Contos da dor e suas mentiras suportáveis 2 CLODOALDO TURCATO CONTOS DA DOR E SUAS MENTIRAS SUPORTÁVEIS Primeira Edição Editora do Livre Pensador Recife, Pernambuco 2012 3 Titulo Original Contos da dor e suas mentiras suportáveis Primeira Edição Copyright @ 2012 by Clodoaldo Turcato Copyright da edição @ 2012 Editora do Livre Pensador Avenida Presidente Kennedy, 4834 Candeias 54430-030 – Jaboatão dos Guararapes – PE Telefone (081) 3425.4516/ (081) 8162.4184 Site: www.editoradolivrepensador.com e-mail: [email protected] Todos os direitos reservados. A reprodução não autorizada desta publicação, no todo ou em parte, constitui violação dos direitos autorais. (Lei 9.610/98). Capa: Instituto do Livre Pensador Ilustração de capa: Clodoaldo Turcato 4 Índice Dedicatória 06 Prefácio por mim mesmo 07 A justiça que não falha 16 A marca de nascença 22 A parábola do cupim 24 A virgem 34 O chapéu enfeitado 39 O dia da demissão 44 O dinheiro falso 47 O golpe do militar 72 O Segredo de Oxalá 89 O sequestro da filha do Prefeito 108 Um causo daqueles! 116 Um tanto de entusiasmo 184 5 Wasso 197 6 Dedico minha este a querida Lili. De todas, a que marcou mais fundo. 7 Prefácio por mim mesmo Este livro de contos é antigo, desde 2002 que tinha escrito e a maioria perdido. Mas este ano vasculhei na Usina de Letras e consegui recuperar grande parte deles – obrigado Valdomiro! Ao rever aqueles escritos, ali quietinhos em seus cantinhos, não achei de todo mal - parece que escrevia melhor na época que agora ao querer ser romancista. Enfim, revi e revisei um a um para esta publicação. Este releitura me levou para as varias cidades onde estive quando os criei: São Paulo, Abadiânia, Lucas do Rio Verde, Caibi e Recife e sua região metropolitana. Porém algumas histórias remontam minha infância e o tempo da roça, outros seguem para o surgimento dos celulares modernos, viagens por este Brasil e coisas peculiares de meu dia-a-dia. Revi muita coisa com essa viagem, lembranças marcantes de gente que se tornaram personagens do livro. Sim, apronto muito com meus antigos amigos, o que é divertido. 8 O que liga as estórias narradas é a dor, o final que nunca é feliz, o momento que tem tudo pra dar errado: a arte de perder sempre. A justiça que não falha escrevi no Recife, em 2000. Numa manhã entrei em meu quarto e tinham trancado minha janela por fora. Sempre me irrito quando tiram as coisas do lugar ou mexem em algo que me obrigue a sair da rotina. Então criei este conto, com a raiva daquele dia. É um conto intimista. Eu, personagem, brigo para estar do outro lado, querendo desesperadamente ser o moleque treloso. Não tenho forças para tanto e sigo agarrado a minha cadeira de rodas querendo acabar com todos que correm, andam, aprontam e zombam com suas pernas corrediças. A parábola do cupim escrevi em São Paulo numa temperatura baixíssima no Bairro de São Mateus. Não se trata de um conto sobrenatural, é uma narrativa singular que saiu sem qualquer motivação própria. Novamente participo com minha dor e só consigo confessar com o imaginário tão desimportante. E de tanto que me encontro meu próprio anjo, infeliz arcanjo, me dá 9 uma lição copiada de algum livro de autoajuda. A canalhice aqui é em todas as dimensões. A marca de nascença escrevi em São Paulo, logo após A parábola do cupim, quando nasceu um menino com duas marcas de nascença e Dona Xica soltou a pérola que transcrevi no conto. O texto é pequeno e deveria ser extirpado. Revisei confiante de que conseguiria, no entanto cá está inteiro e sem mais. A virgem escrevi ainda em Lucas do Rio Verde, Mato Grosso, e foi verídico em todos seus aspectos, inclusive em minha covardia. Não poupei o nome da Personagem, chama-se Cassiana e mora no interior de Mato Grosso. De uma linda mulher, acessa para vida, apagou-se feito vela usada. Vive um casamento destrutivo num canto de fim de mundo. Por ter sido tão perversa consigo que a exponho sem piedade, com as cores mortas que a cercam agora. Prefiro recordar as manhãs em minha sala de aula. O chapéu enfeitado ouvi de meu pai numa noite de bebedeira em Lucas do Rio Verde. Não posso afiançar tratar-se verdade, apenas transcrevi aqui sua narrativa, sem aumentar em nada, apenas colocando cores 10 necessárias para que o conteúdo ajustasse. Transformei o colono com a figura de Papai (crueldade minha), um homem bronco que preferia uma jarra de vidro a um sentimento por um filho. Não compreendia que era apenas uma criança assustada. Cá está minha benção. O dia da demissão escutei numa mesa de bar no Ibura, Bairro violento da cidade do Recife. Estava aguardando uma carona para ir pra casa, no Curado, quando um senhor pelos cinquenta anos, embriagado, reclamava com o amigo ainda mais bêbado, que dormia sobre uma mesa, da demissão dos dois. E a noite ia alta, sombria, e apenas uma menina estava na mesa, e o homem não parava de olhá-la e cutucar o amigo. Saí do bar minutos depois e não sei o destino dos dois, apenas sei o que escrevi. Neste pequeno tempo gente acabada, mortos que não perceberam sua triste sorte. Um bar, escuro – o inferno de viver, sem saber o dia de amanhã ou algo além da porta. Destinos preparados pra sofre por toda vida, que nenhum raio de sol dissipará aquele cheiro de fumaça. O dinheiro falso é um roubo que efetuei com um grande camarada chamado Odilon, no tempo em que 11 estive em Abadiânia, Goiás. Transpus na integra sua estória, que não necessito mais delongas. De tudo, me atiça a ganância e a burrice que se associou. Um gesto de saudade, recordações de um grande homem levado para destino ignorado – essa vida malvada. O golpe do militar surgiu quando discuti numa viagem de Lucas do Rio Verde para Recife. Na viagem ocorreu um roubo de um senhor idoso. Não descobriram o ladrão, mas eu dei o titulo ao meu desafeto. Bem, quem escreve dá-se estas pequenas alegrias. Fioravante possivelmente está morto em 2011. Era relojoeiro em Irai, Rio Grande do Sul e nunca saiu da sua cidade por ser cego e ter quase noventa anos. Agora renasceu aqui, deformado por mim. O segredo de Oxalá escutei dentro da Assembleia Legislativa de Pernambuco. Um senhor, por nome Valter, contou a um grupo na sala de espera sua desgraça com o filho. No final, outro sujeito, desses do submundo, perguntou pelos assassinos. Em resposta Valter disse que já tinham indo – não esperou a Justiça. Na ocasião não tinha tantos conhecimentos do crime e 12 suas ramificações. Ao rever e com que sei, fiquei satisfeito com o resultado do texto. O sequestro da filha do Prefeito é totalmente ficção. A única verdade aqui foi a festa de Motocross e a minha descoberta da menina linda chamada Taynã. Era adorável e sempre prestava serviços nas sociais representando o pai Prefeito. Cruzávamos muito por aquela cidadezinha, no entanto jamais me notou. Surpreendentemente num dia ela me convidou para ser palhaço para crianças da APAE local. Recusei, aleguei ser péssimo com aquelas coisas. Bem, ela viu que estava sendo honesto: péssimo homem, péssimo palhaço e pior sequestrador. Nunca mais me dirigiu a palavra. Um causo daqueles me tornou aos meus vinte e quatro anos, logo minha filha nasceu. O personagem Samuel é a junção de um chefe de escoteiro que conheci em um acampamento realizado pelo Grupo Folhas Verde - um cara extraordinário, cheio de discursos moralistas, infestados de projeções franciscanas; e de Toninho do Pó, traficante perigoso da região de Goiânia, muito famoso e, conforme boatos, teria sido castrado pela Polícia Federal. E nessa estória entraram gente como o 13 folclórico Prefeito de Palmitos, Antonio Fiorese, uma gostosa atendente de concessionária de carros de Caxambu do Sul, um médico especialista em estômago, chamado Doutor Nogara, que consultei na época, minha ex-esposa e minha filha. Lembranças tantas de um percurso que fiz dezenas de vezes entre Caibi e Chapecó. Alguns costumes (como levar comida em viagens), o dialeto italiano e as canções típicas, mal cantadas, que tio Bim adorava, o modo de viver pequeno daqueles agricultores mal servidos pelo transporte sempre precário – gente que nasce, cresce e morre respeitando um padrão pré-determinado. Outro ponto forte são as lembranças de Yana com dois anos de idade enrolado em meus pés cada vez que chegava em casa, retirada por minha esposa com seu beijo programado de mulher certinha. De qualquer maneira é um conto de saudades imensas. Um tanto de entusiasmo transformei quando estive no Banco Itaú, no Recife Antigo em 2004. Um cliente entrou na agência uma fera por que seu celular não parava de tocar, devido a um sistema novo que o banco implantara na ocasião. Coloquei no meio um amigo gerente casado com uma mulher sovina, boa 14 gente, mas mandado por ela e Lúçia uma secretária da Frevo Refrigerantes dedicada ao extremo a um Diretor financeiro – me vinguei por ela nunca ter saído comigo, um belo par de surpresas. Uma experiência entre os índios escutei de um jornalista quando estive no Jornal do Commércio em Recife. Tinha sido designado para uma reportagem no Estado do Amazonas a fim de incrementar a candidatura de Mario Juruna. Foi sequestrado e torturado por selvagens. E tudo, por um esquecimento de um funcionário da FUNAI que deveria ter avisado aos índios da chegada do repórter. De defensor indígena passou a odiá-los e me proporcionou este conto. Wasso e uma experiência negativa que tive em São Paulo. Eu e minha ex esposa morávamos num quarto alugado na Rua dos Bororos, centro da capital Paulistana. Um sujeito que conhecemos se apaixonou perdidamente por ela, tanto que deixou bilhetes apaixonados, que chegaram a minhas mãos. Então criei um e-mail e comecei a me passar por ela e a brinca com ele. Dei muitos trotes até ser descoberto ( o cara era 15 especialista em segurança) e nunca mais nos falamos – ele não curtiu a desforra. Mesmo que se queira, um escritor jamais escapa dele mesmo. Não se pode escrever sem estar dentro da estória, por mais insignificante que seja. E nunca quis fugir desta culpa, confesso sempre o belo ladrão de estórias que sou. Normalmente saio pela tangente criando personagens fictícios, que nunca dizem a verdade. Neste trabalho não consegui sair isento: ou me transcrevi ou insultei gente que tiveram a má sorte de cruzar meu caminho. Sejam meus cúmplices e leiam.