URBANISMO SISTEMÁTICO MARIA LÚCIA ALCKMIN RESUMO Na década de 60 desenvolveu-se, principalmente nos Estados Unidos, uma nova maneira de considerar o planejamento urbano, fundamentado no conceito de modelos, próprio da física. Os modelos urbanos seriam elaborados a partir dos conhecimentos científicos das diversas ciências como a sociologia urbana, a economia urbana, a geografia, a antropologia cultural, a ecologia urbana e deveriam possibilitar a elaboração de modelos científicos que permitiriam estabelecer um diagnóstico preciso dos problemas urbanos e otimizar suas soluções. Na década de 70, face aos resultados obtidos, surge o desencanto com a eficácia sonhada para esta postura, permanece, porém, a contribuição da visão sistêmica da cidade. ABSTRACT In the 60’s a new way of considering urban planning was developed, especially in the United States. It was based in concept of models, from Physics. The urban models would be designed from scientific knowledge of the several sciences, such as urban Sociology, urban Economy, Geography, cultural Anthropology, and urban Ecology. They should enable the design of scientific models that would enable a precise diagnosis of the urban problems, and would optimize their solution. In the 70’s, in light of the results obtained, the disappointment with the efficiency expected for this posture arises. However, the contribution to the systemic view of the city is kept. 1 1. INTRODUÇÃO A intenção do presente trabalho é analisar algumas das diferentes correntes de planejamento urbano desenvolvidas sobretudo na década de 60. Para isso, englobamos sob o mesmo titulo aquelas correntes que tinham, em comum, aspectos conceituais claramente definidos, como: a base pluridisciplinar, a visão estruturalista urbana ou regional, o emprego de modelos como metodologia de trabalho e uma posição dinâmica de planejamento. Ainda que sejamos conscientes dos riscos e limitações que apresenta um trabalho desta natureza, já que engloba sob o mesmo enfoque teorias distintas, parece-nos válida esta posição para por de manifesto, de forma esquemática e simplificada, o que constituiu o “esqueleto”, por assim dizer das teorias que deram origem ao enfoque sistêmico de planejamento. 2. ENFOQUE SISTÊMICO DE PLANEJAMENTO Nos anos 60 surge, pela primeira vez, uma sólida critica ao enfoque funcionalista do urbanismo, ao mesmo tempo em que se incorporam a estas ciências diversas outras que vinham se desenvolvendo. A aplicação do funcionalismo, em sua versão racionalista, havia sido largamente utilizada no pós-guerra, quer na solução de planos metropolitanos, como no planejamento de novas cidades, e estas realizações haviam tido tempo suficiente para manifestar suas fragilidades, o que motivou a crítica e a revisão de suas posições. Parecia claro que não se podia reduzir a estrutura do fenômeno urbano a simples decomposição funcional. Por outro lado, o desenvolvimento das diversas ciências físicas, humanas, sociais e econômicas, que até então tinham se mantido, sobretudo, no terreno das ciências descritivas, passam a ter uma importância destacada na compreensão do fenômeno urbano. Um importante campo de investigação havia sido aberto pelo alemão Walter Christaller, em 1933, com a formulação da “Teoria do lugar central” , que procurava explicar as causas da formação de centros urbanos e que consiste numa série de definições e proposições, cuja 2 conseqüência lógica é a formulação de categorias que permitem a hierarquização dos centros urbanos de acordo com a sua capacidade de proporcionar bens e serviços a uma área tributária de seu entorno. As propostas de Christaller foram posteriormente reelaboradas por August Losch e outros autores já muito relacionados com o terreno da economia urbana, na qual se desenvolvem estudos sobre a localização de atividades econômicas no espaço, em função da facilidade de acesso, tanto na escala urbana como na regional. (Walter Isard, Jean Labasse...). Houve uma floração de estudos e teorias econômicas com uma inegável relação com o aspecto espacial. Recordemos, por citar algumas, “As teorias do crescimento desequilibrado” (Hirschman, Perroux, Myrdal ...) “A teoria das cadeias inter-industriais” ( Chenery e Watanabe) e muitas outras que enriqueceram os conhecimentos científicos no campo da economia urbana e regional. Paralelamente, desenvolvem-se outras ciências como a geografia urbana, a morfologia social e a sociologia urbana, que permitem uma melhor compreensão da relação entre o comportamento humano e o meio físico e urbano, em que se desenvolve. Além disto, o desenvolvimento da cibernética permitiu o desenvolvimento de alguns sistemas que possibilitavam a racionalização do processo de tomadas de decisões através da previsão sistemática das conseqüências possíveis de cada alternativa. Esta mentalidade foi, pouco a pouco, invadindo o âmbito das decisões no crescimento urbano, utilizando-se das técnicas de simulação probabilística em relação ao comportamento futuro do desenvolvimento urbano. Este procedimento se baseia nos modelos matemáticos, que procuram fazer compreensíveis e manipuláveis as variáveis internas das normas que explicam o comportamento da realidade, no setor observado. A utilização de modelos veio complementar, com uma poderosa ajuda, os métodos empíricos nos quais, até então, se baseava o planejamento sem outros limites que os ocasionados pela falta de dados, ou, a impossibilidade de elaborar hipóteses suficientemente objetivas, ou, de transforma-las em construções matemáticas. 3. UMA NOVA VISÃO DO URBANISMO Analisadas as condições que geraram a quebra do funcionalismo, estamos em situação de expor a nova visão urbanística, que pretende fazer uma síntese global harmonizando as 3 diferentes posições setoriais em uma teoria totalizadora, que permita a compreensão da complexidade urbana. Através do estudo do sistema de relações, que asseguram a coerência e a unidade ao conjunto de fenômenos estudados, surge o conceito de estrutura no urbanismo. O urbanismo encontra no estruturalismo uma nova forma de explicação científica do fato urbano. Busca-se, assim, uma resposta global, ao mesmo tempo múltipla e unitária, ao entramado de fatores interdependentes que se dão entre as diversas partes e funções da cidade. Diversos investigadores, principalmente nas universidades americanas, aprofundam seus estudos sobre a estrutura urbana, sendo obrigatória a referência a Kevin Lynch, Christopher Alexander, Peter Eisenman, Albert Guttemberg, Donald Foley e Melvin Webber, e chega-se a um conceito de estrutura urbana como um processo em constante evolução, face ao conceito quase estático da teoria funcionalista. O grupo britânico de Colin Buchanan fez uma interessante classificação metodológica para o planejamento, utilizando o termo “estrutura urbana” para designar exclusivamente o marco físico da região urbana, e o termo sistema”, para descrever a fusão deste marco com as atividades que nele se desenvolvem. Chadwick e Mc Loughlin utilizam- se desta classificação para aplicar a Teoria Geral de Sistemas ao planejamento urbano. Passa- se a conceber a cidade como um sistema, cujos componentes são as áreas de atividades e usos do solo, e cujas conexões são as formas de comunicação, especialmente os canais de tráfego. Um sistema assim concebido é susceptível de tratamento matemático. Esta visão leva à geração de um novo plano diretor e ao estabelecimento de uma metodologia de planejamento rigorosa e sistemática. Em síntese, o que se buscava era potenciar os métodos de diagnóstico da realidade, permitindo a formulação de metas e objetivos claramente definidos e assim estabelecer as possíveis alternativas de ação, cujas conseqüências e efeitos poderiam ser constantemente avaliadas e selecionadas, por meio de modelos matemáticos. Propõe-se , ainda, a necessidade de uma constante revisão do plano que se entende como um processo dinâmico, que através de mecanismos de controle permita detectar os desvios e comparalos com as metas originais. Chadwick, em sua obra: “Una visión sistemica del planeamiento” afirma: “El planeamiento es un sistema conceptual general. Creando un sistema conceptual interdependiente del sistema 4 real, pero correspondiente a el, podemos intentar comprender el funcionamiento de los procesos y los cambios y, en consecuencia podemos detectarlos antes que se produzcán y, por ultimo, evaluarlos: podemos implicamos a nosotros mismos en la optimación de un sistema real buscando la optimacón del sistema conceptual correspondiente”. A observação intencional de uma cidade ou região nos mostrará que é impossível estudar qualquer uma de suas partes de forma independente, já que há entre elas fortes conexões, estabelecendo um sistema geral urbano ou regional. De fato, se tentarmos estabelecer uma nova zona residencial na cidade, deveremos ter em conta a criação de empregos, a infra-estrutura necessária, os transportes que vão relacionar esta nova área com os serviços e comércios existentes, etc. . Esta preocupação pela interdependência entre os diversos fatores urbanos, é o que dá origem à visão sistêmica de planejamento, adotando assim, o ponto de vista da teoria de sistemas para se posicionar frente aos problemas urbano-regionais. Nesse enfoque podemos identificar as seguintes etapas: análise ; formulação de metas e estabelecimento de objetivos; formulação dos problemas; possíveis soluções , avaliação e seleção ; efetivação da solução adotada. 4. A UTILIZAÇÃO DA TEORIA DE MODELOS O enfoque sistêmico do urbanismo caracteriza- se, como vimos, pelo tratamento interdependente e estrutural da complexa realidade urbana, com uma clara intenção de rigor científico. Para isto utiliza-se de modelos, que foram importantes instrumentos para o desenvolvimento da ciência urbanística. O desenvolvimento da “Teoria dos Jogos e da Matemática Moderna”, juntamente com as técnicas de simulação de processos, faziam supor a possibilidade de construir modelos sofisticados e complexos que reproduzissem a realidade urbana e regionais, possibilitando o conhecimento , quase exato, das situações futuras, previstas através das escolhas alternativas. Isto possibilitaria que se tomassem decisões racionais e cientificas, que permitissem um controle real e efetivo sobre o processo de desenvolvimento urbano e regional, orientando-o na direção previamente estabelecidos pelo plano de metas e objetivos. Estas posições constituíam uma verdadeira inovação no campo do planejamento urbano e 5 regional e despertaram interesse dos urbanistas e planejadores da época. A simplicidade do modelo, em relação à realidade referida, se consegue através da supressão do circunstancial, considerando-se somente o que é essencial, em relação ao objeto de estudo. São aproximações seletivas, que permitem a apreensão dos aspectos fundamentais, necessários e característicos do mundo real, a partir de seus elementos acidentais. Um modelo deve ser bastante simples para poder ser compreendido e manejado com facilidade, mas deve, ao mesmo tempo, ser suficientemente representativo da situação que simula. Outra característica importante dos modelos, é que serão estruturados no sentido de que os aspectos significativos da “malha” da realidade são analisados através de suas interconexões. Assim, pois, um modelo é uma estruturação simplificada da realidade que, se supõe, apresenta de forma generalizada, aspectos e relações significativos dessa mesma realidade. É necessário considerar, ainda, que além dessas duas características essenciais de um modelo (caráter simplificado e estrutural), sua construção pressupõe, também, o emprego de uma teoria que explique parte ou a totalidade das relações estabelecidas no mesmo. Portanto, as soluções derivadas do modelo não são mais que a conseqüência da aplicação de uma teoria que busca explicar a realidade. A “Town and Country Planning Act” ,de 1968, cria condições propicias para o desenvolvimento de modelos como instrumentos adequados para a avaliação dos planos diretores, e para o processo de acompanhamento e controle dos mesmos. As Universidades americanas eram as mais preocupadas com os estudos e desenvolvimento dos modelos e ali, grande número de investigadores para estudar esta nova forma de enfocar o urbanismo. 5. ELEMENTOS CONCEITUAIS DO ENFOQUE SISTÊMICO Pluridisciplinariedade: O desafio desta visão do urbanismo consiste na obtenção de um corpo disciplinar unitário, aplicável ao espaço urbano ou regional, das contribuições teóricas das diversas ciências relacionadas à vida urbana: Economia Urbana, Antropologia Social,, Ecologia Social, Morfologia Social, Geografia Urbana, etc... Independente da complexidade 6 deste desafio, não há dúvida que o desenvolvimento do enfoque sistêmico foi o que proporcionou ao urbanismo uma abordagem pluridisciplinar, inexistente anteriormente. Estruturalismo: As visões setoriais, e até certo ponto sem interrelações do funcionalismo, enriquecem-se com a adoção do conceito de estrutura e com o estudo do sistema de relações que dão unidade e coerência aos conjuntos analisados. O tratamento holistíco da cidade está garantido através do estruturalismo, evitando as visões unilaterais, parciais e desconexas, anteriores. Cidade como sistema: É precisamente a estratégia de considerar a cidade como um sistema e o recurso à Teoria Geral dos Sistemas oque permite que essa concepção do urbanismo enfrente o desafio de integrar o conjunto das contribuições pluridisciplinares, em um corpo disciplinar unitário. Esta visão é conseqüência necessária do enfoque estruturalista. Modelística: Ante a complexidade da estrutura urbana real, os modelos pretendem oferecer uma visão simplificada e inteligível da cidade. As possibilidades de poder analisar, mediante modelos, as conseqüências previsíveis das estratégias adotadas para a intervenção urbana chegou a seduzir os defensores desse enfoque, o que, até certo ponto, levou a uma produção indiscriminada de modelos, que posteriormente foram rejeitados. Essa experiência nos possibilita uma melhor delimitação da validade e do uso dos modelos. Metodologia: A utilização dos modelos exige clareza metodológica de forma a permitir tomada de decisões com certo rigor científico. Isto também é necessário para a articulação de diversas disciplinas, em um processo único. Dinamismo: Esta é, sem dúvida, outra das grandes contribuições conceituais do enfoque sistêmico. Concebe-se o planejamento, no contexto urbano e regional, como previsão da ação humana dentro de uma ordem ou sistema que se manifesta através da regulamentação do uso e aproveitamento do solo e dos meios de comunicação. Como a cidade e a região são sistemas dinâmicos, o planejamento é considerado como um processo cíclico, cuja eficácia depende da capacidade de adaptação às variáveis. 6. BALANÇO DO ENFOQUE SISTÊMICO No auge do enfoque sistêmico para o tratamento dos problemas urbanos, chegou-se a pensar que os modelos seriam capazes de criar uma visão de síntese global, que 7 harmonizaria as contribuições setoriais, em uma construção teórica totalizadora. Pensava-se que o planejamento, após uma etapa pré-científica e utópica, própria das propostas da cidade ideal do séc. XIX e inicio do séc. XX, e após a etapa racionalista do período funcionalista, havia conseguido a necessária maturidade correspondente a uma etapa científica. Conseqüentemente, a busca do ótimo, com posicionamentos claramente tecnocráticos, foi uma constante durante os anos de euforia com o posicionamento sistêmico. Entretanto, se houve euforia, houve também desencanto. Esse momento poderia ser caracterizado pela publicação do artigo de D.B. Lee, em abril de 1972: “Requiem for large scale models”, no “ Journal of the American Institute of Planners”. Hoje, podemos afirmar que a posição otimista, derivada de um ingênuo cientificismo, não teve em conta a diversidade de grupos de interesses existentes na cidade, nem o fato de que essa não é uma realidade homogênea, que permita interpretações únicas. A coerência conceitual implícita em um processo de planejamento asséptico, regido por uns modelos que iam mostrar a direção “ótima”, desapareceu e, com ela, o encanto e a transcendência que inicialmente tinham para o planejador esses valiosos instrumentos. Ficou claro que o planejamento não é mais que uma estratégia a serviço de uns objetivos que, sem uma clara definição política, torna-se contraditório ou inútil. É preciso, ainda, considerar que a construção da cidade deve se orientar segundo princípios democráticos, que permitam a participação dos cidadãos no estabelecimento dos objetivos e nas demais fases do processo de tomada de decisões, garantindo, entretanto, sua operacionalidade com a adequada instrumentação que permita leva-lo à prática. Observa-se, também, que o enfoque sistêmico de planejamento, não se preocupava pelo aspecto morfológico da cidade, ou seja, pelo resultado formal concreto gerado pelas intervenções urbanas. Sua posição está muito mais próxima da atividade planejadora que da etapa do desenho urbano, tarefa primordial do arquiteto. Porém, sem dúvida, a visão sistêmica do planejamento, com suas técnicas quantitativas e o uso de modelos, ainda que dê margem a más interpretações e à sobre-valorização destes instrumentos, permite uma compreensão e análise da realidade que podem se muito sugestivas para a ação, porque facilita o trabalho de síntese, indispensável para o urbanismo. 8 7. REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA CHENERY, Hollis B.- A model of development alternatives, 1967, Ed. J Ward, Chicago. CHORAFAS, D.N. - Systems and simulation, 1965, New York. CHORLEY Y HAGGET. - La Geografia de los Modelos Socio Economicos, 1971, IEAL Madrid. HARRIS, B.- Modelos de Desarrollo Urbano, 1975, Ed. Oikos-Tau, Madrid. REIF, Benjamin - Modelos en la Planificación de la Ciudad y Regiones, 1978, IEAL Madrid. 9