A IMPORTÂNCIA DA FORMAÇÃO NO TRABALHO DO PROFESSOR: UMA ANÁLISE DO CONVÍVIO ENTRE PROFESSORES E ALUNOS FOCANDO O PAPEL DO EDUCADOR André Luis Scantimburgo1 Introdução Com base numa análise sociológica realizada numa instituição pública de ensino fundamental e médio na cidade de Marília/SP, procuramos com este trabalho destacar as relações sociais entre professores e alunos dentro da escola enfatizando a importância da formação do professor. As relações sociais entre professores e alunos dentro da escola são fatores fundamentais para se entender a evolução no processo de aprendizagem. Esses relacionamentos envolvem uma gama de fatores extra-escolares que se refletem de forma direta na interação dos sujeitos envolvidos, caracterizando assim, a didática apresentada dentro da sala de aula. Neste sentido, o docente, em seu papel de educador nem sempre reconhece a complexidade que envolve o meio social do aluno e a conseqüência dessa problemática no ambiente escolar. Por outro lado, grande parte dos alunos demonstra desinteresse e rebeldia na escola o que vem a resultar quase sempre em pré-julgamentos e até mesmo pré-conceitos estabelecidos de antemão por ambos os lados. Percebe-se claramente um distanciamento entre os sujeitos envolvidos de forma que acabam se tornando seres estranhos dentro de um ambiente do convívio diário, o que se converte em descaso pelo ato de lecionar e aprender. Objetivos Este trabalho busca discutir a importância da formação dos professores diante das condições precarizadas de trabalho encontradas na escola pública, bem como a influência dessa formação na didática adotada junto aos alunos e as conseqüentes formas de relacionamento social no ambiente de ensino. 1 Formado em Ciências Sociais pela Faculdade de Filosofia de Ciências, Unesp - campus de Marília. Metodologia Este trabalho foi realizado, como citado anteriormente, a partir de observações feitas em uma escola de ensino fundamental e médio na cidade de Marília/SP. Estas observações tiveram como objetivo fazer uma análise sociológica da relação social entre professor e aluno no ambiente escolar para assim entendermos o papel fundamental da formação do docente frente às precárias condições de trabalho que estes encontram nas escolas públicas. Contudo, passo aqui a relatar as observações realizadas. Porém, antes de centrar mais diretamente na relação professor/aluno, procurarei aqui explanar um pouco sobre o convívio diário entre todos os sujeitos envolvidos no ambiente escolar, ou seja: alunos, professores e funcionários. Os momentos que antecedem o início das aulas e durante os intervalos são os mais propícios para se observar os comportamentos individuais de todas as pessoas que configuram o ambiente possibilitando desta forma perceber suas ações fora do período de aula. Acredito que desta forma obtemos um conhecimento maior da personalidade individual de cada sujeito principalmente alunos e professores, dado que os comportamentos externos de ambos diferem dos apresentados dentro de sala de aula. Dessa forma, ao se estabelecer conversas com alguns professores para se ter uma noção do pensamento deles em relação aos alunos e a escola pública conseguimos entender o grau de formação política dos mesmos. Opiniões e perspectivas diferentes são relatadas pelos docentes sendo que todas convergem num mesmo ponto: a situação cada vez mais precária da escola pública, e um pessimismo dominante com relação ao futuro. Neste momento, acredito que se pode dividir os professores em 3 grupos: - Os que vão até a escola cumprem sua carga horária de aulas e saem indiferentes quanto a tudo e a todos. Estes parecem sem a mínima preocupação com a situação atual da escola ou com a aprendizagem dos alunos. O desânimo é aparente. - Outro grupo seria dos professores que demonstram enxergar todos os problemas possíveis, reclamam e apontam falhas, além de criticarem demasiadamente os alunos culpando-os pelo baixo rendimento nos estudos. Chegam a dar a impressão que todos os E-mail: andré[email protected] 2 problemas da escola se configuram na figura do aluno que não possui base familiar, são mal educados e sem vontade, segundo palavra dos próprios professores. - O último grupo, sendo este minoria, se configura de professores que parecem ter um pouco de consciência dos problemas que envolvem a escola pública, demonstram entender o meio social do aluno buscando uma relação mais próxima com o mundo deles. Este último grupo estaria próximo ao que Florestan Fernandes (1989) coloca como sendo essencial para um professor inserido numa sociedade capitalista subdesenvolvida: O professor precisa se colocar na situação de um cidadão de uma sociedade capitalista subdesenvolvida e com problemas especiais e, nesse quadro, reconhecer que tem um amplo conjunto de potencialidades, que só poderão ser dinamizadas se ele agir politicamente, se conjugar uma prática pedagógica eficiente a uma ação política da mesma qualidade. (FERNANDES, 1989, p 170) Podemos chegar a está conclusão pautado na opinião dos próprios professores. Logo essas conclusões se confirmaram a partir do momento em que observamos como são ministradas as aulas. Quanto aos alunos, o ambiente escolar se configurava de diferentes maneiras. Para alguns se traduzia numa rotina diária de insatisfação onde o momento mais feliz se realizava nos intervalos e no final do turno de aula. Para outros era um local que se mostrava até mesmo de forma agradável onde preferiam o convívio neste ambiente ao ambiente familiar. O que todos pareciam concordar era que a escola se configurava como uma imposição que não absorvia suas expectativas, principalmente no que tange ao interesse pelas aulas aparentando insatisfação com grande parte do quadro de professores. Dessa forma, para fazer a análise das aulas em especifico procurei centrar minhas observações principalmente em dois focos, no caso em duas turmas de 5ª série, e outras duas turmas de 2º e 3º séries do ensino médio. Dessa forma pude perceber a diferença no comportamento das classes e dos professores. As primeiras aulas observadas foram de turmas de 5ª série. No âmbito geral, alguns aspectos se tornam comuns as duas classes analisadas. As brincadeiras e conversas iniciadas no pátio continuam dentro da sala de aula, mesmo com a entrada dos professores. 3 Por outro lado, a ação da maioria dos professores se configurava da mesma forma, ou seja, no início gritos pedindo silêncio e ameaças de mandar os alunos “bagunceiros” para o inspetor ou para diretora. O que se mostrava mais constante é que dentro da sala de aula, em ambas as turmas o ambiente se tornava praticamente impróprio para qualquer forma de aprendizagem. Tal método utilizado pelos professores demonstrava uma didática equivocada, que não contribuía de forma alguma para o processo de aprendizagem dos alunos. Nesse sentido, abordando teorias referentes à didática do professor na escola, Libâneo (1991), coloca que o processo de ensino se dá através da interação entre professores e alunos pautados na combinação de atividades com o objetivo de se alcançar conteúdos. Nesse intuito o método de ensino se faz característico por se orientar em função de objetivos, o que, para o autor implica uma sucessão planejada e sistematizada de ações tanto do professor quanto dos alunos que se dá por meio de mediações. Nesse sentido ao conceituar métodos, Libâneo coloca que estes: “decorrem de uma concepção de sociedade, da natureza e da atividade prática humana no mundo, do processo de conhecimento e, particularmente, da compreensão da prática educativa numa determinada sociedade.” (LIBÂNEO, 1991, p 151). Em síntese, no raciocínio de Libâneo (1991), métodos de ensino são as formas organizacionais das atividades entre professores e alunos, mas como o mesmo autor coloca, o sucesso do método só se complementará caso “ocorra à ligação entre os objetivos e conteúdos propostos pelo professor e as condições de aprendizagem dos alunos” (LIBÂNEO, 1991, p 152). Para que isso, se faz necessário uma compreensão por parte do professor a cerca das condições sociais, individuais e intelectuais dos discentes. Essa compreensão por parte do professor a cerca das condições dos alunos se faz fator fundamental para o estabelecimento de relações sociais entre ambos os sujeitos envolvidos. O bom relacionamento entre o professor e o conjunto de alunos em sala de aula envolve questões direcionadas à linguagem utilizada na comunicação o que faz deste um desafio para o professor no ato de atingir os objetivos determinados para o exercício da educação. Algo que fica explicito na maioria das aulas é a falta comunicação entre alunos e professores. Nota-se uma tremenda dificuldade por parte do professor em explorar uma linguagem adequada. 4 Nesse sentido, Tacca (2006) coloca que há a necessidade de se explorar os processos comunicativos levando em conta a aprendizagem como uma função integral do sujeito, e não apenas cognitivo. Partindo de um contexto em que a escola trabalha com o intuito de transformação cultural refletindo em sala de aula todo um conjunto de relações sociais, o processo de aprendizagem só se concretiza numa integração do social com o individual relevando o subjetivo ao objeto de conhecimento. Contudo, para a autora em questão, as relações sociais se fazem condições primordiais para o desenvolvimento e descobrimento de todo um conjunto de fatores que se estabelecem como essenciais para o sucesso na educação. Sendo a comunicação uma necessidade humana das mais importantes, o sucesso na aprendizagem tem como fator intrínseco o estabelecimento de um diálogo que seja favorável e colabore para que haja a interação entre o professor e a sala de aula objetivando a compreensão do outro não apenas no sentido subjetivo, mas em sentidos socioeconômicos e culturais. Neste âmbito, o diálogo se coloca como instrumento de utilização plena. Para Tacca (2006), o diálogo é um momento de troca de intimidades que não admite autoritarismo, negligência ou protecionismo; sendo uma ocasião em que se viva a intersubjetividade na responsabilidade mútua. O processo educativo se compõe de forma que tanto alunos como professores devem estabelecer dentro de sala de aula um relacionamento que envolva compromisso e responsabilidade a fim de se almejar uma relação de confiança mútua. Desta forma, a autora aprofunda a questão focando as relações sociais através de conceitos que incorporam o afetivo e o cognitivo, mostrando como o impacto das relações sociais se fazem presentes na subjetividade de alunos e professores no ambiente escolar: Assim, a produção de sentido na aprendizagem não pode ser um retrato de apenas um momento da sala de aula, mas configura-se como sentidos subjetivos que representam uma síntese complexa de diferentes espaços da vida do estudante, no que esta implicada a vida dentro e fora da escola. (TACCA, 2006, p.69). Com base nessas questões apontadas por Tacca (2006) , uma observação importante a ser feita é que os professores em sua maioria se encontram muito distantes do mundo dos alunos fazendo com que haja falhas na tentativa de comunicação de ambos os lados. Ou seja, não há uma compreensão por parte dos educadores a cerca do que se 5 passa no meio cultural dos alunos, não há um entendimento a cerca das gírias e dos assuntos que se fazem presentes, de modo que alunos e professores se tornem seres estranhos diante de um ambiente de convívio diário. Ao se observar aulas de geografia e sociologia no ensino médio em classes de 2º e 3º séries percebe-se que os alunos das duas salas aparentavam relações próximas, dado o encontro de alunos das duas salas no corredor durante a troca de professores. As brincadeiras e conversas ocorrem na mesma intensidade que nas turmas de 5ª série, mas os aspectos são diferentes. Nessa idade é comum os alunos responderem para o inspetor e para os professores, sendo o tom das brincadeiras quase sempre maliciosos. Dentro da sala de aula, nota-se por vezes uma divisão entre homens e mulheres, além de fortes agressões verbais dos dois lados; as vezes em tom de brincadeira e na maioria das vezes de forma séria. A presença do professor se torna insignificante, cessando o tom das conversas apenas em momentos que passam uma lição de moral ou gritam em tom de ameaças. Em momento algum o processo de aprendizagem observado se pauta na configuração de sentidos subjetivos que levem em conta as particularidades e diferentes contextos dos alunos que ali estavam. Frente a esses aspectos gerais que acabam se tornando comum face os comportamentos dos alunos, ao centrar a análise na ação dos professores frente aos quadros de indisciplina, percebe-se empiricamente que a formação se torna fator fundamental para o relacionamento com os alunos. Principalmente no que tange a didática utilizada, para tentar contornar os problemas acima citados. Quando coloco o termo formação, não me restrinjo à formação acadêmica somente, mas também a formação de consciência frente a aspectos sociais e culturais que envolvem a escola, tendo como parâmetro, o professor nos moldes posto por Florestan Fernandes (1989), ou seja, o professor que pensa politicamente juntando seu papel de educador ao papel de cidadão, tendo consciência do mundo em que vive seus alunos. Visto a importância do estabelecimento de relações sociais que almejem um diálogo dentro da sala de aula no intuito de melhores resultados no processo de aprendizagem, o professor possui papel fundamental; sendo sua formação, acadêmica e pessoal, quesito estratégico para se alcançar resultados qualitativos. A grande questão a ser colocada é que os professores em sua grande maioria carecem de formação qualitativa o suficiente para atender as necessidades que o 6 momento atual exige. Uma contradição fica explícita ao passo que o sistema, ao mesmo tempo em que necessita de profissionais que preparem jovens para a inserção nessa sociedade; por outro lado, marginaliza e não valoriza a educação, principalmente o profissional de ensino da rede pública. Não entrando nesse momento no questionamento dos valores da sociedade regida por valores neoliberais, pode-se dizer que em grande parte os professores carecem de formação adequada não somente para atender as demandas estruturais desse sistema quanto mais para superação dele. Na sociedade moderna atual, o investimento no professor se torna fator essencial e estratégico, não podendo ser visto somente como gasto social. De acordo com as condições sócio político das escolas, Libâneo (1991) classificou as tendências pedagógicas em liberais e progressistas. Dessa forma, define a pedagogia liberal como forma de justificação do sistema capitalista privilegiando a sociedade de classes e um ensino tradicional tecnicista; e a pedagogia progressista como ostentadora de uma análise crítica da realidade social tendo implicitamente como finalidade questões sócio-políticas da educação. O autor coloca que este modelo de pedagogia,denominada progressista não tem como se institucionalizar numa sociedade capitalista servindo no entanto como forma de luta dos professores. No entanto, Libâneo (1991) considera que o papel da educação não é apenas entender a sociedade e se inserir nela reproduzindo as relações sociais do sistema vigente, mas sim, a educação vai ao sentido de transformação do meio social. Esta concepção de educação se faz presente em Marx e posteriormente em Gramsci com base no pensamento do próprio Marx. Gramsci coloca que os responsáveis pela transformação da realidade seriam os sujeitos sociais e a cultura, configurada neste caso na escola, que teriam papel fundamental nesse processo. Em Saviani (1982) o modelo ideal de ensino, é a pedagogia empenhada na transformação das relações de produção. Para o autor essa pedagogia pressupõe a desigualdade no ponto de partida e a igualdade no ponto de chegada. Para tanto a mediação na sociedade é o caráter da educação tendo na prática social o critério para se buscar uma democracia no interior das escolas. Saviani reforça o papel do professor no sentido deste ter a capacidade de vincular suas práticas e atividades de forma abrangente, vinculando o conteúdo das disciplinas com finalidades sociais. 7 Contudo, as condições postas atualmente na escola pública demonstram um ambiente em que a educação parece ser deixada de lado dando espaço a um ambiente em que nem professores nem alunos conseguem uma interação social adequada para a prática educacional seja ela para atender a demanda produtiva do sistema econômico, ou para a transformação do meio social. É raro encontrar professores que centrem suas ações didáticas de acordo com tais parâmetros. No entanto, percebe-se que uma pequena minoria chega próximo a isto, principalmente a perceber pelos resultados obtidos nos relacionamentos que conquistam dentro da sala de aula. Estes, conseguem contornar quadros graves de rebeldia e indisciplina na base da compreensão. Ao analisar aulas de uma 5ª série percebi que determinada professora se voltava para os alunos apenas na base dos gritos e de forma imperativa. Não havia espaço para um diálogo, ou mesmo a tentativa deste. Os gritos da professora cessavam momentaneamente a indisciplina dos alunos, mas não era suficiente para que estes se centrassem no conteúdo por ela passado. Percebe-se que as disciplinas são ministradas pelos professores de forma estritamente técnica com base nos livros didáticos e cópias do quadro negro. Não há interesse em questionamentos, resultado um pouco da falta de atenção dos alunos e outro lado pela falta de opções que este método de ensino propicia. Percebe-se claramente que a intenção do professor é somente de ter a matéria como dada independente se os alunos absorveram ou não o conteúdo. Conversando com a professora, percebi nela um ar de impotência com relação à situação. Dizia se sentir sem ação diante de um quadro de alunos sem as mínimas condições de terem chegado até a 5ª série. Comentava de alunos que não sabiam juntar letras para formar uma palavra, ou até mesmo alguns que chegavam a formar a palavra mas não entendia o significado da mesma. Era claro para a professora que a culpa da situação era da progressão continuada implantada no ensino em São Paulo, o que segundo ela, tira qualquer possibilidade do professor tentar exercer as disciplinas de forma ideal. Percebi neste momento, que ela mesmo tinha a consciência que suas aulas aconteciam de forma mecanizada e se restringia a chegar, passar matéria no quadro negro, seguir um livro didático, fazer chamada e ir embora com a ilusão da satisfação do dever cumprido. A questão da aprendizagem dos alunos no entanto se restringia a uma 8 conclusão precipitada de que estes nunca iriam conseguir acompanhar, pois vinham de uma base fraca. De modo geral, este problema a cerca da progressão continuada era consenso entre os professores, sendo que o diferencial entre eles se dava na forma como lidavam com a situação. A grande maioria justificava o descaso pelo ato de lecionar baseado na progressão continuada, outros, no caso a minoria tentava suprir a deficiência dos alunos mesmo que para isso deixassem a grade de suas disciplinas de lado para contornar a defasagem. Em meio a estas análises, observei um professor que buscava em meio às dificuldades encontradas entender as condições sócio-culturais dos alunos e se aproximar deles com base no diálogo, na conversa e acima de tudo se comunicando de forma que os alunos o compreendessem. Os professores que buscam uma maior aproximação e compreensão a cerca dessas situações são os que conseguem maior respeito e atenção. O citado professor era um destes, de forma que ao analisar as mesmas classes de alunos na sua presença e depois se comparar diante da presença de outros professores, tinha-se a impressão de serem salas diferentes devido à mudança de comportamento que era explícito. Ao indagar o professor a cerca da situação que se encontrava a escola pública, o mesmo aparentava ter plena consciência da precariedade e dos problemas que a envolviam, mas ao contrário de seus outros colegas de trabalho, este procurava contornar as dificuldades pautando-se no diálogo e atividades com fins didáticos, fazendo com que os alunos mudassem o comportamento em suas aulas. Mostrava ter consciência do contexto socioeconômico dos alunos, dizendo que a maioria dessas crianças e adolescentes não tem a presença do pai e da mãe durante grande parte do dia, isso quando estes têm pai e mãe. Nesse sentido ele dizia se sentir responsável direto pela formação desses jovens argumentando que antes mesmo de lecionar sua disciplina pretendia passar caráter e responsabilidade para eles, pois se não aprendessem isso nessa fase da vida nunca iriam aprender. Resultados Com base nessas observações fica claro que independente do conteúdo que fosse lecionado pelos professores, os quesitos básicos para um ambiente propício ao exercício 9 do processo de aprendizagem se configura na busca de um relacionamento social que abrangesse o entendimento à cerca das individualidades, culturas, situações sociais e problemas enfrentados pelos alunos. Focando na questão do professor, Demo (1993), expõe que o problema é de qualidade formal e política dos mesmos. Ao direcionar suas análises para cursos de formação básica, o autor relaciona fatores que a meu modo de ver envolvem todos os níveis de ensino, ou seja, o fato de que a grande maioria dos professores não possui uma formação adequada. A qualidade política do professor também é colocada em pauta pelo autor de forma que, se a educação básica é instrumentação fundamental da cidadania, o professor não poderia ser agente dela, sem ser ele mesmo cidadão. Demo (1993) coloca como meta para qualidade do professor a capacidade deste em elaborar projeto pedagógico próprio sendo para isso necessário a competência formal e política dos mesmos: Todos os apoios didáticos, importantes em si, dependem da capacidade do professor, inclusive aproveitamento das adequações físicas dos estabelecimentos, do material escolar etc. O único livro didático insubstituível é o próprio professor. Deve star de tal modo bem formado, que, se necessário for, ele mesmo prepara texto de português, exercício de matemática, projeto de planejamento etc. (DEMO, p89, 1993). Para Demo (1993), na escola deveria prevalecer à formação da consciência crítica e autocrítica do sujeito pois só dessa forma o mesmo possuiria condições de emancipação. Produziria-se no entanto, um saber a partir da consciência crítica de forma a fazer com que o sujeito veja o todo e consiga transcendê-lo de forma lógica. Para que isso ocorra há a necessidade do professor estar preparado tendo qualidades de formação a fim de fazer com que o aluno aprenda a pensar e questionar de forma criativa. É fundamental despertar nos alunos a capacidade de saber pensar, mas é inadequado impor o que se deva pensar. No entanto ao questionar métodos de avaliação, o autor sintetiza uma frase que expressa a imensa responsabilidade do professor frente à formação de seus alunos: “não há maior injustiça que prejudicar os direitos dos alunos, por conta de professores ineptos ou inadequados (DEMO, p78, 1993)”. Para Florestan Fernandes, uma mudança da realidade feita através da educação só se possibilitaria quando os professores tomassem consciência de que são sujeitos dentro de uma sociedade capitalista, pensando e entendendo esta em função da luta de classes, 10 mesmo que não sejam marxistas. O professor precisa estar ciente do quadro de subdesenvolvimento desta sociedade e dos problemas existentes. Florestan Fernandes (1989) ressalta que o professor deve pensar politicamente juntando seu papel de educador a seu papel de cidadão para que dessa forma consiga mudanças: Se o professor pensa que sua tarefa é ensinar o ABC e ignora a pessoa de seus estudantes e as condições em que vivem, obviamente não vai aprender a pensar politicamente ou talvez vá agir politicamente em termos conservadores, pendendo a sociedade aos laços do os\assado, ao subterrâneo da cultura e da economia. (FERNANDES, p 165, 1989). No entanto, a questão não só da formação dos professores, mas da educação como um todo, depende também das políticas públicas seguidas pelo governo. A partir do momento que essas políticas seguem no intuito de servir a interesses externos e atender formulações de órgãos financeiros, o que se percebe é um visível sucateamento do ensino público. No Brasil, como na maioria dos países subdesenvolvidos, a influência das políticas educacionais do Banco Mundial no plano pedagógico das escolas públicas é um fator constante que altera as relações de poder no âmbito das instituições escolares inibindo qualquer possibilidade da realização de uma educação transformadora fundamentadas num plano político pedagógico e numa gestão democrática.2 O Banco Mundial exige como condição de empréstimo certos direcionamentos nas políticas direcionadas não só para educação, mas em outros setores de serviços públicos como na saúde, na cultura, tecnologia etc... Com isso as direções educacionais impostas chegam por meio de programas, projetos e planos elaborados por seus técnicos e conselheiros de forma a sobrepujar os planos pedagógicos das escolas e transformá-las de acordo com modelos de gestão pautados em parâmetros comerciais e empresariais. O papel da escola passa a ser o de um ensino onde os alunos não questionam o porque do que estão fazendo, não possibilitando aos mesmos o processo pensar-fazer com vistas a uma autonomia no processo de aprendizagem. Além disso, atendendo as exigências do Banco Mundial, o governo diminui os investimentos nos setores de serviços públicos como a educação. 2 Cf. CADERNO CEDES. Arte e manha dos projetos político pedagógicos. Campinas, v23, n 61, dezembro de 2003. 11 As precariedades oriundas dessas interferências vão desde a má conservação das escolas até a má formação dos profissionais de educação, colaborando para uma crise educacional que se arrasta há anos no Brasil com pioras significativas a partir dos anos 90, época na qual as políticas intervencionistas do Banco mundial se fizeram de forma mais presente e intensa. Dado, que as condições em que a maioria dos educandos se encontra, traduz quadros de indisciplina e rebeldia generalizada, cabe ao professor consciente de sua responsabilidade como educador tentar fazer o máximo para contornar tais situações. Contudo, o educador que explora os processos comunicativos levando em conta a aprendizagem como uma função integral do sujeito, consegue maior êxito junto à sala de aula. Nesse sentido, devido à formação do professor, bem como suas ideologias, e argumentos, os problemas da educação se mostram diferentes, e dentro desses campos, cada um busca a seu modo e sua consciência a maneira mais prática de conseguir ministrar suas aulas, independente ou não do aprendizado dos alunos. Quanto a este aspecto, retomo aqui as palavras de Florestan Fernandes (1989) onde expõe a correlação entre a atividade do professor numa sociedade subdesenvolvida, e o caráter político do que ele faz ou deixa de fazer. Para Florestan Fernandes (1989), o professor na sala de aula precisa ser professor cidadão e um ser humano rebelde. No entanto, na escola pública analisada em Marília/SP, as medidas tomadas pelos professores e pela direção no sentido de conter problemas como indisciplina, violência e rebeldia normalmente são paliativas e pautadas na punição como única forma de contornar tais situações. Percebe-se, no discurso da direção e de funcionários um certo desconhecimento da origem de tais problemas, ou até mesmo uma forma preconceituosa de conceber a causa que remete a esses aspectos. Grande parte dos alunos que compõe a escola pública são oriundos de famílias carentes que sofrem com a falta de estrutura familiar e social. Muitos vivem em favelas e bairros da periferia, marginalizados e discriminados pelas políticas públicas do município. Pelo observado em relação aos alunos percebi que muitos vivem em condições precárias estando expostos a situações de todo tipo de violência, seja ela física, moral e até mesmo sexual. O quadro de desigualdade socioeconômica e concentração de renda que impera na sociedade brasileira e que se traduz na cidade de Marília em torno 12 de situações que descrevi acima, geram violência e marginalização de grande parte da população. Dentro desse quadro, a escola que absorve as crianças e adolescentes que se encontram num contexto social de marginalização social e econômica nem sempre tem entre seus funcionários e professores pessoas capacitadas a conseguir contornar e lidar com determinadas situações, ou mesmo buscar o ato de ensinar partindo de aspectos que dizem respeito ao meio em que vive grande parte dos alunos. Ao analisarmos o Plano Político Pedagógico da escola, observamos na teoria uma preocupação do coordenador em poder estar “formando o educando através de uma metodologia voltada para a descoberta de si próprio, sua relação com a comunidade onde vive e estabelecer comparações com as diferentes realidades existentes no mundo”. Muitas vezes o professor não faz a relação do mundo do aluno com outras realidades devido o seu desconhecimento a cerca da realidade social, cultural e política não só de outras partes existentes no mundo como de si própria. Como coloca Florestan Fernandes (1989), o docente que leciona numa sociedade rica não tem a necessidade de se preocupar com tais problemas aqui citados, mas o professor que leciona numa escola que atende em sua maioria alunos carentes, necessita de uma formação política que faça com que seu método de ensino proporcione aos alunos conteúdos no sentido de buscarem não serem mais oprimidos e manipulados pelas elites detentoras do poderio econômico. Nesse sentido é interessante a colocação que Florestan Fernandes (1989) faz em consideração a pedagogia dos oprimidos de Paulo Freire, onde diz: [...] Os que têm experiência com o pensamento de Paulo Freire já sabem qual é essa pedagogia dos humilhados e ofendidos, dos oprimidos, e qual é o mínimo que diz respeito à elaboração de uma pedagogia dos oprimidos e que, dialeticamente, só pode ser uma pedagogia da desopressão. Não existe uma pedagogia dos oprimidos, existe uma pedagogia da desopressão, da liberação dos oprimidos. (FERNANDES, 1989, p 165) Independente da posição que a escola centre seus objetivos perante a educação – se, no caso apenas reproduz em sala de aula a sociedade burguesa capitalista na qual esta inserida – o professor, a meu modo de ver deve adotar uma postura semelhante à descrita por Florestan Fernandes (1989), ou seja: “a postura de se colocar na situação de um cidadão de uma sociedade capitalista subdesenvolvida e com problemas especiais e, nesse quadro, reconhecer que tem um amplo conjunto de potencialidades, que só poderão 13 ser dinamizadas se ele agir politicamente, se conjugar uma pratica pedagógica eficiente a uma ação política das mesmas qualidades”. (FERNANDES, 1989, p 170). No entanto, tomadas de posição por parte dos professores carecem de formação adequada, e visto a situação do ensino superior no Brasil voltada para o mercado de trabalho e baseada numa formação instrumentalizada – haja vista cursos de licenciatura curta e ensino superior à distância para a formação de professores – torna-se difícil que grande parte dos professores possua uma base teórica suficiente para se tornar um professor nos moldes colocados por Florestan Fernandes (1989). Por outro lado à degradação que ocorreu no sistema de ensino por causa das políticas públicas mal aplicadas, fruto da pressão de classes dirigentes, que segundo Florestan Fernandes (1989) abdicaram de um projeto nacional e fizeram com que os governos comprometidos com os interesses burgueses sucateassem o ensino público no país; teve como conseqüência um resultado explícito na deterioração em todos os níveis da educação, se refletindo de forma negativa sobretudo, na questão do desenvolvimento social e tecnológico do país. No entanto, em meio a todo tipo de adversidade, a escola pública se vê hoje tentando achar seu caminho, e neste sentido o professor teria como papel essencial orientar a todos os sujeitos envolvidos no ambiente escolar a cerca das transformações da sociedade e das contradições nela contida ajudando a construir o tipo de escola que melhor soubesse lidar com todos esses fatores. Conclusão É notório que a Escola é reflexo da sociedade na qual ela está inserida. Dessa forma, tanto professores, quanto alunos e funcionários reagem de formas diferentes a esse modelo de sociedade regido por valores neoliberais. Cada sujeito traduz em suas individualidades e personalidades uma característica própria ao lidar com a sociedade de classes e todos os problemas e características socioeconômicas. Entretanto, o professor em seu papel de educador traz consigo uma enorme responsabilidade ao ter que lidar com a formação de jovens que chegam ao ambiente escolar carregado de aspectos sócio-culturais extremamente heterogêneos. Caberia dessa forma, a esse educador saber lidar com essas situações de diversidades buscando em 14 meio às adversidades condições favoráveis a prática educacional. Isso a meu modo de ver só se possibilita quando o professor almeja, como coloca Libâneo (1991), uma compreensão a cerca das condições sociais, individuais e intelectuais dos alunos. No entanto, percebe-se que bem poucos professores chegam a esse nível de compreensão. A forma como estes se comunicam com os alunos não favorece a superação dos problemas enfrentados em sala de aula, o que se converte em descaso pelo ato de lecionar e aprender. O problema se torna ainda mais complexo ao passo que a formação dos professores também passa a ocorrer de forma discutível como em cursos de graduação à distância ou de carga horária reduzida, não possibilitando ao mesmo uma bagagem intelectual de conhecimentos que o capacite a lidar com as dificuldades encontradas na escola pública. São os aspectos de cunho global interferindo localmente nos meios educacionais, no caso, políticas públicas orientadas por instituições externas, que influem no corte de gastos com a educação pública, seja ela em nível básico ou superior. Quando se coloca a necessidade de se investir em educação básica, há que se prever o investimento em educação superior, pois está será responsável pela formação do educador, que é o mediador no processo de aprendizagem. E sendo o professor responsável direto no processo de educação nada mais justo que um investimento estratégico em sua formação. Bibliografia DEMO, Pedro. Desafios Modernos da Educação. Petrópolis, RJ: Editora Vozes, 1993. FERNANDES, Florestan. Desafio Educacional. São Paulo: Cortez/Editores autores associados, 1989. LIBÂNEO, J. C. Didática. São Paulo: Cortez, 1991. _____________. Democratização da Escola Pública. São Paulo: Loyola, 1986. SAVIANI, D. Escola e Democracia. São Paulo: Cortez, 1982. TACCA, Maria Carmen V. R. Relações Sociais na Escola e Desenvolvimento da Subjetividade in Aprendizagem: Tramas do Conhecimento, do Saber e da Subjetividade. 2006. CADERNO CEDES. Arte e manha dos projetos político pedagógicos. Campinas, v23, n 61, dezembro de 2003. 15