“VAMOS BRINCAR DE CIRCO?” AS BRINCADEIRAS DAS CRIANÇAS DA ESCOLA “BRINCANDO DE CIRCO” E DO REALITY CIRCUS. Foto 1 – Lona de Circo Fonte: Alexsandra de Souza (Iª SEPEX – UFSC / 2000) ALEXSANDRA DE SOUZA UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA CENTRO DE CIÊNCIAS DA EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO “VAMOS BRINCAR DE CIRCO?” AS BRINCADEIRAS DAS CRIANÇAS DA ESCOLA “BRINCANDO DE CIRCO” E DO REALITY CIRCUS. ALEXSANDRA DE SOUZA ORIENTADORES: PROF. DR. JOÃO JOSUÉ DA SILVA FILHO PROFª. Drª. GILKA ELVIRA PONZI GIRARDELLO FLORIANÓPOLIS 2004 ALEXSANDRA DE SOUZA “VAMOS BRINCAR DE CIRCO?” AS BRINCADEIRAS DAS CRIANÇAS DA ESCOLA “BRINCANDO DE CIRCO” E DO REALITY CIRCUS. Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de Santa Catarina, como exigência parcial para obtenção do título de Mestre em Educação, sob a orientação do Prof. Dr. João Josué da Silva Filho e da Profª. Drª. Gilka Elvira Ponzi Girardello. FLORIANÓPOLIS 2004 Foto 2 – Caroline sorrindo e fazendo pose Fonte: Alexsandra de Souza (09/04/03) “Há sempre um pouco de circo no coração de toda criança. Há sempre um pouco de criança no coração de todo adulto. Dentro de nós despertam ecos as facécias do palhaço, o encanto da bailarina a cavalo, as proezas do trapézio, o destemor do homem que enfrenta leões e tigres... O fascínio que aureola nossas recordações, vem do resto de infância que – felizmente! – ainda ficou em nós. E enquanto houver, ressoando alegre e contagiante, um riso de criança, haverá sempre um grito entusiástico pronto a explodir: Viva o circo!” (Roberto Ruiz) _________________________________________________________________ AGRADECIMENTOS “Uma amizade verdadeira é o ingrediente de sentimentos felizes e das lembranças importantes que marcaram a nossa vida”. (A. D.) Nos 2 anos em que estive no mestrado passei por muitas dificuldades e acredito que outras também passaram, e como diz Maria Ester de Freitas*: “somos todos iguais nessa tese..., VIVER A TESE É PRECISO!”. E neste caminho trilhado, muitas pessoas apoiaram-me com gestos, telefonemas, cartas, bilhetes, que expressaram amizade, carinho, amor, compreensão..., e foram esses pequenos gestos, essas pequenas palavras, que fortaleceram-me para continuar a caminhada. Acredito, que a todo caminho precisamos de uma força maior, que nos impulsiona e não nos deixa desfalecer jamais. E esta força veio do alto, de um Amor Supremo, capaz de superar qualquer barreira. Obrigada Senhor, por iluminar a minha vida! E nesta caminhada, quero agradecer... ...aos meus pais, Manoel e Isabel, verdadeiros e eternos amigos, tenho muito a agradecer por tudo o que vocês têm feito e fizeram por mim. Amo Muito Vocês! ...ao Flávio, por ter ajudado-me nas filmagens e acompanhado-me em vários circos, e o mais importante, por ser compreensivo, paciente, companheiro em todos os momentos de alegria, tristeza, angústia e ansiedade... Foi com ele que desabafei, chorei, lamentei meu cansaço, meu sofrimento, minhas limitações * FREITAS, Maria Ester de. Viva a tese: um guia de sobrevivência. São Paulo: ED. FGV, 2001. e foram as suas palavras de carinho e de compreensão que acalentaram-me. Você me faz muito feliz e agradeço a Deus por você fazer parte de minha vida. Te amo muito! ...à minha irmã Juliane, a minha tia Deomarina, a minha tia Fátima e a minha prima Vanissi por terem ajudado-me nos momentos em que muito precisei. Obrigada pelo apoio que vocês me deram! ...às amigas: Karla, Daiany, Elizângela, e principalmente uma amiga muito especial, Rosângela, amiga para todos os momentos, uma amizade verdadeira, baseada no carinho e na compreensão. Obrigada a todas! ... à Ana Luiza Bernardes de Borja por ter ajudado-me a escanear as fotos. ...aos orientadores Josué e Gilka, por serem pacientes, amigos, compreensivos, respeitaram os meus limites, e pelas contribuições nas quais ajudaram-me a conhecer as crianças e o mais importante, aprender a ouvi-las. ...aos membros da banca de qualificação do projeto, Profª Deborah Sayão, Prof. Maurício R. da Silva e Profª Gilka Girardello, por terem aceito a ajudar-me. O meu muito obrigada! ...aos professores do PPGE com quem tive contato, Ana Beatriz (Bea), Josué, Eloísa, Jucirema e Maria Luiza Belloni. Obrigada pelas discussões realizadas em aula e no Núcleo de Estudos e Pesquisas da Educação de 0 a 6 anos (NEE 0 a 6). ...às colegas de turma, Fernanda Tristão, Nilva Bonetti, Keila Gonzalez, Ilona Rech, Karine Antunes, Arlete de Costa e Maria Luisa Schneider. Obrigada pelos momentos compartilhados, pelas palavras certas nas horas certas! ...às funcionárias da secretaria da pós-graduação, Sônia, Patrícia e Maurília. Muito obrigada por sempre atenderem-me com carinho e dedicação. ...à coordenadora, às professoras e principalmente às crianças da escola “Brincando de Circo” e à família do Reality Circus. Muito obrigada pela disponibilidade e oportunidade de aprendizagem que tive com as crianças! ...à psicóloga Carla. Obrigada por ter escutado-me e aconselhado-me, para que eu aprendesse a conviver e a superar os momentos difíceis em que passei! ...à CAPES pela concessão da bolsa de estudos que possibilitou as condições para a realização desta pesquisa. à todas as pessoas que, diretamente ou indiretamente ajudaram-me durante a caminhada. Foto 3 – Vitor e Lucas brincando com o prato Fonte: Alexsandra de Souza (21/05/03) Dedico este trabalho às crianças da Escola “Brincando de Circo” e do Reality Circus por mostrarem que o riso, a alegria e as brincadeiras fazem parte do seu mundo e de todos que as cercam. À minha família pelo amor que sempre me deram e pelo incentivo na busca de minha realização profissional. E ao Flávio pelo carinho, apoio e compreensão nos momentos difíceis desta caminhada. _________________________________________________________________ RESUMO O objetivo desta dissertação é identificar o sentido e o significado que as crianças atribuem às brincadeiras na escola "Brincando de Circo" e no "Reality Circus". Para tanto, foram realizadas observações, fotografias e filmagens das crianças, revelando suas representações sobre o brincar nesses dois "palcos". As crianças, consideradas personagens principais e protagonistas das suas ações, revelaram por meio de gestos, olhares, movimentos, risos, palavras, silêncio e brincadeiras, a importância que o circo tem para elas, e o valor que dão às atividades circenses. _________________________________________________________________ ABSTRACT This dissertation seeks to identify the sense and the meaning atributted by children to their play at the school “Brincando de Circo” and at the “Reality Circus”. The work was conducted through observations, photos and filming of the children, revealing the representations of play which can be found in those two “stages”. Children, here considered main characters and protagonists of their actions, showed in their gestures, movements, laughter, words, silence and play the importance the circus has in their lives, and the value they give to the activities related to the circus. _________________________________________________________________ SUMÁRIO “... a vida é de fato escuridão, exceto lá onde houver impulso, e todo impulso é cego, exceto onde houver sabedoria, e toda sabedoria é vã, exceto onde há trabalho, e todo trabalho é vazio, exceto onde há amor, e quando você trabalha com amor, você se liga com você mesmo e com o outro, e com Deus”. Khalil Gibran ABREM-SE AS CORTINAS... E COMEÇA O ESPETÁCULO! Introdução..............................................................................................................01 Aspectos Metodológicos........................................................................................07 Nos Bastidores do Fazer Investigativo...................................................................15 1 – SENHORAS E SENHORES, COM VOCÊS... O CIRCO E SUA HISTÓRIA! 1.1. A História do Circo..........................................................................................22 1.2. Os Elementos do Circo...................................................................................26 2 - APRESENTANDO... OS PALCOS ONDE TUDO ACONTECEM... 2.1. A Escola “Brincando de Circo”........................................................................30 2.2. O Reality Circus..............................................................................................34 2.3. Os Personagens Principais: As Crianças da Escola “Brincando de Circo” e do Reality Circus.........................................................................................................46 2.4. As Brincadeiras das Crianças da Escola e do Circo.......................................64 3 – UM BREVE ESTUDO SOBRE INFÂNCIA, CRIANÇA E BRINCADEIRA 3.1. Concepção de Infância e Criança...................................................................88 3.2. O Brincar e sua Importância...........................................................................91 FECHAM-SE AS CORTINAS... E ENCERRA-SE O ESPETÁCULO! Considerações Finais.............................................................................................98 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS...................................................................102 BIBLIOGRAFIA CONSULTADA.........................................................................107 ANEXOS O Projeto Arte de Circo ABREM-SE AS CORTINAS... E COMEÇA O ESPETÁCULO! Figura 1 – O palhaço Fonte: http://puccamp.aleph.com.br/circo/circo1.htm _________________________________________________________________ ABREM-SE AS CORTINAS... E COMEÇA O ESPETÁCULO! Introdução “No palco, na praça, no circo, num banco de jardim, correndo no escuro, pichado no muro, você vai saber de mim. Mambembe, cigano, debaixo da ponte, cantando, por baixo da terra, cantando, na boca do povo, cantando. Mendigo, malandro, moleque, molambo, bem ou mal. Escravo fugido ou louco varrido, vou fazer meu festival. Poeta, palhaço, pirata, corisco, errante judeu, dormindo na estrada, não é nada, não é nada, e esse mundo é todo meu.” 1 Chico Buarque O terceiro soar de um gongo convoca o público. As luzes se apagam e os holofotes anunciam o espetáculo que vai começar. É a magia do circo, que renasce e se transforma. A paixão pelo circo faz parte de minha vida desde criança. Lembro-me que ficava muito feliz quando um circo chegava em minha cidade natal (Florianópolis) e que pedia entusiasticamente a meus pais que me levassem para assistir ao espetáculo. Eram muitos os comentários na escola sobre o circo que havia 1 Buarque, Chico. Parte da letra da música “Mambembe”, www.mpbnet.com.br/canto.brasileiro/marcia.tauil/letras/mambembe.htm retirada do site: chegado na cidade, e esperávamos o final de semana ansiosos. Parecia uma eternidade, e quando chegava o dia de irmos ao circo, a alegria reinava em minha casa - e acredito que na casa de outras crianças também. Fui a muitos circos. Grandes, pequenos; alguns tinham animais, números de equilibrismo, malabarismo, mas do que eu mais gostava mesmo eram os palhaços. Ah, os palhaços! Eles faziam-nos rir, dar boas gargalhadas, eram eles, naqueles momentos, que construíam ali uma pequena sociedade mais alegre, afetiva e generosa. Mas, o tempo foi passando e cada vez menos se via circos na cidade. Ainda criança me perguntava: onde estão os circos? Para onde eles foram, que não vieram mais à minha cidade? Essas e outras perguntas ficaram guardadas para sempre em minha infância. Somente mais tarde, com algumas leituras, é que pude compreender melhor os “desaparecimentos” dos circos. O livro “O Circo no Brasil”, de Antônio Torres (1998), é um grande marco da história circense no país; nele o autor nos fala que a memória do circo da primeira metade do século XX corria o risco de perder-se, porque as pessoas que eram suas depositárias estavam, literalmente, morrendo, e seus descendentes diretos não mais garantiam a continuidade de seus saberes, pelo menos nos moldes de uma transmissão grupal, comunitária e familiar. Percebe-se que o circense brasileiro não se preocupou em deixar registros escritos e testemunhos pessoais sobre sua história de vida ou de trabalho. Existem fotografias, recortes de jornais e alguns livros de circenses, escritos a partir dos anos de 1960 e 1970, mas são raros os registros escritos, por exemplo, sobre árvores genealógicas ou origens familiares. Torres afirma que os circenses “tradicionais” relatam que o único e importante registro de sua história, que “deixavam de herança” para seu filho, era o saber circense transmitido por meio dos seus ensinamentos e registrados pela memória. Portanto, não podemos negar que haja a continuidade da transmissão de saberes, embora de forma distinta de outros modos de transmissão do saber coletivo. O circo, como um todo, não mais se “responsabiliza” pela continuação do ensino artístico da geração seguinte, este passou a ser responsabilidade de cada família, que escolhe onde seus filhos vão estudar; na escola formal ou no circo. É a partir dos anos 1940 e 1950 que muitas famílias circenses brasileiras começaram a ter uma preocupação maior com os seus filhos, com a educação, com os estudos que queriam dar a eles. Então é que muitas crianças e adolescentes foram mandados para as casas de parentes que possuíam residência fixa, que não pertenciam ao mundo circense, para que assim iniciassem os seus estudos e construíssem um “futuro diferente”, “melhor” que a vida que seus pais haviam herdado. Hoje é comum entre as famílias de circo que os pais prefiram que seus filhos se dediquem aos estudos, ao invés de dedicarem-se apenas à arte circense. Os pais passaram a perceber que, com estudo, seus filhos continuariam trabalhando no circo, mas agora como proprietários de uma empresa, e não apenas como artistas. Esta atitude acabou trazendo duas conseqüências: a primeira diz respeito à visão que estes “novos empresários” têm do circo. Menos sentimentais, para eles o circo é um negócio que tem que dar lucro. A segunda é que, para suprir a demanda de artistas, já que as famílias circenses agora cuidavam da administração, surgiram as escolas de circo, que formam novos artistas. (Silva, 1996). E foi com a ruptura na transmissão deste saber circense que alguns artistas, preocupados em continuar transmitindo os seus saberes, em fazer a profissão renascer, fundaram as chamadas escolas de circo, porém agora não apenas os filhos de circenses participavam, mas também outras crianças, adolescentes e adultos que tinham uma grande paixão pelo circo. Antes o circo se restringia às famílias circenses, mas com o tempo ele passou também a fazer parte de espaços alternativos como escolas, academias, projetos sociais e até mesmo os sinais de trânsito das cidades. Esse processo ocorreu em vários países ao mesmo tempo, não só no Brasil. Na França, a primeira escola de circo foi a Escola Nacional de Circo Annie Fratellini. Annie era descendente da maior família de palhaços franceses, os Fratellini. A escola surgiu com o apoio do governo francês, em 1979. Ligados à escola ou não, começaram a surgir vários outros grupos. Em 1982, surgiu em Québec o Club des Talons Hauts, grupo de artistas em pernas de pau e malabaristas. É esse grupo que em 1984 realizou o primeiro espetáculo do Cirque du Soleil. Em decorrência do grande sucesso no Canadá, eles receberam apoio do governo para a primeira turnê nos Estados Unidos. A segunda turnê, em 1990, foi assistida por 1.300.000 espectadores só no Canadá e excursionou por 19 cidades americanas. Surgiu assim a grande empresa de espetáculos, que atualmente tem mais de 700 artistas contratados. A primeira escola de circo que se instalou no Brasil chamava-se Piolin, em São Paulo, no estádio do Pacaembu (1977). Em 1982, surgiu a Escola Nacional de Circo, no Rio de Janeiro, na qual jovens de todas as classes sociais têm acesso às técnicas circenses. Formados, os ex-alunos vão trabalhar nos circos brasileiros ou no exterior, ou formam grupos que se apresentam em teatros, ginásios e praças. Foi a partir dos anos de 1990 que algumas escolas regulares incluíram em seus currículos atividades diferenciadas, como “circo” por exemplo, e uma dessas escolas é a “Brincando de Circo2”, em Florianópolis, cujo Projeto Arte de Circo3 foi incluído no currículo a partir do primeiro semestre de 2002, sendo trabalhado por duas professoras nas quartas-feiras das 18h30min às 19h45min, e contando na época da pesquisa de campo com 10 crianças entre 4 e 9 anos. Uma das professoras4 dessa escola afirma que: A idéia de circo tem um leque muito grande de possibilidade de expressão, podendo trabalhar várias formas, várias abordagens com a criança, procurando outras formas de se movimentar, um pouco diferente do que normalmente costuma-se passar para as crianças, ampliando um pouco a movimentação delas, o modo como elas vêem o mundo e direcionar isso com a linguagem circense, buscando a arte, a leitura corporal, tudo junto com uma proposta bem lúdica, abordando sempre o circo. As professoras ainda relatam a importância das atividades de circo para as crianças, ressaltando que o mais importante é elas “estarem bem”, “brincarem bastante”, “experimentarem várias formas de utilizar os materiais” que elas oferecem às crianças. As professoras procuram, assim, fornecer o máximo de 2 Nome fictício. Para saber mais sobre esse projeto, apresento uma cópia do mesmo no item anexos deste trabalho. Vale ressaltar que a cópia foi fornecida pelas professoras/autoras do projeto. 4 Em uma das conversas com a pesquisadora, em 02/04/2003. 3 possibilidades. Afirmam também que nas aulas elas procuram incentivar a criatividade das crianças e a imaginação, por meio de desafios e ludicidade, para que elas (as crianças) experimentem de várias formas os materiais, como equilibrar objetos, andar “como um animal pequeno”, “grande”, “bravo”, equilibrar o corpo, fazer malabarismos, conhecer e superar seus próprios limites. De acordo com Roman e Steyer (2001): A construção do conhecimento e a formação da criança objetivam uma melhor disponibilidade do indivíduo a partir de vivências que possibilitem a conscientização das limitações e facilidades que cada um apresenta na relação consigo mesmo, com os outros, com o meio e o conhecimento. (p.42) Já no “Reality Circus” a construção do conhecimento circense e a formação das crianças se dá de um modo diferente. De acordo com Sarmento5, na teoria da reprodução a criança é levada a reproduzir as normas e valores sociais a partir das agências de reprodução social, especialmente a escola e a família. Como exemplo disso, um integrante da família Los Henriques, do Reality Circus, diz: “as crianças circenses aprendem por meio da imitação devido à convivência permanente que elas têm com a sua família”. Segundo ele, a mesma forma de vida permite, portanto, que as crianças se iniciem na arte, brincando de circo no próprio circo, familiarizando-se com os aparelhos e despertando assim, suas vocações. Sarmento ainda ressalta as teorias estruturais e a corrente interpretativa: a primeira diz que a infância constitui “uma forma estrutural particular”, ou seja, a infância está exposta às mesmas forças que os adultos, as crianças são coconstrutores da infância e da sociedade. E a segunda diz que as crianças participam na sociedade de modo criativo e inovador, contribuindo assim para a produção e mudança cultural no quadro dos constrangimentos das estruturas sociais. Portanto, o que o autor quer nos dizer é que todas as crianças, - inclusive as crianças circenses, acrescentamos, - são produtoras de cultura, se expressam, participam, são atores e autores do seu contexto. 5 Sarmento, Manuel Jacinto. Palestra no Seminário Especial: Sociologia da Infância e Educação: Questões Emergentes, realizado entre os dias 30/06/03 a 04/07/03, no Centro de Educação (CED) da UFSC. No quadro dessas reflexões iniciais, elegi como principal objetivo identificar o sentido e o significado que dois grupos de crianças atribuem às brincadeiras circenses, buscando pistas desse sentido na análise de seus relatos e de fotos das atividades. Os objetivos específicos do trabalho são: examinar e discutir as brincadeiras e os conceitos de circo que têm as “crianças circenses” da escola “Brincando de Circo” e as do Reality Circus; apresentar a história, os elementos e a cultura dos circos em geral, num quadro teórico em que se destacam os elementos circo, brincadeira, criança e infância. Para tanto, busco responder às seguintes questões norteadoras: Em que o circo pode contribuir para as crianças que participam de atividades circenses, dentro e fora do circo? Qual o significado que as crianças estudadas dão para o circo? O que as crianças fazem e constróem no espaço circense? Como as crianças se organizam nesses ambientes? Quais são as suas brincadeiras? O que é circo para essas crianças? O trabalho está estruturado da seguinte forma: Na introdução apresento a caracterização do estudo, os sujeitos da pesquisa e minha chegada até o campo da pesquisa. No primeiro capítulo destaco a história do circo, os seus elementos e sua cultura. No segundo capítulo apresento o trabalho na escola “Brincando de Circo” e no Reality Circus e as crianças desses dois campos. As brincadeiras das “crianças circenses” são o foco de reflexão, desenvolvida com apoio em observações, fotos e relatos das crianças. No terceiro apresento um breve estudo sobre a concepção de infância, criança e sobre o brincar e sua importância. E nas considerações finais, realizo algumas sínteses que o estudo possibilitou. Aspectos Metodológicos “É preciso construir a necessidade de construir caminhos, não receitas que tendam a destruir o desafio de construção”. 6 Pedro Demo Partindo de uma perspectiva de abordagem qualitativa, optei pela pesquisa participante, utilizando a revisão de literatura como forma de qualificar e problematizar as diferentes técnicas de que lancei mão na busca de apoiar uma compreensão sobre as brincadeiras das “crianças circenses”. Como técnicas, utilizei observações, registros fotográficos, diário de campo, filmagens e conversas com as crianças e com os adultos. A escolha da abordagem qualitativa para a realização desta pesquisa pode ser compreendida com apoio na seguinte colocação de Minayo (1999): A pesquisa qualitativa responde a questões muito particulares. Ela se preocupa, nas ciências sociais, com um nível de realidade que não pode ser quantificado. Ou seja, ela trabalha com o universo de significados, motivos, aspirações, crenças, valores e atitudes, o que corresponde a um espaço mais profundo das relações, dos processos e dos fenômenos que não podem ser reduzidos à operacionalização de variáveis. (p.21-22) Minha escolha de observação participante se justifica com esta reflexão de Azanha (1992): Um dos pressupostos da pesquisa participante é de que a convivência do investigador com a pessoa ou grupo estudado cria condições privilegiadas para que o processo de observação seja conduzido e dê acesso a uma compreensão que de outro modo não seria alcançável. Admite-se que a experiência direta do observador com a vida cotidiana do outro, seja ele indivíduo ou grupo, é capaz de revelar, na sua significação mais profunda, ações, atitudes, episódios, etc., que, de um ponto de vista exterior, poderiam permanecer obscurecidas ou até mesmo opacas. (p.92) O mesmo autor declara que os pesquisadores da educação têm que prestar mais atenção à vida cotidiana das instituições de educação, afirmando que pouco se registra e se conhece sobre essa realidade. Porém, ele aponta o perigo de que os estudos do cotidiano possam cair no mero empirismo. Menciona a importância da realização das pesquisas embasadas à luz de teorias, ou seja, de que estas indiquem o quê e como descrever e analisar os fatos do cotidiano. Ao acima descrito, Azanha (1992) acrescenta: A potencialidade reveladora dos objetos da cotidianidade precisa ser teoricamente ativada para que as possíveis revelações ocorram. De nada adiantaria simplesmente postular a fecundidade do estudo da vida cotidiana para o conhecimento do homem sem indicar como é possível obter esse conhecimento a partir da cotidianidade. Para isso, é indispensável a formulação de teorias que indiquem seletivamente o que e como descrever e analisar aquilo que, sem elas, seria caos factual. (p.66) Sendo assim, o pesquisador não deve restringir suas preocupações ao conjunto de procedimentos ou técnicas de coleta de dados que pretende usar, pois embora o “método” de coleta possa resultar bastante difícil, o que interessa mesmo é como estabelecer uma conexão entre os diferentes fatos do cotidiano pesquisado, como identificar os nexos reveladores da realidade que propomos compreender. No estudo da produção científica na área, procurei contemplar estudos que abordassem a história do circo e a cultura circense, bem como um breve estudo sobre idéias de alguns autores sobre a concepção de infância, criança, e o brincar e sua importância. Como campo dessa pesquisa, elegi uma escola em Florianópolis – aqui denominada “Brincando de Circo” – que contempla brincadeiras de circo, e um circo “de verdade”, chamado Reality Circus. Para tanto, utilizei os documentos da instituição escolar; entrevistas semi-estruturadas com os adultos da escola e do 6 Demo, Pedro. Pesquisa: princípio científico e educativo. São Paulo: Cortez; Autores circo, conversas com as crianças, observações das brincadeiras/atividades circenses, registros escritos (diário de campo), fotográficos e algumas filmagens. A entrevista semi-estruturada, conforme Lüdke e André (1986:34) “se desenrola a partir de um esquema básico, porém não aplicado rigidamente, permitindo que o entrevistador faça as necessárias adaptações”. Sendo assim, o entrevistador tem a liberdade de percurso no andamento da entrevista. Vale ressaltar, que as entrevistas realizadas com os sujeitos da escola e do circo tiveram essa liberdade, entretanto foram mediadas por um roteiro. É de suma importância salientar que, após as conversas com os adultos selecionados (professoras e coordenadora da escola e os artistas de circo), foi dado um retorno aos mesmos, no qual conversamos e discutimos o registro. Foi muito importante esse retorno, pois eles puderam complementar algumas das idéias que tinham expresso naquele primeiro momento, assim como retirar algo que acreditavam não estar respondendo às questões que lhes foram colocadas. Foi uma experiência muito boa e rica, uma troca de cumplicidade, confiança e informações. O retorno dado às professoras e à coordenadora aconteceu na própria escola, numa forma descontraída e prazerosa, sem formalidades. Da mesma forma se fez presente essa descontração quanto ao retorno dado aos adultos do circo, com quem conversei. Rabitti (1999) nos fala sobre a importância de estar discutindo as observações e entrevistas com os sujeitos interessados, pois assim o pesquisador: (...) tem a oportunidade de confrontar suas impressões com as das pessoas envolvidas, de redimensionar alguns aspectos ou de colocar outros em relação com determinadas situações. Ninguém pode pretender ir a uma escola e compreender de imediato mais do que aqueles que lá trabalham, talvez há muitos anos. Ocorre, porém, de o pesquisador – que, não podemos esquecer, é um profissional em seu campo e possui, portanto, experiência de implicações teóricas, de instrumentos e de situações reais – ver ângulos e detectar aspectos e ligações que não são percebidos por quem está envolvido quotidianamente em uma experiência. O seu trabalho, assim, ajuda a aumentar a compreensão do fenômeno nas pessoas envolvidas. (p.34) Associados, 1990. Quanto à observação, Lüdke e André (1986) salientam que: A observação possibilita um contato pessoal e estreito do pesquisador com o fenômeno pesquisado, o que apresenta uma série de vantagens. A experiência direta é, sem dúvida, o melhor teste de verificação da ocorrência de um determinado fenômeno. (p.38) Assim, a investigação feita por meio da observação, me permitiu chegar mais perto da perspectiva dos sujeitos, ou seja, acompanhei as experiências das crianças no que diz respeito às suas brincadeiras, e dos adultos quanto as informações mais gerais sobre a escola e sobre o circo. Além de ter me aproximado dos sujeitos da pesquisa, tinha também o propósito de estar apreendendo a visão de mundo deles, ou seja, o significado que eles atribuem à realidade que os cerca e as suas próprias ações. Acredito ter alcançado a meta desejada. Em muitos momentos me emocionei com o que os adultos e as crianças falaram, com o que elas (as crianças) fizeram, e afirmo que aprendi muito sobre elas, e o mais importante, aprendi muito com elas. No que diz respeito à observação, Fernandes (1991:78-79) também nos aponta uma grande contribuição. Ele afirma que, “durante a pesquisa, o importante não é o que se ‘vê’, mas o que se observa com método, de forma que a observação transcenda a mera constatação dos dados”. Ele relata que o processo de observação nas ciências sociais abrange três momentos distintos: um primeiro de acúmulo de dados brutos, no caso de pesquisas de campo é a observação das ocorrências empíricas; a segunda operação permite selecionar e identificar dados relevantes no universo de material coletado na primeira etapa; e finalmente o terceiro, que abrange os procedimentos propriamente analíticos. Com isso, a realidade pesquisada, como afirma Fernandes (1991:84) “deixa de ser percebida como algo caótico e ininteligível, podendo ser descrita pelo sujeitoinvestigador, por propriedades ou atributos essenciais, coerentes e interdependentes”. As observações que fiz foram mediadas por fotografias e filmagens, bem como por registros escritos já mencionados, (diário de campo), os quais ajudaram-me a sistematizar os dados que passaram a ser descritos e analisados. Segundo Oliveira (2001:37) “O registro em vídeo, que já é um recurso metodológico utilizado em pesquisas que ajustaram seus focos nas crianças (Batista, 1998; Prado, 1998; Bufalo, 1997; Quinteiro, 2000; Telles, 1998)...”, permitiu registrar as imagens das crianças e dos adultos, bem como a produção das crianças mediante as brincadeiras de circo nesses dois campos que foram pesquisados. As filmagens foram um dos recursos que me trouxe mais informações sobre as crianças, pois a filmadora capta boa parte dos detalhes. Digo “boa parte” porque percebi que eu precisava de mais uma filmadora além daquela que eu estava utilizando, pois quando eu pedia para o Flávio (que me auxiliou em todas as filmagens) filmar tal brincadeira, por exemplo, em outro momento estavam acontecendo situações muito interessantes com as outras crianças. São detalhes, informações importantes que consegui em alguns momentos registrar no diário de campo, mas que valeria a pena terem sido filmadas. Uma situação em que isso aconteceu foi a seguinte: em uma das brincadeiras as professoras falaram para as crianças passarem por debaixo das pernas de quem não fazia parte das atividades de circo. Algumas crianças passaram por debaixo de minhas pernas, e esse momento foi filmado, porém houve uma criança que passou por debaixo das pernas do Flávio e ele não conseguiu filmar. A criança percebeu isso e falou a ele: “você não conseguiu me filmar,” e saiu sorrindo. As outras crianças e nós, adultos, também sorrimos bastante, foi uma situação muito engraçada que poderia ter sido filmada se eu tivesse mais uma filmadora naquele momento. Mas, como falei anteriormente, a filmagem me trouxe informações muito importantes sobre as interações das crianças nas brincadeiras, bem como com as outras crianças e com os adultos. A autora nos relata que o emprego da filmagem é, tanto quanto os demais procedimentos, uma forma importante de obtenção de dados, e completa citando Batista (1998), dizendo que a contemplação desta forma de registro dá-se também : (...) pela possibilidade de resgatar através da filmagem a organização do tempo e do espaço, situações de vivência entre as crianças, entre crianças e adultos, entre crianças e objetos no contexto educacional pedagógico da creche sem perda de detalhes que outras metodologias poderiam deixar de registrar. (p.20) Foto 4 – Crianças e o contato com a filmadora mediado por Flávio Fonte: Alexsandra de Souza (02/07/03) Quanto ao registro fotográfico, Oliveira (2001) também nos dá uma contribuição. Em sua pesquisa ela nos conta que o registro fotográfico é: “(...) um outro meio de apreender a realidade investigada e apresentá-la através de imagens. Imagens que expressam um espaço/tempo e as situações ali vividas, de forma diferente da palavra escrita”. (p.39) Foto 5 – Maria Clara sorrindo Fonte: Alexsandra de Souza (09/04/03) Lopes apud Oliveira (2001) nos fala sobre a leitura da imagem: Como um método de aproximação da realidade, ao particular, do fragmento, enfocado por diferentes ângulos e pontos de vista, em que é possível desvendar as leis do todo, do universal, da totalidade. Rever as fotos possibilita o desencadeamento do processo de rememoração da história vivida, pelas imagens e nas imagens. (p.39) Na minha acepção, fazer uma análise mais interpretativa de fotos não é fácil. Muitas vezes observei as fotos e me perguntava, por exemplo: “o que esta criança quer me mostrar com essa brincadeira? O que representa, o que significa esta imagem para mim? O que elas estão querendo me dizer?” De algumas imagens consegui apreender o significado, outras me fizeram (e ainda me fazem) repensar várias possibilidades, vários significados que elas demonstram. Compartilho com o que a autora acima citada fala sobre aquilo que rever as fotos nos possibilita. Ao revê-las, minha imaginação fluiu. “Fui e voltei” várias vezes ao circo e à escola. O olhar fixo nas imagens me reportava aos momentos vividos nesses dois lugares. Posso afirmar que é um momento “mágico”, permeado pela imaginação e também pela dimensão real. Quero dizer que ao mesmo tempo é real e palpável, estar vendo uma fotografia, e ao mesmo tempo é um momento imaginário, reportar-me aos momentos observados no circo e na escola. A isso Vygotsky (1984) nos dá uma contribuição dizendo que, a imaginação e o pensamento realista não são opostos, mas complementares, tanto nas crianças e em nós, adultos. No horizonte teórico de minha pesquisa estão as conclusões de estudos recentes sobre as crianças e suas culturas (Prado, 1998; Faria, 1999; Quinteiro, 2000; Oliveira, 2001, Coutinho, 2002, Rocha, 1999, Pinto e Sarmento, 2002), que contribuem para a construção de um percurso metodológico que possibilita um contato mais profundo com as crianças e sua produção cultural. Pinto e Sarmento apud Coutinho (2002) afirmam que, se considerarmos as crianças como produtoras de uma cultura própria da infância e se as tomamos como sujeitos plenos de direitos, temos que: (...) partir das crianças para o estudo das realidades de infância. Isto significa, no essencial, duas coisas: primeira, o próprio objeto da pesquisa, a partir do qual se estabelecem as conexões com seus diferentes contextos e campos de ação; em segundo lugar, que as metodologias utilizadas devem ter por principal escopo a recolha da voz das crianças, isto é, a expressão da sua ação e da respectiva monitoração reflexiva. (p.12) Coutinho também nos dá uma contribuição quanto às observações das crianças. Ela ressalta que devemos partir de suas ações para que possamos compreender o que elas criam, recriam, re-significam, reproduzem e manifestam na relação com as outras crianças e com os adultos. A autora também nos fala que, “observar as crianças não significa que serão consideradas apenas as suas ações, mas sim que mediante a totalidade de suas expressões serão tecidas as relações necessárias para conhecê-las”. (Coutinho, 2002:12). Ainda a mesma autora (2002) relata que: Esta idéia da criança como centro, seja nas investigações ou nas ações pedagógicas, incomoda ainda a muitos, por acharem que ao colocá-la nessa posição propõe-se a desconsideração dos demais elementos. No entanto, esta perspectiva visa a trazer mais elementos para que se conheçam as crianças e assim se possa propor uma educação mais condizente com as suas necessidades e desejos. Além disso, a sistemática da observação das crianças não desconsidera o contexto em que elas estão inseridas, pois, embora a preocupação esteja no conhecimento das crianças e das suas infâncias, sabe-se que a sua constituição está vinculada a tudo e a todos que com elas interagem quotidianamente. (p.12) Para finalizar, cito Oliveira apud Coutinho (2002:52) que diz o seguinte: “se há cem modos de ser criança, deve haver diversas formas de conhecê-la”. Contudo, Coutinho (2002) nos fala que, considerando que ser criança implica ações que são próprias de seus saberes, o conhecimento destes exige, então, olhares múltiplos, que possibilitem ao adulto que a observa a contemplação de suas diversas formas de manifestação. Nos Bastidores do Fazer Investigativo “Pesquiso para constatar, constatando, intervenho, intervindo educo e me educo. Pesquiso para conhecer o que ainda não conheço e comunicar ou anunciar a novidade”. 7 Paulo Freire Enquanto os “personagens principais” (as crianças) dessa pesquisa ocupavam os “palcos”, davam os seus “shows”, eu-pesquisadora ficava nos bastidores, observando, fotografando, filmando, bem como ouvindo os relatos desses “atores”. E é neste tópico que relato os momentos nos bastidores, ou seja, a travessia da investigação. Primeiramente, selecionei a escola. Eu sabia que nessa escola, “Brincando de Circo”, havia um professor que trabalhava com as brincadeiras circenses, então, no final do mês de março de 2003, liguei para a escola e, para minha surpresa, fiquei sabendo que o professor não fazia mais parte do quadro docente, porém havia duas professoras que tinham assumido o projeto das atividades de circo. Então, perguntei à coordenadora se eu poderia ir até a escola para conversar com ela e falar do meu propósito em estar pesquisando naquela instituição. Ela respondeu-me que eu poderia ir em qualquer dia e horário. A primeira visita foi realizada no dia 2 de abril, com o objetivo de conhecer o ambiente físico e a proposta da escola, como também apresentar a idéia de realizar uma pesquisa de Mestrado. Naquele dia entreguei para a coordenadora um ofício de autorização, assinado pela pesquisadora e pelo primeiro orientador da pesquisa, explicitando os motivos e objetivos do 7 FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. 8ª ed. São Paulo: Paz e Terra, 1998. trabalho, e na mesma semana tive resposta da coordenadora, aceitando a realização do trabalho. Ela recebeu-me com muita atenção, prestando todos os esclarecimentos e apresentando um breve comentário sobre o funcionamento da escola. Maiores detalhes sobre a escola serão apresentados mais adiante no trabalho. Por eventualidade, este era o dia da semana (4ª feira) em que ocorriam as atividades de circo, então perguntei às professoras se eu poderia ficar para observar a aula, falei de meu propósito em estar ali e marcamos para os dias 10 e 11 de abril uma conversa mais formal. A entrevista foi realizada em duas etapas, uma com as duas professoras e a outra individualmente. Perguntei para elas se me autorizariam a observar as atividades de circo, e responderam-me que sim, que eu poderia ficar à vontade para estar realizando o meu trabalho. Fui bem acolhida, tanto pela coordenadora, quanto pelas professoras, e isso é muito bom para um pesquisador. As conversas foram realizadas com sucesso, tanto com a coordenadora quanto com as professoras. A conversa com a coordenadora foi realizada em uma manhã no pátio da escola, um lugar maravilhoso, e o canto dos passarinhos, que faz parte do cotidiano da escola, proporcionou-nos um momento muito descontraído. As conversas com as professoras foram realizadas em dois momentos: no dia 10 de abril na escola e em conjunto, e no dia 11 individualmente. Com a professora Jeovana, a conversa ocorreu no Centro de Desportos da UFSC e, com a professora Mariana, no Centro de Artes da UDESC8. É importante ressaltar também que as brincadeiras de circo nessa escola eram realizadas somente nas quartas-feiras, das 18h30min às 19h45min. As observações foram realizadas do dia 2 de abril ao dia 17 de dezembro de 2003. Ao todo, foram realizadas 36 observações, todas registradas em diário de campo e fotografias. As observações dos dias 2/7/03, 9/7/03 e 30/7/03 foram gravadas em vídeo. Todos os pais assinaram o pedido de autorização para a realização de gravações e fotografias sem nenhum problema, mas fizeram 8 Gostaria de deixar claro que foi perguntado para as professoras se preferiam que seus nomes não fossem citados no trabalho e elas afirmaram que poderiam, sim, ser citados, sem problema algum. questão de ter um retorno do trabalho, o que é muito justo, e respondi que todos terão o retorno, inclusive a escola. As observações foram muito prazerosas, divertidas e descontraídas. Com o passar dos dias, a convivência das crianças com a pesquisadora foi tornando-se tão próxima, que quando eu precisava ausentar-me por alguns minutos do local em que estavam brincando, as crianças vinham me perguntar onde eu ia, e, quando não me viam sair, perguntavam para a professora onde eu estava. Foi a partir desse momento que comecei a conversar mais diretamente e individualmente com as crianças, “brincando de entrevistá-las”, com muita descontração e alegria, e o mais interessante é que elas levaram muito a sério a brincadeira de entrevista. De fato, não levaram a sério somente esta brincadeira, mas todas as outras, pois sabemos que o brincar para as crianças é coisa séria, afinal, como afirma Santos (2002:115), “brincar é viver”. Percebi nas palavras das crianças muita seriedade, sinceridade, criatividade, imaginação, sensibilidade e doçura. Vale salientar que as entrevistas foram realizadas com 9 crianças entre 4 e 9 anos e ocorreram na própria escola, no horário das atividades de circo. Perguntei às crianças se eu poderia conversar com elas naquele momento das atividades, e todas responderam que sim. Escolhemos a escadaria que ficava próxima do ambiente onde brincavam. A conversa foi individualmente e não se estendeu muito, até porque elas queriam mesmo era brincar e não ficar respondendo àquelas perguntas. Com relação às fotografias e gravações em vídeo, em nenhum momento as crianças ficaram tímidas diante da máquina, pelo contrário: faziam muitas poses e pediam para que fossem fotografadas e filmadas. Quero ressaltar que as fotografias apresentadas nesta pesquisa “falam” mais que muitas palavras, demonstram a realidade das crianças, suas brincadeiras e suas emoções. Fotos 6 e 7 – Poses e sorrisos Fonte: Alexsandra de Souza (09/04/03) Quanto ao outro campo de investigação, foi um pouco difícil encontrar um circo em que eu pudesse realizar a pesquisa. Fui a vários circos, entre eles o Circo Marcos Frota, do Rio de Janeiro, que esteve em Florianópolis no mês de fevereiro de 2003; o Circo Sena, que esteve em Biguaçu no mês de maio de 2003; e o Circo Estrela, que esteve em Palhoça no mês de junho de 2003. No entanto, não pude realizar a pesquisa nesses circos porque não havia crianças que moravam nos circos, como era meu objetivo pesquisar. Nos circos onde havia crianças, elas eram muito pequenas e ainda não participavam do picadeiro. Em setembro de 2003 fiquei sabendo que um circo tinha chegado à cidade de Antônio Carlos, o Reality Circus. Fui até lá, e, para minha surpresa, o primeiro número do espetáculo foi apresentado por crianças! Havia muitas crianças e fiquei muito feliz, afinal, tinha encontrado um circo em que eu poderia realizar a minha pesquisa. Ao final do espetáculo, fui conversar com o responsável pelo circo e falei a ele do meu propósito em realizar uma pesquisa no circo, que seria mais diretamente voltada às crianças, e ele falou que eu poderia realizar sem nenhum problema. Perguntei onde eles estariam no final de semana seguinte, já que aquela era a última semana deles em Antônio Carlos; ele respondeu-me que iriam para Biguaçu, e uma semana depois lá eu estava, só que não consegui falar com as crianças naquele dia, porque depois da apresentação das 17h, as crianças, assim como os adultos, tinham o tempo reservado para tomar banho, jantar e se arrumar para o próximo espetáculo, que era às 20h30. Passaram-se duas semanas, e o circo foi para São José, onde assisti mais uma vez ao espetáculo, mas onde também não consegui falar com as crianças. Somente em Garopaba, a última cidade em que eu acompanhei o Reality Circus, é que consegui falar com as crianças, no dia 07/12/2003. Das vezes em que eu não conseguia falar com as crianças, quando eu chegava no local, o dono do circo, o Sr. Josemar Dantas, não se encontrava, e eu não me sentia à vontade em pedir para entrar no circo, já que as pessoas com quem falava não me convidaram para entrar, me diziam apenas que o esperasse. Ele e outras pessoas do circo saíam pelas redondezas anunciando o espetáculo e só chegavam perto das 17h; esta era a hora do primeiro espetáculo, e as crianças já estavam se arrumando para as apresentações. Nessas minhas idas ao circo, que foram somente 6 e apenas nos finais de semana, consegui observar uma vez as crianças brincando de vôlei ao lado da lona. Amarraram uma corda que simbolizava a rede e ali brincavam, meninas e meninos muito alegres. Quase não se via as crianças fora de seus trailers, e isso dificultou um pouco a minha observação, que ficou restrita somente ao espetáculo e à conversa que tive com elas. Não consegui fotografar nenhum momento da brincadeira delas, apenas as apresentações no palco, o que não deixa de ser também, em alguns momentos, uma brincadeira para elas. Mesmo assim, acredito que valeram muito os momentos em que estive com as crianças do circo. Duas crianças do Reality Circus não queriam conversar comigo de início, falaram que estavam “com vergonha”, porém fui conversando com elas, até que aceitaram estar participando do meu trabalho. A conversa aconteceu no próprio circo, antes de começar o espetáculo das 17h. Sentamos nas cadeiras que estavam dispostas para o público assistirem o espetáculo e deixamos as palavras fluírem. Afirmo que a conversa foi muito boa, descontraída e em alguns momentos muito alegre. Foi maravilhoso ter conhecido um pouco sobre a vida das crianças circenses, seu dia-a-dia e suas brincadeiras preferidas. Depois de conversar com as crianças, conversei também com dois adultos, um dos donos do circo, o Sr. Josemar Dantas e a Srª Cecília, que prestaram todos os esclarecimentos quanto à história do Reality Circus, bem como compartilharam um pouco do que é viver num circo, as suas dificuldades, o seu dia-a-dia, as suas experiências de vida. Confesso que emocionei-me muito quando conversei com a Srª Cecília. A maneira como ela fala do circo é muito linda e sincera, o circo é a sua vida. A fala da Srª Cecília está transcrita no capítulo 2 – “Os palcos onde tudo acontece”. As observações que se limitaram ao espetáculo foram registradas por meio do diário de campo e de fotografias, e as conversas que tive com as crianças e com os adultos foram gravadas em fitas cassete e posteriormente foram transcritas, constando também no capítulo 2. Esses foram os campos de investigação dessa pesquisa: a escola “Brincando de Circo” e o Reality Circus. Foi muito prazeroso e gratificante ter passado esses momentos com as crianças. Mesmo que tenham sido alguns meses ou apenas alguns dias, aprendi muita coisa com elas e sobre elas. SENHORAS E SENHORES, COM VOCÊS... O CIRCO E SUA HISTÓRIA! Figura 2 – “Anunciando o circo” Fonte: Alexsandra de Souza (20/05/2000) _________________________________________________________________ SENHORAS E SENHORES, COM VOCÊS... O CIRCO E SUA HISTÓRIA! “Fantasia de palhaço, sempre termina quando a luz do palco pisca e a cortina de sonhos se abaixa. Feito máscara derretida, que confunde minha alma dourada, com o gosto amargo do dia e da lágrima que teima em cair. Pelos palcos, pela vida, pelas suas bocas pintadas, pela dor de um palhaço sem circo, pelo mistério da mágica, que sai de mim”. 9 Luiza Albuquerque Em artigo para a revista O Correio da UNESCO, o autor Coxe (1988:05) afirma ter notícia de que existem mais de 16.000 livros sobre circo. Considerando todos estes livros, e o muito que se tem falado e escrito sobre o “fantástico mundo do circo” em romances e poemas, filmes, programas de televisão, novelas, pinturas, acreditamos que este mundo ocupe um lugar importante no imaginário social, principalmente no imaginário infantil. Entretanto, no Brasil, pouco se escreveu e se escreve sobre o circo. As publicações acadêmicas, em grande parte ligadas à Antropologia e à Sociologia trazem, em seu conjunto, informações históricas sobre a chegada do circo no Brasil, sobre o modo como foram se constituindo os espetáculos, suas mudanças, entre outras. Dadas as suas perspectivas teóricas e metodológicas, analisam o objeto da forma como este se apresenta no momento de cada pesquisa. É interessante observar o momento em que estas pesquisas são realizadas: a maioria foi escrita nos anos de 1970 e início dos anos de 1980, sendo raros os trabalhos anteriores ou posteriores a este período. A produção historiográfica sobre circo é mais reduzida ainda. 1.1. A História do Circo10 O circo veio de longe na história. Nasceu em Roma, mais de 200 anos antes de Cristo. Primeiro, ir ao circo significava ir a uma festa religiosa ao ar livre. Depois, o circo virou um lugar para competições de homens com homens, animais com animais e homens com animais. No circo também aconteciam corridas de charretes que começavam de manhã e só terminavam à noite. Sua estrutura era composta por 3 partes: a arena ou pista, onde o espetáculo acontecia; a arquibancada, onde a platéia se divertia, e as cavalariças, onde carros e animais eram guardados. O maior dos circos romanos chamou-se Maximus. Era feito de pedra e tinha capacidade para milhares de pessoas. Hoje o que resta do Maximus são somente seus escombros. O circo em Roma dava aos pobres um divertimento que não precisava ser pago; assim eles esqueciam da tristeza, rindo muito de tudo o que viam. Os acidentes nos circos eram um grande perigo, tanto para os que faziam o show quanto para a platéia que, às vezes, era atingida por charretes que capotavam sem controle. Os corredores, para compensar o perigo do show, ganhavam muito dinheiro em moedas de cobre. A platéia apostava quem seria o vencedor e usava túnicas com as cores iguais às das túnicas de seus corredores favoritos. Faziam o que hoje conhecemos por torcida organizada, igual à dos times de futebol. A platéia era uma parte do espetáculo. Quem lutava com as feras eram os prisioneiros de guerra, escravos ou malucos que queriam arriscar suas vidas por causa da emoção. (Torres, 1998). É na Idade Média que surgem os primórdios do que hoje chamamos de circo, pois nessa época saltimbancos, malabaristas, acrobatas, atores e dançarinos viajavam, individualmente ou em grupos, pela Europa, Ásia e África. 9 Albuquerque, Luiza. Fonte: Jornal de poesia, site: http://www.secrel.com.br/jpoesia/luiz05.html Este histórico foi baseado no site: http://puccamp.aleph.com.br/circo/circo1.html e nos livros dos autores Antônio Torres, 1998 e Alice Viveiros de Castro, 1998. Referência completa desses livros ver no item Bibliografia desta dissertação. 10 Exibiam-se em castelos de nobres, festas populares ou feiras. Sabe-se que o rei Alfredo da Inglaterra (fins do século X) divertiu-se certa vez com uma exibição de animais selvagens. Já Guilherme o Conquistador, rei da Inglaterra (século XI), fez com que trupes itinerantes de dançarinos, acrobatas e contorcionistas franceses se apresentassem na Inglaterra. Na quase totalidade, os velhos homens de circo eram maçons ou rosacruzes e, talvez por isso, houve tempo em que não eram bem vistos pelo clero. No entanto, acrobatas, mágicos, malabaristas e outros circenses apresentavamse em castelos, mercados, feiras e praças em troca de moedas. Quando os artistas eram bons no espetáculo e tinham sorte, podiam ficar amigos dos nobres, e assim fazer show só para eles, tendo em troca uma recompensa: dinheiro e casa para morar. (Torres, 1998). A partir do final da Idade Média, quando as feiras perderam a relevância que até então tinham como centros de comércio, tornando-se sobretudo locais de diversão – ganhou corpo a associação de artistas, animais e outras características que terminariam por constituir o circo moderno. Philip Astley, inglês, ex-sargento-mor, descobriu em 1768 que se galopasse de pé sobre um cavalo, num círculo, a força centrífuga o ajudava a manter o equilíbrio. Mas até então ninguém usava a palavra circo. O nome só surgiu em 1782, quando o Royal Circus foi montado perto do picadeiro de Astley por um de seus cavaleiros. Uma outra circunstância, no século XVIII, ajudou no desenvolvimento do circo: muitas das famosas feiras estavam em franco declínio, e muitos saltimbancos passaram a se exibir em circos. Além disso, malabaristas, acrobatas e outros artistas perceberam que seus números eram apreciados melhor num picadeiro, onde todos podiam verificar que não havia fraude no que faziam. Foi também mais ou menos nessa época que tornou-se norma o picadeiro de 13 metros de diâmetro, uma dimensão até hoje conservada pela maioria dos circos. Os historiadores consideram que Astley foi quem iniciou o circo moderno. Segundo Castro (1998:20): É consenso entre os historiadores reconhecer que o pai do circo moderno foi Philip Astley, suboficial inglês que comandava apresentações da cavalaria. Em seu circo, além das atrações com cavalos, Astley colocou saltimbancos, saltadores e palhaços. Entretanto, este circo tinha uma estrutura fixa, diferente dos circos modernos atuais. De acordo com Castro (1998) Astley começou a difundir o circo moderno por todos os cantos da Europa e da América em pouquíssimo tempo e abriu uma filial em Paris, após convite para apresentar-se para o rei da França. Só mais tarde, alguns países da Europa como Suécia, Espanha, Alemanha e Rússia, começaram a desenvolver sua arte circense. Em apenas cinqüenta anos o circo moderno já tinha se espalhado por todo o mundo. Neste circo havia espetáculo de cavalos, malabaristas, equilibristas, aramistas, contorcionistas, músicos, acrobatas, domadores de feras e adestradores de diferentes animais, além do teatro. Torres (1998) nos fala que no Brasil os primeiros circos se organizaram na segunda metade do século XVIII. Manuel Antônio da Silva foi um dos primeiros cavaleiros de sucesso, tendo em 1828 realizado um espetáculo de danças sobre um cavalo a galope, numa residência particular. No século XIX o Brasil foi visitado por diversas companhias estrangeiras, inclusive pelo Circo Olímpico, que influenciaram a organização de elencos nacionais. Muitos artistas estrangeiros ficaram no Brasil e formaram algumas das mais conhecidas famílias circenses do país. Entre eles, portugueses, espanhóis, italianos, japoneses, argentinos etc. Entre os brasileiros os nomes mais famosos são: Manuel Peri, Galdino Pinto, Narciso de Abreu, Sérvulo Rocha, Nestor de Freitas, Juvenal Pimenta, as famílias Martinelli, Nogueira etc. O mais conhecido dos palhaços foi Piolim, nome artístico de Abelardo Pinto (Ribeirão Preto SP, 1897 – São Paulo SP, 1973). No Brasil, como diz Castro (1998), o circo “tropicalizou” algumas atrações. Segundo ela: o palhaço brasileiro falava muito, ao contrário do europeu, que era mais mímico. Era mais conquistador e malandro, seresteiro, tocador de violão, com um humor picante. O público também apresentava características diferentes: os europeus iam ao circo apreciar a arte; no Brasil, os números perigosos eram as atrações: trapézio, animais selvagens e ferozes. As famílias circenses ganharam prestígio a partir do século XIX. De geração a geração, os membros de uma família eram treinados desde a mais tenra infância, adquirindo a qualificação e a disciplina necessárias para alcançar a perfeição numa determinada especialidade ou num grupo de especialidades correlatas. Em todo o mundo, os circos enfrentaram sérias dificuldades a partir de meados do século XX. Com o surgimento dos grandes centros urbanos e o desenvolvimento tecnológico, apareceram também novas formas de entretenimento, como televisão, cinema, teatro, parques de diversão, vídeogames e computadores, afastando assim, as pessoas do circo. Com isso, os ingressos se tornaram cada vez mais baratos. Seria correto dizer que o circo estava mudando. Podia estar em declínio, porém resistia de todas as formas. As mudanças ocorridas no circo moderno ajudaram a criar também uma nova categoria de circo. Conhecidas como "novo circo", estas companhias não têm picadeiro, nem lona, nem arquibancadas e se apresentam, na maioria das vezes, em teatros ou casas de espetáculo. Nas apresentações, há inovações na linguagem, com a incorporação de elementos de dança, teatro e música. Um exemplo desse tipo de circo é o Cirque du Soleil, do Canadá. No Brasil, há vários grupos desse gênero, como o Intrépida Trupe, os Acrobáticos Fratelli, o Teatro de Anônimos, os Parlapatões, os Patifes e Paspalhões, o Nau de Ícaros, o Circo Mínimo, o Circo Escola Picadeiro, o Linhas Aéreas, dentre outros, que formam o Circo Contemporâneo Brasileiro. Porém, à margem de todas estas grandes transformações, ainda há os pequenos circos, que não conseguiram se "modernizar", mas que resistem, fazendo apresentações nas pequenas cidades do interior e bairros da periferia das grandes cidades. Nesses circos, com pequenas estruturas, as famílias ainda trabalham como antigamente, fazendo de tudo. Os espetáculos são simples. São raras as apresentações com animais, que custam caro, ou com equipamentos grandes e sofisticados. Esses pequenos circos, ainda com sentimentalismo e, certamente, um pouco de saudosismo, continuam no picadeiro, com a certeza de que fazer sorrir ainda é o melhor remédio para não deixar a tradição acabar. 1.2. Os Elementos do Circo Todos os integrantes de um circo são responsáveis por muitas tarefas..., até os elefantes, que, além de se apresentarem no picadeiro, muitas vezes ajudam a montar e desmontar a lona do circo. Equilibristas, trapezistas e malabaristas, palhaços, mágicos e domadores..., entre uma apresentação e outra, sob a luz dos refletores, cada qual tem de fazer o espetáculo continuar! O livro “O Mundo Fantástico do Circo” (1989), elaborado pela equipe editorial da Enciclopédia Britânica do Brasil, relata que cavalos e cavaleiros de grande destreza sempre foram uma das marcas registradas do circo moderno. Figura 3 – Acrobacias eqüestres Fonte: http://puccamp.aleph.com.br/circo/circo1.htm Uma das maiores atrações do circo são as acrobacias aéreas. Um acrobata pula sobre uma catapulta, arremessando ao ar um outro, que executa um salto mortal de costas e vai cair sobre os ombros de um terceiro, ou dois acrobatas pulam e outro se coloca no topo de uma pirâmide humana, esses são exemplos de números apresentados pelos acrobatas. Figuras 4 e 5 – Acrobacias aéreas Fonte: http://puccamp.aleph.com.br/circo/circo1.htm Além das acrobacias aéreas, outro número muito apreciado pelo público são os malabares, como mostram as figuras abaixo. Figuras 6 e 7 – Malabarismos Fonte: http://puccamp.aleph.com.br/circo/circo1.htm Uma das principais coisas que o circo tem a oferecer é “a constatação de que uma pessoa é capaz de alcançar um controle verdadeiramente assombroso sobre o corpo” (idem, p:45). A platéia identifica-se com um artista que tenta uma proeza perigosa ou difícil. Ao ver completado um duplo salto mortal ou uma pirâmide humana, o público é tomado de satisfação e alívio. Um passo em falso de um equilibrista na corda parece perturbar mais os espectadores do que o próprio artista. E o espetáculo não está gravado em filme ou fita, não há como repetir uma tomada para consertar um erro. Todos temos consciência da fragilidade e das deficiências humanas, mas o circo mostra o ser humano no apogeu da realização física e da coordenação motora. Quando a capacidade humana de estupefação, emoção e suspense aproxima-se do limite, é aí que o circo lança no picadeiro seus palhaços, que “desanuviam” a atmosfera e dissipam a carga emocional. São eles que provocam o riso da platéia. O grande ator do circo é o palhaço. Para muitos é a alma e mesmo o símbolo do espetáculo circense, com roupa colorida e larga, sapatos imensos, careca reluzente, cabelos de lã colorida, rosto pintado com cores vivas, sobrancelhas pretas e grandes, boca larga e pintada. O grande palhaço possui também todas as qualidades de um ginasta ou acrobata, tirando partido da agilidade física para seus números cômicos. Em alguns circos, há uma certa hierarquia de palhaços: os menos importantes são os que entram em todos os intervalos, divertindo o público, enquanto os maquinistas desmontam um número e preparam o próximo. Os grandes, entretanto, são muitas vezes a atração central do espetáculo. Os palhaços divertem a platéia. Riem, contam piadas, cantam e dançam. A música faz parte de seu número! Figura 8 – Os palhaços Fonte: http://puccamp.aleph.com.br/circo/circo1.htm A música é muito importante no circo. A orquestra, uma bandinha ou mesmo a música gravada é que estabelecem o ritmo do espetáculo e o clima emocional, dão o tom dos diversos números e ocupam o vazio durante a mudança de cenários. Com o passar do tempo, a música circense adquiriu características muito próprias, fixando-se em formas típicas, como a marcha, o galope, a polca, o tango e nas mais variadas peças de caráter nacional (cf. idem). Para muita gente, a vida dos circenses pode parecer uma existência nômade, sem o conforto de uma residência permanente ou a segurança de um emprego convencional. Por outro lado, conhecer a vida do circo equivale a ver aparentes desvantagens se transformarem em fontes de força. Uma vida itinerante constitui atração para muitas pessoas, nas quais se torna fortíssimo o vínculo forjado na superação diária de dificuldades comuns. OS PALCOS ONDE TUDO ACONTECE Fotos 8 e 9 – O local destinado às atividades de circo na escola “Brincando de Circo” e o Reality Circus. Fonte: Alexsandra de Souza (02/04/03 e 08/11/03) _________________________________________________________________ OS PALCOS ONDE TUDO ACONTECE... “As crianças que entram na escola, antes disso, correm, saltam, riem, brincam de todas as coisas e, depois nos bancos escolares, tornam-se alunos, despojados de todas as coisas que possuíam. Talvez o erro esteja em achar que aquelas coisas de fora da escola são da natureza; e as da escola, da sociedade. Eu diria que nem uma coisa nem outra. Aquelas coisas de fora da escola são a cultura da criança que nunca é matriculada, e as coisas da escola não são bem as coisas da sociedade”. 11 João Batista Freire 2.1. A Escola “Brincando de Circo”12 A escola localiza-se no bairro Coqueiros no município de Florianópolis, sendo esta sua única sede. Foi criada em 1983, completou 20 anos em dezembro de 2003 e tem como uma das fundadoras a atual coordenadora da escola. Começou como uma escola particular e se chamava escola “Mundo Mágico”13, tendo funcionado assim durante três anos. A partir de então, a escola foi se 11 Freire, João Batista apud Daolio, Jocimar. Educação Física e o conceito de cultura. São Paulo: Autores Associados, 1995. 12 Entrevista concedida pela coordenadora pedagógica das séries iniciais, em 15/04/03. 13 Nome fictício. constituindo como uma associação, sem que os profissionais da escola se dessem conta disso. E uma das coisas que determinaram esse processo, como afirma a coordenadora, foi a “consciência de que o princípio do lucro não é compatível com a proposta de educação como a que a gente pretendia realizar”. Ela continua: “então, o caminho foi buscar uma saída para rever a estrutura administrativa da escola que assegurasse a viabilidade desse projeto. Primeiro, isso aconteceu entre os professores, informalmente, não foi oficializado na comitiva de professores, então era um grupo de trabalho que discutia os encaminhamentos da escola, e no terceiro ano então, a idéia de associação foi amadurecendo. A gente fez contatos com outras escolas, na época tinha o Anabá que era uma associação, o Sarapiquá, que é uma escola onde eu já tinha sido mãe no primeiro ano da escola, eu já tinha essa vivência, e fomos então oficializando a estrutura associativa. Então, desde 1997, a nossa escola funciona como associação, associação de pais e professores que mantém a escola e daí ela precisou mudar de nome, passando a ser chamada Escola ‘Brincando de Circo’”. Faço agora uma longa citação da fala da coordenadora, por entender que ela ajuda a contextualizar o trabalho realizado com o circo: “durante um tempo a gente só trabalhou com a Educação Infantil e a partir de 1987 implantamos as Séries Iniciais. No primeiro ano (1983), o projeto da escola era de período integral, em um período as crianças ficavam com suas turmas e no outro tinham oficinas, então tinha uma professora de Educação Física que fazia oficinas de jogos e brincadeiras, construindo brinquedos, explorando esse espaço maravilhoso com as crianças; tinha também professora de Artes, de Dança e na época tínhamos também professor de Karatê. Depois de 1987, a gente entrou com a Capoeira junto com as aulas de Educação Física. Em 1984, a escola passou a ser uma escola regular, não de período integral porque não houve procura, e a gente viu que era uma estrutura muito cara e a demanda mesmo era para as crianças ficarem em um dos períodos na escola, então a gente desmontou aquela estrutura maior e os professores daí foram ‘absorvidos’ pelo outro projeto. A professora de Artes ficou com uma turma, a professora de Educação Física ficou com outra e manteve essa integração de atividades, a gente fazia muita coisa juntos, os grupos se misturavam bastante; a escola ainda era pequena, mas já funcionando como escola regular. Durante o tempo todo, tivemos a preocupação e o cuidado com o trabalho contínuo de formação de professores, e o interessante da época era que as pessoas não tinham formação especificamente em Pedagogia, a gente tinha um grupo multidisciplinar, um era jornalista, outra era psicóloga, até porque não havia uma legislação muito rigorosa para trabalhar com a Educação Infantil, e a gente percebia que o curso de Pedagogia não dava conta dessa formação mais ampla que um professor precisava ter para trabalhar nesse projeto. Aos poucos, o curso de Pedagogia foi tornando mais consistente em termo de formação e o grupo que foi ficando, que foi entrando, já tinham a formação em Pedagogia ou já estavam cursando. Atualmente, quase todos os professores são pedagogos formados e quem não é, está cursando. A formação dos professores foi uma das grandes questões na constituição desse projeto, porque era muito difícil conseguir pessoas, principalmente nas Séries Iniciais, na Educação Infantil é mais fácil ousar, não existe o rigor do currículo, então as pessoas estão mais abertas até pela própria característica do trabalho, é mais lúdico, é menos formatado, então, nas Séries Iniciais foi um trabalho bem árduo, selecionar, contratar e trabalhar com os professores sem livro didático, trabalhando com projetos interdisciplinares dá muito trabalho, muito mais trabalho do que ter um livro ou uma apostila; o professor tem que pesquisar muito junto com as crianças, tem que fazer a leitura do grupo, tem que saber se colocar como autoridade sem ser autoritário, tem que lidar com outra forma de avaliação que não passa por nota e nem conceito, então foram muitas as dificuldades nesse processo, mas, também, muitos ganhos”. Assim surgiu a escola, cujo trabalho pedagógico se fundamenta hoje num fazer conjunto, que procura não separar teoria e prática. A proposta é fazer um trabalho pedagógico democrático, pautado pela realidade que o cerca, observando o contexto, os significados e histórias de cada um e do grupo. É uma escola que desenvolve um projeto alternativo em relação à escola tradicional, ou seja, tem como proposta a construção do conhecimento em oposição à simples transmissão de conteúdos. Sendo assim, a escola pretende formar indivíduos com inteligência crítica e emocional, capaz de fazer escolhas conscientes diante aos desafios do mundo. Segundo a coordenadora, ”a elaboração do projeto político pedagógico é construída coletivamente, a elaboração do planejamento de ensino parte dos conteúdos curriculares, incluindo outros conteúdos de caráter humanístico e que vão compondo ao longo de cada ano, o planejamento a ser trabalhado com cada turma”. A escola dispõe de amplo espaço físico, incluindo árvores de várias espécies e animais, o que permite o desenvolvimento de projetos especiais, associando aprendizagem e meio ambiente. No período da pesquisa de campo, a escola atendia cerca de 202 crianças, compreendendo a Educação Infantil com 73 crianças, com turmas do Infantil 1 ao Infantil 5, e o Ensino Fundamental com 129 crianças, com 8 turmas, das Séries Iniciais até a 8ª série, funcionando nos dois turnos. A escola tem 33 professores e 3 coordenadoras, sendo uma da Educação Infantil, uma das Séries Iniciais e uma do Ensino Fundamental (5ª a 8ªsérie). Do quadro de professores, 2 são professores de Educação Física, sendo que a professora trabalha na Educação Infantil e o professor trabalha no Ensino Fundamental. Há também outros projetos na escola, como a capoeira, coral, culinária, I-ching, inglês, violão, projetos encontros e arte de circo, o que evidencia o interesse em ampliar o repertório de experiências culturais das crianças. Neste último, o projeto Arte de Circo, trabalham duas professoras, sendo que uma delas é formada em Educação Física pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e a outra professora tem a primeira habilitação em Filosofia e atualmente está cursando a faculdade de Artes na Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC). No projeto, as professoras falam que: “entendendo a necessidade de relacionar o movimento corporal enquanto movimento expressivo, com a educação, através de diferentes manifestações artísticas buscamos a concepção do circo como aglutinador de artes, para o desenvolvimento do projeto”. Os objetivos deste projeto são: trocar e construir conhecimento; facilitar uma boa comunicação entre o grupo, num trabalho interativo, vivenciado de corpo inteiro; vivenciar situações que estimulem a formação de indivíduos autônomos, cooperativos, confiantes, persistentes, críticos, sensíveis, criativos, equilibrados e com uma boa auto-estima; dramatizar, brincar, dançar, jogar e fazer circo, buscando uma consciência corporal; criar dinâmicas de auto-conhecimento que propiciem a cada um, uma relação de prazer e alegria em suas atividades, e, organizar a partir dos indivíduos, um coletivo estruturado e consistente para realização das atividades, vivenciando situações e possibilitando o desenvolvimento de suas potencialidades cognitivas, físicas, afetivas e sociais, dentro de uma proposta lúdica. A turma das atividades de circo era composta por 9 crianças compreendendo as idades de 4 a 9 anos, sendo oferecida todas às quartas-feiras, das 18h30min às 19h45min. O local onde aconteciam as atividades de circo nos meses em que realizei a pesquisa tem o formato de um circo, sua estrutura é de cimento e o centro do chão – o “picadeiro” – é de madeira. Soares (2001:39) nos dá uma contribuição dizendo: “a arquitetura do circo, arredondada, com sua arena central, permite que o olhar passeie por todos os lados e que olhe nos olhos de outros espectadores. Este palco centrado se oferece cheio de luz, de ação”. 2.2. O Reality Circus Começar cada dia num lugar diferente é a rotina das famílias circenses. O circo Reality Circus, no período de 19/09/03 a 22/11/03, esteve nas cidades da Grande Florianópolis (Antônio Carlos, Biguaçu e São José) e também em Garopaba, onde tive oportunidade de acompanhá-lo. Para viajar, o circo toma algumas providências. Primeiro é preciso contatar a prefeitura da cidade e pedir autorização. Autorizados pela prefeitura, eles partem para a nova praça à procura de um local adequado para a instalação do circo. Os circos às vezes encontram lugar adequado para instalar-se, mas há cidades onde isso não acontece. Como explica a pesquisadora Alice Viveiros de Castro, “entre os problemas enfrentados nos dias de hoje estão os terrenos caros e há cidades que não permitem a montagem de circos, pois seus prefeitos temem estes ‘forasteiros’”14. Aí, o jeito é armar a lona onde dá. O Reality Circus não teve problemas quanto às suas instalações desta vez, por onde passou em Santa Catarina, encontrou bons lugares para sua acomodação. O Reality Circus nasceu no Brasil há três anos, em Sorocaba - SP, e sua primeira estréia foi em 03/03/2001. Desde então, já percorreu várias cidades 14 Fonte: Castro, Alice Viveiros de. Site: www.centraldocirco.art.br pelos estados de São Paulo, Paraná e Santa Catarina, e seus integrantes pretendem ir para o Mato Grosso, Goiás, Brasília e outros lugares. O Reality Circus foi fundado pela família Dantas, família circense de 4ª geração. Os irmãos Josemar Dantas e Anderson Dantas são sócios, compraram todos os equipamentos e montaram o seu próprio circo. A família já trabalhou em vários circos, de parentes próximos e inclusive de não-parentes, porém, como um dos entrevistados declarou: “toda a vontade do circense é ter o seu próprio circo”. Atualmente no Reality Circus há seis famílias, a saber: duas famílias Dantas, família Ferrante, família Henriques, família Alves Viana e família Miguel. As famílias são numerosas, e segundo Josemar, “todos trabalham aqui no circo, é uma equipe, administração, armação, transporte, artista, eletricista, encanador, mecânico, todos ajudam um pouco. Para viver no circo, é preciso saber de tudo um pouco”. A desmontagem do circo geralmente é feita na segunda-feira à noite e a viagem é feita na terça-feira. O jovem Weverton Dantas, de 14 anos, descrevenos esses momentos: “A gente começa a desmontar o circo na segunda-feira à noite, depois do último espetáculo, tira tudo de dentro da lona, aí na terça-feira a gente desmonta tudo, por fora e por dentro, e começa a levar tudo para o caminhão, e a gente vai para outra cidade e aí chega na quarta-feira. Aí a gente levanta os mastros, bate as estacas, ajeita as casas, os trailers. E aí na quintafeira ergue a lona e sexta-feira arruma por dentro, as arquibancadas, a entrada e estreamos o espetáculo. As estréias são sempre nas sextas-feiras, quando quinta-feira é feriado em alguma cidade daí a gente estréia na quinta, senão é sempre na sexta-feira”. Conforme a fala de Weverton, assim que o circo chega, a primeira preocupação é definir o espaço físico do acampamento, onde vão ficar os trailers, a entrada do circo e as arquibancadas. O próximo passo é descarregar: lona, mastro, grades e arquibancadas e/ou cadeiras. Agora, é só começar a montagem do circo. Na montagem, a primeira providência é levantar a cerca. O trabalho é manual, sem auxílio de qualquer máquina. Como requer força física, são os homens que executam essa tarefa. A montagem do circo leva todo o dia e, às vezes, ainda sobra trabalho para o dia seguinte. Durante esse período, as mulheres continuam suas atividades domésticas: arrumar os trailers, lavar louça, lavar roupa, cozinhar e cuidar dos filhos. As crianças maiores também ajudam na montagem, como arrumar as cadeiras uma do lado da outra. Já as crianças menores ficam brincando ou assistindo TV em seus trailers. A próxima tarefa dos homens é levantar o mastro. Weverton nos fala que, num primeiro esforço, um grupo apoia o mastro numa forquilha de madeira, amarrada com arame. O segundo passo é atar uma corda ao pico do mastro e puxá-la até o mastro ficar aprumado. A cobertura do circo é formada por dois semi-círculos de lona, unidos por cordas. No mastro central existe uma argola de metal que prende a cobertura. Na ponta da lona existem cordas que são atadas às estacas fixadas no chão. Além disso, pequenos mastros de ferro também auxiliam na sua sustentação. Após amarradas as cordas e fixados os mastros pequenos, a lona é erguida através de um mecanismo de cordas e roldanas. O último passo é montar a estrutura interna: cadeiras e/ou arquibancadas de madeira, cortina de palco, equipamento para as apresentações, aparelhagem de som e iluminação. Terminado tudo isso, o circo está pronto para o espetáculo. O dia-a-dia das famílias circenses não é muito diferente do cotidiano das famílias que possuem residência fixa. O dia no circo começa cedo. Por volta das 7 horas as pessoas começam a se levantar. A primeira providência é a higiene pessoal. No circo, a água geralmente é oferecida pelas casas vizinhas, e é tarefa dos homens carregar os baldes d’água. Para as mulheres, a primeira obrigação do dia é preparar o café. O café da manhã é simples, cada família faz as refeições em seu trailer. Algumas vezes elas se reúnem para comerem juntas. Após o café, há um período de atividades domésticas. Entre 8h e 11 h, as mulheres lavam louça, roupa, arrumam os trailers e cuidam da higiene das crianças. No acampamento, cada qual cumpre uma atividade. Aos homens, cabe cuidar da manutenção do circo. Todas as crianças do Reality Circus acima de 7 anos estão matriculadas na escola. Algumas estudam no período matutino, outras no período vespertino. Esta divisão é feita pelos próprios pais. Cecília, uma das mães, é responsável pelas matrículas das crianças nas escolas. Todos os pais preocupam-se com a educação das crianças. Eles comentam que, estudando, os filhos terão melhores condições de sobrevivência, caso decidam sair do circo. Vale ressaltar que há uma lei federal que facilita a matrícula de crianças circenses nas escolas públicas em qualquer período do ano letivo. Algumas crianças têm dificuldades na aprendizagem devido ao fato de que estão sempre mudando de escola. Realmente não deve ser fácil para elas, a cada 15 dias estão numa escola diferente, numa cultura diferente. Na maioria das vezes as crianças estudam juntas, sempre com um adulto presente para ajudá-las. As atividades que exigem maior força física são sempre executadas pelos homens. Para a manutenção, não existem tarefas fixas, elas vão sendo realizadas de acordo com a necessidade e a possibilidade. Se é preciso pintar a grade, e há dinheiro para a tinta, então, mãos à obra. A lona recebe cuidado especial por duas razões: porque custa muito caro, e porque, além de ajudar na propaganda, ela dá status ao circo. “Uma lona nova e bonita atrai o público”, comentam os circenses. No final da manhã, as atividades vão abrindo espaço para um rápido descanso. Trabalho, somente para as mulheres, preparando o almoço. Após almoçarem, as mulheres lavam a louça e arrumam a cozinha. Os homens ficam sentados à sombra conversando ou vão dormir um pouco. As crianças se dividem: as maiores ajudam as mães no serviço e as menores ficam brincando. Quando terminam as tarefas domésticas, as mulheres têm um período de descanso. É um momento descontraído e bastante familiar, onde elas cuidam “da beleza” – o que afinal faz parte de seu trabalho de artistas em um espetáculo – e se juntam à conversa do marido e dos filhos. Mas, em geral, a conversa não dura muito e logo todos estão dormindo. Dormir depois do almoço é um hábito cultivado pelo pessoal do Reality Circus, o que se compreende, levando em conta que fazem espetáculos noturnos. Como o início da tarde é geralmente muito quente e os trailers ficam abafados, é comum as pessoas descansarem sobre lençóis, esteiras ou redes colocadas ao ar livre. A partir do meio da tarde, o circo começa a movimentar-se outra vez, e vive-se mais um período de lazer: homens e mulheres conversam, contam piadas, relembram números circenses e brincam com os filhos. É neste momento de descontração que as crianças têm os primeiros contatos com a arte do circo. Ao fim da tarde os homens retomam suas atividades. Agora, além de cuidar da limpeza do circo, já como preparativo para o espetáculo da noite, eles cuidam também dos equipamentos. A propaganda dos espetáculos é feita durante o dia. Os circenses colocam as caixas de som em cima do automóvel e saem percorrendo a cidade, anunciando o preço, os horários e os números de sucesso do espetáculo. Ao mesmo tempo que é feita a propaganda nas ruas, no circo é realizada uma grande limpeza. Esta tarefa, que inclui varrer as arquibancadas, limpar as cadeiras, recolher o lixo do espetáculo da noite anterior, fica a cargo dos adultos. Assim que o circo está arrumado, os artistas começam o ensaio, mas não o fazem todos os dias. Porém, mesmo quando o ensaio acontece, não há o objetivo de aperfeiçoar a técnica ou acrescentar novos números ao espetáculo, é apenas um "aquecimento", feito antes do espetáculo. Nos circos pequenos como o Reality, há poucos equipamentos técnicos e muita coragem. Vale ressaltar que, numa família de circo, as habilidades começam a ser desenvolvidas logo cedo, com as brincadeiras na infância. Não há professores de circo, nem livros, e o aprendizado é prático. Raros artistas passam pelas escolas de circo para aperfeiçoar os seus números. O circo é a escola! No início da noite, após o ensaio, é a hora do banho e da janta. Após o banho, enquanto as mulheres cuidam de fazer o jantar e os doces para vender no espetáculo, os homens cuidam dos últimos ajustes para a apresentação. Checam o som, a luz e os equipamentos. A partir das 19h30 horas, a música vai ao ar, atraindo o público para o espetáculo. A bilheteria, que funciona em um dos trailers, também é aberta. O preço varia. Nos primeiros dias, o ingresso geralmente tem o seu preço um pouco elevado. Mas, quando o circo deixa de ser novidade, o preço pode baixar até pela metade. Na temporada de 2003, o ingresso do Reality Circus custava R$ 6,00, o que dá idéia da dificuldade material que as famílias circenses enfrentam, considerando-se que um ingresso de cinema custava na mesma época em Florianópolis o dobro disso. É chegada a hora, 20h30, todos ansiosos para que comece o espetáculo. “Boa noite senhoras e senhores! Boa noite meninada! É com muita alegria que o circo Reality Circus apresenta mais um grande espetáculo”. São essas as palavras do mestre de cerimônia – Marotti – que dão início às apresentações. Neste instante, abrem-se as cortinas e Weverton Dantas, de 14 anos, começa o espetáculo com o número denominado “cesto”. Com uma bicicleta, ele pedala no cesto que é suspenso até o teto da lona, emocionando o público e recebendo muitos aplausos. Foto 10 - O cesto Fonte: Alexsandra de Souza (11/10/03) Logo em seguida, para diminuir a tensão do público, entram os palhaços dançarinos interpretados por crianças entre 02 a 14 anos de idade. Muita música e diversão, o público acompanha a melodia cantando e batendo muitas palmas. A coreografia é montada por um adulto (Cristina) e as crianças ensaiam duas ou três vezes por semana. Em alguns momentos percebi que os movimentos das crianças eram repetitivos, o “domínio” sobre o corpo fazia parte do contexto. Para as crianças, esse momento era considerado o seu trabalho, queriam mostrar sua técnica, a perfeição dos movimentos. Porém, em outras situações elas pareciam à vontade, com movimentos espontâneos e muita alegria. Nessa hora, a dança era considerada como uma brincadeira, uma diversão, principalmente quando dançavam com a criança menor, de apenas 2 anos. Aqui fica clara a dualidade: de um lado, a “disciplina” do corpo, o controle preciso dos movimentos das crianças; e do outro lado, o protagonismo e a liberdade do improviso em alguns momentos. Sobre essa questão “corpo disciplinado”, Vigarello (apud Silva, 1999:24) nos diz: “o corpo é o primeiro lugar onde a mão do adulto marca a criança, ele é o primeiro espaço onde se impõem os limites sociais e psicológicos atribuídos a sua conduta, ele é o emblema onde a cultura vem inscrever seus signos tanto quanto seus brasões”. Fotos 11 e 12 – “Palhaços-crianças” dançando Fonte: Alexsandra de Souza (11/10/03) Foto 13 – “Palhaços-crianças” dançando Fonte: Alexsandra de Souza (11/10/03) Em seqüência, entra no picadeiro o domador Josemar Dantas junto com um animal tradicional nas apresentações circenses: o macaco, nesse caso chamado Jack. O macaco anda de bicicleta, equilibra-se na bola, na corda bamba e num mastro. Segundo o domador Josemar, “para ensinar os bichos, é preciso começar desde cedo. A repetição do número todo dia é que vai fazer com que eles aprendam”. A afirmação de Josemar, me faz repensar também o treinamento das crianças do Reality Circus. Muitas delas começaram no picadeiro muito cedo, como a menina de 2 anos, Mariana, que interpreta a palhacinha dançarina, por exemplo. A questão da repetição do número, várias vezes por dia, também faz parte do treinamento das crianças, principalmente quando o número é considerado muito difícil e que requer muita dedicação e persistência, como é o caso do menino Rafael de 13 anos que realiza os malabares. A princípio, o que Josemar falou sobre “começar ensinar desde cedo” e a “repetição do número todos os dias” com relação aos animais, não se diferencia do treinamento das crianças, pois algumas crianças também começam no picadeiro desde cedo e treinam todos (ou quase todos) os dias, a distinção se dá pelo modo como esse treinamento é feito, com que finalidade ele é realizado, podendo ser permeado a questão do lúdico, da brincadeira, como também a “disciplinarização” do corpo. As fotos abaixo revelam as proezas que o macaco Jack realiza no picadeiro, junto com seu domador, Josemar. Foto 14 - Macaco Jack andando de bicicleta Fonte: Alexsandra de Souza (11/10/03) Foto 15 - Macaco Jack equilibrando-se no mastro Fonte: Alexsandra de Souza (11/10/03) Foto 16 - Macaco Jack equilibrando-se na corda bamba Foto 17: Macaco Jack equilibrando-se na bola Fonte: Alexsandra de Souza (11/10/03) Fonte: Alexsandra de Souza (11/10/03) "E aí vem eles! A alma do circo..." É assim que o mestre de cerimônia anuncia a entrada dos palhaços Xereta e Chaminé. Esse número é o mais esperado pelo público. Segundo os próprios artistas, “o circo que não tem um bom palhaço não vai para frente”. Além de alegrar o público, Xereta e Chaminé são o termômetro do espetáculo: se os números não estão agradando, eles entram em cena mais cedo. E se o espetáculo está muito corrido, eles prolongam as suas apresentações. O número do palhaço é o que mais permite o improviso. As apresentações do palhaço são geralmente histórias contando situações cotidianas. Herdado dos circos maiores, esse número é de fácil entendimento: tem poucos personagens e um final engraçado. Nos pequenos circos, esses números são tradicionalmente apresentações de números já famosos dos circos maiores, passados de geração para geração. Dificilmente se faz algum tipo de ensaio para estes números coletivos. Segundo os artistas do Reality Circus, “o problema é que não há um ‘ensaiador’ que dirija o espetáculo, como existe nos grandes circos”. Fotos 18 e 19 - Palhaços: Xereta e Chaminé Fonte: Alexsandra de Souza (11/10/03) Foto 20 - Palhaços: Chaminé e Xereta Fonte: Alexsandra de Souza (11/10/03) Outro número que o público aprecia muito é o jogo de malabares, um dos mais tradicionais do espetáculo. Os malabares são de origem chinesa, e exigem reflexo e dedicação, muitas horas seguidas de ensaios para sua execução. Este número é realizado por Rafael Alexandre Henriques Duran, de apenas 13 anos. Para realizar esse número, ele utiliza claves, aros/argolas, bolinhas, e tochas em fogo. Rafael aprendeu esse número com um integrante de um circo do Chile, onde morou por algum tempo. Rafael ensaia bastante, geralmente duas horas por tarde, mas os ensaios não acontecem todos os dias. Fotos 21 e 22 - Malabares com claves e tochas de fogo. Fonte: Alexsandra de Souza (11/10/03) Mais um número com palhaços, agora são os palhaços músicos que se apresentam no picadeiro. Geralmente eles entram para criar uma atmosfera mais alegre, depois da concentração que predomina durante as apresentações de habilidades. Foto 23 - Palhaços músicos Fonte: Alexsandra de Souza (11/10/03) Após muitas gargalhadas e descontração, surge no picadeiro o equilibrista Márcio Alessandro Miguel e sua partner Ilca Miguel, para prender a atenção do público. Andar de monociclo é um número circense famoso e tradicional. E é com esta apresentação que Márcio Alessandro recebe muitos aplausos do público. Além de andar de monociclo (com a altura normal de uma bicicleta), ele também anda em um monociclo de 3 metros e 50 centímetros de altura, emocionando todo o público. Mais impressionante ainda é ver Márcio Alessandro se equilibrando na corda bamba em cima do monociclo menor, e, ainda na corda bamba, realizando malabares com claves. Foto 24 - Equilíbrio no monociclo Fonte: Alexsandra de Souza (11/10/03) Foto 25 - Equilíbrio no monociclo alto Fonte: Alexsandra de Souza (11/10/03) Foto 26 - Equilíbrio na corda bamba com o monociclo Foto 27 - Equilíbrio na corda bamba fazendo malabares Fonte: Alexsandra de Souza (11/10/03) Para amenizar a tensão do público, entram no picadeiro os palhaços dramatizando a história do “taxixi”: uma família (Lilico, Lilica e Xereta) queria ir para a cidade e, como não tinham locomoção própria, resolveram chamar um táxi. Toda a história se passa entre a família, o táxi e o dono do táxi. Em seguida os palhaços Xereta e Chaminé dramatizam uma outra história, “o fantasma do cemitério”. Nesses dois momentos, o público, principalmente as crianças, participam ajudando os palhaços a saírem das confusões em que eles próprios se metem. Esse número é muito divertido e envolvente! Foto 28 - “Taxixi” Fonte: Alexsandra de Souza (11/10/03) Foto 29 - “Fantasma do cemitério” Fonte: Alexsandra de Souza (11/10/03) O último número é o mais esperado por todos, o globo da morte. Segundo Josemar Dantas, o globo da morte veio para o Brasil entre 1933 e 1935 com um trio que se apresentava em praças e em festas: Guido, Bianchi e Nespoli, todos italianos. Esse número é apresentado no Reality Circus por Josemar Dantas e seu filho de 15 anos, Weverton Dantas, cada um com sua moto. É um número muito emocionante e que envolve o público, aumentando a adrenalina de todos. Foto 30 - O globo da morte Fonte: Alexsandra de Souza (11/10/03) Fecha-se a cortina, depois de uma hora e trinta minutos de espetáculo, e o mestre de cerimônia, Marotti, encerra, dizendo: “E assim, o Reality Circus finaliza um grande espetáculo. Agradecemos a presença de todos e desejamos uma ótima noite. Vão em paz e que Deus os acompanhe." Depois do espetáculo, os adultos guardam os equipamentos, limpam o local da apresentação, e depois, junto com as crianças, seguem para os seus trailers. Alguns adultos e crianças ainda assistem TV, outros vão dormir. 2.3. Os Personagens Principais: As Crianças da Escola “Brincando de Circo” e as do Reality Circus “Falamos muito sobre a criança, mas não falamos com a criança”. 15 Françoise Dolto Para iniciar este tópico, trago uma citação de Sirota (2001:19) que diz o seguinte: As crianças devem ser consideradas como atores em sentido pleno e não simplesmente como seres em devir. As crianças são ao mesmo tempo produtos e atores dos processos sociais. Trata-se de inverter a proposição clássica, não de discutir sobre o que produzem a escola, a família ou o Estado mas de indagar sobre o que a criança cria na intersecção de suas instâncias de socialização. Sabemos que as crianças têm muito a nos dizer, e nós, adultos, temos muito o que aprender com elas: é a partir delas mesmas que devemos realizar o estudo das realidades da infância. Segundo Pinto e Sarmento (1997:25): (...) o estudo das crianças a partir de si mesmas permite descortinar uma outra realidade social, que é aquela que emerge das interpretações infantis dos respectivos mundos de vida. O olhar das crianças permite revelar fenômenos sociais que o olhar dos adultos deixa na penumbra ou obscurece totalmente. Esses autores afirmam que, se considerarmos as crianças produtoras de uma cultura própria da infância e se as tomarmos como sujeitos plenos de direitos, teremos então que: 15 Dolto, Françoise. La cause des enfants. Laffont, 1985. (...) partir das crianças para o estudo das realidades de infância. Isto significa, no essencial, duas coisas: primeira, o próprio objeto da pesquisa, a partir do qual se estabelecem as conexões com seus diferentes contextos e campos de ação; em segundo lugar, que as metodologias utilizadas devem ter por principal escopo a recolha da voz das crianças, isto é, a expressão da sua ação e da respectiva monitorização reflexiva. (op. cit.:24) E é a partir deste momento que trago a voz das crianças da escola “Brincando de Circo” e do Reality Circus, que falaram sobre suas ações, fantasias, imaginação, seus modos de ser, sentir e agir, diante das vivências das brincadeiras circenses. Foi perguntado a elas o que é circo, vejamos o que as crianças da escola têm a nos dizer: “É brincar, é se divertir, é observar, é ouvir, é ser criança, é rir, é comer”. (Olga, 6 anos). “É se divertir, é fazer a criança sorrir, fazer a criança brincar e olhar os apresentadores”. (Maíra, 6 anos). “Não sei! É brincadeira, ele pode fazer um monte de coisas, malabarismo, perna de pau...” (Maria Clara, 7 anos). “Circo é uma coisa que a gente aprende a brincar, né?, melhor, né? E aprender mais as coisas do circo, sobre o circo. A gente se exercita bastante correndo, fazendo alongamentos, o problema é que dói um pouco a coluna”. (Caroline F., 7 anos). “É um negócio que a gente fica gastando muita energia, que a gente fica fazendo muitas coisas, em posições, esticando os braços, esticando as pernas, ficando em pé, ficando sentado, ficando ajoelhado, pra mim é isso”. (Amanda, 6 anos). “É brincar muito, aprender coisas diferentes como o trapézio, as argolas, essas coisas”. (Júlia, 7 anos). “Ai, essa é difícil! Um lugar grande que tem vários espetáculos engraçados, emocionantes e tudo o que acontece dentre dele a platéia sente, sabe? Daí eu acho que é isso. Eu também acho que é diversão, tensão, admiração e sorrir”. (Victor, 9 anos). “Pra mim as brincadeiras de circo são muito divertidas, a gente faz coisas divertidas, a gente aprende mágica, a fazer um monte de coisas, é aprender a fazer coisas legais, é brincar”. (Lauren, 7 anos). “Circo é uma diversão pra mim, é uma brincadeira, não sei dizer mais nada”. (Caroline R., 7 anos). Fotos 31 e 32 – As crianças da escola “Brincando de Circo” Fonte: Alexsandra de Souza (28/05/03) Foi perguntado também para as crianças do circo, o que é circo para elas, e responderam o seguinte: “O circo pode dar alegria, o povo fica bem animado com o que aparece no picadeiro, os palhaços, tem palhaço engraçado que faz as pessoas dar risadas. O circo tem vezes que dá emoção, quando você vê um trapezista parece que vai cair e não cai, dá alegria, dá felicidade quando o número dá tudo certo, dá alegria dos palhaços que são bem engraçados que fazem dar risadas, você no picadeiro o povo que vai participar com os palhaços, é bem legal. O circo pode dar alegria para a platéia, pode dar emoção, bastante coisa, felicidade, porque tem muita gente que nunca foi no circo e vai e gosta, é bem legal. Circo é uma coisa legal, que você pode ajudar no circo, pode ensaiar, aprender coisas com o circo, números, e se ensaiar bastante você pode ser um bom artista”. (Stefany, 10 anos). “Pra mim o circo é um trabalho, levo muito a sério o circo. O circo pode proporcionar muita coisa, ele tem cultura, arte, acho legal isso. O circo é muito importante pra mim. O circo proporciona para o público alegria e diversão. Circo é uma diversão, um trabalho, é uma coisa séria”. (Vanessa D., 11 anos). “O circo pode me dar tudo. O circo é tudo o que você imaginar, ele pode dar a vida, a alegria, tudo. O circo é minha casa. Na minha opinião o circo demonstra para o público o que as pessoas podem fazer com muito treino, pode fazer diferente, uns não conseguem fazer, mas de outra maneira conseguem, daí a gente treina bastante e pode fazer, tem dificuldade, mas com o tempo aprende treinando. Circo para mim é minha casa, meu lugar de trabalho, onde vive a minha família, circo para mim é tudo”. (Weverton, 14 anos). “O circo pode me oferecer trabalho, quando eu ser grande ganhar dinheiro, trabalhar bem, ter um número bom, e é bem legal o circo, a gente aprende bastante no circo. É bem legal trabalhar no circo, brincar no circo, fazer todas as coisas que eu faço, armar e desarmar o circo, todos ajudam a armar e desarmar o circo, é bem legal. O circo pode dar alegria, pode dar muita felicidade para todos que vem assistir o circo, é bem legal assistir o circo, dá muita alegria, as pessoas sempre saem falando que a gente trabalha bem, faz as coisas bem direitinho, a gente gosta das coisas que a gente faz. Circo para mim é uma brincadeira, é trabalhar, é ajudar, conhecer muitas famílias, é bem legal o circo”. (Rafael, 13 anos). “Quando a gente está se apresentado, como falou o Rafael, a gente brinca e trabalha na mesma hora, porque para o povo é uma diversão e para nós também é uma diversão e trabalho. A gente está no circo desde que nascemos, então ele é tudo para mim. Ele traz humor, diversão para as cidades, tem cidade pequena e a gente vai nessa cidade levar o circo, um pouco de brincadeira, palhaço, animais, bastante coisas para a cidade. O circo é uma arte, humor. Circo é tipo uma brincadeira para o povo, para a gente é trabalho, circo é arte, é cultura, essas coisas”. (Charles, 14 anos). “Circo é alegria, não sei mais o que é circo. O circo me dá alegria, paz, prazer em morar aqui, porque eu gosto”. (Joelma, 14 anos). “Circo é um negócio que a gente vive desde pequeno, né? A gente vai aprendendo as coisas desde pequeno, acho legal, é onde vivo e trabalho. Às vezes eu tenho vontade de sair do circo, mas tem vezes que não. Eu queria fazer faculdade de música. A gente combina nós aqui do circo de sairmos juntos para fazer faculdade. O circo me ensina bastante coisa, podemos aprender um monte de coisas com ele, é legal, aprender os números do circo. Ele é importante para mim, porque a gente trabalha nele, a gente ganha as coisas. Ele dá alegria para a platéia, eu quando vou em algum circo diferente eu acho legal, a gente vai em outros circos também, quando a gente conhece o dono do circo, quando a gente fica perto de outro circo”. (Vanessa, 13 anos). Fotos 33 e 34 – Crianças do Reality Circus Fonte: Alexsandra de Souza (11/10/03) Percebe-se nas falas das crianças do circo e da escola, que o conceito de circo é associado nos dois casos a brincadeira, diversão, alegria, aprendizado, emoção, tensão, prazer e admiração. É visível também que as crianças estão falando de coisas diferentes. As crianças do circo, além daquilo, também falaram que o circo é sua vida, sua casa e seu trabalho. As crianças do circo, enquanto estão se apresentando, vivem essa dicotomia, trabalho e brincadeira, ora movimentos repetitivos e coreografados, ora movimentos espontâneos. Com relação às brincadeiras preferidas (e algumas não preferidas), as crianças do circo falaram que: “Não gosto de brincar muito, mas de vez em quando brinco com as outras crianças do circo de pega-pega, esconde-esconde, pular corda e vôlei”. (Vanessa D., 11 anos). “Sobra tempo para o meu lazer, Sábado e Domingo, porque daí só começa trabalhar às 5 horas da tarde. A gente vai na praia que nem hoje, nós já fomos (praia de Garopaba). Estudo de manhã, e de tarde não tem nada para fazer, às vezes estudo, e depois vou para a rua brincar. Gosto de jogar bola com meus amigos, jogar vídeo-game, porque a gente tem televisão, vídeo-game”. (Weverton, 14 anos). “Sobra bastante tempo para eu brincar, eu jogo bola, ando de bicicleta, converso com meus os amigos, jogo vídeo-game”. (Rafael, 13 anos). “Tem vezes que sobra tempo para brincar, tem vezes que não, porque a gente tem que estudar, ensaiar para os espetáculos. Gosto de brincar, as brincadeiras que mais gosto é pular corda, pega-pega, esconde-esconde, jogar vídeo game”. (Vanessa, 13 anos). “Sobra bastante tempo para o meu lazer, gosto de jogar futebol com os amigos, jogar vídeo-game, dá tempo para fazer um monte de coisas”. (Charles, 14 anos). “Sobra bastante tempo para eu brincar, uh, um montão, porque eu não ensaio, então eu fico brincando, Sábado e Domingo principalmente, que dá para brincar. Às 5h não pode brincar por causa que vem a matinê, não dá, depois da matinê dá para brincar um pouco, porque só 8h da noite começa o espetáculo e durante a semana eu brinco depois que eu chego da escola. Gosto de brincar de vôlei, boneca Barbie, vídeo-game e tem vezes que eu fico chorando para brincar com eles de vídeo-game e eles não deixam, e brincar com as minhas amigas, né?, brincar de esconde-esconde, pega-pega”. (Stefany, 10 anos). “A gente vai para a escola de manhã, chegamos em casa, almoçamos e de tarde a gente brinca, eu gosto brincar de esconde-esconde, pega-pega”. (Joelma, 14 anos). Percebe-se aqui a diferença que as crianças fazem entre “circo” (trabalho) e “brincadeira” (lazer). Um exemplo são as próprias falas delas: “Às 5 horas não pode brincar por causa que vem a matinê”, e “sobra bastante tempo para eu brincar (...) porque eu não ensaio”. Vejamos quais são as brincadeiras preferidas (e algumas não preferidas) pelas crianças da escola: “Gosto de brincar no trapézio, gosto também da pirâmide e da argola. Eu não gosto da corda, porque é muito difícil por causa que eu não consigo subir, porque escorrega e depois a mão fica ‘queimando’”. (Amanda, 6 anos). “Eu só gosto de subir na corda”. (Maíra, 6 anos). “Gosto de brincar no trapézio, na argola e de subir na corda. Pular corda que eu não gosto muito”. (Caroline R., 7 anos). “Eu gosto de todas, mas o que eu gosto mais é da argola, da corda e do trapézio, porque é muito legal”. (Maria Clara, 7 anos). “Gosto de brincar de pega-pega, quero-ver-quem-pega, subir na escada e na corda, só não gosto de ser ajudante nas brincadeiras, é muito chato”. (Olga, 6 anos). “Eu gosto da corda, do trapézio e de ficar de cabeça pra baixo na parede”. (Lauren, 7 anos). “Eu gosto da argola e do trapézio. Eu não gosto muito do quero-ver-quempega, do esconde-esconde e de pega-pega””. (Caroline F., 7 anos). “Gosto do trapézio, da argola e da corda, porque eles trabalham mais em alturas e eu gosto de trabalhar nas alturas. Todas as brincadeiras são essenciais pra gente aprender o circo, então eu gosto de todas”. (Victor, 9 anos ). “Adoro brincar na corda, no trapézio e na argola, porque é muito legal. Gosto também de brincar de árvore, pedra e ponte”. (Júlia, 7 anos). Nas falas das crianças ficou evidente que para as crianças da escola o “circo” é sempre associado a brincadeira, ao contrário das crianças circenses, para quem a brincadeira é o que está “fora do circo”. Foto 35 – O trapézio: brincadeira preferida pelas crianças da escola Fonte: Alexsandra de Souza (30/07/03) Fotos 36 e 37 – A corda e a argola: brincadeiras preferidas pelas crianças da escola Fonte: Alexsandra de Souza (02/04/03 e 27/08/03) As crianças do circo, fora do picadeiro, brincam das mesmas brincadeiras que as crianças da escola, inclusive de vídeo-game, já que são crianças como quaisquer outras, apesar das diferenças culturais. Assim como as crianças da escola gostam muito das brincadeiras de circo, demonstrando o desejo de “trabalhar nas alturas”, como disse um dos meninos. As professoras das atividades de circo também relatam, sob o ponto de vista delas, as brincadeiras preferidas pelas crianças. Segundo a professora Jeovana: “as crianças gostam bastante do trapézio, argola, rolamento, quero ver quem pega, e desafio (passar por debaixo de alguma coisa...)”. A professora Mariana complementa: “as crianças encaram como brincadeiras, o momento de relaxar, não tem cobranças, notas, é por opção, porque gosta, a maioria das crianças optam pelo o que é mais gostoso e o que está associado a brincadeira. Com a música elas se envolvem bastante, elas se sentem artistas, associam diretamente com o circo. Eles adoram mostrar o que sabem fazer, é mais do que estar superando um desafio, superando uma dificuldade, é mostrar que tem uma habilidade específica. E por mais que a gente direcione para o lado da brincadeira, por mais que a gente veja como brincadeira, a gente não pode esquecer que toda a criança encara a brincadeira com seriedade, encara a brincadeira como obstáculo a ser superado, e nesse sentido eles estão sempre buscando melhorar para si mesmo, provar que são capazes, para si, para os professores e para os pais. O lado de ter uma associação direta com o circo, de se ver artista e o lado da brincadeira de ser vista com seriedade, de fazer parte do processo de desenvolvimento das crianças. O circo tem uma magia, porque ele cativa as pessoas, principalmente as crianças”. Foi perguntado às crianças da escola se gostavam das aulas de circo. Vejamos o que elas responderam: “Sim, porque eu gosto das brincadeiras”. (Olga, 6 anos). “Sim, porque tem várias brincadeiras legais”. (Maíra, 6 anos). “Gosto, porque quando a gente chega em casa não sente nenhuma dor nas costas, quando a gente vai dormir a gente não sente nada”. (Maria Clara, 7 anos). “Gosto, porque a gente brinca bastante, a gente aprende mais a se alongar”. (Caroline, F., 7 anos). “Gosto, só a primeira vez que eu não tava acostumada, daí eu não quis ficar em nenhuma brincadeira, porque era muito difícil pra mim e depois eu fiquei dois meses mais ou menos sem ficar no circo, daí eu falei para a minha mãe que eu queria fazer circo de novo e daí ela ficou um pouco desconfiada, né?, porque na primeira vez eu não fiz, daí eu estou até hoje e não quis sair ainda. Eu gosto da aula de circo porque parece que eu me ligo numa tomada assim (demonstrou balançando a cabeça e os braços) e fico o dia inteiro assim, daí eu gasto muita energia, daí eu fico mais cansada e daí acaba a pilha. Daí eu chego em casa e durmo logo”. (Amanda, 6 anos). “Adoro, porque acho muito legal. As brincadeiras são muito legais. Quando eu crescer, eu acho que quero ser artista de circo”. (Júlia, 7 anos). “Eu gosto, porque a gente brinca bastante e aprende brincando, sabe? Daí eu gosto”. (Victor, 9 anos). “Sim, porque tem brincadeiras legais, tem coisas bem legais”. (Lauren, 07 anos). “Sim, por causa que a gente brinca bastante”. (Caroline R., 7 anos). A resposta das crianças foi um coro unânime: sim! Gostam das aulas de circo pelo simples fato de que as brincadeiras propostas pelas professoras são “legais”, “divertidas”, “aprendem muitas coisas com elas” e porque “brincam bastante” nesses momentos. Quando perguntei para as crianças da escola se elas já tinham ido em algum circo e do que mais gostaram e não gostaram do circo, elas responderam o seguinte: “Sim, em vários. Gostei do palhaços. Eu não gostei do apresentador, ele era muito chato, não era interessante para as crianças”. (Olga, 6 anos). “Já fui muitas vezes. Gostei dos palhaços, do mágico, dos malabaristas e do bambolê”. (Maíra, 6 anos). “Já. Gostei do mágico. O que eu não gostei muito foi só da piada que o mágico falou, não foi engraçada”. (Maria Clara, 7 anos). “Já fui sim. Gostei do trapézio e da corda bamba. Não gostei muito dos palhaços. Eles não eram engraçados, eu não ria muito, sabe? Só das piadas um pouquinho.” (Caroline F., 7 anos). “Já. O que eu gostei foi que um dia que eu fui lá no Beto Carrero e eles colocaram um gatinho na almofada e ele pulou lá de cima, ele era filhotinho ainda por cima. Não gostei muito foi do palhaço, porque ele ficou jogando água na gente e quando eu saí do circo eu tava encharcada”. (Amanda, 6 anos). “Já. Gostei mais dos palhaços. Eu não gostei muito dos pássaros que tinha lá”. (Júlia, 7 anos). “Já. O que eu mais gostei foi dos palhaços, mas depende do circo. O que eu não gostei muito foi do..., não sei, acho que do elefante que sobe no banquinho”. (Victor, 9 anos). “Já. Gostei da bailarina que ela tava dançando com uma bandeira fazendo que era um xale por cima dela e atrás era a bandeira do Brasil. Não tem nada que eu não gostei. Eu gostei de tudo”. (Lauren, 7 anos). “Já. Eu gostei mais foi do tecido. Eu não lembro do que eu não gostei”. (Caroline R., 7 anos). Todas as crianças responderam que já tinham ido a algum circo, e as respostas quanto ao que gostaram ou não foram diversificadas. Algumas crianças gostaram dos palhaços, outras não muito. O mágico, os malabaristas, os trapezistas, o número da corda bamba, a bailarina, o número do tecido acrobático, foram citados como os mais preferidos pelas crianças. Na conversa com as crianças do circo, perguntei a elas se poderiam falar um pouco sobre como é morar no circo, onde nasceram, que personagens assumem no picadeiro, e como é a relação delas com as escolas em que freqüentam. Elas responderam-me: “Eu nasci aqui no Brasil. Por enquanto não trabalho no circo, mas tenho muita vontade em me apresentar no picadeiro, no trapézio. Desde pequena moro no circo e gosto muito. Quero trabalhar no circo como a minha família. Quero começar no picadeiro com 13 anos. Estou na 5ª série na escola, gosto de ir para a escola. Acho legal estar mudando de escola de duas em duas semanas, pois estou sempre conhecendo novas pessoas. Para fechar o ano, tenho que pegar todas as notas do ano das escolas em que acompanhei, as professoras dão uma nota e daí no final do ano, a última escola faz a média final. Eu consigo aprender todas as matérias nas escolas em que vou”. (Vanessa D., 11 anos). “Nasci no Brasil e no circo, desde pequeno estou no circo. Faço palhaço, globo da morte e o cesto com a bicicleta. Gosto de trabalhar e morar no circo, porque desde pequeno estou nesse meio e então acostuma. Já morei em residência fixa, mas prefiro circo. Nós temos casa fixa em São Paulo. Vou para a escola e estou na 7ª série, gosto de estudar, em toda a cidade estou em escola diferente. Às vezes é meio difícil estar em escola diferente, mas já estou acostumado, quando estou em cidades perto, a matéria é praticamente igual, e quando são cidades distantes é um pouco diferente, mas a gente tem que aprender. A gente vai para a escola, faz as provas, ganha nota e no final do ano a escola que a gente tiver, a gente apresenta as notas ali e passa de ano. Não tenho dias para treinar as atividades do circo. A gente treina no primeiro dia, um pouquinho antes para ver se está tudo certo, mas não temos dia fixo para treinar. Nós de circo não é como muitos pensam que não faz nada, a gente trabalha, leva a vida normal, tem casa, tem conta em banco, tem tudo, tudo o que uma pessoa de cidade tem, nós temos tudo também, só que a gente muda de uma cidade para outra, toda semana, todo mês. Tem região que é mais difícil para a gente se habituar, povo que não vai muito com a cara da gente, mas a gente vai vivendo e trabalhando. Hoje em dia tem cinema, teatro, shopping, praia e esquecem do circo. Hoje em dia quem vem mais no circo são os idosos, as crianças preferem ficar jogando no computador”. (Weverton, 14 anos). “Nasci em São Paulo, mas sou filho de chilenos. Faço palhaço com instrumentos musicais, malabares com claves, aros, bolinhas, e com fogo. Gosto de trabalhar no circo, morar, é bem legal, é diferente, a gente conhece muitas pessoas, escolas, é muito divertido. Desde pequeno moro no circo. Vou para a escola, estou na 6ª série. Gosto de estudar muito, é bem legal conhecer alunos, professores de outra cidade, é bem legal. Faço muita amizade, sou acostumado a ir em escolas diferentes, é mais difícil, mas é mais legal. Às vezes tenho um pouco de dificuldade em aprender alguma matéria, mas não é muito, a gente sempre aprende rapidinho. Treino bastante malabares, que é o mais difícil, porque você tem que ter reflexo para não errar na hora do espetáculo, treino duas horas de tarde, treino bastante. Tem dias que treino, tem dias que não”. (Rafael, 13 anos). “Nasci no Brasil. O que eu faço no circo é o palhaço. Ensaio o número do palhaço de vez em quando. Gosto de trabalhar e morar no circo. A gente nasceu e foi criado no circo desde pequeno e isso daqui é o nosso futuro. Vou para a escola e estou na 7ª série. Gosto de estudar, precisa, né? Já estou acostumado de mudar de escola de duas em duas semanas, acho legal, tem cidade que a gente estuda 3 dias. É que nós nascemos para esse tipo de coisa, a gente está acostumado.” (Charles, 14 anos). “Sou partner, ajudo o Rafael no malabares e faço o palhaço também. Além de fazer o palhaço e partner, eu queria fazer o número do bambolê, rodar o bambolê na cintura, na mão, no pé, e no final pode jogar ele para cima e pegar no pé, pode ser diferente, rodar 20 bambolês na cintura. Desde 4 anos estou no picadeiro. Gosto de morar e trabalhar no circo porque é legal, quando uma pessoa precisa de outra, vai lá e ajuda, eu gosto de ser do circo, é bem legal. Vou para a escola, estou na 4ª série, gosto mais ou menos de estudar, é chato, a mãe chama a gente para ir tomar banho para ir para a escola e lá a gente faz tarefa, e quando chega em casa tem que fazer tarefa de novo para levar para a professora, e isso é muito chato. É legal mudar de cidade, de escola de duas em duas semanas, porque vai conhecendo bastante cidades, escolas, fazendo bastante amizades, é bem legal, depois a gente volta para a cidade de antes e vê os amigos de novo, é bem legal. É um pouco ruim para aprender, a gente tá numa escola, estuda um pouco nessa escola e depois vai para outra, e quando chega na última semana que estamos na cidade daí tem um monte de provas, é muito chato, todo dia tem prova, porque tem que ficar a tarde inteira estudando para as provas, isso é coisa chata”. Falando sobre o irmão: “o Rafael antes ele não fazia muito bem o malabares porque ele era pequeno, quando ele era pequeno, ele ensaiava muito mais e não fazia grande coisa, agora que ele tá ficando grande ele não ensaia quase nunca e faz bastante coisa, entendeu?, tá tudo do lado errado, tudo ao contrário.” (Stefany, 10 anos) “Nasci no Brasil. Eu faço o palhacinho, dançarina e partner. Tem dia que a gente ensaia, tem dia que não dá. Tem uma moça, a Cristina, mulher do Márcio, que ensaia a gente. Gosto de trabalhar e morar no circo, desde pequena estou no circo, já estou acostumada, eu gosto, a família é toda do circo. Estou na 7ª série, no primeiro dia é meio chato, a gente não conhece ninguém, depois é legal, acostuma, quando a gente tem que ir embora é ruim, porque tem que deixar as amigas, mas eu gosto de ficar mudando de cidade. Tem amigas que acham legal a gente morar no circo, outras olham meio estranho para a gente”. (Joelma, 14 anos). “Eu faço o número dos palhacinhos. Gosto de morar no circo porque a gente aprende um monte de coisas, conhece bastante cidades, amigas. Eu quero fazer contorcionismo e corda, aqui no circo não tem ninguém que faz, eu estou treinando, ainda não estou preparada para apresentar no picadeiro. Vou para a escola, estou na 4ª série, gosto de estudar. É legal mudar de escola, só que tem algumas escolas que são chatas, outras são legais, o ruim é deixar as amigas. É fácil fazer amizades.” (Vanessa, 13 anos). As crianças vivem no circo desde pequenas e gostam muito do que fazem, de ser um (a) circense, até porque já se acostumaram, como alguns relataram. Outras já pensaram em sair do circo para fazer uma faculdade, mas não gostariam de ter que “largar” o circo. A maioria já se apresenta no picadeiro, e as crianças que ainda não o fazem têm muita vontade de se apresentar. Todas as crianças acima de 7 anos vão para a escola e, conforme seus relatos, gostam de estudar, algumas têm dificuldades em acompanhar a turma, outras nem tanto. Gostam de mudar de cidade para cidade, porém não gostam muito quando têm que deixar as novas amizades que fizeram. Além de conversar com as crianças do circo, também conversei com dois adultos, Cecília e Josemar, e perguntei a eles se poderiam falar sobre como é morar num circo, o que é circo, o que ele pode proporcionar para as crianças e para a platéia em geral, sobre o conhecimento circense. Acredito ser importante apresentar aqui as falas desses adultos, para que assim possamos compreender um pouco mais sobre o “mundo circense”. O primeiro depoimento é de Cecília, que tem 36 anos, mãe de Rafael e Stefany. Ela faz o número dos palhaços músicos junto com o irmão Charles (14 anos) e com o filho Rafael (13 anos) e nas horas do intervalo do espetáculo, ela vende arco de anteninhas. Ela diz que: “O circo chega na cidade para proporcionar ao público alegria, algumas horas de divertimento, porque tem famílias que estão nas suas casas com problemas, como todos nós temos problemas, que vêm para o circo para tentar esquecer os seus problemas, então vêm para se distrair. Então essa é a idéia do circo, de entreter o público, entreter as crianças, trazer aquela alegria, aquela fantasia que tem no circo, o circo é uma fantasia, uma ilusão, você vai no circo você vai ver palhaço, malabarista, trapezista, globo da morte, então tudo isso o circo traz, um pouco de alegria e descontração para o povo. Então essa é a fantasia do circo que o público vem buscar, cada pessoa, cada adulto que vem ao circo se torna uma criança. Geralmente quando alguns adultos que vem trazer as crianças e conversam com a gente falam: ‘eu trago o meu filho e lembro quando o meu pai me levou pela 1ª vez no circo e quero que o meu filho sinta a mesma alegria que eu senti quando eu fui pela 1ª vez no circo’, então eles trazem as crianças para elas sentirem a mesma coisa que eles sentiram quando foram pela 1ª vez no circo. Então isso é a magia que o circo tem, então isso é bem legal. Quando a gente chega na cidade, o povo fala assim: a vida de vocês é boa. É boa, sim, entre aspas, a gente gosta, o circo é a vida da gente, a gente vive disso aqui, vive do circo. Mas também tem as suas horas difíceis, também temos momentos ruins, também temos os nossos problemas, as nossas dificuldades. Cada família tem o seu trailer, cada um cozinha, mas de vez em quando combinamos de fazer um almoço todo mundo junto, porque nós somos uma família. Às vezes não são todos familiares do dono do circo, mas tem as famílias, e todos juntos, vira um família, às vezes a gente fica sabendo do problema do outro, vai lá e ajuda, aquela união que tem dentro do circo, das famílias do circo. É legal viver no circo, porque a gente conhece vários lugares, viaja muito, por esse lado é bonito, mas por outro lado a gente passa por várias dificuldades também. Mas não largo o circo por nada. Faz 6 meses que eu, meus filhos e meu irmão estamos no Reality Circus. Eu desde pequena estou no circo, nasci e me criei no circo, meu pais já eram de circo, meu avô também era, minha avó não era de circo, era de cidade, e meu avô conheceu minha avó na cidade, meu avô era trapezista, e minha avó tinha 13 anos, se apaixonou pelo meu avô, largou a família dela, largou tudo para ir embora com o circo junto com o meu avô, e aí continuou a família. Meu avô é tradicional de circo, minha avó não, mas aí já veio o meu pai, minha mãe, meus tios, e são tudo de circo. Meus tios ainda trabalham no circo, tenho uma tia trabalhando num circo nos Estados Unidos, um tio que vai para lá agora, o meu irmão está trabalhando num circo no Chile, tudo isso por parte da minha mãe, e por parte do meu pai, ele é falecido, estão todos lá no Chile, trabalhando em circo também, toda a família é de circo. Eu comecei a trabalhar no circo foi no Chile, eu cheguei aqui no Brasil eu tinha 6 anos, nasci no Chile e me criei aqui no Brasil. Trabalhei no Chile também, faz 1 ano que eu voltei do Chile, fomos eu, meus filhos e meu irmão para lá trabalhar com a nossa família, só que a gente não se acostumou com o sistema de vida de circo de lá, é diferente daqui do Brasil, é totalmente diferente, porque lá no Chile é muito frio, tem neve, então o circo lá trabalha, por exemplo: no verão eles trabalham o verão inteiro até maio, daí já pára o circo e fica “invernando“, depois quando chega na primavera daí eles saem de novo para trabalhar, a gente não se acostumou com isso, porque aqui no Brasil a gente trabalha o ano inteiro e lá no Chile a gente tem que parar para “invernar“ e o dinheiro que a gente ganha no verão a gente tem que guardar para se manter no inverno. Então os meninos não acostumaram, eu não acostumei, então resolvemos voltar para o Brasil, nós todos já estamos acostumados aqui no Brasil. Nasci em Illapel, no norte do Chile. No Reality Circus tem 9 crianças no total, entre 6 meses até 14 anos, e acho que tem uns 20 adultos. Cada pessoa que mora aqui no circo exerce uma função, por exemplo, eu faço o número do palhaço com instrumentos, junto com meu filho e meu irmão, vendo arco de anteninhas, minha mãe que não trabalha mais no picadeiro, mas vende pipoca lá na frente, outro vende fichinha, outro ajuda nos bastidores, então cada um tem uma função aqui no circo, todo mundo se ajuda. Em dia de semana a gente trabalha com o espetáculo às 9 da noite, depois vamos dormir, no outro dia a gente acorda não muito cedo, porque a gente vai dormir meia-noite, 1h, até terminar de arrumar tudo, então a gente acorda umas 8h30, 9h da manhã. Daí a gente faz almoço, lava roupa, arruma a casa, depois a tarde a gente tem livre, levamos as crianças para a escola, vamos fazer compras, conhecer a cidade, conhecer os pontos turísticos e depois voltamos para trabalhar. Os espetáculos de 2ªfeira a 6ª feira são apresentados às 9h da noite e nos finais de semana e feriados são às 5h da tarde e às 9h da noite. Aqui nós somos uma família, por exemplo: se a gente vê uma criança fazendo alguma coisa errada, você vai lá e chama a atenção, ‘não faz isso que está errado’, então tem aquela relação de um cuida do outro, todos se ajudam, é uma relação bem gostosa, boa, todo mundo se dá bem com todo mundo. O conhecimento circense, a arte circense, é passada de pai para filho. Vamos passando para as crianças todas as histórias do circo do pai, do avô, do tio e assim por diante, como era o circo antigamente, como está hoje em dia, como ele está evoluindo, o circo tem que evoluir cada vez mais, porque hoje em dia tem muita internet, TV a cabo, todas essas coisas, então o povo fala: estou vendo o circo na minha casa, na minha televisão, então para que eu vou no circo assistir? Então o circo hoje em dia tem que melhorar cada vez mais, falo para as crianças que temos que melhorar cada vez mais, tem que mostrar coisa nova, pode até ser o mesmo número que tinha há 15 anos, 20 anos, mas sempre renovando, fazendo coisa nova, mas sempre preservando a cultura do circo, levando o circo adiante. Vamos passando para as crianças as coisas que sabemos de anos atrás, mas que hoje em dia tem que ser modernizado, mas atual. E o conhecimento, a arte é passada desde pequenos. Meu pai era músico, o circo antigamente tinha banda, orquestra, hoje em dia a gente não se vê mais isso no circo, acho muito lindo, meu pai tocava na orquestra do circo, e ele nunca foi palhaço, ajudava a arrumar o circo, daí quando ele chegou no Brasil, convidaram ele para ser o palhaço do circo, ele começou a ser palhaço e colocou o nome de Sonrisal, aí ele juntou a questão da música com o palhaço e criou esse número que a gente faz, que são os palhaços músicos, então disso que ele fazia, passou para mim, para o meu irmão, passei para os meus filhos, então vai indo. O Josemar do globo da morte também, o pai dele passou para ele que passou para o seu filho e um dia ele vai passar para o filho dele também, então é isso, a arte circense é passada de geração para geração. As crianças tem também as horas de lazer, bastante, porque acordam de manhã e algumas crianças vão para a escola, outras estudam à tarde, então jogam bola, jogam vôlei, depois à tardinha começam se arrumar para o espetáculo. Eu sou responsável de levar os papéis na escola e matriculá-los, cada família ajuda os seus filhos, quando alguém não sabe, pede ajuda para o outro. São 7 crianças que estão na escola atualmente. Quando chego na escola e digo que tem 7 crianças no circo que precisam estudar, eles falam, ‘nossa tudo isso?’. Eu falo, ‘moça não fica preocupada, não, porque antes eram 12 crianças, agora são só 7 crianças, porque uma família saiu do circo’. O circo contribui muito, porque ele ensina para as crianças a arte do circo, a cultura, eles estão aqui dentro e trabalham, estudam, eles não estão na rua pensando em drogas, violência. Então isso que beneficia muito as crianças do circo, eles não saem sozinhos na rua, sempre saem com um adulto, aqui no circo nunca teve problemas de drogas, violência na família, de crianças serem maltratadas, nada disso. É um mundo nosso aqui. Na escola as crianças ficam pouco tempo, como ficamos pouco tempo em cada cidade, então não dá tempo para que as crianças se envolvam com as outras crianças que têm problemas de drogas ou que são violentas, por exemplo, e isso é bom para nós. A gente sempre conversa com as crianças, sobre tudo, sobre sexo, doenças, drogas, violência, conversamos livremente. O circo ajuda bastante. Uma hora antes a gente começa a se arrumar para o espetáculo. Circo para mim é minha vida, parece que a gente tem serragem nas veias, não temos sangue, temos serragem nas veias, circo é tudo para mim, é minha vida isso aqui. A vida inteira trabalhando no circo, e você (referindo-se à pesquisadora) por exemplo, você que estudou, tem sua profissão, tem seu diploma. O diploma da gente é isso aqui, é o circo, então é a vida da gente, o circo para a gente é tudo, se eu sair do circo eu vou trabalhar de empregada doméstica, varredora de rua, lógico que é uma profissão, uma profissão honesta, mas o circo é tudo para a gente, se a gente sair do circo eu não vou ter um diploma para dizer, olha eu sou um advogado, sou um engenheiro, sou um médico, e aqui a gente pode falar, eu sou circense, trabalho como palhaço no circo, então esse é o meu diploma, então isso para nós é tudo, é a nossa vida. O circo proporciona para a platéia ilusão, alegria, fantasia, o circo proporciona tudo isso para as pessoas, adultos e crianças, as pessoas vêm aqui e olham os palhaços, os malabaristas, os trapezistas, e esquece da vida, esquece dos problemas que você tem, então o circo proporciona tudo isso e espero que continue proporcionando muito mais, porque falam que o circo está acabando, mas a gente não quer que acabe. Hoje em dia tem muita internet, TV a cabo, então isso está acabando um pouco com o circo, do público vir até o circo. E outra que é culpa do circo, é que ele tem que melhorar cada vez mais, tem que ter alguma coisa diferente, que chame a atenção das pessoas, boa iluminação, bom som. Tem que ter muita magia, para a arte do circo não acabar. Enquanto existir um sorriso de uma criança, o circo será eterno. E Deus queira que seja assim!” Josemar, além de ser o dono do circo junto com seu irmão Anderson, também realiza alguns números no picadeiro. Ele apresenta o número do macaco e do globo da morte junto com seu filho Weverton de 14 anos. Perguntei a ele o que é circo, e respondeu-me: “Circo para mim é tudo, é a nossa vida, a nossa profissão, nós nascemos, circo faz parte da nossa vida, é o que a gente sabe fazer, a gente não sabe fazer outra coisa além de circo, tá no sangue, 4ª geração, circo é nossa vida, tá na veia, é tudo, é isso. As crianças tem opção de seguir com o circo, de ser artista circense, tem a chance de estudar também, podem fazer uma faculdade, a gente tem residência fixa, mas 99% eles ficam no circo, mesmo que eles estudem, façam faculdade, depois eles retornam para o circo. O circo dá para o público a emoção do circo, é ao vivo e a cores, enquanto existir uma criança, o circo não morre, as crianças ficam fascinadas com as cores da lona, com tudo. Circo é um encanto”. Nas falas de Cecília e Josemar, ambos declararam que “enquanto existir uma criança o circo não morre”, um ditado bem entranhado na cultura circense e que faz a relação entre a criança e o circo. Ficou evidente também que, as crianças que vivem no circo têm laços muito fortes com seus familiares. Segundo a fala de uma das mães, “as crianças não saem sozinhas na rua, quando querem sair para conhecer a cidade, ou ir ao mercado próximo do circo, tem sempre um adulto junto com elas”. As crianças como também os adultos demonstraram em suas falas a importância que dão para o circo, o orgulho de ser circense, apesar das dificuldades que encontram no caminho. O circo para eles é tudo! 2.4. As Brincadeiras das Crianças da Escola e do Circo “A brincadeira intui a essência da beleza e da poesia. Possui uma lógica imaginativa, lógicolúdica, que não vem de dentro nem tampouco de fora: faz-de-conta...”. 16 Marina M. Machado Sendo a brincadeira atividade essencial na infância, faz-se necessário que a criança tenha a liberdade e o direito de brincar, visto que deve ser concebida como sujeitos de direitos. Direito à brincadeira, como maior fonte de conhecimento, de ampliação e qualidade de movimento, sensibilidade e emoção. Isso é apontado nas propostas em educação infantil brasileiras que chamam atenção para a necessidade do reconhecimento da criança como ser social, produtor de cultura. Conforme Faria et ali (2002:99), “as brincadeiras são reveladoras de um espaço de cultura, espaço de totalidade das qualidades e produções humanas, distinto do mundo natural, que produz e veicula projetos da vida humana”. Por tanto, a partir deste momento passo a descrever as brincadeiras observadas nesses dois espaços culturais distintos, a escola “Brincando de Circo” e o Reality Circus. No Reality Circus, como foi mencionado anteriormente, consegui observar apenas uma brincadeira fora do espaço do espetáculo. Era uma tarde de sábado, meninos e meninas brincavam juntos de vôlei. Tinham amarrado uma corda em um dos ferros que sustentava a lona do circo e ali a magia da brincadeira reinava. Como também já foi relatado, não consegui fotografar esse momento, estava com a máquina em minhas mãos e a vontade de registrar era muito grande, porém eu não tinha autorização do dono do circo para fotografar naquele dia. O que ficou combinado entre eu e o Sr. Josemar é que, quando eu chegasse no circo, primeiramente teria que conversar com ele, para então realizar o meu trabalho ali 16 Machado, Marina Marcondes. A poética do brincar. São Paulo: Edições Loyola, 1998. no circo. Confesso que isso dificultou a realização das minhas observações, já que ele quase não se encontrava no circo, pois saía para anunciar o espetáculo16. Durante os espetáculos, percebi que as crianças quando estavam se apresentando, num mínimo espaço de tempo, elas brincavam umas com as outras por troca de olhares, sorrisos e movimentos, mas faziam isso com uma certa sutileza, que para quem as observassem teria que estar muito atento para perceber este fato. Em um dos momentos em que a brincadeira esteve presente foi quando as crianças maiores dançavam com a criança de 2 anos, Mariana. Neste instante é perceptível a descontração, os movimentos espontâneos, a alegria, o sorriso e a interação entre as crianças. Com relação à brincadeira, Wajskop (1997:28) nos fala que é um “espaço privilegiado de interação infantil e de constituição do sujeito-criança como sujeito humano, produto e produtor de história e cultura”. Já na escola “Brincando de Circo”, foram observadas diversas brincadeiras, e relato o que vi por meio de fotos e de alguns momentos reveladores do mundo da brincadeira que registrei no diário de campo. Diário de campo, 02/04/2003. Hoje, nas atividades de circo, estavam as professoras Jeovana e Mariana. Tinha 8 crianças que brincaram entusiasmadas, sempre pediam para repetir as brincadeiras, e a professora Jeovana disse que iria fazer tudo novamente na próxima quarta-feira. A primeira brincadeira foi a cambalhota, preferida por todas as crianças. A professora colocou os colchões no chão e propôs às crianças que rolassem tentando fazer a cambalhota. Aquelas que não conseguiam fazer sozinhas, a professora ajudava. 16 Acredito que as limitações que o dono do circo impôs com relação ao nosso acerto, foi porque era a primeira vez que alguém estava fazendo um trabalho de pesquisa no circo dele, e eu, querendo ou não, era uma pessoa “estranha” no cotidiano deles, e isso impossibilitou a realização das observações de forma mais independente. Foto 38 – Amanda fazendo a cambalhota Fonte: Alexsandra de Souza (02/04/03) Outra brincadeira que foi realizada neste dia e de que as crianças gostam muito foi subir na corda que estava amarrada no teto, e que as crianças denominaram “escalar a montanha”. Nesta brincadeira a professora auxilia todas as crianças, porém, algumas dispensam a sua ajuda, dizendo que conseguem subir sozinhas, e realmente, algumas conseguiam. Foto 39 – Maria Luiza subindo na corda Fonte: Alexsandra de Souza (02/04/03) A terceira brincadeira foi o equilibrismo, também muito preferida pelas crianças. A professora colocou uma escada no chão na posição horizontal. Uma criança de cada vez andava em cima da escada segurando um objeto escolhido por ela e realizava vários movimentos com ele, tais como: colocar o objeto acima da cabeça; tentar equilibrá-lo apenas com um dedo, ou com a palma da mão, pular como um canguru, dentre outros. Foto 40 – Caroline andando na escada equilibrando um objeto Fonte: Alexsandra de Souza (02/04/03) Nesta brincadeira, a professora chamou a Maíra para brincar, só que a professora em vez de falar Maíra, falou Maísa, e ela e todas as outras falaram: “não é Maísa, é Maíra” e esta falou para a professora: “repete mil vezes o meu nome”. E a professora sorriu e começou a falar: “Maíra, Maíra, Maíra...”. A última brincadeira foi o malabarismo. Todas as crianças sentadas no chão em círculo, a professora distribuiu as bolinhas e explicou o que iriam fazer. Ela foi dirigindo a brincadeira, falando o que tinham que realizar, como: “joguem a bolinha para o alto e tentem pegá-la; joguem a bolinha de uma mão para a outra; agora joguem para o alto, batam palmas uma vez e peguem a bolinha”. Em seguida a professora propôs que cada criança fizesse os malabares da maneira que quisesse. Neste momento presenciei uma cena muito interessante de duas crianças, Amanda e Maíra. Elas pegaram a bolinha, colocaram-na debaixo do braço e começaram a embalar a bolinha, dizendo: “dorme filhinha, dorme filhinha”, elas riram muito do que estavam fazendo, foi notória a troca de cumplicidade entre as duas, e naquele momento o mundo imaginário das duas se sobrepunha o que a professora estava propondo. Quanto ao mundo da fantasia, Freire (1992:37) nos fala que: “viajando pela fantasia, a criança vai longe. Conhece coisas que nós, adultos, já vivemos e esquecemos, e muitas vezes vai além de quase todos os adultos”. E continua dizendo que para quem fantasia, como as crianças, os objetos podem ser revividos e transformados em algum objeto importante em suas brincadeiras. . Ainda sobre o mundo da fantasia, Freire relata que: “caixas de papelão transformam-se em casa, pedaços de madeira viram mesas, cadeiras, armários, tampinhas de garrafa convertem-se em galinhas, pintinhos, chapéus. Não há o que não ganhe vida, nome e significado na atividade incessante do brinquedo e trabalho das crianças na primeira infância” (idem). As brincadeiras observadas nesses dias tiveram esse caráter. Para as crianças da escola as aulas de circo são também um espaço de “faz-de-conta”: o “faz de conta” que são artistas de circo, que se apresentam a um respeitável público, que viajam de um lado para outro conhecendo o mundo e gente nova. Pude perceber também que as crianças gostam muito de virar cambalhota, subir na corda, de equilibrar-se ou equilibrar algum objeto e de fazer malabarismos, pois as crianças pediam incessantemente à professora essas brincadeiras. Diário de campo, 09/04/2003. Neste dia só estava a professora Mariana, e percebi que as atividades foram mais calmas. As crianças brincaram de “quero-ver-quem-pega”; passaram pelos objetos que estavam colocados como obstáculos; equilibraramse em cima de uma corda; viraram cambalhota no colchão e brincaram de “pique-congela” (também conhecida como pega-congela) com estátua (as crianças correm no espaço delimitado pela professora, uma ou mais crianças têm que pegar os amiguinhos, se alguma criança for pega, ela tem que parar e fazer uma pose, como estátua, e outra criança tem que passar por debaixo da perna para “descongelar”, e esta passa a correr com as demais). Foto 41 – Maíra equilibrando-se em cima da corda Fonte: Alexsandra de Souza (09/04/03) Lucas, que não tinha ido na semana passada, estava um pouco isolado do grupo, brincava mais sozinho. Enquanto as outras crianças brincavam de uma determinada brincadeira, ele brincava com um bambolê, sozinho, saltando por dentro do bambolê, depois escondeu-se atrás dos colchões que estavam encostados na parede. Ele brincou um pouco com o grupo, voltou a isolar-se, depois saiu do ambiente das brincadeiras e ficou brincando sozinho sentado num círculo de cimento localizado no pátio. Foto 42 – Lucas brincando sozinho no pátio Fonte: Alexsandra de Souza (09/04/03) Diário de Campo, 14/05/2003. Neste dia 9 crianças e as duas professoras estavam presentes. Cheguei na escola uma hora antes do horário das atividades e as crianças já estavam brincando no local destinado às brincadeiras de circo, e fiquei observando-as. Estavam brincando de imitar as professoras (representação de papéis). Júlia estava representando a professora Mariana, e Caroline representava a professora Jeovana. As duas falavam sobre as brincadeiras para as outras crianças fazerem, como as professoras faziam. Ainda assumindo o papel de professora, Júlia sugeriu a brincadeira do “pique-congela” e Caroline (também “como professora”) não quis esta brincadeira, quis a brincadeira do “querover-quem-pega”. Então Júlia falou que não, e mostrou a língua para Caroline, que disse: “nossa, que língua grande que você tem e pontuda”, e sorriu, e a Júlia falou: “ó, eu consigo encostar a língua no meu nariz”, demonstrando e sorrindo, e Caroline falou: “meu Deus, que grande!”, e todas começaram a rir. Este fato nos revela e confirma ao mesmo tempo, que as crianças são autênticas, são verdadeiras, se elas não gostam de algo, elas falam mesmo, porém, não são rancorosas, não guardam mágoas, brigam na hora, mas depois está tudo bem, voltam a brincar e a sorrir. As crianças continuaram brincando e alguns minutos depois as professoras chegaram. Antes de iniciarem as atividades, as professoras colocaram uma toalha no chão para que as crianças fizessem um lanche. Neste dia as crianças tiveram uma brincadeira que elas adoram, brincar com a perna de pau. A alegria foi contagiante quando as professoras disseram que iriam pegar as pernas de pau para elas brincarem. Algumas saíram correndo dizendo que iriam ajudar as professoras a trazerem as pernas de pau. Foto 43 – Maria Clara e o contato com as pernas de pau Fonte: Alexsandra de Souza (14/05/03) Primeiramente as crianças brincaram livremente com as pernas de pau, em seguida as professoras propuseram alguns “desafios”, como por exemplo: andar em cima da perna de pau para frente, para trás, para o lado e depois falaram para as crianças brincarem da forma que quisessem, cada um no seu ritmo e no seu jeito. Percebi que as crianças gostam muito dos “desafios” propostos pelas professoras, porém, gostam mais ainda, quando elas próprias (as crianças) criam as suas maneiras, os seus modos de interagir na brincadeira e com os amigos. Foto 44 – Maíra andando na perna de pau Fonte: Alexsandra de Souza (14/05/03) Na seqüência, as crianças brincaram de imitar posições. A professora falou: “quem sabe imitar a posição da ponte? Como é a ponte?” As crianças demonstraram. E a professora continuou falando as posições e as crianças demonstrando. “Agora a posição da montanha, do cisne, da tartaruga, da mesa”. Nesta hora Maria Luiza falou: “mesa tem cadeira, né?”, ninguém respondeu nada a ela. Uma outra criança, Lauren, sugeriu a posição da gangorra e todas as outras crianças também fizeram a gangorra. Foto 45 – Maria Clara realizando a posição da ponte Fonte: Alexsandra de Souza (14/05/03) Enquanto estava acontecendo a brincadeira das posições, o único menino presente neste dia chegou perto das professoras e perguntou: “por que na aula de circo não tem menino?” e a professora Mariana respondeu: “convida os teus amigos para virem fazer a aula de circo conosco”. E o menino respondeu: “então tá, eu vou convidar um monte de meninos”. Para terminar a aula, as professoras chamaram todas as crianças e pediram para que dessem um abraço coletivo e depois falassem em tom alto a palavra “circo”. Foto 46 – Crianças se abraçando Fonte: Alexsandra de Souza (14/05/03) É importante ressaltar que as crianças, as professoras, os pais e a escola como um todo, reconhecem as atividades de circo como “aulas de circo”. Ficou evidente nas falas das crianças da escola, que circo para elas é uma brincadeira, uma atividade física, ou até mesmo ginástica, como algumas crianças falaram. Fica também evidente o quanto o significado da palavra circo para as crianças da escola é bem diferente do significado que tem para as crianças que vivem no circo, isso se dá pelo contexto sócio-histórico onde as crianças estão incluídas. Outro ponto importante a ser comentado diz respeito ao sentido artístico que as crianças atribuem ao circo. Para as crianças da escola, o lado artístico também está presente. Nos momentos que observei, houve brincadeiras em que uma criança apresentava um número, o do mágico, por exemplo, e as demais observavam atentamente. Os aplausos faziam parte da finalização de todas as brincadeiras. Enquanto uma criança estava tendo a sua experiência no trapézio, por exemplo, as outras crianças a observavam, ficavam atentas para ver como e se ela conseguia realizar a atividade. No final do ano houve uma apresentação na escola, para os pais e demais crianças. Pude perceber que naquele dia as crianças se sentiram como artistas circenses mesmo, algumas pediam até aplausos para a platéia (pais, professoras e outras crianças). Foi um momento muito prazeroso e alegre, tanto para as crianças e professoras quanto para os pais. Diário de Campo, 21/05/2003 Hoje, 9 crianças e as duas professoras estavam presentes. Neste dia também cheguei um pouco mais cedo. Fiquei observando as crianças brincarem livremente pelo pátio da escola e também no espaço destinado para as atividades de circo. Algumas crianças brincavam de “pega-pega”, “piquecongela”, outras brincavam com “tazos”, e outras encontravam-se conversando sentadas no espaço destinado ao “circo”. Percebi que as crianças, tanto nos intervalos quanto nos momentos das atividades de circo, brincavam à vontade, com muito prazer e envolvimento, até mesmo quando as professoras propuseram as brincadeiras. Se elas gostavam, elas se entregavam totalmente, davam sugestões, faziam comentários positivos com relação às brincadeiras, mas, se as crianças falavam que não estavam afim de fazer, elas não faziam mesmo, falavam que não gostavam, ou que tal brincadeira era “chata”, por exemplo. E as professoras davam a liberdade de escolha para as crianças, respeitando assim, a individualidade de cada criança, o seu tempo, suas vontades e necessidades. A primeira brincadeira realizada foi novidade para todas as crianças: o prato, que faz parte do equilibrismo dentro das categorias do circo. Primeiramente as professoras falaram um pouco sobre esse objeto. Falaram que ele faz parte do circo, mas, poucos são os circos que o utilizam no espetáculo, porém são utilizados outros objetos no número do equilibrismo, como: sombrinhas, bastões, etc. Num primeiro momento, o prato foi passado de mão em mão para que as crianças o sentissem e observassem mais de perto. Cada criança fazia algo com o prato, umas giraram em torno dos dedos, outras colocaram na cabeça e outras apenas olharam. As professoras perguntaram a elas, se sabiam como manusear o prato. Algumas se dispuseram e demonstraram como achavam que era equilibrar o prato, e o resultado foi muito legal, várias formas foram criadas pelas próprias crianças. Foi uma experiência muito interessante. Depois uma das professoras demonstrou o equilíbrio do prato, e todas as crianças quiseram vivenciar (e vivenciaram) o equilíbrio do prato na maneira da professora. Foto 47 – Júlia com o prato na cabeça Fonte: Alexsandra de Souza (21/05/03) Foto 48 – Caroline equilibrando o prato Fonte: Alexsandra de Souza (21/05/03) Na seqüência as crianças brincaram de pirâmide humana. Primeiramente a professora Jeovana demonstrou essa brincadeira junto com outra criança. Foto 49 – Pirâmide humana Fonte: Alexsandra de Souza (21/05/03) Nesta brincadeira observei um momento bem interessante. As meninas Júlia e Maria Luiza fizeram a posição da pirâmide e sua colega Caroline entrou por debaixo do corpo de Júlia que estava no chão. Achei muito legal porque foi uma criação delas, as professoras não tinham demonstrado e nem comentado essa possibilidade. Foto 50 – Pirâmide humana das crianças Fonte: Alexsandra de Souza (21/05/03) Diário de Campo, 04/06/2003 Neste dia as duas professoras estavam presentes e havia 9 crianças na turma. Por estímulo das professoras, as crianças começaram a brincar imitando as sensações de frio, calor, os sentimentos de tristeza e de alegria, fazer que estavam limpando-se e limpando o amigo também. Depois brincaram de equilibrar-se na corda segurando um objeto escolhido por cada criança. Foto 51 – Maria Luiza equilibrando-se na corda Fonte: Alexsandra de Souza (04/06/03) Percebi que as crianças gostaram muito dessa brincadeira. Realizaram-na várias vezes, não queriam mudar de brincadeira, talvez por ser desafiadora, pois, as crianças tinham que equilibrar-se na corda e além disso, tinham também, que equilibrar o objeto que estava em sua mão. Outra brincadeira de que as crianças também gostaram muito foi a seguinte: as professoras, com uma corda na mão, cada uma segurando numa ponta, corriam atrás das crianças, e estas tinham que fugir, não deixando que a corda encostasse em seu corpo. Nessa brincadeira, todas as crianças riram muito, acharam engraçado as professoras correrem atrás delas, tentando pegá-las com a corda. As professoras realizaram algumas variações nessa brincadeira, como: passar por debaixo da corda, pular por cima. Em seguida fizeram brincadeiras no colchão, rolamento, ponte. Em um dos momentos que presenciei, as crianças estavam de pé em cima do colchão, e uma das crianças passava por debaixo das pernas das outras. Amanda estava passando por debaixo das pernas das outras crianças, quando parou e falou, olhando para os seus amiguinhos: “tomara que não tem nenhum cheiro aí!” e Maria Clara falou: “não solta pum, heim?” e todas as crianças começaram a rir. Outra brincadeira que as crianças gostaram foi de passar por debaixo do corpo dos amigos que estavam um do lado do outro no colchão, formando um túnel. Foto 52 – Caroline no “túnel” Fonte: Alexsandra de Souza (04/06/03) A última brincadeira deste dia foi o pega-pega com corrente. Uma criança começava pegando; a criança que fosse pega ajudava a outra, e assim sucessivamente, formando uma corrente. As crianças riram muito nessa brincadeira, porque a criança que ficava na ponta da direita ia para uma lado e a criança que ficava na ponta da esquerda ia para o outro, tentando pegar as outras crianças. A criança que estava no meio não sabia para onde ir e assim a “corrente arrebentava”, o que era motivo de muitos risos para as crianças. No final das brincadeiras, a menina Lauren veio em minha direção e perguntou-me: “por que você vem sempre nas aulas de circo?” Respondi que estava fazendo um trabalho para depois apresentar na minha “escola” que é muito grande (referindo-me à UFSC). E ela perguntou-me: “grande assim?”, demonstrando o tamanho da escola abrindo os braços o máximo que pôde. E eu falei: “é bem maior que esta escola”. E ela falou: “nossa, é muito grande mesmo”. Diário de campo, 11/06/2003 Nesse dia só estava a professora Jeovana e tinha 9 crianças. As atividades de circo começavam às 18h30 e por volta das 19h, quando descia as escadas do espaço que as crianças brincavam, pisei por acaso em uma pedra e logo caí ao chão, sentindo muita dor no tornozelo, que inchou rapidamente. Fiquei um bom tempo agachada no chão e nisso uma das crianças, Maria Clara, veio me perguntar: “o que você está fazendo aí no chão?”, então respondi que tinha caído e machucado o pé. E ela disse: “também já aconteceu isso comigo, e tive que colocar gesso” e complementou: “não fica triste não, vai passar!”. Todos os dias que fui observar as crianças das atividades de circo, elas me surpreenderam. Fizeram-me sorrir em todas as horas e até nos momentos em que eu não estava bem. Diário de Campo, 02/07/2003, 09/07/2003 e 30/07/2003 Nestes dias, além de ter utilizado a máquina fotográfica como registro, também utilizei a filmadora e as crianças adoraram ser filmadas, sorriram bastante e fizeram muitas poses em frente à câmera. Primeiramente foi filmado o espaço onde aconteciam as brincadeiras. O local tem o formato do circo, sua estrutura é de cimento e o centro do chão (“o picadeiro”) é de madeira, como já falei anteriormente. Neste momento as crianças estavam brincando de correr, pegar, “virar” estrela. Em um dos cantos tinha duas crianças que trocavam “tazos” e outras brincavam de rolar pneus na escada. Para iniciar as brincadeiras, a professora Jeovana convidou as crianças para brincar, dizendo: “quem faz circo põe o pé na madeira”. Apenas Caroline foi até o local que a professora falou, as demais permaneceram em suas brincadeiras. Novamente a professora falou: “quem faz circo coloca a mão na cabeça, na orelha”, somente Caroline e Laura que estava sentada no chão na parte de cimento fizeram o que a professora falou. Lucas chegou perto da professora e perguntou: “com uma mão ou com as duas?” E a professora respondeu: “com as duas”. As crianças não queriam brincar com a professora: para elas, as suas brincadeiras estavam mais interessantes e prazerosas. A professora pediu para que guardassem os “tazos” e que viessem brincar de circo com ela. Caroline falou para a professora: “paramos com a mão na orelha”, demonstrando. Ela e a professora se olharam e sorriram. Em seguida a professora falou para as crianças que a aula hoje iria ser filmada. Victor apontou para a câmera e falou: “ele está ali”, referindo-se ao Flávio, que ajudou-me nas filmagens. As crianças pularam de alegria e falaram: “eu vou ser filmada, eu vou ser filmada”, e olharam para o Flávio que estava filmando. Acredito que as crianças ficaram alegres e fascinadas por estarem sendo filmadas, pois se sentiram importantes, valorizadas em suas brincadeiras, assim como as crianças do circo são vistas pelo público, com muita admiração. Naquele momento elas estavam brincando não apenas pelo simples prazer de fazer, mas sim para serem vistas, notadas, assim como num espetáculo de circo. As professoras sugeriram a brincadeira de passar por debaixo da perna de alguém que não fazia circo. Algumas crianças falaram: “ichi”, demonstrando dificuldade em achar alguém, e outras falaram: “uhuuu”, gostando da idéia. Algumas vieram em minha direção e perguntaram se poderiam passar por baixo de minhas pernas e eu falei que sim. Maria Luiza ainda não tinha passado, então Júlia sugeriu que passasse por baixo das pernas do Flávio que estava filmando, e foi uma cena muito engraçada, pois todas as crianças disseram a ele: “você não conseguiu filmar”, e todas sorriram, inclusive nós, adultos. Em seguida a professora Jeovana falou para as crianças que elas iriam brincar no trapézio. A alegria foi geral, elas falaram: “oba, trapézio!; que legal, eu gosto de brincar no trapézio!”. As crianças foram correndo para perto do trapézio. A professora estava arrumando o trapézio e enquanto as crianças esperavam a sua vez, conversavam sobre o que iriam fazer no trapézio. Júlia perguntou para Maria Clara: “o que tu vai fazer no trapézio?” Maria Clara respondeu: “ainda não sei! O que tu vai fazer?” Júlia disse: “quero subir sozinha, sem a ajuda das professoras e quero me balançar um monte!”. E Maria Clara falou: “eu também vou fazer isso!” Lucas que estava sentado no chão falou para Júlia e Maria Clara: “eu vou ficar de cabeça para baixo!”. As meninas falaram: “que legal, Lucas, mas é muito difícil” E Lucas complementou: “é difícil, mas eu consigo, vocês vão ver!”. Aqui podemos perceber a importância do desafio motor no interesse da criança pela brincadeira, ou seja, o desafio em querer superar os limites do seu próprio corpo, e para a criança é fascinante querer chegar lá, querer descobrir e experimentar o novo, realizar o difícil. Nos circos vimos muito isso, os circenses alcançando todo o seu potencial, dando o máximo de si, quando estão no trapézio ou na corda bamba, por exemplo. A professora perguntou para as crianças se estava boa a altura que ela tinha colocado o trapézio. As crianças falaram: “não, põe mais alto, põe mais alto!”. E a professora ajustou o trapézio conforme a solicitação das crianças. A brincadeira começou com Caroline, depois Júlia, Victor que tentou ficar em pé no trapézio e depois de cabeça para baixo, mas as professoras não o deixaram. Elas disseram que não podia ficar de pé no trapézio e que não era a hora de fazer aquilo. Então apenas se balançou. Lucas foi o próximo a brincar no trapézio. Ele tentou segurar-se sozinho no trapézio, mas não conseguiu, teve a ajuda das professoras e logo que conseguiu subir ficou de cabeça para baixo e balançou-se devagar, e Amanda perguntou: “Lucas, estás nos olhando de cabeça para baixo?” e Lucas respondeu: “estou, é bem legal!”, depois ele sentou-se e balançou-se novamente, realizou vários movimentos, e as professoras apenas o segurava para que ele não caísse. Foto 53 – Lucas no trapézio Fonte: Alexsandra de Souza (09/07/03) Depois da brincadeira do trapézio, as crianças brincaram com as pernas de pau. Algumas crianças conseguiram subir sozinhas nas pernas de pau, outras pediram ajuda para as professoras, outras não estavam conseguindo subir, mas também não pediram ajuda, tentaram várias vezes, até que as professoras perguntaram para elas se queriam ajuda e elas responderam que sim. Victor, que sabia andar com as pernas de pau muito bem, ficava andando e fazendo vários movimentos na frente da filmadora, aonde o Flávio ia, ele também ia, queria mostrar a sua habilidade diante da câmera. Enquanto as outras crianças andavam com as pernas de pau, Lucas colocou as pernas de pau com que estava brincando no chão, deixou um espaço entre as duas e pulou sobre elas, realizou esse movimento várias vezes. Depois de um bom tempo, ele pegou-as e começou a andar. Foto 54 – Crianças andando com a perna de pau Foto 55 – Lucas pulando sobre a perna de pau Fonte: Alexsandra de Souza (09/07/03) Fonte: Alexsandra de Souza (09/07/03) Em seguida guardaram as pernas de pau e brincaram de imitar o movimento um do outro por sugestão das professoras. Enquanto as crianças brincavam de imitar os movimentos um do outro, Lucas e Laura estavam observando uma formiga que estava perto deles no chão. Lucas falou para Laura: “eu acho que ela está procurando a casinha dela”. E Laura perguntou: “onde é a casinha dela?” A professora Mariana que estava perto respondeu: “a casinha dela é dentro de um buraquinho aqui no chão”. Nesse momento, todas as crianças e as professoras encontravam-se agachadas, observando a formiga que se movimentava no chão. O Lucas falou: “olha, ela tem a cabeça preta e a cauda dela é vermelha!” As outras crianças falaram: “é mesmo, que legal!”. Nesse momento a brincadeira de imitar o outro foi deixada de lado, pois, a formiga era “novidade” para as crianças naquele momento, e depois de um tempo a professora falou para elas voltarem a brincar de imitar o outro, porém, Lucas e Laura continuaram observando atentamente a formiga. Aonde ela ia, os dois iam também, até que a formiga entrou num dos buracos no chão, e Laura falou: “acho que ela encontrou a casinha dela!” e Lucas completou: “é, essa é a casinha dela!” Vale salientar que as professoras davam às crianças a liberdade de participar das brincadeiras ou não. Algumas situações inesperadas aconteceram enquanto eu estava observando lá na escola, como o exemplo da formiga, que naquele momento despertou a atenção de todas as crianças, e as professoras perceberam que a atração não era mais estar realizando o rolamento no colchão, mas sim apenas ficar observando a formiga no chão. Depois os dois voltaram para o grupo que estavam brincando de rolamento no colchão. Chegou a vez do Lucas, ele fez o rolamento só que demorou para sair do colchão e então Júlia falou: “anda Lucas, sai logo desse colchão, parece uma lesma”, Lucas e as outras crianças deram boas gargalhadas. Enquanto as crianças e a professora Mariana brincavam de fazer rolamentos no colchão, a professora Jeovana e o menino Victor estavam sentados na escada. A professora estava lhe ensinando uma mágica. Ela disse que depois ele iria apresentá-la para as outras crianças. Nesse momento, aparecem os dois junto ao grupo. A professora Jeovana, então, pediu que todas as crianças sentassem no colchão para assistirem à mágica que o Victor iria fazer. As crianças sentaram no colchão e esperaram ansiosas pelo momento. Júlia, a pedido da professora, apresentou o “mágico” Victor, dizendo: “apresentando, o maior mágico do mundo, Victor!”. As crianças e as professoras sorriram e aplaudiram. Victor começou a fazer a mágica, e em um momento ele virou-se de costas para as crianças (acredito que algo não estava dando certo), quando Amanda falou: “isso é mágica, virado de costas?” Virouse de frente para os amigos, sorriu e disse: “não deu, mas vou fazer de novo”. As crianças ficaram olhando atentamente para Victor, que conseguiu realizar a mágica. Recebeu muitos aplausos do público (os amigos), e Victor falou: “mais aplausos, mais aplausos”, e agradeceu. Nesta atividade foi notória a vivência pelas crianças do ritual simbólico do circo, do seu roteiro de espetáculo, e não apenas de treinamento de habilidades físicas. O faz-de-conta esteve presente neste momento e em outros também. Foto 56 – O “mágico” Victor e a platéia Fonte: Alexsandra de Souza (02/07/03) Outra brincadeira proposta pelas professoras foi o malabarismo com bolinhas. As crianças adoram essa brincadeira. Primeiramente começaram com uma bolinha apenas, jogavam-na para o alto, depois passaram a bolinha por debaixo da perna jogando-a para cima e por último realizaram o malabarismo com duas bolinhas. Foto 57 – Caroline fazendo malabares e Lauren fazendo pose Fonte: Alexsandra de Souza (30/07/03) Nesse momento, Maria Clara veio em minha direção, olhou para o meu caderno, olhou para mim e perguntou-me: “o que você está escrevendo?” E eu respondi: “eu estou escrevendo o que vocês estão fazendo e falando”, e Maria Clara disse: “ah, tá!”. Depois fomos assistir a uma fita de vídeo da apresentação dos artistas do Cirque du Soleil. As crianças ficaram fascinadas com as habilidades dos artistas, e Júlia, quando viu o número do tecido acrobático, logo falou: “o meu sonho é ser artista de circo, quero fazer igual essa moça do filme”. Victor disse que viu esse número no circo do Marcos Frota. Quando passou o número da pirâmide as crianças falaram: “essa a gente já fez”. As crianças adoraram o vídeo, fizeram vários comentários a respeito. Algumas ficaram deslumbradas com a capacidade de execução dos movimentos dos artistas. O propósito das professoras de estarem mostrando o vídeo foi para que as crianças conhecessem mais o lado artístico do circo, assim como também alguns números, apresentados nos circos, que as crianças não vivenciam nas atividades de circo na escola. Diário de Campo, 20/08/2003 Cheguei no local, as crianças estavam brincando de pegar e a professora Mariana estava arrumando os materiais para começar as atividades. Havia 7 crianças neste dia. A professora convidou as crianças para sentarem no círculo de madeira e falou que elas iriam fazer uma apresentação no final do ano na escola, e elas adoraram a idéia. E de imediato Amanda falou: ”para a gente se apresentar, nós temos que ter roupas bonitas, porque eu fui num circo e as pessoas que se apresentavam tinham roupas com brilho”. Cada criança falou o que queria fazer na apresentação, algumas falaram que queriam fazer o malabarismo, Victor disse que queria fazer o mágico. Lucas disse que só vai se apresentar se tiver uma máscara. E a professora perguntou: “por quê? Você tem vergonha?” Ele respondeu que sim. E a professora disse que não precisava ter vergonha porque cada um ia escolher o que quisesse fazer. Ela também falou que eu (Alexsandra) tinha uma surpresa para mostrar para elas. A professora me chamou para junto das crianças para que eu falasse sobre a tal surpresa. Disse a elas que gostaria de mostrar as fotos que tirei delas brincando de circo e mostrar também as filmagens, elas ficaram muito felizes, demonstrando o contentamento com palmas e sorrisos. As crianças viram as fotos e o vídeo, elas gostaram muito de terem se visto na televisão, Maíra disse: “parece que nós somos artistas de circo de verdade” e as outras crianças também concordaram. Acredito que este momento foi muito importante para as crianças, elas estarem se vendo na televisão, fazendo associações com o dia em que assistiram o vídeo do Cirque du Soleil, de estarem se imaginando como artistas circenses. O faz-de-conta, o mundo da fantasia presenciava-se nessa hora. Ao contrário das crianças do circo, para quem o espetáculo tem uma dimensão bem realista, de trabalho, de seriedade, ainda que possa ser prazeroso e em alguns momentos como uma brincadeira. Diário de Campo, 27/08/2003 Neste dia estavam presentes apenas 6 crianças e somente a professora Jeovana. A primeira brincadeira proposta foi a do bambolê. Cada criança podia fazer o que quisesse com o bambolê no espaço delimitado pela professora. As crianças giraram o bambolê no braço, mudaram para a outra mão, bambolearam na cintura, na cabeça, colocaram a mão na parede e bambolearam com a perna, jogaram o bambolê para cima e deixaram caí-lo passando pelo corpo. Laura deu uma sugestão aos amigos: “vamos bambolear na orelha?” e Maria Clara falou: “não dá, a minha orelha é muito pequena”. E Amanda completou: “só se a gente tivesse a orelha do Dumbo”. Depois teve a brincadeira da argola, as crianças também gostam muito dessa atividade. Lauren pediu-me para que tirasse uma foto sua na argola, e falei a ela que o filme tinha terminado. Ela falou: “então escreve o que eu estou fazendo” e eu respondi: “estou escrevendo”, e sorri a ela que também retribuiu-me com um sorriso. Quando ela saiu da argola, ela falou aos amigos: “cadê os aplausos?” As crianças sorriram e a aplaudiram. Vale salientar que as crianças não realizam as atividades todas ao mesmo tempo. Primeiro uma criança realiza a atividade e as demais ficam observando, por isso a questão da platéia, dos exaustivos pedidos dos aplausos. Foto 58 – Victor na argola e Caroline observando Fonte: Alexsandra de Souza (27/08/03) Para finalizar as atividades, como era de praxe, as crianças abraçavamse e gritavam: “VIVA O CIRCO!” Fotos 59 e 60 – Grito das crianças: “VIVA O CIRCO!” Fonte: Alexsandra de Souza (27/08/03) Esse foi o mundo da brincadeira das crianças nas atividades de circo na escola, apresentado pelas falas e fotos das mesmas. É a magia se cumprindo no reino da brincadeira, nessa relação imagens-lembranças-memória-fantasia, num contexto lúdico que recupera e cria momentos verdadeiramente mágicos. As crianças, por meio das trocas com os seus pares e com os adultos, vão interiorizando os valores e as idéias do grupo e incorporando esses elementos em sua personalidade e por extensão em suas brincadeiras. (Fantin, 2000). INFÂNCIA, CRIANÇA E BRINCADEIRA Foto 61 – Crianças brincando Fonte: Alexsandra de Souza (09/04/03) _______________________________________________________________ UM BREVE ESTUDO SOBRE INFÂNCIA, CRIANÇA E BRINCADEIRA “Brincar não é perder tempo, é ganhá-lo. É triste ter meninos sem escola, mas mais triste é vê-los enfileirados em salas sem ar, com exercícios estéreis, sem valor para a formação humana”. 17 Carlos Drummond de Andrade 3.1. Concepção de Infância e Criança Para entendermos o caráter histórico da construção do conceito de infância, reporto-me inicialmente aos estudos iconográficos18 feitos pelo pesquisador francês Philippe Ariès (1981), em seu clássico trabalho sobre a história da infância. Os seus estudos apontam que a produção social do conceito de criança, tal qual a concebemos hoje, surge simultaneamente ao sentimento de família e ao desenvolvimento da educação escolar, como resultado da organização das relações sociais de produção da sociedade industrial. Segundo o autor, até a Idade Média não havia registros significativos que pudessem ressaltar algum valor atribuído à infância. Não havia nenhuma forma que identificasse a criança com características específicas. A imagem que a representava estava relacionada com a imagem determinada pela Igreja Católica. As crianças, 17 Retirado do site: http://centrorefeducacional.pro.br/jogomais.html. Estudo iconográfico: elaborado a partir do exame de pinturas, antigos diários de família, testamentos, igrejas e túmulos. Kramer, Sônia. A política da pré-escola no Brasil: a arte do disfarce. Rio de Janeiro: Achiamé, 1982. 18 então, apareciam em forma de “anjos”, com aparência de um rapaz muito jovem, do Menino Jesus ou de Nossa Senhora menina. Conforme os estudos desse autor, a concepção de infância começa a mudar com a transformação da sociedade agrária-mercantil em sociedade urbano-industrial. Essa transformação paradigmática ocorrida historicamente, referente ao conceito de criança, está relacionada diretamente às mudanças ocorridas nas formas de organização da sociedade. O conceito de infância, nesse caso, é determinado historicamente pela modificação das formas de organização da sociedade. Kramer (1982:19) comenta as idéias de Ariès: A idéia de infância, como se pode concluir, não existiu sempre, e nem da mesma maneira. Ao contrário, ela aparece com a sociedade capitalista, urbano-industrial, na medida em que mudam a inserção e o papel social da criança na comunidade. Se, na sociedade feudal, a criança exercia um papel produtivo direto (“de adulto”) assim que ultrapassava o período de alta mortalidade infantil, na sociedade burguesa ela passa a ser alguém que precisa ser cuidada, escolarizada e preparada para uma atuação futura. Portanto, a idéia de infância nem sempre existiu e, a partir do momento que passou a existir, não tem sido sempre a mesma. Filósofos e educadores do final da Idade Média e início da Idade Moderna trazem novas contribuições ao que, naquele momento, se compreendia por infância. Estes estudiosos fundamentaram-se nas características da “natureza infantil”, que atribuía à criança aspectos de dualidade, ou seja, se por um lado a criança era dotada de capacidades inatas, de potencialidades naturais, de outro era ser incompleto e imaturo: precisaria ser modelado, ensinado e educado. Em função disto, a criança deixa de conviver com os adultos e passa a ser mantida à distância, separada deles, num processo de enclausuramento denominado escola. Tal fato vai caracterizar fortemente o século XVIII, evidenciando, desta forma, a existência de um mundo próprio e autônomo da infância. Trabalhar a concepção de infância em uma perspectiva histórica demanda compreendê-la como fruto das relações sociais de produção que engendram as diversas formas de ver a criança e produzem a consciência da particularidade infantil. Neste sentido, a concepção de infância varia de acordo com a cultura onde ela é concebida. Portanto, a concepção de criança parte de uma noção historicamente construída e consequentemente vem mudando ao longo dos tempos, não se apresentando de forma homogênea nem mesmo no interior de uma mesma sociedade e época. Segundo Sarmento & Pinto (1997:17): (...) ’ser criança’ varia entre sociedades, culturas e comunidades, pode variar no interior da fratria de uma mesma família e varia de acordo com a estratificação social. Do mesmo modo, varia com a duração histórica e com a definição institucional da infância dominante em cada época. Sarmento também ressalta a consolidação da Sociologia da Infância, que identifica as crianças como seres plurais, ricos na diversidade e produtoras de cultura. Para construir um novo paradigma, para o estudo da infância, James e Prout (apud Montandon, 2001:51) consideram necessário levar em conta uma série de proposições, a saber: - A infância é uma construção social; - A infância é variável e não pode ser inteiramente separada de outras variáveis como a classe social, o sexo ou o pertencimento étnico; - As relações sociais das crianças e suas culturas devem ser estudadas em si; - As crianças são e devem ser estudadas como atores na construção de sua vida social e da vida daqueles que as rodeiam; - Os métodos etnográficos são particularmente úteis para o estudo da infância; - A infância é um fenômeno no qual se encontra a “dupla hermenêutica” das ciências sociais evidenciada por Giddens, ou seja, proclamar um novo paradigma no estudo sociológico da infância é se engajar num processo de “reconstrução” da criança e da sociedade. As crianças possuem uma natureza singular, que as caracteriza como seres que sentem e pensam o mundo de um jeito muito próprio. Nas interações que estabelecem desde cedo com as pessoas que lhe são próximas e com o meio que as circunda, as crianças revelam seu esforço para compreender o mundo em que vivem, as relações contraditórias que presenciam e, por meio das brincadeiras, explicitam as condições de vida a que estão submetidas, seus anseios e desejos. No processo de construção do conhecimento, as crianças se utilizam das mais diferentes linguagens e exercem a capacidade que possuem de terem idéias e hipóteses originais sobre aquilo que buscam desvendar. Nessa perspectiva, as crianças constróem o conhecimento a partir das interações que estabelecem com as outras pessoas e com o meio em que vivem. Para a criança, conhecer o mundo envolve o afeto, o prazer e o desprazer, a fantasia, o brincar e o movimento, a poesia, a música e a linguagem. Para ela, a brincadeira é uma forma de linguagem, assim como a linguagem é uma forma de brincadeira. III.2. O Brincar e sua importância Brincar é uma das atividades fundamentais para o desenvolvimento da identidade e da autonomia. A criança, desde muito cedo, pode se comunicar por meio de gestos, sons e, mais tarde, representar determinado papel na brincadeira, ao mesmo tempo que desenvolve sua imaginação (porque não é bem causa e conseqüência, mas processos paralelos). Nas brincadeiras as crianças podem desenvolver algumas capacidades importantes, tais como a atenção, a imitação, a memória e a imaginação. Amadurecem, também, algumas capacidades de socialização por meio da interação e da utilização e experimentação de regras e papéis sociais. Segundo o Referencial Curricular Nacional Para a Educação Infantil – RCNEI (1998:28), o brincar envolve várias categorias de experiências: - O movimento e as mudanças da percepção resultantes essencialmente da mobilidade física das crianças; - A relação com os objetos e suas propriedades físicas assim como a combinação e associação entre eles; - A linguagem oral e a gestual, que oferecem vários níveis de organização a serem utilizados para brincar; - Os conteúdos sociais, como papéis, situações, valores e atitudes que se referem à forma como o universo social se constrói; - Os limites definidos pelas regras, constituindo-se em um recurso fundamental para brincar. Segundo o RCNEI (1998) estas categorias de experiências podem ser agrupadas em três modalidades básicas, a saber: brincar de faz-de-conta ou com papéis, atividade considerada fundamental, da qual se originam todas as outras; brincar com materiais de construção e brincar com regras. E essas brincadeiras (faz-de-conta, os jogos de construção e aqueles que possuem regras, como os jogos de sociedade – também chamados de jogos de tabuleiro –, jogos tradicionais, didáticos, corporais, etc.), propiciam a ampliação dos conhecimentos infantis por meio da atividade lúdica. A diferenciação de papéis se faz presente sobretudo no faz-de-conta, quando as crianças brincam como se fossem o pai, a mãe, o filho, o médico, o paciente, heróis e vilões, etc., imitando e recriando personagens observados ou imaginados nas suas vivências. A fantasia e a imaginação são elementos fundamentais para que a criança aprenda mais sobre a relação entre as pessoas, sobre o eu e sobre o outro. Pela oportunidade de vivenciar brincadeiras imaginativas e criadas por elas mesmas, as crianças podem acionar seus pensamentos para a resolução de problemas que lhe são importantes e significativos. Propiciando a brincadeira, portanto, cria-se um espaço no qual as crianças podem experimentar o mundo e internalizar uma compreensão particular sobre as pessoas, os sentimentos e os diversos conhecimentos. (RCNEI, 1998). Assim, nas brincadeiras, as crianças transformam os conhecimentos que já possuíam anteriormente em conceitos gerais com os quais brinca. Para assumir um determinado papel numa brincadeira, por exemplo, a criança deve conhecer alguma de suas características. Seus conhecimentos provêm da imitação de alguém ou de algo conhecido, de uma experiência vivida na família ou em outros ambientes, do relato de um colega ou de um adulto, de cenas assistidas na televisão, no cinema ou narradas em livros, etc. A fonte de seus conhecimentos é múltipla, mas estes encontram-se, ainda, fragmentados. É no ato de brincar que a criança estabelece os diferentes vínculos entre as características do papel assumido, suas competências e as relações que possuem com outros papéis, tomando consciência disto e generalizando para outras situações. (RCNEI, 1998). Quando a criança brinca, ela se apropria de um mundo, onde pode intervir de modo a criar e recriar situações de seu cotidiano. Ela manifesta a sua independência, pois cabe a ela escolher as brincadeiras, os brinquedos e outros materiais, assim como os pares. Nesta interação com os pares, a criança se confronta com situações, nas quais o brincar propicia as resoluções de conflitos, as negociações, submetendo a brincadeira à aprovação ou não. Portanto, para brincar é preciso que as crianças tenham certa independência para escolher seus companheiros e os papéis que irão assumir no interior de um determinado tema e enredo, cujos desenvolvimentos dependem unicamente da vontade de quem brinca. O brincar é uma atividade “voluntária e de livre escolha”, como destaca Wajskop (1995:119). “Assim, a criança decide como, com quem, com o que e até quando ela quer brincar”, completa a autora. No faz-de-conta, as crianças aprendem a agir em função da imagem de uma pessoa, de um personagem, de um objeto e de situações que não estão imediatamente presentes e perceptíveis para elas no momento e que evocam emoções, sentimentos e significados vivenciados em outras circunstâncias. Brincar funciona como um cenário no qual as crianças tornam-se capazes não só de imitar a vida como também de transformá-la. Segundo o RCNEI (1998:22-23): Ao brincar de faz-de-conta, as crianças buscam imitar, imaginar, representar e comunicar de uma forma específica que uma coisa pode ser outra, que uma pessoa pode ser um personagem, que uma criança pode ser um objeto ou um animal. Portanto, brincar é um espaço no qual se pode observar a coordenação das experiências prévias das crianças e aquilo que os objetos manipulados sugerem ou provocam no momento presente. Pela repetição daquilo que já conhecem, utilizando a ativação da memória, atualizam seus conhecimentos prévios, ampliando-os e transformando-os por meio da criação de uma situação imaginária nova. Brincar constitui-se, dessa forma, em uma atividade interna das crianças, baseada no desenvolvimento da imaginação e na interpretação da realidade, sem ser ilusão ou mentira. Elas também tornam-se autoras de seus papéis, escolhendo, elaborando e colocando em prática suas fantasias e conhecimentos, sem a intervenção direta do adulto, podendo pensar e solucionar problemas de forma livre das situações da realidade imediata. Quando utilizam a linguagem do faz-de-conta, as crianças enriquecem sua identidade, pois podem experimentar outras formas de ser e pensar, ampliando suas concepções sobre as coisas e pessoas ao desempenhar vários papéis sociais ou personagens. Na brincadeira, vivenciam concretamente a elaboração e negociação de regras de convivência, assim como a elaboração de um sistema de representação dos diversos sentimentos, das emoções e das construções humanas. Isso ocorre porque a motivação da brincadeira é sempre individual e depende dos recursos emocionais de cada criança, que são compartilhados em situações de interação social. O principal indicador da brincadeira, entre as crianças, é o papel que assumem enquanto brincam. Segundo o RCNEI: (1998:27) “ao adotar outros papéis na brincadeira, as crianças agem frente à realidade de maneira nãoliteral, transferindo e substituindo suas ações cotidianas pelas ações e características do papel assumido, utilizando-se de objetos substitutos”. A brincadeira favorece a auto-estima das crianças, auxiliando-as a superar progressivamente suas aquisições, de forma criativa. Sendo assim, brincar contribui para a interiorização de determinados modelos de adulto, no âmbito de grupos sociais diversos. Essas significações atribuídas ao brincar transformam-no em um espaço singular de constituição infantil. (RCNEI, 1998). Wajskop (1997) define a brincadeira como uma atividade infantil a partir de alguns critérios, a saber: - A criança pode assumir outra personalidade, representando papéis, como se fosse outra criança, adulto, boneco, animal, etc.; - A criança realiza ações que representam as interações, os sentimentos e conhecimentos presentes nas sociedades em que vive; - As regras cognitivas dos temas que orientam a brincadeira devem ser respeitadas. Das propostas críticas às mais tradicionais, não há contestações entre os autores sobre a importância e o valor da brincadeira. Porém, é importante ressaltar que as brincadeiras numa determinada cultura envolvem costumes e valores e muitas vezes trazem implícitos conflitos e contradições existentes em nossa sociedade, como: poder, autoritarismo, discriminações sociais, raciais e de credo. É de suma importância a intervenção do educador, cabe a ele fazer esclarecimentos às crianças sobre questões políticas, sociais e culturais. É portanto o adulto, na figura de educador, que, nas instituições, ajuda a estruturar o campo das brincadeiras na vida das crianças. Consequentemente é ele que organiza sua base estrutural, por meio da oferta de determinados objetos, fantasias, brinquedos ou jogos, da delimitação e arranjo dos espaços e do tempo para brincar. O educar deve garantir espaços onde o componente lúdico da cultura infantil se manifeste. Espaços estes, que precisam ser gerados dialeticamente no processo histórico, e nos quais a criança possa manifestar sua cultura. Assim, o educador garantirá um processo educativo de qualidade, voltado para os interesses e necessidades das crianças. Os adultos (educadores e pais) podem ser brilhantes observadores de crianças, que se preocupam com o que elas estão fazendo e com o que são capazes de fazer. Estes adultos são capazes de envolver as crianças em atividades, brincadeiras e experiências relevantes, que ampliarão suas capacidades. Da mesma forma, eles são mediadores das trocas entre as crianças e o mundo, entre as crianças e o outro, apoiando a aprendizagem sem disciplinarizá-la. Segundo o RCNEI (1998:28), “por meio das brincadeiras os professores podem observar e constituir uma visão dos processos de desenvolvimento das crianças em conjunto e de cada uma em particular, registrando suas capacidades de uso das linguagens, assim como de suas capacidades sociais e dos recursos afetivos e emocionais que dispõem”. A intervenção intencional baseada na observação das brincadeiras das crianças, oferecendo-lhes material adequado, assim como um espaço estruturado para brincar, permite o enriquecimento das competências imaginativas, criativas e organizacionais infantis. Cabe ao educador organizar situações para que as brincadeiras ocorram de maneira diversificada, propiciando às crianças a possibilidade de escolherem os temas, papéis, objetos e seus pares para brincar e assim elaborarem de forma pessoal e independente suas emoções, sentimentos, conhecimentos e regras sociais. Portanto, acredito que o educador que consegue se entregar à brincadeira de maneira a vivenciar a ludicidade junto à criança é que pode alcançar os objetivos de atender constantemente os interesses e necessidades delas. FECHAM-SE AS CORTINAS... E ENCERRA-SE O ESPETÁCULO Figura 10 – A despedida do palhaço Fonte: http://puccamp.aleph.com.br/circo/circo1.htm _______________________________________________________________ FECHAM-SE AS CORTINAS... E ENCERRA-SE O ESPETÁCULO! “É sabido que o dizer não é apenas a expressão do pensamento, mas também sua realização. Do mesmo modo, o caminhar não é apenas a expressão do desejo de alcançar uma meta, mas também sua realização”. Walter Benjamin19 Quero inicialmente esclarecer que, não se trata, neste momento, de concluir o trabalho, pois tenho a certeza de que um estudo nunca se encerra verdadeiramente, visto que, na condição de inacabamento que segundo Paulo Freire, faz parte de nossa condição humana, sempre se estará em busca de novas etapas a serem vencidas ou superadas. O estudo não se encerra aqui, pois almejo a que ocorram outros avanços, uma vez que a “história é tempo de possibilidade e não de determinismo”. (Paulo Freire, 1998:21). Ter encontrado o Reality Circus (assim como o Circo Sena e o Circo Estrela) mostrou-me que o circo ainda continua vivo na cultura brasileira, ainda que enfrentando dificuldades. Continua vivo não só enquanto imaginário – a idéia de circo – que alimenta propostas como as da escola “Brincando de Circo”, mas também continua vivo como um modo de vida e como uma forma de arte e cultura nas pequenas cidades e arredores das capitais. Com relação ao vivido e produzido pelas crianças do circo e pelas crianças da escola “Brincando de Circo”, inicialmente cito Florestan Fernandes (1979) que em sua pesquisa pioneira já enfatizava a cultura que as crianças produzem: 19 Fonte: www.wbenjamin.org/walterbenjamin.html. a cultura infantil, aquela que se expressa por pensamentos e sentimentos que chegam até nós, não só verbalmente, mas por meio de imagens e impressões que emergem do conjunto da dinâmica social, reconhecida nos espaços das brincadeiras e permeada pela cultura do adulto, não se constituía somente em obras materiais, mas na capacidade das crianças de transformar a natureza e, no interior das relações sociais, de estabelecer múltiplas relações com seus pares, com crianças de outras idades e com os adultos, criando e inventando novas brincadeiras e novos significados. (Fernandes, 1979, apud Prado (2002:101). Um dos resultados que a pesquisa mostrou diz respeito ao importante papel que as crianças assumem na cultura circense, primeiro como público, que pudemos ver nas falas dos dois adultos: “enquanto houver um sorriso de uma criança, o circo sempre viverá”; segundo como participantes importantes da vida cotidiana no circo. O circo é espaço de socialização das próprias crianças que vivem ali. Para elas, o “circo é sua escola”, sua vida, sua casa, sua família, seu trabalho, o qual o encaram com muita seriedade. Porém, ao mesmo tempo, o circo também é considerado por elas como diversão, prazer, alegria, emoção, admiração, tensão, brincadeira. Tudo isso, permeado pelo desafio do aprendizado dos números e dos saberes circenses em geral. Para as crianças da escola, circo é mais uma possibilidade de brincadeira, de diversão, de alegria, de aprendizado, de emoção, de tensão, de prazer, de admiração. Percebe-se que o conceito de “circo” das crianças que vivem no circo e das crianças que brincam de circo tem algumas semelhanças como também diferenças. Uma das diferenças a ser ressaltada é que para as crianças do circo, o circo é também trabalho, enquanto que para as crianças da escola, circo é sinônimo de brincadeira, lazer, apesar de ser uma brincadeira organizada no espaço institucional da escola. As crianças do circo relataram que enquanto estão se apresentando no picadeiro estão trabalhando, levam muito a sério, mas em alguns momentos pude perceber que elas também brincavam umas com as outras, essas brincadeiras se davam mais com trocas de olhares e sorrisos aos movimentos. É preciso, portanto, considerar o contexto sócio-histórico em que essas crianças (do circo e da escola) estão inseridas. As crianças do Reality Circus moram no próprio circo, portanto, sua realidade é muito diferente da das crianças da escola “Brincando de Circo”. Porém, a compreensão exata da relação criança-circo-trabalho-lazer, requereria um novo estudo, uma vez que esse assunto não era o foco principal da pesquisa. Contudo, fica o indicativo para uma futura investigação. Com relação às brincadeiras preferidas pelas crianças, foi constatado que as crianças do circo gostam de brincar de pega-pega, esconde-esconde, pular corda, vôlei, jogar bola, brincar com boneca, andar de bicicleta e jogar vídeo-game, brincadeiras estas nas quais as crianças da escola também brincam fora do espaço do circo. Já as crianças da escola gostam muito de brincar no trapézio, na corda e na argola, pelo fato desses equipamentos serem tão representativos do espetáculo, e, acredito que a alegria, o prazer, a diversão de estarem brincando nesses aparelhos as remeta para o mundo imaginário do circo. De acordo com as respostas apresentadas, vale ressaltar o que Faria nos fala sobre as brincadeiras: “as brincadeiras são reveladoras de um espaço de cultura, espaço de totalidade das qualidades e produções humanas, distinto do mundo natural, que produz e veicula projetos da vida humana” (2002:99). Assim, as expressões das crianças decorrem da relação com a cultura que as cerca. E para finalizar, compartilho com vocês, a fala do circense Weverton Dantas de 14 anos, que expressa o seu sentimento, sua cultura em relação ao circo: “O circo é tudo o que você imaginar, ele pode dar a vida, a alegria, tudo. O circo é minha casa. Na minha opinião o circo demonstra para o público o que as pessoas podem fazer com muito treino, pode fazer diferente, uns não conseguem fazer, mas de outra maneira conseguem, daí a gente treina bastante e pode fazer, tem dificuldade, mas com o tempo aprende treinando. Circo para mim é minha casa, meu lugar de trabalho, onde vive a minha família, circo para mim é tudo”. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS E BIBLIOGRAFIA CONSULTADA Figura 11 – O “bobo da corte” Fonte: http://puccamp.aleph.com.br/circo/circo1.htm _______________________________________________________________ REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS “Pesquisar é participar da aventura de conhecer o mundo através de diversos caminhos construídos nas interações com diferentes autores da Academia e do senso comum.” 20 Selvino Assmann ARIÈS, Philippe. História social da criança e da família. 2ª ed. Rio de Janeiro: LTC – Livros Técnicos e Científicos Editora S.A., 1981. AZANHA, José M. P. Uma idéia de pesquisa educacional. São Paulo: EDUSP, 1992. BARSA VÍDEO. O mundo fantástico do circo: o circo chegou; meu circo, minha casa. São Paulo: Enciclopédia Britânica do Brasil – EBB, 1989. BATISTA, Rosa. A rotina no dia-a-dia da creche: entre o proposto e o vivido. Dissertação de Mestrado em Educação. 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