10/11/2010
Os desafios do novo presidente na área de energia :: José
Goldemberg
Ex-ministro de Ciência e Tecnologia
O sistema energético brasileiro lembra um avião de grande porte voando sobre a
Amazônia, com o piloto automático ligado, como ocorreu com o voo da TAM alguns anos
atrás, que se chocou com um jatinho na mesma rota. A bem da verdade, o sistema
energético brasileiro está ligado no piloto automático há muitos anos e o plano de voo
só sofreu correções ao longo do tempo diante da ameaça de racionamento em 2001, no
governo Fernando Henrique, e do fiasco das termoelétricas no atual governo.
As empresas da área energética (estatais e privadas) se preocupam em gerar e
distribuir eletricidade e a Petrobras em produzir e vender petróleo, sem a menor
preocupação com o que os usuários — isto é, a população — fazem com a eletricidade
ou com o petróleo. Essa é a forma como funcionam as empresas de aviação, cuja
função é levar os passageiros de uma cidade para outra sem se interessar pelos motivos
que levam seus clientes a viajar, mas não pode ser o comportamento de empresas de
energia, cujo trabalho afeta todo o sistema produtivo e a economia do país.
Energia é um ingrediente essencial da civilização moderna e os investimentos para
garantir seu fornecimento de forma confiável são responsabilidade do poder público,
mesmo que as empresas envolvidas sejam privadas. É por essa razão que, quando se
trata de construir usinas elétricas ou perfurar poços de petróleo, faz muito sentido
perguntar como a energia será usada. Isso não tem sido feito no Brasil e o primeiro
desafio do novo presidente na área de energia é fazê-lo.
Energia não pode ser encarada, como tem sido feito até agora, exclusivamente como
problema de oferta, mas também de demanda (ou consumo) e há muito que pode ser
feito nessa área no Brasil. Nos países industrializados — logo após a crise do petróleo de
1973 —, medidas para racionalizar o uso da energia foram introduzidas com grande
sucesso. Só para dar um exemplo, sem essas iniciativas, o consumo de energia na
Europa seria hoje 50% maior.
O Congresso Nacional, em 2001, ao que tudo indica, entendeu parte do problema, ao
aprovar uma lei — só regulamentada no fim do atual governo — autorizando o
Executivo a atuar na demanda de energia, proibindo a comercialização de produtos que
não tenham um mínimo de eficiência energética. Esse método de atuar na demanda
teve enorme sucesso nos Estados Unidos (Califórnia) e em outros países, e poderia
muito bem ser aplicado no Brasil. Até agora, apenas geladeiras de baixa eficiência foram
proibidas, mas um grande número de outras ações no mesmo sentido poderiam ser
tomadas sem necessidade de mais legislação.
Sucessivos governos têm ideias fixas e atrasadas de que o consumo de energia tem que
crescer com o Produto Interno Bruto (PIB) nacional, o que simplesmente não é verdade,
dependendo do momento histórico. Quando um país está apenas despertando para a
industrialização, as obras de infraestrutura consomem muita energia, sendo natural que
seu consumo aumente com o crescimento da economia. Essa era a situação no Brasil há
50 anos. Hoje existe um parque industrial sofisticado no país e, com o desenvolvimento
da informática, pode-se fazer muito mais com menos energia. Essa é a razão pela qual
é possível fazer o PIB crescer mais rapidamente que o consumo de energia, como está
ocorrendo em muitos países. O crescimento do PIB e o da energia podem ser
desvinculados.
O novo presidente deveria analisar essas ideias e perguntar qual a finalidade real das
empresas de energia: as obras que realizam ou desejam realizar são realmente
necessárias? Para produzir alumínio? Para aumentar a produção e uso de automóveis
que fazem poucos quilômetros por litro de gasolina ou álcool? Por que não usar mais
bagaço de cana para gerar eletricidade? É de Belo Monte ou de reatores nucleares que
precisamos?
O que queremos realmente produzir no Brasil? Produtos intensivos no uso de energia?
Se a resposta a essa pergunta for positiva, as empresas deverão ter prosseguimento às
obras. Caso contrário, é preciso rever o programa de obras. Esse tipo de ação nos
levaria a adotar tecnologias e procedimentos mais eficientes e menos poluentes, mais
condizentes com os paradigmas do século 20 do que os velhos paradigmas até hoje
dominantes no setor energético.
adicionada no sistema em: 10/11/2010 02:11
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