Monografia apresentada como requisito para
conclusão da Residência Médica em Pediatria
Geral (Hospital Materno Infantil de
Brasília)/SES/DF
RELATO DE CASO
Streptococcus pyogenes: um caso de colite com
evolução para síndrome do choque tóxico.
Streptococcus pyogenes: a case of
colitis progressing to toxic shock
syndrome.
Residente: Tainá Garcia
Orientadora: Dra. Mônica Ferreira Leite
www.paulomargotto.com.br
Brasília, 25 de novembro de 2013
Introdução
• O S. pyogenes é um estreptococo beta hemolítico,
caracterizado pela presença da proteína M em sua
parede celular.
• Este micro-organismo é responsável por um
amplo espectro clínico de doenças com significativa
morbimortalidade.
• Nas últimas três décadas observou-se um
aumento cada vez maior na incidência de infecções
invasivas.
Objetivo
• Relatar
um caso de infecção invasiva por
Streptococcus pyogenes, que evoluiu com a
síndrome do choque tóxico, ressaltando aspectos
relacionados com a virulência, o quadro clínico e a
morbimortalidade.
Relato do Caso
• L.R.L, sexo masculino, 23 meses de idade,
previamente hígido, foi admitido no pronto socorro
com queixa de febre há 3 dias, associada a vômitos,
distensão abdominal e diarreia.
• Evoluiu com piora do estado geral subitamente e
início de desconforto respiratório.
• A bisavó da criança encontrava-se internada em
UTI com quadro de dor abdominal, vômitos,
hemorragia gástrica, confusão mental, sinais de má
perfusão e desconforto respiratório grave.
Relato do Caso
• Na admissão o paciente estava em mau estado
geral, hipoativo, febril (38°C), com hálito fecalóide,
taquicárdico, mal perfundido, hipotenso, pulsos
filiformes e desconforto respiratório do tipo
Kussmaul, mantendo baixa saturação de oxigênio e
rebaixamento do nível de consciência.
• Feita hipótese diagnóstica de choque séptico e
iniciado
expansão
volêmica
vigorosa,
antibioticoterapia e garantido via aérea segura
seguida de suporte ventilatório.
Relato do Caso
• Iniciado drogas vasoativas, colhido hemocultura e
realizado exames complementares:
• TGO: 265U/L e TGP: 126U/L;
• Clearance de creatinina de 51,7ml/min;
• Leucopenia (900 leucócitos) com neutropenia
(400 neutrófilos);
• Acidose metabólica (HCO3: 10,7mEq/L);
• Ampliado espectro do antimicrobiano e iniciado
reposição de bicarbonato.
Relato do Caso
• Permaneceu com hipotensão refratária a doses
altas de vasopressores e altos parâmetros na
ventilação mecânica.
• Transferido para UTIP para suporte clínico e
hemodinâmico, mantendo-se com doses elevadas de
adrenalina e noradrenalina.
• Submetido à ecocardiograma com Doppler,
evidenciando-se
disfunção
cardíaca
de
grau
moderado relacionado a disfunção sistólica de
ventrículo esquerdo.
Relato do Caso
• No terceiro dia de internação a bisavó foi a óbito,
sendo encaminhada para a necropsia.
• Iniciado clindamicina por suspeita diagnóstica de
choque tóxico estreptocócico.
• No quinto dia de internação
apresentou
estabilização dos níveis pressóricos e melhora da
perfusão periférica.
• A hemocultura
microbiano.
não
apresentou
crescimento
Relato do Caso
• Realizou TC de abdome que evidenciou ascite e
edema de alças intestinais.
• No sexto dia de internação o paciente foi
extubado com sucesso, e no dia seguinte foi
suspensa a adrenalina.
• A
CCIH
informou
que
o
diagnóstico
anatomopatológico da necropsia da bisavó foi
compatível com sepse por S. pyogenes.
• Recebeu alta da UTIP no oitavo dia de internação.
Relato do Caso
• Na enfermaria apresentou rash cutâneo
descamação de pés e mãos, corroborando
hipótese de infecção estreptocócica.
e
a
• Substituída clindamicina por penicilina cristalina.
• Nos dias subsequentes o paciente evoluiu com
melhora progressiva do estado geral recebendo alta
no 33° dia de internação, sem nenhuma
sintomatologia ou uso de medicações.
Discussão
• Evidências de aumento na incidência de infecções
invasivas causadas por S. pyogenes.
• Em crianças menores de um ano de idade o
aumento foi mais significativo.
• Portas de entrada
membranas mucosas.
mais
frequentes:
pele
e
• Principais fatores de risco para a apresentação da
doença invasiva em crianças: infecções de pele,
varicela e imunodeficiências.
Discussão
• Busca de clones bacterianos específicos que
poderiam ser responsáveis pela emergência desses
quadros invasivos.
• Vários fatores de virulência envolvidos na
patogênese do S. pyogenes foram analisados, em
especial a proteína M.
• Polissacarídeo presente na parede celular,
produzido pela decodificação dos genes emm, com
importante papel na patogênese e na virulência da
bactéria.
• Estudos
relacionaram
diferentes
genes
codificadores a um aumento no perfil de virulência.
Discussão
• Estudos em crianças mostram que o gene do tipo
emm1 predomina nas infecções invasivas por S.
pyogenes em países desenvolvidos.
• Dois estudos confirmam esses achados:
1) Estudo europeu (11 países): genes do tipo
emm1 (26%), emm12 (11%) e emm3 (10%) como
os mais frequentes.
2) Estudo francês: genes emm1 (33%), emm3
(13%) e emm12 (12%) como os mais frequentes.
• No Brasil só há dados genéticos disponíveis sobre
as infecções não invasivas, onde predominam os
genes emm 53 e emm 22 (Brasília).
Discussão
• Sintomas iniciais mais descritos: queixas gripais,
que evoluem rapidamente para quadros graves.
• Sintomas iniciais gastrointestinais, como a colite,
são descritos na literatura nos últimos 10 anos,
especialmente em lactentes jovens (menores de um
ano) e idosos.
• Esses quadros estão mais relacionados com o
desenvolvimento de doença invasiva, como a
síndrome do choque tóxico.
Discussão
• Critérios
de
estreptocócico:
diagnóstico
para
o
choque
• Cultura positiva para S. pyogenes e hipotensão
associadas a dois ou mais dos seguintes achados:
•
•
•
•
•
•
Disfunção renal;
Coagulopatia;
Síndrome do desconforto respiratório agudo;
Disfunção hepática;
Rash generalizado com ou sem descamação;
Necrose tecidual.
Discussão
• A hemocultura do paciente foi negativa.
• Estudo francês analisou 160 crianças, com
infecção invasiva por S. pyogenes e apenas
18,4% apresentaram hemoculturas positivas;
• O número de amostras colhidas aumenta a
chance de positividade;
• Na população pediátrica o volume mais
adequado de sangue a ser colhido ainda não está
bem estabelecido.
Discussão
• A celulite bacteriana e a síndrome do choque
tóxico estreptocócico, com presença de fator
epidemiológico, mesmo sem o isolamento da
bactéria, são também reconhecidas como doenças
invasivas em alguns países como o Canadá e os
EUA.
• O contato íntimo e prolongado entre membros
familiares acometidos, S. pyogenes com perfil
aumentado de virulência e hospedeiro susceptível
foram
considerados
importantes
fatores
epidemiológicos.
Discussão
• Iniciar terapêutica precoce nos pacientes com
doença invasiva por S. pyogenes com β-lactâmicos;
•
Penicilinas - primeira escolha
• Estudos atuais recomendam a associação entre βlactâmicos e clindamicina nas infecções invasivas;
• Clindamicina - bacteriostático.
Discussão
• As infecções invasivas causadas por S. pyogenes
apresentam taxa de mortalidade em torno de 4,4%
em crianças.
• 8% em menores de um ano
• Na síndrome do choque tóxico estas taxas chegam
a 27%:
• Rápida evolução clínica;
• Quadro clínico inespecífico;
• Erros na escolha do tratamento.
Discussão
• Concluindo...
• Reconhecer rapidamente os pacientes com
doença invasiva por Streptococcus pyogenes para
iniciar terapêutica precoce e suporte necessário;
• Sintomas iniciais gastrointestinais, embora menos
comuns, devem ser considerados em lactentes
jovens e idosos;
• Mais estudos sobre o perfil da virulência e os
genes associados às infecções invasivas são
necessários em nosso país para estabelecer um
perfil epidemiológico local;
• Notificação Compulsória.
Referências
1. Trabulsi, LR, Alterthum F. Microbiologia. 5ª ed. Rio de Janeiro: Atheneu, 2008.
2. Tortora GR, Funk BR, Case CL. Microbiologia. 8ª ed. Porto Alegre: Artmed, 2005.
3. Lin JN, Chang LL, Lai CH, Lin HH, Chen YH. Clinical and molecular characteristics of invasive and
noninvasive skin and soft tissue infections caused by group A Streptococcus. J. Clin. Microbiol. 2011;
49 (10): 3632-3637.
4. Antunes R, Diogo M, Carvalho A, Pimentel T, Oliveira J. Síndrome do choque tóxico por
Streptococcus pyogenes. Acta Med Port. 2011; 24(S3): 617-620.
5. Filleron A, Jeziorski E, Michon AL, Rodière M, Marchandin H. Current insights in invasive group A
streptococcal infections in pediatrics. Eur J Pediatr. 2012; 171: 1589-1598.
6. Lynskey NN, Lawrenson RA, Sriskandan S. New understandings in Streptococcus pyogenes.
Current Opinion in Infections Diseases. 2011; 24: 196-202.
7. Smeesters PR, Vergison A, Campos D, Aguiar E, Deyi VYM, Melderen LV. Differences between
belgian and brazilian group A Streptococcus epidemiologic Landscape. Plos One. 2006; 10: 01-05
8. Ekelund K, Lemcke A, Konradsen HB. Evoluation of gastrointestinal symptoms as primary sign of
severe invasive group A streptococcal infections. Indian J Med Res. 2004; 119: 179-182.
Referências
9. Arthur C, Linam LE, Linam WM. Group A beta-hemolytic streptococcal colitis with secondary
bacteremia. PIDJ. 2012; 31 (10): 1093-1095.
10. Breiman RF, Davis JP, Facklam RR, Gray BM, Hoge CW, Kaplan EL, et al. Defining the group A
streptococcal toxic shock syndrome: rationale and consensus definition. JAMA. 1993; 269 (3): 390391.
11. Brasil. Ministério da Saúde. Agência Nacional de Vigilância Sanitária – ANVISA. Manual de
microbiologia clínica para o controle de infecção relacionada à assistência à saúde. Módulo 4:
procedimentos laboratoriais: da requisição do exame à análise microbiológica e laudo final. Brasília:
ANVISA; 2013. 101p.
Agradecimentos
“Aos colegas residentes agradeço o companheirismo
e a amizade, aos preceptores agradeço o carinho e
os ensinamentos dados e aos pacientes agradeço a
oportunidade e a confiança depositada em nós.
Agradeço à Dra. Mônica Leite pela paciência e pela
sabedoria, ao Dr. Alexandre Serafim e ao Dr. Paulo
Margotto pelo vasto conhecimento compartilhado. À
Dra. Tatiane Melo e à Dra. Mariana Atanasio
agradeço a todo o apoio e dedicação.
Dr. Bruno Vaz, Dr. Jefferson Pinheiro, Dr. Filipe
Vasconcelos e Dr. Eduardo Hecht, nenhuma palavra
aqui descrita seria suficiente para expressar a minha
gratidão.“
Nota do Editor do site, Dr. Paulo R.
Margotto
Consultem também!
Sessão de Anatomia Clínica: Asma brônquica
(sepse por Streptococcus pyogenes)
Autor(es): Fabiana de Luccas dos Santos,Filipe Lacerda,
Regina Froz (Patologista), Alexandre Serafim, Diogo
Pedroso, Jefferson A. Pinheiro, Paulo R. Margotto
Infecção pelo Streptococcus pyogenes
(Estreptococo beta-hemolítico
do grupo A de Lancefield)
Diogo B. S. N. Pedroso
Jefferson A. P. Pinheiro
Infecção invasiva por Estreptococo
Beta-hemolitico do Grupo A
(SBHGA)


84 pacientes (menores 16 anos)
Após 1990 - 31% -> 62% Infecções SBHGA
◦ 1/3 das complicações bacterianas – infecções profundas
e/ou choque
Aebi, C.; Ahmed, A.; Ramilo, O. Bacterial complications of primary varicella in children.
Clin. Infect. Dis. 1996; 23:698-705.
 Givner e cols (1998) – prospectiva
 Casos de doença invasiva por SBHGA – 5 anos

1/3 – associados à varicela
Givner, L. B. Invasive disease due to group A beta-hemolytic streptococci: continued occurrence in
children in North Carolina. South. Med. J.1998;91: 333-7.
Infecção invasiva por SBHGA

(1995) Brogan e cols – Relato de 5 casos FN
em crianças com varicela
◦ Haviam sido tratadas com ibuprofeno
◦ Associação casual ou causal
◦ Recomendação
 Prudente limitar o uso de anti-inflamatório não
esteroidal (AINE) em crianças com varicela
BROGAN, T.V.; NIZET, V.; WALDHAUSEN, J.H.; RUBENS, C.E.;
CLARKE, W.R. Group A streptococcal necrotizing fasciitis
complicating primary varicella: a series of fourteen patients. Pediatr.
Infect. Dis. J., v.14, p. 588-94, 1995.
Infecção invasiva por SBHGA
Peterson e cols (1996)
 Fatores de risco para doença invasiva por
SBHGA

Asmáticos – (RR 6,0; IC95%:1,2-41)
◦ 2º caso no domicilio (RR 7,3; IC95%:2,2-25)
◦ Ibuprofeno até 5 dias antes (RR 8,3; IC95%:0,6442,2)
◦ Uso de corticosteróides tópicos (RR 2,6; IC95%:0,737)
PETERSON, C. L.; VUGIA, D. J.; MEYERS, H.; CHAO, S. M.; VOGTH, J.; LANSON J.; BRUNELL, P. A.;
KIM, K. S.; MASCOLA, L. Risk factors for invasive group A streptococcal infections in
children with varicella: a case-control study. Pediatr. Infect. Dis. J., v.15, p. 151-6, 1996.
Infecção invasiva por SBHGA


Choo e cols (1997)
89 crianças – infecções graves após varicela
(90-94)
◦ Ibuprofeno até 30 dias antes (RR 3,1; IC95%:0,119,7)
CHOO, P. W.; DONAHUE, J. G.; PLATT, R. Ibuprofen and skin and soft tissue superinfections in
children with varicella. Ann. Epidemiol., v.7, p. 440-5, 1997.
Infecção invasiva por SBHGA

Zerr e cols (1999)
◦ 19 crianças com varicela – fasceíte necrosante FN
◦ 29 controles – tb com varicela
 Uso de ibuprofeno – casos (42%) / controles
(15%)
 RR 5,0 (IC95% 1,03-26,6)
 Ajuste para sexo, idade e isolamento do
estrptococo RR 11,5 (IC95% 1,4-96,9)
 Grupo com FN – demoraram mais a procurar
atendimento médico após o início das
manifestações clinicas (1,7 vs. 0-6 dias)
ZERR, D. M.; ALEXANDER, R.; DUCHIN, J. S.; KOUTSKY, L. A.; RUBENS, C. E. A case-control study of
necrotizing fasciitis during primary varicella. Pediatrics, v.103, p. 783-90, 1999.
Infecção invasiva por SBHGA

Relato de caso – 12 anos
◦ Uso de ibuprofeno – mononucleose
◦ 15 dias após uso do AINE
 Internada – choque tóxico Streptococcus β
hemoliticus do grupo A
◦ Celulite em perna, rabdomiólise, hepatite, artrite de joelho,
derrame pleural
Pontes, T, Antunes H. Choque tóxico por Streptococcus B hemolíticus do grupo A. Acta Méd Port
2004;17:395-398.
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um caso de colite com evolução para síndrome do choque