participou de cursos do Doutores da
Alegria, diz que faz tudo a partir do que vem do coração, com muito cuidado, carinho e,
principalmente, amor. Ela, que nas visitas aos hospitais, maquiada e com peruca ou chapéu, é
a Doutora Pelota, explica que para ser voluntário é preciso estar com o coração aberto e ter
amor, além de ter disponibilidade de tempo e o compromisso de participar.
Este ano a frequência das visitas da Cia da Alegria foi reduzida, mas Andréa mantém
seus objetivos e, mesmo que não tenha ajuda de ninguém, quer manter as doações de
brinquedos no Dia das Crianças e no Natal. Mas, para fazer o trabalho nos hospitais e
instituições ela precisa de muita ajuda. Em cada quarto de hospital, ela trabalha com três
voluntários, dois interagindo com um paciente e outro no apoio ou preparando outro paciente
para receber a visita e participar dos jogos e brincadeiras. E, no momento, ela está sozinha, é a
única voluntária do grupo. Em datas comemorativas, consegue reunir amigos e familiares. Mas
todos têm seus outros compromissos e não podem fazer as visitas semanais nos hospitais.
Andréa pede a ajuda de todos que se interessarem pela iniciativa e queiram ser voluntários da
Companhia.
Quem tiver essa vontade e esse amor para compartilhar, basta entrar em contato com
Andréa. Os que se interessarem em conhecer o projeto, a dinâmica das visitas e atividades
desempenhadas, passarão por um treinamento.
Andréa afirma que enquanto houver vida e saúde quer continuar o trabalho e já
envolveu toda a família e pediu a todos para que, quando não estiver mais aqui, eles
continuem o que iniciou. Hoje, com 41 anos, ela entende que a menina de oito anos estava
errada. Ela sabe que não é preciso dinheiro para levar alegria a quem precisa. E mostra que
qualquer pessoa pode ser capaz de ajudar. “Quando você faz o bem, sempre tem uma força
negativa que tenta te derrubar, mas o bem sempre vence porque ele é mais forte”, frisa. E
sempre tem um “anjo” para apoiar esse sonho. São amigos, parentes ou mesmo pessoas
desconhecidas que se sensibilizam com a iniciativa.
Abra o coração, você também! Para colaborar com o projeto ou ser voluntário da Cia.
da Alegria, entre em contato pelo e-mail: [email protected]
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Cia da Alegria