INVESTIGAÇÃO-AÇÃO EM CIÊNCIAS: A REFLEXÃO COMO CATEGORIA FORMATIVA DE PROFESSORES Vanessa Aina Person (Bolsista PIBIC/CNPq. Estudante de Graduação em Ciências Biológicas: Licenciatura - UFFS, Campus Cerro largo – RS. [email protected]) Roque Ismael da Costa Güllich (Professor Adjunto da Universidade Federal da Fronteira Sul - UFFS. Professor Pesquisador Líder do GEPECIEM/UFFS. Coordenador do PIBIDCiências. [email protected]) Resumo O presente artigo analisa em que medida a reflexão torna-se uma categoria formativa ao passo que vai sendo estabelecida uma proposta inovadora para o ensino de Ciências no que se refere ao modelo de formação e ação docente, partindo de um processo interativo e compartilhado entre escolas e Universidade: uma investigação-ação. A presente discussão apresenta uma análise do processo formativo desencadeado no ano de 2010, na Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS), desenvolvido de modo conjunto entre escolas municipais, estaduais e particulares do município sede. O projeto analisado era denominado: “Ciclos Formativos no Ensino de Ciências e Matemática” e buscava articular formação inicial e continuada de professores de Ciências, a formação continuada de professores de Matemática, bem como a própria formação dos professores formadores da Universidade, com o objetivo de formar sujeitos críticos capazes de investigar/analisar a própria prática docente, refletindo sobre ela. O texto está disposto de modo a discutir as categorias investigadas: - o diálogo formativo como categoria de formação de professores de Ciências e - a investigação-ação como um modelo de formação de professores. O processo tende a mostrar que a transformação das ações, currículos e práticas é instituída pelo diálogo formativo desencadeando nos participantes a reflexão, por conseguinte constituindo outros caminhos e possibilidades formativas. 22 a 24 de maio de 2013 Página 1 Palavras-chave: Investigação-formação-ação, Formação inicial, Formação continuada, Ensino de Ciências, Diálogo formativo. Introdução A educação no Brasil ainda insiste em seguir os passos da pedagogia tradicional e técnica, em que para tentar aprimorar os conhecimentos dos professores lhes são dadas receitas prontas, sem debater e analisar os processos de ensino e aprendizagem. Investigar processos de formação/constituição de professores é pauta especial entre os pesquisadores em educação. Com o advento da investigação-ação instituída como um mecanismo viável a fundamentar programas e ações voltados especialmente à formação de professores e aceita como metodologia de pesquisa científica em educação, processos e programas baseados nessa metodologia tem sido expandidos por todo o Brasil, cabe a nós pesquisadores investigar de que modo esta metodologia tem articulado os processos formativos/constitutivos dos sujeitos e em que medida a reflexão passa a ser uma categoria formativa de professores. A investigação que estamos apresentando a discussão visa reconhecer o papel da reflexão no processo de formação de professores, seja ela inicial ou continuada, na possível melhoria das práticas pedagógicas no ensino de Ciências. Participam do grupo de formação três categorias de sujeitos distintas: licenciandos, professores de escola e professores da Universidade, cujo formato de interação está descrito por Zanon (2003 [grifos da autora]), como tríade de interação. Metodologia Utilizamo-nos da análise dos diálogos apreendidos em turnos de falas durante os processos formativos desencadeados nos encontros do Grupo de Estudos e Pesquisa no Ensino de Ciências e Matemática (GEPECIEM), por ocasião do desenvolvimento de um projeto de formação já mencionado, que foram gravados e transcritos do ano de 2010. 22 a 24 de maio de 2013 Página 2 Foram pré-analisados três encontros formativos do grupo em questão, dos quais selecionamos um encontro, e por fim, alguns episódios para análise. Fizeram parte de nossas buscas para categorização temática dois tipos de modalidades formativas: diálogo formativo, o processo de espelhamento de práticas e a sistematização de práticas. Buscando reconhecer a reflexão transcorrida no processo formativo que o grupo vivenciou, selecionamos um encontro desenvolvido a partir da mediação com o texto Educar pela Pesquisa: Exercício de aprender a aprender de Roque Moraes (2002) que levou os sujeitos a procederem com a análise e sistematização de suas práticas. A análise empreendida tomou como referência o processo microgenético abordado por Góes (2000) e a abordagem histórico-cultural de Vigotski (2001), como matriz de referência para situar no discurso dos sujeitos indícios, marcas e referências ao processo formativo e experiencial que nos permitisse perceber como a reflexão constitui os sujeitos professores em formação e dessa forma vai se instituindo no processo como categoria formativa. Nesta investigação analisamos os diálogos de um encontro de formação em que participaram 11 professores formadores da UFFS, 36 licenciandos do Curso de Graduação em Ciências: Biologia, Química e Física – Licenciatura, bem como 15 professores de educação básica da área de Ciências e Matemática do município de Cerro Largo-RS, todos considerados professores em formação. Todos os sujeitos consentiram em participar da pesquisa através de termo de consentimento livre e esclarecido seguindo, desta forma, os preceitos éticos da pesquisa com seres humanos. Garimpando indícios para compreender processos formativos dos sujeitos Na história da formação continuada de professores de Ciências podemos citar alguns processos que nos levam a compreender a importância da reflexão na formação do sujeito professor. Nas décadas de 60 e 70 verificamos a forte presença de cursos de reciclagem ou treinamento associados à racionalidade técnica, modelo este que separa a 22 a 24 de maio de 2013 Página 3 teoria da prática. Neste contexto o ensino é considerado tradicional, os professores com formação precária ou inadequada e a escola despreparada em termos de recursos materiais fazem do cenário um processo pouco viável ao pleno desenvolvimento da educação. A década de 80 foi marcada pela profissionalização em serviço dos professores, a explosão escolar trouxe para o ensino uma massa de indivíduos sem as necessárias habilitações acadêmicas e pedagógicas, criando desequilíbrios estruturais extremamente graves e proliferam propostas de formação rápidas e de curta duração. Já na década de 90 houve um avanço em relação à tecnologia, mas o modelo de formação e de ensino ainda permaneceu centrado na racionalidade técnica por longos anos (ROSA, 2004). No século XXI inicia-se um processo de inovação dos modelos formativos, momento em que também são desencadeados os primeiros programas de formação que tem como conceito a ideia de formação permanente em substituição aos cursos de curta duração. Em tempos contemporâneos a reflexão é o conceito mais utilizado por pesquisadores e formadores de professores quando se refere às novas tendências da formação de profissionais da educação. Esta categoria formativa atual e inovadora já vem sendo constituída por Dewey no início do século XX, onde definia o que é a ‘prática reflexiva’ (GARCÍA, 1995). Tratando de distinguir o ato humano em reflexivo ou rotineiro, Schnetzler (2000, p. 25) define: a ação reflexiva é um processo que implica mais do que a busca de soluções lógicas e racionais para problemas, envolve intuição, emoção; não é um conjunto de técnicas que pode ser empacotado e ensinado aos professores. A busca do professor reflexivo é a busca do equilíbrio entre a reflexão e a rotina, entre o ato e o pensamento. A despeito dos modelos de formação sabemos que muito do que se tinha em termos de formação através de cursos de curta duração, voltados à atualização e/ou a ensinar diferentes metodologias de ensino continuam sendo propagados nos tempos atuais, porém com o avanço de pesquisas educacionais e o surgimento da ideia da prática como racionalidade possível de empreender outros modelos de formação, é possível 22 a 24 de maio de 2013 Página 4 pensarmos cada vez mais em processos formativos que partem dos contextos práticos, das vivências docentes e que tem como mola propulsora a investigação-ação. O modelo que estamos investigando visa superar a ideia da educação como ciência aplicada, daí vem o conceito de parceria colaborativa a partir da interação entre os sujeitos em formação. Ademais nos baseamos também no conceito de reflexão-na-ação, definido como: “processo mediante o qual os profissionais (os práticos), nomeadamente os professores, aprendem a partir da análise e interpretação da sua própria atividade” (GARCÍA, 1995, p.60). Para que haja de forma efetiva a melhoria da qualidade da educação na perspectiva da reflexão crítica, algumas etapas são consideradas de suma importância como: a disposição e persistência do professor em participar do processo; descrever e analisar situações da sala de aula e da escola; planejar ações; comunicar e partilhar ideias com outros colegas, reconhecendo assim, a formação docente como um processo inacabado, ou seja, há a necessidade de estar em constante aprendizagem. De acordo com Imbernón (2010), o professor é considerado a peça principal de qualquer processo que pretenda uma inovação verdadeira do processo educacional. Buscamos investigar mecanismos que demonstrem como os problemas da realidade profissional, através do compartilhamento de experiências, podem facilitar a formação de sujeitos mais críticos e capazes de ter atitudes próprias em relação à profissão docente (ação) através da reflexão, como um caminho de investigação da prática. Compreendemos os encontros que analisamos do GEPECIEM como encontros compartilhados de formação, pois esses partem das diferentes experiências de sujeitos, dando ênfase aos diálogos formativos que principiam a progressiva reflexão dos sujeitos envolvidos. O diálogo, a nosso ver é uma marca indicial de que a reflexão começa a ser efetivada no processo formativo e desta forma, passa a caracterizar certo desenvolvimento em relação ao modelo de investigação-ação. Assim, passamos a discutir como o diálogo passa a constituir os sujeitos e a adensar a reflexão de professores em 22 a 24 de maio de 2013 Página 5 formação que partilham um ambiente coletivo e colaborativo e neste sentido, torna-se uma categoria indispensável à formação. O diálogo formativo como categoria indispensável à formação de professores em Ciências Ao ler o texto: “Educar pela pesquisa: exercício de aprender a aprender”, os integrantes do GEPECIEM puderam analisar e discutir suas próprias práticas ao refletir as situações semelhantes e discrepantes ao texto, desencadeando o processo que identificamos como espelhamento de práticas, descrito na literatura por Schön (1992); Silva e Schnetzler (2000); Güllich (2013). Ao analisarmos os diálogos entre os professores podemos destacar turnos de falas que nos remetem a essa ação dos sujeitos: T1: Começo a falar da importância de três instrumentos culturais que envolvem o fazer pesquisa, que é a linguagem, pela fala e pela escrita e também a leitura (Professora Formadora 6, 2010). T2: E acredito também que essa discussão vem muito ao encontro da discussão da Professora Formadora 3 (2010), que trabalhou a questão da resolução de problemas, que nós vimos que também é importante a fala, é importante também o aluno se posicionar, é importante essa articulação entre o aluno e professor, que também é importante no educar pela pesquisa (Professora Formadora 6, 2010). T3: Para que algo possa ser aperfeiçoado, é preciso criticá-lo, questioná-lo, perceber seus defeitos e limitações. Então por que não deixar o aluno perguntar, o aluno trazer o problema, para que efetivamente se saiba qual é a dúvida que o aluno tenha. Oportunizar os momentos de fala, e isso, acredito que cada vez é mais difícil romper com o ensino que é tradicional. Eu sinto isso em sala de aula, quando se propõe para que o aluno pergunte, para que o aluno fale muitas vezes se tem o silêncio (Professora Formadora 6, 2010). T4: Se vocês começassem lá no ensino, nas primeiras séries começar a fazer isso [...] é difícil fazer o aluno falar, ele não quer falar, tem vergonha, medo de errar, eu acho que se isso começasse lá nas séries iniciais, o aluno até pede para o colega falar sua dúvida, mas não pergunta em voz alta para o professor (Professora 3, 2010). T5: Normalmente ele pergunta para aquele colega em que ele tem mais afinidade, ele tem medo do questionamento dos outros, o que os outros vão falar, tem toda essa questão, vergonha (Professora 3, 2010). T6: A escola pode representar para o aluno, na verdade um lugar de repressão, nós somos por vezes, desde as séries iniciais, chamados a nos calar, a responder no semestre seguinte, no ano seguinte, na próxima aula e o aluno, esses quatro autores trabalham isso, e sobre isso vai se calando, a escola que deveria ser a escola da pergunta, acaba sendo a escola só da resposta, como se no silenciamento a gente pudesse interpretar tudo o que existe (Professor Formador 1, 2010). T7: Eu queria levantar só uma citação quando a Professora Formadora 6 (2010) colocou a importância de o aluno perguntar, às vezes a gente fica dando a aula não é?, e não consegue migrar talvez para outra prática. Eu trabalhei muito tempo e gosto da perspectiva do educar pela pesquisa, mas no ensino médio e também no ensino fundamental, então um movimento que a gente sofre, o professor sofre, eu me senti assim, como é que eu paro o meu conteúdo para fazer uma atividade com pesquisa? E ai talvez esse exemplo possa nos ajudar a pensar um pouco. [...] É um jeito muitas vezes da gente lincar o modo de fazer, porque começar fazer um modelo de pesquisa ou de autopesquisa como a Professora Formadora 6 (2010) vem falando pode parecer muito simples, mas na hora da prática é muito difícil, a gente se sente 22 a 24 de maio de 2013 Página 6 muito aprisionado ao conteúdo. Eu estou dizendo isso porque eu me senti assim por muitos anos, me sinto até hoje, o conteúdo tende a aprisionar o professor, então tem que achar formas de encaminhar [...] Mas a escola tem um contexto bastante, que não permite muito espaço para discussão. (Professor Formador 1, 2010). No turno T1, a Professora Formadora 6 (2010), destaca a importância do fazer pesquisa em sala de aula, partilhando das ideias postas pelo autor do texto, também destaca a importância do aluno se pronunciar e participar efetivamente da aula, viabilizando em contexto de ensino a significação conceitual. Mais tarde, no turno T2, cita a discussão de outra professora, momento em que espelha sua prática para enfatizar a importância do aluno ser pesquisador e crítico e, expõe a dificuldade da inovação na aprendizagem, quando expressa no T3 que: “cada vez é mais difícil romper com o ensino que é tradicional”. Nos turnos T4, T5, T6 e T7 percebemos que a partir da temática apresentada pela Professora Formadora 6 (2010) é desencadeada uma discussão que leva a reflexão sobre as práticas dos professores presentes, que foi mediada pelo texto e principalmente, pela fala dos sujeitos – desencadeia nos professores o pensamento sobre a interação alunoprofessor. O diálogo assume um papel importantíssimo, Alarcão (2010, p. 49) nos aponta que podemos encontrar um triplo diálogo: “um diálogo consigo próprio, um diálogo com os outros incluindo os que antes de nós construíram conhecimentos que são referência e o diálogo com a própria situação”. Esse diálogo passa do nível meramente descritivo a um nível explicativo e crítico que permite aos profissionais do ensino agir e falar com o poder da razão. Ao espelharem as práticas os professores se distanciam e ao mesmo tempo se aproximam da realidade em que vivem, conseguem visualizar nas falas de seus colegas as suas práticas de ensino bem e mal sucedidas. A recorrência com que os professores citam um ao outro nos permite afirmar que pelo jogo de perguntas e respostas (um colega fazendo citação da fala do outro) está ocorrendo o processo que denominamos diálogo formativo. Acreditamos que além do contexto situado (de formação compartilhada num coletivo docente), as condições para que o diálogo seja formativo, possa ser desencadeado e fluir, passa necessariamente, por instrumentos de 22 a 24 de maio de 2013 Página 7 reflexão, tais como o espelhamento das práticas, provocado de modo intencional no grupo de formação com esta finalidade. É importante salientar também que nos turnos T3, T4, T5, T6 e T7 a discussão está situada em torno da importância da fala, do diálogo na formação dos estudantes, ou seja, para que o processo de ensino torne-se significativo. Os professores pormenomerizam dilemas que envolvem a questão, como em T5: “ele tem medo do questionamento dos outros, o que os outros vão falar, tem toda essa questão, vergonha” e também que apontam para os entraves que causam os problemas que passam na discussão, como em T7: “Eu estou dizendo isso porque eu me senti assim por muitos anos, me sinto até hoje, o conteúdo tende a aprisionar o professor, então tem que achar formas de encaminhar”, em que o Professor Formador 1(2010) afirma que muitas vezes os conteúdos aprisionam nosso fazer docente deixando o modelo de aula mais tradicional e limitando a discussão no contexto de ensino. A Professora Formadora 6 (2010), no turno T3, fala exatamente da questão de romper com o ensino tradicional, dando voz aos alunos: “para que algo possa ser aperfeiçoado, é preciso criticá-lo, questioná-lo, perceber seus defeitos e limitações. Então, porque não deixar o aluno perguntar, o aluno trazer o problema, para que efetivamente se saiba qual é a dúvida que o aluno tenha”. Quando conseguimos romper com a barreira tradicional envolvendo os alunos na pesquisa em sala de aula, os tornamos sujeitos ativos, críticos, capazes de questionar e perceber que não há uma ciência acabada, que a realidade não esta pronta e é este modelo que apresentamos/passamos através do ensino que propomos. Moraes (2002) compreende a pesquisa em sala de aula como um ciclo onde o questionamento, a construção de argumentos e a comunicação andam juntas, o que favorece um modelo de ensino investigativo e contextual. O trabalho colaborativo que envolve os integrantes do GEPECIEM, através de ações formativas mediante o exercício reflexivo e crítico de suas práticas, representa oportunidade para que os docentes possam reconstruir suas ações tendo por objetivo maior competência profissional e realização como profissional docente. Esse processo 22 a 24 de maio de 2013 Página 8 cria oportunidades para que sejam externalizados, pelo diálogo, sentidos e significados, ajudando a reorganizar estruturas já fixadas que eram parte de suas rotinas e que passam, aos poucos por uma série de transformações (IBIAPINA, 2008). A investigação-ação passa a ser uma estratégia utilizada pelos professores em formação e em exercício, e através de reflexões e ações os promovem de professores reprodutores de informações para pesquisadores e reflexivos - investigadores - de suas próprias práticas. À medida que um processo de formação de professores pela via colaborativa avança, fluem também novas rotas dialógicas e o modelo parece ir tomando forma o que possibilita uma constante reconstrução, é essa dinâmica e modelo que passamos a examinar nesta parte da discussão. A investigação-ação como um modelo de formação de professores em constante reconstrução No desejo de superar a relação linear e mecânica entre o conhecimento científicotécnico e a prática em sala de aula, Pérez-Gómez (1995, p. 100), nos conduz a rever as atitudes como profissionais do ensino: “o que não podemos é considerar a atividade profissional (prática) do professor, como uma atividade exclusiva e prioritariamente técnica. É mais correto encará-la como uma atividade reflexiva e artística, na qual cabem algumas aplicações concretas de caráter técnico”. Investigar a prática de ensino implica ao professor compreender a natureza de seus problemas, e como vimos não se trata de pesquisar individualmente apenas, mas em grupo, compartilhando as vivências e experiências. A colaboração do grupo torna-se um aspecto fundamental para o sucesso das atividades docentes. Esse modelo conhecido como espiral autorreflexiva da investigação-ação, em que a cada volta que é dada na espiral, são situados momentos que conformam planejamento, ação, observação e reflexão. A investigação educativa não pode ser constituída por meio de um processo solitário, individual, pois é na interação entre os sujeitos que as concepções se refazem, 22 a 24 de maio de 2013 Página 9 redimensionando os saberes práticos (ROSA, 2004, p.20). Passamos a analisar como os professores encaram essa nova perspectiva de formação: T8: Isso é um grande desafio, como mudar a formação do professor? (Professor Formador 1, 2010). T9: O trabalho que eu fiz na dissertação foi justamente esse, defender espaços de formação pela pesquisa, porque se o professor não tem esses espaços na sua formação, ele não vai entender a importância da pesquisa depois em sua sala de aula, então esses espaços tanto na formação inicial, quanto na formação continuada, porque como o Professor Formador 1 (2010) disse, pode até parecer um movimento que é simples, mas não é, você precisa ter um preparo, precisa ter um mediador também que ajude nesse processo de ensino, então alguém que já esta fazendo isso talvez na sua prática [...] (Professora Formadora 6, 2010). T10: Essa pesquisa pode acontecer em duas disciplinas. Deveria né (Professora 3, 2010). T11: É, na verdade o que se defende no educar pela pesquisa sim, ele sendo um princípio de método, não sei se é método de ensino, tanto disciplinas específicas quanto não, só com certeza isso é difícil. É difícil se conseguir fazer essa prática (Professora Formadora 6, 2010). T12: Tu tens uma escola com pesquisa, o grande diferencial é como fazer uma escola com pesquisa. Eu diria que é método sim, eu citaria o educar pela pesquisa em três possibilidades, um delas é como metodologia de ensino na sala de aula, que não é a única, mas é uma possível, de ensinar qualquer disciplina, então uma perspectiva é metodologia, outra perspectiva é como formação do professor, nós. O educar pela pesquisa é um modo de formar o professor também, é um modo de fato de formar. E uma terceira dimensão é fazer pesquisa, fazer pesquisa mesmo, e uma coisa é a nossa formação pela pesquisa, outra coisa é o ensinar pela pesquisa e outra coisa é eu fazer pesquisa, que seria o que, eu pesquisar minha própria prática, eu no geral diria assim, no mínimo três blocos para poder enxergar a dimensão da pesquisa, agora o que a Professora 3 (2010) disse é muito importante, e as outras disciplinas? E o contexto da escola? [...] (Professor Formador 1, 2010). T13: Eu vejo um problema que está em a escola parar, sentar, conversar e discutir a questão que daí entra a formação [...]. Esses dias eu achei interessante, não sei se foi aqui ou noutra palestra, bem, mas qual a linha que eu sigo? Como educador, que linha que eu sou? Professor construtivista? Nem o professor tem clareza quanto a isso, nem a escola, então cada um trabalha de um jeito, tem que ter um momento de parar e assumir enquanto escola esse papel. Tentar ali o pessoal, tentar trabalhar dessa forma, só o que o problema que se enfrenta é assim, que cada ano a questão sempre volta a falar, não existe professor de escola, não existe professor daquela escola, eu tenho mais de uma, então tu trabalhar, desenvolver e o grupo caminhar juntos é um dos fatores talvez onde tem esse problema. (Professora 3, 2010). T14: Então eu vejo assim, que a escola toda não trabalha na mesma direção, não tem como você falou, não tem uma proposta (Professora 10, 2010). T15: Situar uma proposta pedagógica é uma tarefa também difícil, mas o exemplo que a professora pode abordar Professora 10 (2010),é a partir do projeto podemos situar a escola, alguém precisa ser a bomba relógio lá dentro, tem que ter o estopim, porque as mudanças são assim[...]. A pesquisa, o educar pela pesquisa é uma das possibilidades de situar o processo pedagógico em uma escola, mas pode se situar por outros. Eu vejo um gargalo muito grande, os professores de algum modo se acomodam e não querem desafiar a escola a pensar sua proposta, porque a gente esta cheio de coisas para fazer (Professor Formador 1,2010). T16: Eu gosto muito de fazer isso, pesquisar, fazer entrevistas, ir a campo, principalmente sétima série o assunto é o pasto, eu tive uma aulinha com eles, eles estavam todos acostumados pergunta, resposta, pergunta resposta que no final do semestre eles começaram a gostar; perceber que a pesquisa, o trabalho, apresentar, debater, essas coisas eles não queriam (Professora 10,2010). 22 a 24 de maio de 2013 Página 10 No T8 o modelo de investigação-ação, é considerado pelo Professor Formador 1 (2010) um grande desafio, “como mudar a formação do professor?”. Essa é uma preocupação também compartilhada pela Professora Formadora 6 (2010) que afirma não ser um movimento simples. Entre os diálogos dos professores de escola e da universidade, percebemos que o educar pela pesquisa, a investigação-ação se tornam modelos difíceis de serem vivenciados na escola e que é também difícil romper com o ensino tradicional. Trata-se de problemas relativos à autonomia docente e a organização pedagógica da escola e desse modo, como não estão inseridas no projeto pedagógico, outros professores não compreendem a importância de investigar e refletir, de ensinar com uma característica distinta no tratamento das informações e metodologias. Nos turnos T13, T14 e T15, os professores de escola e o formador percebem e concordam com a dificuldade de implantar dentro da escola uma proposta pedagógica que faça a diferença ao ensinar Ciências e em outras áreas também. Dúvidas e insegurança estão presentes na fala da Professora 3 (2010), quando no turno T13, manifesta: “como educador, que linha que eu sou? Professor construtivista? Nem o professor tem clareza quanto a isso, nem a escola, então cada um trabalha de um jeito. Então tem que ter um momento de parar e assumir enquanto escola esse papel”. Isso mostra a problemática do individualismo dentro da escola, a ausência de um grupo que seja responsável por tomar decisões a esse respeito e a carência dos sistemas escolares em formar equipes pedagógicas e seus professores. Outro ponto importante na discussão é a falta de tempo dos professores, sobrecarga de trabalho e a lotação de servidores em escolas diferentes. No turno T15 o Professor Formador 1 (2010), destaca que: “os professores de algum modo se acomodam e não querem desafiar a escola a pensar sua proposta, porque a gente esta cheio de coisas para fazer”. A partir do turno T16: “eles estavam todos acostumados pergunta, resposta, pergunta resposta que no final do semestre eles começaram a gostar; perceber que a pesquisa, o trabalho, apresentar, debater, essas coisas eles não queriam (Professora 10,2010)”, podemos inferir que a pesquisa como modelo de ação é desenvolvida na 22 a 24 de maio de 2013 Página 11 prática da Professora 10 (2010) e, é também, defendida como modelo de formação, quando nos turnos: T9, T11, T12, T13, T15 e T16, os Professores Formadores 6 e 1, e as Professoras 3 e 10 concordam com esta dinâmica, que para além de ser considerada como tarefa difícil a ser conquistada, é também essencial que seja uma investigação-ação crítica, pois “necessita de condições e contextos para que possa ser defendida como uma prática reflexiva, investigadora e de colaboração”(GÜLLICH, 2013, p. 47-48). Nos turnos de falas percebemos que o diálogo formativo avança pela recorrência entre citações que ocorrem de cada sujeito referindo-se a fala de outro e muitas vezes a prática de outro, o que implica salientar que o espelhamento de práticas foi sendo também recorrente e é indicial a este modelo de formação, pois na recorrência e recursividade das falas podemos evidenciar que a reflexão vai sendo desencadeada pelo diálogo formativo do grupo. Considerações finais O processo interativo e compartilhado entre professores de escola, licenciandos e os professores da Universidade nos revela a importância da formação continuada estar articulada à formação inicial. Esse processo possibilita aos sujeitos envolvidos no GEPECIEM que adotam esse modelo de formação, caracterizado como espiral autorreflexiva, a avaliação, (re)construção, (re)formulação das próprias práticas. A capacidade de transformação da profissão docente é um processo complexo e que leva tempo, assim, à medida que o processo formativo vai pondo em movimento maneiras e formas de pensar e agir dos professores, pela via da discussão (diálogo formativo) possibilitada nos encontros mensais os sujeitos vão sendo constituídos numa malha social que lhes possibilita autonomia, aprendizagem de novos saberes profissionais e a possibilidade de desenvolvimento profissional. Assim, por meio da pesquisa colaborativa/formação continuada, criamos espaços de interação, nos quais os professores tem voz ativa, são escutados e assim produzem resultados para além do ensino tradicional, quiçá em perspectiva mais prática. 22 a 24 de maio de 2013 Página 12 Nesse sentido, compreendemos que por meio da investigação-ação a reflexão se torna mais frequente e possível nos processos formativos, daí é possível depreender e corroborar a ideia de reflexão como categoria formativa. Referências ALARCÃO, Isabel. 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