IRENE HAJAJ
RESPONSABILIDADE EDUCACIONAL DO ESTADO
A EDUCAÇÃO PARA A CIDADANIA
MESTRADO EM DIREITO DO ESTADO
SUB-ÁREA: DIREITO CONSTITUCIONAL
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
SÃO PAULO, 2006
1
IRENE HAJAJ
RESPONSABILIDADE EDUCACIONAL DO ESTADO
A EDUCAÇÃO PARA A CIDADANIA
MESTRADO: Dissertação apresentada à
Banca
Examinadora
da
Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo, como
exigência parcial para obtenção do título de
MESTRE em Direito Constitucional, sob
orientação da Professora Doutora Maria
Garcia.
São Paulo
2006
2
Banca Examinadora:
___________________________
___________________________
___________________________
3
Agradecimento
À prof.ª Dr.ª Maria Garcia, um exemplo notável de
dedicação ao ensino do Direito
4
Dedicatória
A Deus, guardião da minha vida.
Aos meus pais Judath (in memorian) e Munira, bússolas
da minha formação.
Aos meus filhos Marcelo e Daniela Patrícia, razão da
minha luta e da minha alegria.
5
RESUMO
O
presente estudo tem como objeto a análise da Responsabilidade
Educacional do Estado brasileiro, aspecto sempre atual e reciclável no curso da
história, e da própria educação e formação do homem e do cidadão.
O objetivo do trabalho é o de traçar um paralelo em relação aos preceitos
constitucionais elencados nos artigos 205 a 214 da Carta Magna e sua (não)
aplicação por parte do Poder Público, naquilo que concerne ao atual momento da
realidade brasileira, indo fora da educação para pensar a educação.
Abordaremos o surgimento da Educação e do Sistema Educacional como
doutrina na conduta humana, fazendo, para tanto, uma breve digressão histórica,
que começa no período clássico, passa pelos períodos cristão e moderno e chega
aos nossos dias, evidenciando-se, principalmente, as diferenças fundamentais
existentes entre estes na área educacional.
Será abordado o conceito de comunidade grega, analisando-se as
diferenças educacionais existentes entre Esparta e Atenas na sua relação com o
ente estatal, enfocando a responsabilidade educacional do Estado perante seus
cidadãos, mormente quando no desempenho de suas funções administrativas.
Os preceitos constitucionais inseridos na Constituição Federal de 1988
serão relacionados com o direito à educação, enquanto direito fundamental de
natureza social, bem como com o processo educacional, porquanto preceitos
calcados nos direitos sociais e de responsabilidade do ente estatal
Por fim, serão analisados os princípios da cidadania e da dignidade da
pessoa humana, enfocados no seu contexto histórico e no seu exercício,
6
prospectando possibilidades para a construção de uma cidadania para todos,
através da garantia do Estado aos cidadãos, do acesso ao sistema educacional e
do recebimento de ensino e formação de qualidade.
Da pesquisa realizada, é possível concluir que a cidadania crítica à qual
almejamos, aquela mesma em que os cidadãos, caminhando juntos, possam
construir projetos que atendam aos anseios coletivos, numa democracia
representativa, que não exclua a ordem da pessoalidade, a tomada de
consciência, a cultura política, a ordem ética e os valores morais, só poderá ser
alcançada quando o Estado cumprir com o dever de formar o cidadão, da forma
como
se
obriga
pela
norma
constitucional,
qual
seja,
assumindo
a
responsabilidade educacional a que está imposto.
7
ABSTRACT
This essay broaches State’s educacional responsibility, which connects to
every human knowledge fields and therefore is incessantly current and recyclabe
in the course of history, and in education and the evolution of Man and citizen
themselves.
It has the aim to connect constitutional’s precepts available in articles 205 to
214 in Magna Letter and its (non-) enforcement by Public Power, concerning to
current moment in Brazilian reality, and looking at Education by an outside-viewer
perspective. We shall broach education and educational system’s genesis as
doctrine of human behavior, by doing a brief historical digression starting from
Classical Period, through Cristian and Modern Periods, and finally reaching the
present days.
We intend to emphasize educacional differences between Sparta and
Athens, and the relation between State and power in those societies, focusing on
State’s educational responsibility facing both the surrounding world and its citizens,
mainly when carrying out administrative functions inherent to the State system.
Constitutional precepts inserted in Federal Constitutional of 1988 be related
to education and educational process, precepts of those based on social rights and
social State’s responsibility. Al last we shall deal with citizenship principles and
human person’s dignity, focused on its historical context and its drill, prospecting
possibilities of the construction of that one citizenship to every individual.
8
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ................................................................................... 01
Capítulo 1. A EDUCAÇÃO ................................................................. 03
1.1.- A educação e o sistema educacional ........................................ 03
1.2.- A educação na Declaração Universal dos direitos do homem ... 11
1.3.- Visão histórica da educação....................................................... 17
1.4.- A educação a partir do século XV .............................................. 22
1.5.- A educação contemporânea....................................................... 24
Capítulo 2. O ESTADO GREGO E A DUCAÇÃO............................... 30
2.1.- A polis no contexto histórico da Grécia ...................................... 33
2.2.- As diferenças educacionais entre Esparta e Atenas .................. 36
2.2.1.- A educação em Esparta ................................................. 37
2.2.2.- A educação em Atenas .................................................. 40
Capítulo 3. A CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 E A EDUCAÇÃO
............................................................................................................ 44
3.1.- O descumprimento da norma constitucional pelo Estado .......... 46
3.2.- Os direitos do homem e o respeito aos direitos individuais........ 48
3.3.- Os direitos sociais no Brasil ....................................................... 51
3.4.- Educação:direito do cidadão, dever do Estado .......................... 55
3.5.- A responsabilidade social do Estado na Educação.................... 58
Capítulo 4. A CIDADANIA .................................................................. 63
4.1.- Visão histórica da cidadania....................................................... 64
4.2.- Exercício da cidadania: novas possibilidades ............................ 71
Capítulo 5 – A EDUCAÇÃO PARA A CIDADANIA ............................. 73
5.1.- A educação no contexto da globalização neo-liberal ................. 75
5.2.- A educação pública: redução da responsabilidade social do
Estado................................................................................................. 79
5.3.- A construção da cidadania: da outorga para a conquista .......... 87
CONCLUSÕES................................................................................... 90
BIBLIOGRAFIA................................................................................... 94
9
“Age sempre de modo a tratar a Humanidade
como um fim, tanto em tua própria pessoa
como na dos outros, e nunca te sirvas dela
como um simples meio.”
Immanuel Kant
10
INTRODUÇÃO
A
idéia
dissertação
deste
de
tema
surgiu
Mestrado
na
da
área
intenção
de
de
Direito
elaborar
a
Constitucional,
relacionando-o com o Direito Educacional. Dentre os infindáveis
temas que poderiam resultar em um trabalho dissertativo, elegeuse
a
Responsabilidade
Educacional
do
Estado
que,
por
sua
indissociável conexão com o Direito Constitucional, a Política, a
Democracia, a Dignidade Humana, enfim, com todo o campo dos
direitos sociais, torna-se sempre atual e reciclável no curso da
história e da própria educação e evolução do homem e do cidadão.
O objetivo do trabalho que ora se apresenta é de, analisando
o pensamento ético- filosófico-educacional no curso da história,
traçar
um
paralelo
em
relação
aos
preceitos
constitucionais
dispostos nos artigos 205 a 214 da Carta Magna e sua (não)
aplicação por parte do Poder Público, no que tange ao atual
c o n t e xt o d a r e a l i d a d e b r a s i l e i r a , i n d o f o r a d a e d u c a ç ã o p a r a
pensar a educação. Para tanto, foi dividido em cinco capítulos.
No
primeiro
capítulo,
direcionamos
nossa
pesquisa
ao
surgimento da Educação e do Sistema Educacional, como doutrina
na conduta humana, fazendo, para tanto, uma breve digressão
histórica, que se inicia no período clássico, passa pelos períodos
cristão e moderno e vem até os nossos dias, evidenciando-se,
principalmente, as diferenças fundamentais existentes entre esses
momentos
conceito
históricos.
de
Num
comunidade
segundo
grega,
momento,
estabelecemos
introduzido
as
o
diferenças
educacionais entre Esparta e Atenas e suas relações com o
Estado, enfocando a Responsabilidade Educacional do Estado no
11
mundo que o cerca, bem como analisando a responsabilidade
assumida
pelo
ser
estatal
perante
seus
cidadãos,
mormente
quando no desempenho de suas funções administrativas.
No terceiro capítulo, enfocamos os preceitos constitucionais
inseridos na Constituição Federal de 1988, relacionando-os com a
educação e com o processo educacional, preceitos estes calcados
nos direitos sociais e na Responsabilidade Social do Estado. A par
disso, traçamos um panorama dos direitos do homem e dos
direitos
sociais
no
Brasil,
para
analisar
o
cumprimento
dos
princípios e regras estabelecidos na legislação, entendendo a
Educação como responsabilidade social do Estado.
No
princípios
quarto
da
estabelecidos
capítulo
cidadania
no
seu
dedicamos
e
da
contexto
especial
dignidade
histórico
da
e
atenção
pessoa
no
seu
aos
humana,
exercício,
prospectando possibilidades para a construção de uma cidadania
plena para todos os indivíduos, sem distinções, que os conduza ao
desenvolvimento individual e ao progresso social.
Por fim, no quinto e último capítulo, ocupamo-nos com a
educação para a cidadania, no que concerne à Responsabilidade
Educacional preconizada pelo Estado Brasileiro em relação aos
seus nacionais, através da análise da educação no contexto do
neoliberalismo, buscando compreendermos a educação no atual
processo de globalização, consistente na integração econômica,
social, cultural e espacial dos países, integração essa formadora
da denominada sociedade de informação.
12
Capítulo 1. A EDUCAÇÃO
1.1. Educação e sistema educacional
Em sua acepção mais lata, educação é o processo pelo qual
um indivíduo aprende as coisas necessárias para ajustar-se à vida
na sua sociedade. Grande parte des sa aprendizagem provém da sua
participação nas atividades da sociedade, vez que toda e qualquer
experiência vivida é, em certo sentido, educativa.
Para Kant, cujas idéias se aplicam à realidade atual, “o homem
só se torna homem pela educação”
É fato que em toda e qualquer sociedade, mesmo onde se
encontram escolas formalmente organizadas, procura-se dar aos
jovens uma especial atenção, com o desenvolvimento de um sistema
educacional para instruí-los . As sociedades tomam a iniciativa nesse
sentido por razões bem definidas, haja vista que necessárias para
transmitirem a sua herança social e cultural, no intuito de sobreviver
como uma ordem social, calcada no treinamento consciente desses
jovens para desempenharem seus papéis de adultos, e para a
própria manutenção da sociedade.
Valores,
princípios,
normas
e
modos
de
adaptação
da
sociedade à sua tecnologia lhes são transmitidos mediante esse
sistema, vez que as geraç ões passam, restando às gerações mais
novas o papel de guardiãs de suas indispensáveis aptidões e formas
de agir.
13
O que lhes será ensinado e como será ensinado, depende do
tipo de sociedade e da fase de seu próprio desenvolvimento cultural.
Grande foi a influência de Rousseau no campo da educação,
principalmente nos escritos de sua obra “Emílio, ou da Educação” 1,
onde descreve a educação de uma criança, retirada da influência
dos pais e das escolas, isolada da sociedade e entregue a um
professor considerado pelo autor como ideal, em razão de que a
educa segundo os padrões da natureza, em contato permanente com
esta. Em referida obra o autor se contrapõe diametralmente às
idéias que predominavam na época a respeito da natureza humana.
A educação, no olhar de Rousseau, deveria levar em conta as
inclinações
naturais
desenvolvimento,
do
fato
indivíduo,
que
o
nas
levaria
a
diversas
uma
fases
educação
do
seu
natural,
resultante de seus instintos, não de imposições externas, posto que,
a partir do momento em que a educação passasse a ser vista da
perspectiva
da
criança,
dando-lhe
importância,
essa
educação
passaria a ser um processo natural e contínuo, não fazendo da
criança um ser infeliz hoje, em nome de um futuro incerto.
Em oposição às suas idéias, Hobbes afirmava que a natureza
humana é essencialmente má, vez que o homem nasce com o
pecado
original,
e
que
caberia
somente
à
educação,
preponderantemente à religiosa, destruir es sa natureza original do
homem, substituindo-a por uma outra, modelada pela sociedade.
1
ROUSSEAU, Jean Jacques. Emílio, ou da Educação.…….
14
Entendemos, todavia, que a identificação do termo educação
com escola é um dogma nuclear dos sistemas educativos modernos.
É certo que o papel das instituiç ões de ensino é cada vez mais
importante em valor absoluto, porém, em seu valor relativo, quando
se
o
compara
com
outros
meios
de
comunicação
exis tentes
atualmente, como, por exemplo, a utilização da “Internet”, que
globaliza as informações, esse papel tende a diminuir.
Refere Faure, citado por N elson e C laudino Piletti:
O u t r a s g e n e r al i z a ç õ e s s u má ri a s re l a t i v as à e d u c a ç ão e à
e s c ol a p e r s i s te m e s e p r op a ga m. D i z - s e q ue a e d u c aç ã o
c i m e n ta a u n i d ad e n a c i o n a l e s oc i al ; q u e f a v or e c e a
mo b i l i d a d e s o c i a l ; q u e i g u al a a s o p or t u n i d a de s ; q u e a v i d a
e s c ol ar e n s i n a a s o l i d ar i e d ad e e a c oo p er a ç ão . S e m
d úv i da , t u d o i s t o é c e r to e m c on j u n to , po r é m a r ea l i da d e
n ão é tã o s i mp l e s , n e m t ão c l ara , n e m t ã o l i v r e d e
e qu ív o c o s ”. S e é v e rda d e q u e a aç ã o e du c a tiv a c o n tr ib ui u
p od e r os a me n te , e m mu i to s o u t r o s p a ís e s , p a r a f o r j a r a
u ni d a d e n a c i o n a l , t a mb é m é c e r t o , p e l o c o n tr á ri o , q u e
mu i t os s i s t e m a s e s c o l a r e s c u l ti v a m ma i s a d iv i s ã o p el a
p r á ti c a d o e l i ti s m o , e te n d e m a a u m e n t a r as v a n t ag e ns d a s
p op u l a ç õ e s u r b an a s f r e n te à s ru r a i s . 2
Razão assiste aos autores, na medida em que, apesar da
indiscutível contribuição das instituições de ensino à educação e
formação do indivíduo, a obtenção dos conhecimentos, de per si,
não lhe
outorga
a
mobilidade social,
tampouco
lhe iguala as
oportunidades na vida em sociedade.
Referem, ainda, em relação à ação educativa
2
Nelson, PILETTI e Claudino, PILETTI. História da educação. São Paulo. Ática. 1995. 4.ed. p. 130
15
[ . . . ] d e i g u a l fo r ma , s e mu i t a s v e z e s o c o r r e q u e a e s c o l a
a pa r e c e c o m o o m e i o p a r a e s c a p a r d a mis é r i a p r óp r i a d e
t a n tas r eg iõ e s r u r ai s , o u p a r a f u gi r d a me d i o c r i d ad e s o c i a l
t r a z i d a p e l o tra ba l h o m a n u a l , o u i n c l u s i v e p ar a e l e v ar - s e à s
c a m a da s p r i v i l e g i a d a s , n ão é m en o s v e rd a de q u e ta m b é m
f a v o r e c e f r e q üe n te m e n te o s i n di v íd u o s p r o v e n i e n te s d e
a m b i e n t es s ó c i o - ec o n ô m i c o s p r i v i l e g i a d o s , d e s o ri e n t a n do e
c o m p r o m e t e n do as s i m o fu t u r o d e u m a bo a p a r t e d a s
j o v e ns ex i s t ên c i a s q u e l he f o r am c o n f i a d a s 3.
Como salientado pelos autores, ao mesmo tempo em que a
ação educativa pode propiciar novas possibilidades a uma parcela
da
sociedade,
pode
também
comprometer
o
futuro
de
muitos
indivíduos, a partir do momento em que favorece aqueles egressos
de uma camada privilegiada da sociedade.
A par disto, sintetizam: “se a educação, muitas vezes, nos
ensina virtudes tais como a solidariedade e a cooperação, também
pode, com seus procedimentos, alimentar de uma forma bastante
prejudicial o espírito de competição”. 4
Enquanto a educação propende para a conservação do sistema
e sua c onstante inovação, preservando a ordem e suscitando
profundas mudanças, o sistema educacional tem como principal
fundamento, dentro da sociedade, a transmissão dos mais diversos
aspectos da cultura das gerações mais velhas para os membros
mais novos. Em nível de educação formal, esse sistema educacional
está preocupado não apenas em reproduzir o sistema do qual
emerge e que lhe é peculiar, mas também em desenvolver um
comportamento inteligente.
3
4
idem p.130
PILETTI, Nelson e PILETTI, Claudino. História da educação. Ática, São Paulo. 1995. 4.ed. p. 130
16
O ajuste e a integração dos indivíduos, para se tornarem
atores sociais dentro do sistema educacional, tem início com a
educação
informal,
em
que
lhes
são
inculcados
os
hábitos
fisiológicos, de identificaç ão sexual, de limpeza e higiene pessoal e
social,
assim
como
os
turno,
a
costumes,
e
até
a
independência
e
dependência.
Por
seu
educação
formal,
qualquer
que
seja
a
ideologia educacional da sociedade, está intimamente ligada à
instrução dos indivíduos, a diferentes níveis, aí consideradas a
educação dos excepcionais, dos adultos e da massa em geral.
Outro
elemento
professorado,
cuja
desenvolvimento,
Por
estrutural
do
participação
outro
lado,
é
a
sistema
educacional
elementar
para
administração
é
o
o
seu
educacional
decorre da organização formal necessária para o funcionamento bom
e adequado do sistema, que se apóia em meios, os mais diversos, a
fim de solucionar os múltiplos encargos que o proces so educacional
exige.
Em suma, acreditamos que o sistema social educacional vem
permitir
a
estabilidade,
o
equilíbrio
e
o
desenvolvimento
da
sociedade em que se insere, permitindo, também, o adequado ajuste
das gerações mais novas e a renovação das diversas posições
sociais, sem que se convulsione a própria sociedade.
A despeito de ainda hoje crermos que o processo educativo se
situa, preferencialmente, nos limites entre a infância e a juventude,
devendo ter como objetivo proporcionar a cada indivíduo uma
bagagem de conhecimentos e de habilidades, válida para toda a sua
17
existência, não podemos perder de vista que a educação não pode
estar
centrada
somente
naquelas
fases
da
infância
e
da
adolescência, mas deve enriquecer a experiência humana na vida
adulta e na terceira idade
Ademais, a continuidade temporal da educação não é uma
condição necessária do processo educativo, como ressalta Faure 5.
Jean Piaget, abordando o tema direito à educação, ensina:
A fi r m ar o di r e i to d a pe s s o a h u m a n a à e d uc a ç ã o é po i s
a s s u m i r u ma r e s p o n s a bi l i d a d e m ui to m ai s pe s a da d o q u e
a s s eg u r ar a c a da u m a p os s i bi l i d a d e d a l e i tu ra , da e s c r i t a e
d o c ál c ul o : s i g ni fi c a , a r i g or , g a r a n ti r pa r a to d a s a s
c r i a n ç as o p l e n o d e s en v o l v i m en to d e to d a s as s u a s fu nç õ e s
me n ta i s e a aq u i s i ç ão d o s c on h ec i m e n to s , b e m c o mo d o s
v a l o r es mo r ai s q ue c or r e s po n de m a o ex e r c íc i o d e s s as
f u n ç õe s , a t é a ad a p t aç ã o pl en a à v i d a s oc i a l a t ua l . É a n t es
d e ma i s n a d a , p o r c o n s e g u i n te , a s s um i r a o br i ga ç ã o ,
_ l e v an d o e m c o n ta a c on s ti t ui ç ã o e a s a p t i d õe s q u e
d i s ti ng u e m c a d a i n d i v íd u o _ d e n a d a d es tr u i r ou ma l b ara t ar
d as p o s s i b i l i da d e s q u e e le e nc e r r a e qu e c a b e à s o c i e da d e
s e r a p ri me i r a a b en e fic i ar , a o i nv é s d e d ei x ar q u e s e
d es p e rdi c em i mp o r t an te s f r a ç õe s e s e s u fo q u e m o u tr as . 6
Hodiernamente, a educação é reconhecida por todos como
sendo um eixo central no exercício de uma cidadania ativa, livre e
responsável, haja vista que educa em valores e para valores aceitos
como
os
mais
certos
e
verdadeiros
para
uma
determinada
sociedade, num determinado período de sua vida coletiva, posto que
a escola integra e socializa o indivíduo, estimulando a capacidade e,
conseqüentemente, a autonomia e a livre iniciativa de cada um
deles, com o objetivo de que cada ator social se transforme no autor
de seu próprio futuro.
5
6
In História da educação, Nelson e Claudino PILETTI, op.cit, p. 131
Jean PIAGET. Para onde vai a educação? Ed. José Olympio, Rio de Janeiro. 1973.p.40
18
Montesquieu afirma que “o mundo não é governado por cega
fatalidade”. Também nesse sentido Karl Popper 7 ensina que “o curs o
da história humana é fortemente influenciado pelo crescer do
conhecimento humano” e que “uma sociedade aberta” é aquela em
que os homens são agentes críticos de seus destinos, em uma
espécie de neodarwinismo.
Entendemos que a educação é direito público subjetivo, haja
vista que o indivíduo tem a possibilidade de exigir da administração
pública o cumprimento das atribuições a que esta se impôs em
termos de prestações educacionais, uma vez que asseguradas pelas
normas jurídicas vigentes, mormente naquelas insertas na Carta
Magna.
Comungamos também das idéias de Pontes de Miranda
A e du c a ç ão s o m e n te p od e se r d i r e i t o d e t o d o s s e h á
e s c ol as e m n ú m er o s u fic i e n te e s e n i n gu é m é e x c l u í d o
d el a s , p o r t a n to s e h á d i re i t o pú b l i c o s ub j e ti v o à e d uc a ç ã o ,
e o E s t a do p o d e e te m d e e n tre g ar a p r es ta ç ã o
e du c a c i o n al . F or a d a í, é i l ud i r c om a r ti g o s d e C o n s t i tu i ç ã o
o u d e l ei s . R e s ol v er o p r o bl e m a d a e d u c aç ã o n ão é f a z e r
l e i s , a i n d a e x c e l e n t es ; é a b r i r e s c ol as , t e n d o p r o fe s s o r e s e
a d m i ti n d o os al u n o s . 8
Estabelecendo um paralelo entre as educações tradicional e
nova, Gadotti afirma:
E n r ai z ad a n a s oc i e da d e d e c l as s e s e s c r av i s t a d a Id a d e
A n ti g a , d e s ti na d a a u m a p e qu e n a mi n o r i a , a e d uc a ç ã o
tra di c i o na l
in ic i ou
s eu
d e c l ín io
já
no
mo v i m e n to
r e na s c e n t i s t a , ma s e l a s o b re v i v e a t é h o j e , a p es a r d a
e x te ns ã o m éd i a d a e s c ol a r i da d e t r a z i d a p e l a e d uc a ç ã o
b ur g u es a . A e du c a ç ão n ov a , q u e s u r ge d e fo r m a ma i s c l a r a
a p a r ti r da ob r a d e R o us s e a u , d e s en v o l v e u- s e n e s s e s
ú l ti mo s do is s é c u lo s e trou x e c on s ig o n u mer o s a s
7
8
POPPER, Karl. A miséria do Historicismo, 1980. Ed. Saraiva, São Paulo, 1988
MIRANDA, Pontes de. Comentários à Constituição de 1946.(T.4).2ed.Rio de Janeiro: Borsoi, 1963.
19
c o nq u i s ta s , s ob re t u d o n o c a mp o d as c i ê n c i a s d a e d uc a ç ã o
e d a s me t o d ol o g i a s de en s i n o . O c o n c ei to d e " ap r e nd e r
f a z e nd o " d e J oh n D e w e y e a s t é c ni c a s F r ei n e t , p o r
e x e m pl o , s ã o a qu i s i ç õe s de fin i t i v a s n a h i s tó r i a d a
p ed a g og i a . T a n to a c o nc e p ç ão tra d i c i o na l d e e d uc a ç ã o
q ua n t o a n o v a , a mp l a me n t e c on s o l i d a da s , t e r ã o u m l u g a r
g ar a n ti d o na e d u c a ç ão d o f u t u r o . 9
Em
relação
à
chamada
educação
nova,
muitas
de
suas
conquistas advieram com a aplicação do conceito de “aprender
fazendo” que se integrou aos métodos de ensino utilizados até hoje
pela pedagogia.
Preleciona Gadotti
A e d uc a ç ã o t r a d i c i o n al e a n ov a tê m e m c o mu m a
c o nc e p ç ã o
da
e du c a ç ão
como
processo
de
d es e n v o l v ime n to i n d i v i d u al . T o d a v i a , o traç o m a i s ori gi nal
d a e d uc a ç ã o d e s s e s é c u l o é o d es l o ca me n to de e n fo q ue d o
i n d i v i du a l p ar a o s o c i a l , p a r a o p ol ít i c o e pa r a o i d e o l ó gi c o .
A p e d a g o g i a i ns ti t u c i o n a l é u m e x e m pl o d i s s o . A
e x pe r i ê n c i a de ma i s d e m e i o s é cu l o d e e d uc a ç ã o n o s
p a ís es s o c ia li s tas t am bé m o te s te mu nh a . 10
No que concerne à educação no século XX, o autor salienta
que esta “tornou-se permanente e social”. Aduz ainda o autor
e x i s te m a in d a mu i t o s d es n ív e i s e n tr e r e g i õ es e p a ís es ,
e n t r e o N o r te e o S ul , e n t r e pa ís e s p e ri fé ri c os e
h eg e m ô n i c o s , en tr e p a ís e s g l ob a l i z a d ore s e g l ob a l i z a d o s .
E n t r e t a n t o , h á i d éi as u ni v er s a l m en t e d i f un d i d as , e n t re el a s
a d e q u e n ã o h á i d a d e p ar a se e du c a r , d e q u e a e d u c a ç ã o
s e e s t e n d e p e l a v i d a e q u e el a nã o é n e u tr a . 11
9
Moacir GADOTTI. Perspectivas atuais da Educação. Porto Alegre, Artes Médicas, 2000
idem, p. 32
11
ibidem, p. 38
10
20
1.2. A educação na Declaração Universal dos Direitos do Homem
A
i n s tr u ç ão
será
o r i e n t ad a
no
s e n ti do
do
pleno
d es e n v o l v ime n to d a p e s s o a h um an a e d o fo r tal e ci me n to d o
r e s pe i t o p e l o s di r e i tos d o h om e m e p e l a s l i be r da d es
f u n da me n t ai s . A i ns tru ç ã o p r o m ov e r á a c o m pr e e ns ã o , a
t o l e r ân c i a e a a mi z ad e en t r e t od a s as n a ç õ e s , g ru p o s
r a c i a i s e r e l i gi os o s , e co a d j u v ará as a ti v i da d e s d a s N a ç õ es
U n i d as e m p r ol d a ma n u t en ç ã o d a pa z . (A R T I G O X X V I D A
D EC L AR A Ç ÃO U N IV ER SAL D OS D IR E IT O S H U MA N O S DA
ONU )
Reconhecido
mundialmente,
o
direito
à
educação
está
expresso no artigo XXVI da Declaração Universal dos Direitos do
Homem e do Cidadão, aprovada pela Assembléia Geral das Nações
Unidas a 10 de dezembro de 1948, aparecendo, no que tange à
instrução elementar, como obrigatória e gratuita, pelo menos nos
graus elementares e fundamentais, e, neces sariamente, acessível a
todos, na modalidade técnico-profissional.
A Constituição Federal foi inspirada na Declaração Universal
dos Direitos do Homem e estabelece, não só os direitos políticos e
civis, como também os direitos sociais dos cidadãos. No Capítulo III,
do Título VIII, a Constituiç ão confirma o interesse estatal na política
educacional, ampliando o interesse social pela educação.
Afirma Hannah Arendt, citada por C elso Lafer:
N ã o é v e r d a de q ue t o do s o s ho me n s n a s c e m l i v r e s e i g ua i s
e m d i g n i d ad e e di r e i t os c o mo a fi r ma o a rt . 1 , d a D e c l a ra ç ã o
U n i v e rs a l d os D i r e i t o s d o H o m e m d a ON U , de 19 4 8 , n a
e s te i r a d a D e c l a r a ç ã o de V i r g ín i a d e 1 77 6 ( a r ti g o 1 ) , o u d a
D e c l a ra ç ã o F r a nc e s a de 1 7 8 9 ( ar t i go 1 ) . N ós n ã o na s c e mo s
i g u a i s : n ó s n o s t o r na mo s i g ua i s c o mo me m b r os d e u m a
c o l e tiv i d a d e e m v ir tu d e d e um a de c i s ã o c o nj u n ta q u e
g ar a n te a to d o s di r ei tos i g u a i s . A i g u al da d e n ã o é u m
d ad o _ e l a nã o é p h ys i s , n e m r es u lt a de u m a b s o l u to
21
t r a ns c e n d e n te ex t e r n o à c o m u n i d a de p o l í ti c a . E la é
c o ns tr u íd a , ’ ’ e l ab o r ad a c o n v en c i o n al m e n t e pe l a a ç ã o
c o nj un t a
do s
homens
a tr a v é s
da
organização
da
c o m u ni d a d e p o l í t i c a . D a í a i n d i s s o l u bi l i d a d e d a re l a ç ão
e n t r e o d i r e i to i nd i v i d ua l d o c id a dã o d e a u t o d e t er mi n a r - s e
p ol i ti c a m e n te , e m c o n j u n t o co m os s eu s c o n c i d ad ã os ,
a trav é s d e e x erc íc i o de s e u s d ire i to s p o l íti c os , e o di r ei to
da
comunidade
de
au to - de te r min a r - s e ,
c o ns t r u i n d o
c o nv e n c i o na l me n t e a i g u a l da d e . 12
Mas,
apesar
do
reconhecido
mundial
do
direito
à
educação, os fatos nos mostram que, em geral, somente uma
minoria de pessoas usufrui desse direito.
A UNESCO- Organização das Nações Unidas para a
Educação, a Ciência e a Cultura, em razão do desrespeito ao direito
à educação ao qual se assistia em muitos países no início da
década de 70, elaborou uma estratégia de 21 pontos, a ser seguida
por todos os países que pretendem fazer valer, na realidade, o
direito à educação, assim discriminados:
1. “Propomos que a educação permanente seja a pedra angular
da política educ ativa nos próximos anos, tanto nos países
desenvolvidos quanto nos países em desenvolvimento, para
que todo indivíduo tenha a possibilidade de aprender durante
toda sua vida.
2. prolongar a educação ao longo de toda a vida, sem limitá-la
aos muros da escola, supõe uma reestruturação global do
ensino.
A
educação
deve
adquirir
as
dimensões
de
um
verdadeiro movimento popular.
12
LAFER, Celso. A reconstrução dos direitos humanos: um diálogo com os pensamentos de Hannah Arendt.
São Paulo: Companhia das Letras, 2003, p.150.
22
3. A educação deve poder ser repartida e adquirida por uma
multiplicidade
de
meios.
O
importante
não
é
saber
que
caminho o indivíduo seguiu, mas sim o que aprendeu e
adquiriu.
4. É preciso abolir as barreiras artificiais ou antiquadas que
existem entre os diferentes tipos, ciclos e graus de ensino,
assim como entre a educação formal e a não-formal.
5. A educação das crianças em idade pré-escolar é um requisito
prévio essencial de toda a política educativa e cultural. Por
isso, o desenvolvimento da educação pré-escolar deve figurar
entre os
principais objetivos
da estratégia
educativa
dos
próximos anos.
6. A educação elementar deve ser efetivamente assegurada a
todos os indivíduos. Por isso, a generalização da educação
básica, sob formas diversas, segundo as possibilidades e as
necessidades, deve ser incluída em caráter prioritário entre os
objetivos da política educativa.
7. O conceito de ensino geral deve ampliar-se de forma que
englobe
o
campo
dos
conhecimentos
sócio-econômicos,
técnicos e práticos de ordem geral. É preciso abolir as
distinções rígidas entre os diferentes tipos de ensino_ geral,
científico, técnico e profissional, conferindo-se à educação,
desde o ensino de 1º grau, um caráter simultaneamente
teórico, tecnológico, prático e manual.
8. A finalidade da educação é formar os jovens não só com vistas
a um ofício determinado, mas, sobretudo, capacitá-los para
23
que
possam
adaptar-se
a
tarefas
diferentes
e
ao
aperfeiçoamento contínuo, na medida em que evoluem as
formas de produção e as condições de trabalho. A educação
deve tender a facilitar a reconversão profissional.
9. As tarefas da formação técnica não devem ficar à mercê do
sistema
escolar
apenas,
mas
distribuir-se
entre
escolas ,
empresas e educ ação extra-escolar.
10.
No
ensino
superior
é
preciso
promover
uma
ampla
diversificação das estruturas, dos conteúdos e dos alunos,
abrindo-se o acesso à universidade a categorias sociais que
ainda não podem freqüentá-la.
11.
O acesso aos diferentes tipos de ensino e às atividades
profissionais
deve
depender
exclusivamente
dos
conhecimentos, capacidade e aptidões de cada indivíduo.
12.
O
rápido
desenvolvimento
da
educação
de
adultos,
escolar e extra-escolar, deve constituir um dos objetivos
primordiais da estratégia educacional nos próximos anos.
13.
A alfabetização não é mais que um momento e um
elemento da educ ação de adultos e deve articular-se com a
realidade sócio-econômica do país.
14.
A nova ética da educação tende a fazer do indivíduo
mestre e agente do seu próprio desenvolvimento cultural.
24
15.
Os
sistemas
educacionais
devem
ser
concebidos
e
planejados levando em conta as possibilidades que as novas
técnicas
oferecem,
como
a
televisão,
o
rádio,
a
correspondência, etc.
16.
A formação dos educadores deve levar em conta as
novas funções que eles deverão desempenhar, como resultado
da aplicação das novas técnicas educativas.
17.
Num plano ideal, a função de todo educador é a mesma
e tem idêntica dignidade, qualquer que seja sua área de
atuação.
Devem-se
reduzir
gradualmente
as
distinções
hierárquicas mantidas entre as diversas categorias docentes,
como professores de 1º e 2º graus, professores de ensino
técnico, professores de ensino superior, etc.
18.
As condições de formação do pessoal docente devem ser
profundamente modificadas para que sua missão seja mais a
de educadores que a de especialistas em transmissão de
conhecimentos.
19.
Deve-se recorrer, além de aos educadores profissionais,
a auxiliares
técnicos,
e profissionais
executivos,
etc.)
de outros
e
ao
domínios(operários,
concurso
de
alunos
e
estudantes, de tal modo que se eduquem a si mesmos ao
instruir outros e c ompreendam que toda a aquisição intelectual
comporta o dever de reparti-la com outros.
20.
Contrariamente às práticas tradicionais, é o ens ino que
deve adaptar-se ao educando e não este submeter-se às
regras preestabelecidas do ensino.
25
21.
Os educandos, jovens e adultos, devem poder exercer
responsabilidades como sujeitos não só da própria educação
mas também da empresa educativa em seu conjunto”. 13
Os 21 pontos elencados, compreendem, bas icamente:
a. “a educação permanente, contínua, não limitada aos
muros da escola e adquirida e repartida por inúmeros
meios;
b. a ênfase na educação pré-escolar e elementar;
c. a importância de que toda a sociedade assuma o papel
de educar e de que a educação prepare para uma
adaptação a um mundo diversificado;
d. a
prioridade
da
educação
de
adultos
e
da
alfabetização;
e. os professores como educadores mais do que como
transmissores de conhecimentos;
f. os
educandos
como
empresa educativa”.
13
14
sujeitos
da
educação
e
da
14
FAURE, Edgar et alii. Aprender a ser: la educación del futuro. Madrid, Alianza/Unesco, 1973. p.259-323.
Apud Nelson PILETTI e Claudino PILETTI. História da educação. Ed. Àtica. 4.ed.1995. São Paulo.p.129
26
1.3. Visão histórica da Educação
Paul Monroe salienta
E n t r e os p o v os p r i m i ti v o s a e du c a ç ão p r á t i c a n ã o é
o r ga n i z a d a . E l a é min i s t ra d a a tr av é s d a i mi t aç ã o d i r e t a do
a du l t o p e l a c r i a n ç a . A e d u c aç ã o t eó r i c a c on s i s t e n a
t r a ns mi s s ã o , à s g e ra ç õ es m ai s j o v e n s , d o c o r p o g e r a l d e
c o nh e c i me n to s o u de cre n ç a s an i mis ta s , q u e c o ns ti tu e m a
i n te r pr e t a ç ão d as e x p er i ê n c i a s d a v i da . E s s a t r an s mi s s ã o é
r e al i z a da p o r me i o d e d i v e r s a s c er i mô ni as . A s c e ri mô ni a s
d e i ni c i a ç ão s ão a s m ai s i mp o r t a n te s , d o p o n t o d e v i s ta
e du c a c i o n al . D o an i m i s mo p r o v ê m a s r el i g i õ es n a t ur a i s , a s
p ri me i ra s fil os o fi as e a s c iê n c ia s ru d i m en ta res . 15
Entende o escritor que a educação primitiva tinha como traço
característico o seu caráter estacionário e imitativo, porquanto o
homem procurava ajustar-se ao seu meio ambiente, sem consciência
do
passado
ou
do
futuro,
dedicando-se
à
obtenção
do
mais
necessário, como alimento, abrigo e vestuário.
Ressalta ainda que, com a formulação das religiões naturais,
das primeiras filosofias e das ciências rudimentares criaram-se “as
linguagens
escritas”
e
se
desenvolveu
“um
corpo
especial
de
conhecimento, acessível apenas a poucos”.
Alude também
Is t o c o n s ti t u i m a t é r i a p a r a u m e s t ád i o s u p er i o r de
e du c a ç ã o . J u n ta m en te d e s e n v ol v e - s e u m s a c er d óc i o
e s pe c i a l qu e s e di f e re n c i a d os c u r a nd e i r o s ou e x o rc i s tas ,
d e u m l a d o , e d o po v o c o m u m do o u tro . O s a c e r d ó c i o t or n a s e um a c l a s s e es p e c i a l d e p r o f e s s o r e s p ar a t od o s . Lo g o
q ue s e o r ga n i z a m pa r a e n s i n ar o s fu t u r os me m b r os d e s u a
p r óp r i a o r d e m , s u r g e a pri m ei r a e s c o l a . C om a f o r m a ç ão d e
u m c ur r íc u lo d e fin i d o , d e u m ma gi s téri o e d a e s c ol a ,
15
idem, p. 129
27
e nc e r r a-s e o e s t á d io p ri mi ti v o n a e d u c a ç ã o , e a ti ng e m - s e
o s p ri me i r o s es tá d i o s d a c i v i l i z a ç ão . 16
Se remontarmos às sociedades antigas, perceberemos que
China,
Egito,
Pérsia,
Grécia
e
Roma
tiveram
instituições
de
educação formal que não eram para as massas, mas apenas para
determinadas
classes,
fato
indicador
de
que
a
transição
da
sociedade primitiva para os primeiros estádios da civilização é
assinalada pela substituiç ão da organização genética da sociedade
por uma organização política e pela formação de uma linguagem
escrita e de uma literatura.
Na
China,
o
sistema
formal
estava
limitado
somente
à
preparação de pessoas letradas, as quais, por terem aprendido os
clássicos e os caracteres da escrita, eram sempre reconhecidos
como as pessoas adequadas para dirigir a sociedade. Advém daí um
sistema de escolas muito mais elaborado e de longa duração, com o
desenvolvimento de currículos definidos e excelentes métodos de
ensino.
No Egito as escolas foram criadas em ligaç ão com a corte, a
fim de ministrar instrução aos filhos dos reis e cortesãos. O objetivo
era educar os jovens para o serviço da corte, instruindo-os em
leitura, escrita, etiqueta, e história nacional. O resultado geral é
uma ordem social que possui estabilidade, porém sem capacidade
de progresso.
As cidades-estado da Grécia treinavam seus jovens para
servirem o Estado, desenvolvendo-lhes as qualidades do corpo e do
espírito, que lhes permitissem ser cidadãos úteis à pátria.
16
MONROE, Paul. História da Educação.Cia. Ed. Nacional- 11. ed. São Paulo-1976-p.10/11
28
No período homérico, os ideais gregos concentraram-se nos
tipos do guerreiro e do conselheiro, nos quais era exaltado o
aspecto
social
do
ideal
da
educação.
Os
espartanos,
em
continuidade a essa exaltação do aspecto social da educação,
elaboraram um plano no qual a sociedade, como um todo, era
organizada
para
fins
educativos,
cujo
sistema
acentuava
o
desenvolvimento físico dos guerreiros.
Já, em Atenas, onde o indivíduo recebeu mais importância, o
Estado
determinava
os
padrões,
mas
a
família
tinha
a
obrigatoriedade de dar a educação. Atenas também realç ou o
treinamento para os cargos de governo. Lá foram estabelecidas
escolas de dois tipos: uma de música e literatura e outra de
ginástica.
Ambos os Estados educavam seus jovens no patriotismo e no
bem-estar da comunidade, sublinhando especialmente a perfeição
física e a iniciativa individual. Contudo, as escolas estavam apenas
ao alcance dos filhos de um pequeno grupo de cidadãos, que eram
acompanhados
por
um
adulto
servindo
como
supervisor
do
aproveitamento escolar dos moços.
Os sofistas foram os instrumentos na introdução de novas
práticas
educativas,
sendo
certo
que
os
filósofos
gregos,
especialmente Sócrates, Platão e Aristóteles tentaram harmonizar o
conflito entre a velha educação institucional e a nova, individualista,
porém sem resultado imediato, haja vista que essa tendência
individualista só chegou a ser reprimida politicamente pelo Império
Romano e moralmente pelo cristianismo.
29
Roma tinha escolas que preparavam seus jovens para a luta,
para a arte de viver com simplicidade e para os serviços de cidadão.
Porém, ampliou o ensino para abranger também os plebeus , que
foram instruídos especialmente na prática do comércio e em ofícios,
fornecendo à civilização a melhor ilustração da educação prática,
bem como uma contribuição prática de instituições como meios para
realizar ideais ou propósitos sociais.
No período medieval europeu, a educação formal dos jovens
era dedicada, particularmente, ao serviço da Igreja. As escolas
monásticas criadas pela Igreja exaltavam a renúncia a um mundo
repleto de malefícios e tentações demoníacas, e o desenvolvimento
da espiritualidade.
Mas,
em
virtude
de
muitos
monges
assim
treinados
acreditarem nas virtudes do trabalho produtivo, imprimiram um
grande progresso às artes e à agricultura. Outros, dedicando-se à
tarefa de copistas, conseguiram preservar documentos de grande
valor como os clássicos latinos.
Essas atividades não afetavam diretamente o mundo em geral,
mas fizeram com que as ordens religiosas servissem, de fato, como
modelos sociais, pois eram muito comuns.
Podemos tomar como exemplo os Jesuítas, que desenvolveram
um sistema altamente organizado de escolas monásticas, cujo
ensino gravitava em torno do ascetismo e da obediência aos seus
superiores. Cumpre observar que no ano de 1800, os jesuítas
contavam com 750 unidades escolares que congregavam mais de
200.000 jovens na Europa.
30
As
reações
a
esse
domínio
e
às
doutrinas
da
Igreja
provocaram a defesa de Lutero e Calvino a outros tipos de escolas
para a juventude, posto que ambos defendiam a educação univers al
para as crianças, apoiada e mantida pelo Estado.
Das idéias de Lutero e Calvino surgiram as escolas Sturm, que
deram realce à leitura dos clássicos, à epis tolografia, à oratória e
polêmica e à instrução religiosa, que se tornaram o modelo das
escolas secundárias na Europa, bem como o modelo dos primeiros
colégios americanos onde se ensinava gramática e latim.
31
1.4. A Educação a partir do Século XV
No mundo ocidental, a educação tornou-se necessária quando
novas
forças
influenciaram
as
condições
existentes,
como
a
invenção da imprensa e o incremento do comércio oceânico.
Por outro lado, o valor do conhecimento por pensadores como
Francis Bacon e Comenius, foram alguns dos progressos que
fizeram culminar na atribuição de uma posiç ão de destaque para a
educação.
Outros fatores, como o sistema corporativo de produção e o
treino por aprendizado, aliados ao crescente interesse na própria
natureza do homem, também agiram como poderosos estímulos à
criação de escolas que servissem a toda a população.
A Renascença clássica dos séculos XV e XVI, em primeiro
lugar, foi um movimento intelectual, estético e social e trouxe, como
traço
essencial,
o
individualismo,
desfazendo
a
unidade
de
pensamento e de vida medieval, face aos múltiplos interesses e
atividades características dos tempos modernos.
Os traços característicos desse período foram as tentativas
para derrubar, na Igreja, no Estado, nas organizações industriais e
sociais e na vida intelectual e educacional, as diversas formas de
autoridade dominantes durante a Idade Média.
D o i s tip os d i s ti n t o s de p en s a me n t o e d e p r á ti c a s
e du c a c i o n ai s s ur g i r a m d o R e n as c i me n t o . O p r i me i r o f oi a
r e s ta u r a ç ã o d e e d u c a ç ã o l i b e r a l d o s g r e g o s q u e v i s a v a a o
d es e n v o l v ime n to da pe r s o na l i da d e p o r m e i o d e u m a g r an d e
v a r i e d a d e d e r ec u r s o s ed u c a ti v os . E s t e o b j e ti v o d a
e du c a ç ã o e r a a m p l o e i nc l u í a di v er s o s e l e m e n t os al é m d o
i n te l e c tu a l e e mp r eg a v a m u i t o s me i o s a l é m d o l i te rá ri o .
32
C e do , en t r e ta n to , f i c o u pa r a t r á s , e s o b r ev i v e u ap e na s e m
v á r i a s f o r ma s d e p r o te s t os o u mo v i m en to s r e f o r ma d o r e s ,
q ue s e l e v a n t a r a m c o n t r a o t i p o d o m i n an t e d e e d u c a ç ã o .
E s te ti p o d o mi n a n t e de e d uc a ç ã o q u e f o i o s e g un d o
r e s ul tad o ed u c a ci o na l d o R e n a s ci me n to f o i a e s t r ei ta
e du c a ç ã o
hu m a n i s t a ,
fra n c a
d ec a d ê nc i a
da
ampl a
e du c a ç ã o hu ma n i s t a o u l i be r a l g r e ga . A s l í ng u as e
l i t e ra t u r as c l ás s i c as f o r a m , pr i m e i r a m e n te , es t ud a da s c o m o
f o n te d e t od a s as i d é i a s l i be r ai s ; d ep o is c om o e x e r c íc i o e m
a pr e c i a ç ã o l i te r á r i a f or m a l e fi n a l m e n te c om o u m a
d i s c i p l i n a f or ma l i s t a pa r a o i n di v íd uo . C a da p a ís p ro d uz i u
u m c er t o nú me r o d e l íd er e s e d u c ac i on a i s do R e n a s c i me n to
e
tipos
de
escolas
adequa d os .
E n t r e os l íd e re s , E ra s m o f o i o m a i s n o t á v el . O g i n á s i o
a l e mã o , a e s c ol a p ú b l i ca i n g l es a , o c o l ég i o e a e s c o l a d e
g r a m á t i c a c o l on i a l am eri c a n a f or a m t o d as es c o l a s d e ti p o
h u m an i s t a e s t r e i t o . E m to d a s o c o n te ú d o d a e d u c a ç ão f o i
r e s tri n gi d o à s l i t e r a tu r a s e l í n g ua s l a t i n a e g r e g a . E s t a
e du c a ç ã o p u r a me n t e f or m al v ei o a i de n ti f i c ar - s e c o m a
e du c a ç ã o l i be r a l , t r an s fo r ma nd o -s e n o ti p o d o mi n a n t e d e
e du c a ç ã o a té o s éc u l o X IX . 17
Finalmente, a Revolução Industrial trouxe a idéia de que a
educação dos jovens deveria revestir-se de utilidade, porquanto
deveria preparar os jovens para viverem num mundo comercial e
industrial.
Nessa época, restou claro que as sociedades poderiam ser
servidas com muito maior êxito por uma população alfabetizada e
formalmente
educada
para
cumprir
com
seus
deveres,
reconhecendo-se a educação, então, como necessidade, levando-a à
promoção e institucionalização definitivas.
17
MONROE, Paul. História da Educação. Cia Editora Nacional- 11ª ed. São Paulo-1976.p.171
33
1.5. A Educação Contemporânea
No
que
concerne
à
educação
contemporânea,
não
podemos deixar de trazer à colação, as teses elaboradas por
Jacques
Delors,
feitas
com
o
objetivo
de
aprofundar
a
visão
transdisciplinar da educação e com vistas a trazer uma reflexão
nova e criativa à educação do amanhã.
O Relatório Delors estabeleceu os quatro pilares da
educação
contemporânea,
que
deveriam
ser
perseguidos
permanentemente pela política educacional de todos os países,
elencando-os da seguinte forma:
1- Aprender a ser: voltado para o desenvolvimento integral do
indivíduo.
2- Aprender a fazer: vale mais a competência pessoal do que a
qualificação profissional.
3- Aprender a viver juntos: compreender e estar apto a viver com o
outro.
4- Aprender a conhecer: ter prazer em compreender, descobrir,
construir e reconstruir o conhecimento.
34
Nessa esteira, Basarab Nic olescu 18, afirma:
H á u ma t r an s r el a ç ão qu e l i g a o s qu a tr o p i l a r e s d o n o vo
s i s t e ma d e ed u c a ç ã o e q u e t e m s u a ori ge m e m n o s s a
p r óp r i a c on s ti tu i ç ã o c o mo s er e s h u m a n o s . U m a e d uc a ç ã o
s ó p o d e s e r v i á v e l s e fo r u m a e du c a ç ão i n te g r a l d o s e r
h u m an o . U ma e du c a ç ão q u e s e d ir i g e à t o t al i d ad e a be r t a
d o s e r h u m a n o e n ã o a p e n as a u m d e s e us c o m p o ne n t e s . 19
Ensina Edgar Morin que: “Há sete saberes ‘fundamentais’ que
a educação do futuro deveria tratar em toda sociedade e em toda
cultura, sem exc lusividade nem rejeição, segundo modelos e regras
próprias a cada sociedade e a cada cultura”. 20
São eles:
I - As cegueiras do conhecimento: o erro e a ilusão
Morin
entende
que
a
educação,
cujo
objeto
é
transmitir
conhecimentos, é cega naquilo que tange ao próprio conhecimento
humano, cujas tendências ao erro e à ilusão são uma constante, não
se preocupando em fazer conhecer o que é realmente o conhecer,
capacitando cada mente humana à lucidez, na medida em que
introduza e desenvolva na educação o estudo das características
mentais, culturais e cerebrais do conhecimento humano, bem como
das disposições culturais e psíquicas que conduzem o indivíduo ao
erro, à ilusão ou mesmo aos erros de percepção resultantes da
visão e do intelecto da cada indivíduo em particular.
18
Presidente do Centro Internacional de Estudos e Pesquisas Transdisciplinares (CIRET)
Apud MORIN, Edgar. Os sete saberes necessários à Educação do Futuro, 9 ed. 2004,
UNESCO/Cortez Editora.
20
MORIN, Edgar. Os sete saberes necessários à Educação do Futuro, 9 ed. 2004, UNESCO/Cortez
Editora, p.13.
19
35
Aduz
o
autor
que
o
desenvolvimento
do
conhecimento
científico é um meio exc elente e poderoso para detectar erros e
ilusões e, por isto, a educação deve se dedic ar a identificar a origem
de erros , ilusões e cegueiras, usando da racionalidade teórica,
crítica e autocrítica, e não da racionalização.
II - Os princípios do conhecimento pertinente
O
autor
ensina
que,
para se
reconhecer
e conhecer
os
problemas globais há que se reformar o pensamento humano, no
sentido de articular e organizar os conhecimentos. Porém, essa
reforma é uma reforma de paradigmas e torna-se questão basilar da
educação, haja vista que diretamente ligada à aptidão do indivíduo
para organizar o conhecimento.
Entende que o grande problema que a educ ação do século XXI
enfrentará é o de tornar evidentes: o contexto ( sentido a ser dado
às informações e dados); o global (relação das partes com o todo); o
multidimensional (reconhecimento do caráter multidimensional do
ser humano) e o complexo (união entre unidade e multiplicidade).
III - Ensinar a condição humana
A educação do futuro deverá estar centrada na condição
humana, vez que o homem é, ao mesmo tempo, um ente físico,
psíquico, biológico, social, histórico e cultural, unidades que se
encontram desintegradas na educação, em razão da separação das
disciplinas.
36
Há que se conhecer o ser humano situando-o no universo e
não o separando dele, na evidenciação do elo indissolúvel existente
entre a unidade e a diversidade de tudo o que é humano.
C a be à e d u c aç ã o d o f u tur o c u i d a r p ar a q u e a i d é i a d e
u ni d a d e d a e s pé c ie h u m an a nã o a p a gu e a i dé i a d e
d i v e r s i d ad e e q u e a d a s u a d i v e rs i d a d e nã o a p a g ue a d a
u ni d a d e . H á uma u n i d a de h u ma n a . H á u ma d i v e rs i d a d e
h u m an a . A u ni d a d e n ão es tá a p e na s n o s t r a ç o s b i o l ó g i c o s
d a es p é c i e H o mo s a pi en s . A d i v e r si d a d e n ão e s t á a pe n a s
n os t r aç o s p s i c o l ó g i c o s , c u l t u r ai s , s o c i a i s d o s e r h u ma n o .
E x i s t e t a m b é m di v er s i da d e pro p ri a m e n te b i o l ó g i c a n o s ei o
d a u n i d a d e h u m a n a ; n ão a pe n as e x i s t e u n i d ad e c er e b ra l ,
ma s me n t al , ps í q u i c a , a fe ti v a , i n t el ec tu a l ; a l é m d i s s o , a s
ma i s d i v e r s a s c u l t ura s e s oc i ed a de s tê m p r i n c ípi o s
g er a d or e s ou o r g a n i z a c i o na i s c o m u n s . É a u n i d a d e hu ma n a
q ue t r a z e m s i o s p r i n c íp i o s d e s u as m ú l ti p l a s d i v e r s i d a d e s .
C o mp re e n d e r o h u m a n o é c om pr e e n d e r s ua u n i d a d e n a
d i v e r s i d ad e , s u a d i v e r s i d a d e n a u n i d a d e . É p rec i s o
c o nc e b e r a u n i d ad e do mú l t i p l o , a m ul ti p l i c i d ad e d o un o . A
e du c a ç ã o
deverá
i l u s t r ar
es t e
princípio
de
u ni d a d e /d i v ers i da d e e m to d a s as es f e r a s . 21
IV - Ensinar a identidade terrena
Outra realidade ignorada pela educação até os dias atuais, que
deverá se converter num dos principais objetos da educação, diz
respeito ao destino planetário do gênero humano, ao conhecimento
dos
desenvolvimentos
operados
na
era
planetária
e
ao
reconhecimento da identidade terrena, cada vez mais indispensáveis
ao homem.
Não é conveniente ocultarmos do homem as opressões e a
dominação que devassaram a humanidade e que ainda hoje exis tem
em vários países, a fim de mostrarmos que todos os seres terrestres
partilham um mesmo destino, vez que se confrontam aos idênticos
problemas comuns da vida e da morte.
21
Op cit. p.55.
37
V - Enfrentar as incertezas
As ciências nos trouxeram muitas certezas, mas também nos
revelaram um sem número de incertezas nas ciências físicas,
biológicas e históricas, incertezas estas que deveriam ser incluídas
e tratadas na educação do futuro.
Faz-se necessário ensinar princípios de estratégia que nos
permitam enfrentar as incertezas, os imprevistos e o inesperado, a
fim de que conhecedores destas informações, possamos, ao longo
do tempo, modific ar seu desenvolvimento.
O poeta grego Eurípedes, há vinte e cinco séculos, escreveu:
"O esperado não se cumpre, e ao inesperado um deus abre o
caminho". 22
VI - Ensinar a compreensão
Edgar Morin considera que a compreensão é, a um só tempo,
meio e fim da comunicação humana. No entanto, no ensino, não está
presente a educaç ão para a compreensão, sendo certo que o mundo
atual precisa, em todos os sentidos, da compreensão mútua.
Em todos os níveis da educação, bem como em todas as
idades, o desenvolvimento da compreensão importa na reforma
daquelas
mentalidades
que,
em
última
instância,
representa
a
verdadeira obra para a educação do futuro.
22
sine dacta
38
A c o m p r e en s ã o m ú t ua e n t re o s s e r es hu m a n os , qu e r
p r óx i mo s , q u e r e s t ra n h os , é d a qu i p a ra f r en t e v i t a l p a r a
q ue as r e l aç õ e s h u ma na s s ai am d e s e u e s ta d o b á r b a r o d e
i n c o mp r ee n s ão . D a í d ec o r r e a ne c e s s i d ad e d e e s tu d a r a
i n c o mp r ee n s ão a pa r ti r d e s u a s ra íz e s , s ua s mo d al i d a de s e
s e us e f e i t os . E s t e es tu d o é t an to ma i s n e c e ss á r i o p o rq u e
e n f oc a ri a n ã o os s i n to ma s , ma s a s c au s a s d o r ac i s mo , d a
x e no fo b i a , d o d e s p r e z o . C o n s ti t u i ri a , ao m e s mo t e mp o , u m a
d as b a s e s m a i s s e gu r as da e du c a ç ã o p ar a a p a z , à q ua l
e s ta m o s l i g a do s p o r e s s ê n ci a e v o c a ç ã o . 23
VII – A ética do gênero humano
Ressalta Edgar Morin que a educação para o futuro deve ter
como fim a “antropo-ética”, isto é, deve levar em conta o caráter
ternário
da
condição
humana:
indivíduo/sociedade/espécie,
ressaltando que a ética indivíduo/espécie necessita basicamente da
democracia, ou seja, do controle mútuo do indivíduo pela sociedade
e da sociedade pelo indivíduo.
A é ti c a n ã o p o de ri a s er e ns i na d a p o r m ei o d e l i ç õ es d e
mo r a l . D e v e fo r m a r - s e n as me n t e s c o m ba s e n a
c o ns c i ên c ia d e q u e o hu ma n o é , a o me s mo te m p o ,
i n d i v íd u o ,
parte
da
s o c i e da d e ,
parte
da
e s p éc i e .
C a rre g a m os e m n ó s e s s a t r i p l a r e a l i d a de . D e s s e m o d o ,
t o d o d e s e nv o l v i m e n to v e r d ad e i r a m e n te h u ma no d e ve
c o m p r e e n de r o d e s en v o l v i m e n to c on j u n to d a s a u to no m i a s
i n d i v i du a i s ,
da s
pa r t i c i pa ç õ es
c o m u ni t ár i as
e
da
c o ns c i ên c ia d e pe r t e nc e r à e s p é c i e h u m a n a . 24
Entende Morin que
P a r t i n d o d i s s o , e s b o ç a m- s e d u as g r a n d e s fin al i d a de s é ti c o p ol ític a s do n ov o mil ê n i o : e s tab e l e c e r u ma r e l a ç ã o d e
c o n t r o l e mú t u o en t r e a s oc i ed a d e e o s i n di v íd uo s p el a
d e m oc r a c i a e c on c e be r a H um an i d a d e c om o c o m u ni d a d e
p l a n e t á r i a . A ed u c a ç ã o d e v e c o n tr i b ui r n ã o s o me n te p a r a a
t o ma d a d e c o n s c i ê nc i a d e n o s s a T e r r a -P á tri a , ma s ta m b ém
p er m i ti r q ue es ta c on s c i ê n c i a s e t r a d u z a e m v o n ta d e d e
r e al i z a r a c i da d a n i a t e r r en a . 25
23
Morin Edgar. Os sete saberes necessários à Educação do Futuro. 9 ed. UNESCO/Ed.Cortez.p.17
idem.p.17
25
MORIN, Edgar. Os sete saberes necessários à Educação do Futuro. 9 ed. UNESCO/Ed.Cortez.p.17
24
39
Capítulo 2. O Estado Grego e a Educação
Sem dúvida, a história da civilização ocidental começa na
Grécia,
cujos
habitantes,
que
adotaram
uma
posiç ão
revolucionadora e solidária, há vários milênios, traçaram o destino
da educação, que representava para aquele povo o sentido de todo
o
esforço
humano
e
a
justificação
última
da
comunidade
e
individualidade humanas.
É no conceito de arete que se concentrou o ideal de educação
daquela época, tema essencial da história da formação grega,
significando o mais alto ideal da nobreza cavaleiresca, unido a uma
conduta cortês e distinta e ao heroísmo guerreiro. A arete estava
intimamente ligada à honra, como reflexo do valor interno no
espelho da estima social, haja vista que o ser humano homérico só
adquiria consciência do seu valor pelo reconhecimento da sociedade
a que pertencia.
Jaeger 26 em sua célebre obra Paidéia, cita que não se pode
traçar o processo de formação do povo grego, senão a partir do
ideal de Ser humano que forjaram, processo esse que estabeleceu,
pela primeira vez de modo consciente, um ideal de cultura como
princípio formativo, aliado a um sentimento da dignidade humana.
Foram os gregos que perceberam, em primeira mão, que a
educação
deveria
ser
um
processo
de
contínua
construção
consciente, “constituído de modo correto e sem falha, nas mãos, nos
pés e no espírito”, como já disse um poeta grego dos tempos de
Maratona e Salamina, quando descreve a essência da virtude
26
JAEGER, Werner. Paidéia: a formação do Homem Grego. Martins Fontes, São Paulo, 2001.tradução Artur
M.Parreira.
40
humana mais difícil de adquirir, a formação do indivíduo, expressão
que Platão usou em sentido metafórico, quando a aplicou à ação
educadora.
Em lapidar texto, refere o autor
D e s de a s pri me i r as n o t í c i a s q ue t e m o s d el es ( g r eg o s )
e nc o n tr a m os o s e r hu ma n o no c e n t ro d e s eu p e n s a me n t o . A
f o r ma hu ma n a d e s e us de u s es , o p r ed o mín i o e v i d e n t e d o
p rob l e ma da fo r ma hu ma n a na s u a e s c u l tu r a e n a s ua
p i n tu ra , o mo v i m e n to c o n s e qü e n t e d a fil os o f i a d es d e o
p r ob l e ma d o c o s mo s a t é o p r o bl e m a d o s e r h u ma n o , q u e
c u l mi na e m S ó c r a t e s , P l a tã o e A ri s t ó t el es ; a s u a p o es i a ,
c u j o te ma i n es g o t á v e l de s d e H o me r o a té o s úl ti mo s s é c ul o s
é o s e r h u m a n o e o s e u d u r o d e s tin o n o s e n ti d o d a p a l a v r a ;
e , fin a l me n te , o Es ta do g reg o , c u ja e s s ên c ia s ó p od e s e r
c o m p r e e n di da s ob o po n to d e v i s ta da for m a ç ã o d o s e r
h u m an o e d a s u a v i da i n t e i r a ; tu d o s ã o r a i o s de um a ú n i c a
e mes m a lu z , ex p re s s õ e s d e u m s e n ti me n to v i ta l
a n t r o p oc ê n tr i c o q ue n ã o po d e s er ex p li c ad o n e m d er i v a d o
d e n e n h u m a o u t ra c oi s a e q u e p e n e t r a to d a s a s f o r ma s d o
e s p í ri t o g r e go .
A sua descoberta do Ser humano não é a do eu subjetivo, mas
a consciência gradual das leis gerais que determinam a essência
humana.
O princípio espiritual dos Gregos não é o individualismo, mas o
“humanismo”,
para
usar
a
palavra
no
seu
sentido
clássico
e
originário. Humanismo vem de humanitas. Pelo menos desde o
tempo de Varrão e de Cícero, esta palavra teve, ao lado da acepção
vulgar e primitiva de humanitário, que não nos interessa aqui, um
segundo sentido mais nobre e rigoroso.
41
S i gn i f i c ou a e du c a ç ão do S er h u m an o d e a c o r d o c o m a
v e r da d ei r a fo r ma h u m a n a , c o m o s e u au tê n ti c o s e r . T a l é a
g en u í n a P a i d é i a g re ga ( p a l a v r a q u e a pa re c e u no s éc .V ) ,
c o ns i de ra da mo d el o p o r u m s e r h u ma n o d e E s t ad o ro ma n o .
N ã o b r o ta do i nd i v i du a l , m as s i m d a i d é i a , p oi s a c i ma d o
S e r h u ma no c o mo s en d o s e r g re g ári o ou c o m o s up o s to e u
a u t ôn o mo , er g u e- s e o S e r h u ma n o c o m o i d é i a . 27
Conclui seu pensamento afirmando: “Como vimos,
a essência da educação consiste na modelagem dos indivíduos pe la
norma da comunidade.”28
27
JAEGER, Werner. Paidéia: a formação do Homem Grego. Martins Fontes, São Paulo, 2001.tradução Artur
M.Parreira. p. 32
28
Idem, p. 33
42
2.1. A polis no contexto histórico da Grécia
No centro de todas as considerações históricas encontramos a
polis, o centro principal a partir do qual se organizou historicamente
o período mais importante da evoluç ão grega. Foi na estrutura social
da vida da polis que a cultura grega atingiu a forma clássica, vez
que as finalidades morais estavam presentes no âmago desta, na
medida em que se identificavam com o conjunto de cidadãos.
O termo está etimologicamente ligado à palavra akropolis,
‘cidadela’ ou parte alta da cidade, designando a “cidade” (civitas),
por oposição aos campos que as circundavam. Refere-se também às
cidades-estados e, neste sentido, implica numa unidade política
peculiar, auto-governada, incluindo o núcleo urbano e o território
adjacente, constituída por ‘Estado’ e ‘sociedade civil’.
Segundo Aristóteles, “todas as comunidades visam algum bem,
a comunidade mais elevada de todas e que engloba todas as outras
visará o maior de todos os bens”. 29
Explica o filósofo que a polis é uma comunidade política que
surge
de
outras
associações,
como
a
comunidade
familiar
e
doméstica, representada pela casa e a comunidade de viz inhos, que
busca alcançar o maior bem, a autarcia e a vida feliz, sendo certo
que no primeiro momento as finalidades são a sobrevivência e a
subsistência, com o objetivo de satisfazer as necessidades do
cotidiano e atingir a auto-suficiência para, no segundo momento,
atingir a meta não só de viver, mas de viver bem.
29
ARISTÓTELES. Política. São Paulo, Abril Cultural, 1973.(coleção Os Pensadores).
43
Aduz,
ainda,
que os
homens
são,
por
natureza,
simples
animais políticos e não apenas meros animais gregários, dotados de
potencialidades e impulsos.
Aristóteles afirma
C o m e fei to , a e x c el ê nc i a mor a l s e re l a c i on a c o m o p raz e r e
o s o f r i me n to ; é p o r c a us a d o pr a z er q u e p r a t i c a m o s m á s
a ç õe s , e é p o r c a u s a d o so fri m e n t o q ue d e i x am os d e
p r a ti c ar a çõ e s n o b i l i tan te s . D a í v ê -s e a i m p o r t â nc i a ,
a s s i n al a d a po r P l a tão , d e t e r mo s s i do ha b i tu a do s de f o r m a
a de q u ad a , de s d e a i n fâ n c i a , a g os ta r e de s g os ta r d aq u el a s
c o i s a s c e r t a s ; e s t a é a v e r d a d e i r a ed u c aç ã o . 30
Como é cediço, foi com a polis grega que apareceu, pela
primeira vez, o que atualmente denominamos de Estado, embora o
termo grego possa ser traduzido tanto por Estado quanto por cidade.
No fim do século VI, a Grécia havia espalhado os seus
estabelecimentos coloniais do Ponto Euxino ao Estreito de Gibraltar,
ocupando toda a costa européia do Mediterrâneo, bem como o litoral
da África do Norte até a Grande Sirta e à Anatólia. Porém, todo este
domínio não chegou a constituir um império colonial, no sentido
literal da expressão, uma vez que cada cidade era politicament e
independente e não tinha qualquer obrigação militar ou financeira
para com a pátria.
Cada cidade, autônoma e independente, organizava as suas
próprias leis e estabelecia o regime político que lhe convinha,
escolhendo os
seus magistrados e orientando livremente suas
finanças, seu comércio e sua economia.
30
ARISTÓTELES. Ética a Nocômacos. UnB. Brasília. 4.ed. 2001.tradução Mário da Gama Kury. p.37.
44
Essa liberdade, reivindicada altivamente pelos colonos, fazia
parte da mentalidade individualista dos gregos, mas restringia-se
apenas
ao
aspecto
político,
posto
que
os
laços
morais,
especialmente no que tangia ao aspecto religioso, eram sempre
fortes e constantes, intensas eram suas relações comerciais e a
influência das instituições políticas da metrópole, bem como os
sentimentos de afeto e de respeito, em semelhança àqueles que o
filho tem para com os pais.
Apesar de separado fisicamente, o povo helênico manteve uma
consciência comum, não perdendo seu orgulho de raça, a sua
superioridade cultural e o seu ideal de civilização, calcado numa
unidade moral que se manteve através dos séculos.
Isolados
em
cidades-estados,
ou
seja,
em
organismos
politicamente independentes uns dos outros, com sua constituição
própria,
suas
normas
jurídicas,
suas
tradições
e
seus
órgãos
administrativos especiais, apresentavam, mesmo isoladamente, os
mesmos sinais da autonomia e da perfeição política que acreditavam
possuir.
45
2.2. As diferenças educacionais entre Atenas e Esparta
Há dois períodos na história da educação grega: o período
antigo que compreende a educação homérica e a educação antiga
de Esparta e Atenas, e o novo período, o da educação no "século de
Péricles", correspondendo este ao período áureo da cultura grega, o
qual
se
inicia
com
filósofos/educadores
os
ou
Sofistas
e
se
desenvolverá
educadores/filósofos
gregos
com
os
Sócrates,
Platão e Aristóteles.
Depois, seguir-se-á o período helenístico, já de decadência,
em que a Grécia é conquistada primeiro pelos macedônios e depois
pelos romanos. Atenas perde, então, a sua posição de centro
cultural do mundo em favor, sobretudo, de Alexandria.
A
Grécia
triunfou
pela
sua
cultura,
que
se
difundiu
e
universalizou - Graecia canta ferum victorem cepit et artes intulit
agresti Latio (Horácio) -, não é menos verdade que o que ganhou em
universalização o perdeu em originalidade e alento criador 31.
A cultura grega está em Homero, que representa a base
fundamental
de
toda
pedagogia
clássica.
A
educação
era
nitidamente definida: o jovem recebia conselhos dos mais velhos, a
quem era confiado sua formação.
A educação homérica tinha dois aspectos: uma técnica que
preparava
a
criança
progressivamente
para
inserir
em
um
determinado modo de vida; e outra ética, que trabalhava com o ideal
de existência, a formação do homem.
31
MORIN, Edgar. Os sete saberes necessários à Educação do Futuro. 9 ed. UNESCO/ Ed. Cortez p 38
46
2.2.1. A educação em Esparta
Em Esparta a educação s empre teve como principal meta a
formação
militar
e
física
deixando
em
segundo
plano
desenvolvimento do espírito e do intelecto, pois submetia
o
o
indivíduo aos interesses do Estado. O lema era: Obedecer e
combater.
Como a sociedade espartana era muito rigorosa, a educação
era definida como adestramento.
A civilização helênica apresentou curiosas diversidades em
matéria educacional. Em Esparta, a família e os adultos que
atuavam como agentes das autoridades públicas civis e militares no
exercício do controle da cidade-estado preparavam a infância para a
habilitação e coragem marciais, virtudes estóicas e ênfase na
obediência e educação física.
Havia um superintendente oficial, o paedonomous, e seus
assistentes. O Estado oferecia campos e barracas em que eram
distribuídos grupos etários devidamente classificados, modelo sem
dúvida paramilitar, com a exclusão dos filhos de escravos.
Não se concebia, em Esparta, a escola como instituição
educacional
especializada,
organizando-s e
a
educação
para
a
defesa e a força militar de uma sociedade em competição com
outras cidades-estados, e sob a ameaça das invasões persas. A
educação em Esparta é outro claro dado histórico da atribuição pelo
Estado de um papel especial discriminante à educação.
47
Esparta
era
uma
cidade
conservadora,
aristocrática
e
guerreira, ocupando um privilegiado lugar na história da educação
grega.
Segundo Marrou:
A e du c a ç ão d o c i d ad ã o e s p ar t a n o n ão é a d e u m
c a v al he i ro , ma s a d e u m s o l d a d o ; i ns e r e -s e n u ma
a tmo s fe ra « po l í t i c a » ( Ma r r ou , 19 6 6 : 3 6 ) . O o bj e ti v o e r a d a r
a c a da i n d i v íd u o pr e p ar a ç ão f í s i c a , c or a g e m e h á b i to s d e
o be d i ê n c i a t o tal à s l e i s da c i da d e d e f or ma a t o r n á - l o u m
s o l d ad o i n s up e r áv e l e m b ra v u r a e m q ue o i nd i v íd u o
e s tiv e s s e ab s o rv i d o p e l o c id a dã o 32.
A educação espartana, enfim,
não tinha por fim selecionar
heróis, como dizia Marrou, mas formar uma cidade inteira de heróis,
consubstanciados em soldados prontos a devotarem a sua vida à
pátria.
Não admira, pois, que o jovem espartano revelasse hábitos de
obediência e uma compostura que os outros gregos possuíam em
muito menor grau. Todavia, conquanto os espartanos possuíssem
um fino senso de humor e a sua vida ativa não se ressentisse da
falta de alguns prazeres naturais e simples, pouco havia no seu
ideal da ‘vida bela e feliz’ dos atenienses.
Faltavam aos espartanos os sentimentos mais delicados e a
sensibilidade
dos
atenienses
para
a
harmonia
na
conduta
e
especialmente para as amenidades da vida, ou para o seu aspecto
cultural.
32
MARROU, Henry-Irénée. História da Educação na Antiguidade. Ed. Herder, São Paulo, 1996. p.36
48
Nesse sentido refere Monroe
O j o v e m m ai s i n t el i g e n t e e m ai s c or a j o s o n a l u ta e ra
c o ns i de ra do o c h e fe d o g r u po , e t o d o s t i n h a m o s o l h o s
fi x a d o s n e l e ; ac a ta v a m s u a s o r d en s e s u j e i t a v a m - s e a o s
s e us c as ti go s . D e s s e mo d o a e du c a ç ã o e r a pa r a o s
e s pa r t a no s a a p re n di z a g e m d a d is c i p l i na . A s pe s s o a s
i d o s as v i g i a v a m o s j o g o s , q u e n a m a i o r p a r te d o t e mp o
p r op o rc i o n a v a m a o s j o v e n s m o tiv o s pa r a a lt er c a ç õe s e
c o n f l i t o s . C o m i s s o po d i a m to m a r c on h ec i m e n t o do c ar á t e r
d e c ad a j o v e m , d a s ua c o r a g e m e d a s ua c o ns t ân c i a n a s
c o mp e tiç õ es . 33
Plutarco em “Vidas Paralelas” afirma:
O s j ov e n s n ã o a p re n d i a m as l e tr a s s e n ão n a m e d i d a do
e s tri ta me n te ne c e s s ári o . T o d o o res to d a e d uc a ç ã o v is a v a
p rep a rá -lo s pa ra s a b ere m de i x a r-s e c o nd u z ir , e m c o mb a te .
À me d id a q u e a v a n ç a v a m n a i d a d e , e ra m- l he s a t ri bu íd o s
ma i s e x e r c íc i os . E r am r a p ad o s p o r c o m p l e to , h ab i t ua d os a
c a mi n h a r d e s c a l ç o s e a j o ga r c o m p l e t a m e n te n u s a ma i o r
p ar t e d o t em po .
A o s d o z e a n os d e i x a v a m d e u s a r a tú ni c a e a p e na s ti n h am
u m ma n to p ar a t o d o o a no . A n d a v a m s uj os , i g n o r a n d o o s
b an h o s e as fri cç õ e s , s al v o e m c e r t os d i a s d o a n o , e m q u e
p ar ti c i p av a m de s s a s de l íc i a s .
Também dormiam em conjunto, divididos em grupos e por
seções, sobre esteiras preparadas por eles próprios com as mãos,
sem o uso de nenhum,
utilizando para tal as extremidades dos
juncos que cresciam ao longo do rio Eurotas. No inverno, entretanto,
juntavam cardos - planta que se diz libertar algum calor - aos juncos
de seus leitos.
33
MONROE, Paul. História da Educação. Cia Ed. Nacional. 11. ed. São Paulo, 1976, p.p. 10-11
49
2.2.2. A educação em Atenas
A sociedade ateniense forjou uma das primeiras escolas de
formação do homem ocidental, modelando os clássicos arquétipos
ideais, tais como o herói de epopéia, o cavaleiro culto, o cidadão
ativo ou o sábio introspectivo. O que exercitaram no campo da
educação durante alguns séculos antes de Cristo serviu como
exemplo
à
maioria
das
instituições
educacionais
primárias
e
superiores adotadas em Roma e dali espalhando-se para o restante
do Ocidente
Em Atenas, onde arte, filosofia e drama floresceram, em parte,
graças a um clima social mais prolongado de maior segurança e paz,
o destaque à educação física e atlética nos magnífic os ginásios (que
constituíam instituição esportiva, recreativa, atlética, pré-militar) não
excluía a educação intelectual, artística, moral e religiosa, nem
excluía o ensino em escolas, liceus e academias que se seguiam
aos dois anos iniciais no gymnasium.
Os testemunhos existentes sobre a educação ateniense são
unânimes em afirmar que a democratização da sociedade e da vida
política alterou os métodos pedagógicos, mas não representou uma
alteração no seu ethos, nos objetivos últimos da formação do jovem
ateniens e. Ela continuou orientando-se pelo modelo cavalheiresco
da nobreza ática, a ambição de reunir num só corpo a beleza física
e moral de um indivíduo. Os plebeus que ascendiam socialmente
não o questionavam.
50
Na escola prioriz ava-se o ensino de música, isto é, das nove
musas: música propriamente dita e poesia, drama, história, oratória,
ciências, etc., e, no séc. VI a.C., o ensino da leitura e escrita.
Currículo este muito rico e diversif icado, acessível para as elites,
não para as massas populares.
A educação já havia pas sado por uma substancial alteração
quando se deu a evoluç ão da cidade oligárquica dos tempos
arcaicos, calcada nos valores militares, para a cidade democrática
do período clássico, inspirada na importância da palavra.
O antigo processo de transmissão do conhecimento, ou das
habilidades, que fazia largo uso da pederastia, vez que um amante
mais velho, um guerreiro, acompanhava a formação do seu jovem
escudeiro, foi substituído pelo pedagogo ou pela escola regida pelo
mestre didático, que ministrava lições de gramática e ensinava os
primeiros cálculos.
As técnicas universais de memorização e imitação também
eram empregadas pelos educadores gregos, mas valorizando-se, e
muito, o desenvolvimento da personalidade e a criatividade.
Posteriormente,
acrescentou-se
no
currículo
aritmética,
geometria e des enho, aumentando ainda mais as exigências de
aplicação e aproveitamento do alunado e o elitismo escolar.
Na Grécia, e mesmo em Roma, que adotou os modelos da
primeira,
a
educação
oferecida
aos
homens
livres
não
podia
alcançar os plebeus, cujos filhos cedo aprendiam os ofícios dos
pais, perseverando na condição profissional de artífices e artesãos,
pouco se distinguindo dos escravos.
51
Apesar da versatilidade e certa liberalidade que já se ensaiava
na educação ateniense - como, esporadicamente, também no seu
sistema político - modelavam-se as novas gerações, de modo a se
manter
a
continuidade
cultural
e
a
preservação
dos
valores,
interesses e relações de poder das classes dominantes.
Estas, porém, e seus servidores mais qualificados, jamais
atuaram e pensaram de modo compacto, homogêneo e unificado, no
campo ideológico e político. Assim sendo, só num clima social
pluralista e filosoficamente tolerante, já es boçando o pensamento
democrático-liberal, é que as divergências se multiplicaram em torno
das posições progressistas, conservadoras ou reacionárias.
A mudança social e cultural não seria uma característica
própria e exclusiva da civilização ocidental, nem a estabilidade
estacionária
e
autoritária
uma
característica
das
civilizações
orientais.
No
seio
das
classes
economicamente
dominantes,
uma
orientação política diferenciada poderia partir da divergência para a
busca do poder estatal imprimindo-lhe orientação especial, ou mais
progressiva do que a vigente, ou mais conservadora, ou mais
reacionária.
Dissidências profundas e intensas tanto ocorreram na Grécia e
Roma antigas, quanto nas sociedades européias, afro-asiátic as e
ameríndias de data mais recente.
Contradições e conflitos entre grupos divergentes das próprias
classes dominantes alteraram radicalmente sistemas sócio-político-
52
econômicos sem se chegar, inexoravelmente, à tomada do poder da
classe dominada e explorada.
Cabe, pois, a suposição de que o progresso das idéias,
atitudes, técnicas e ciências tendem a minar o poder das forças
autoritárias, rígidas e retrógradas, quando não ocorre exatamente o
oposto,
como
teriam
sido
os
surtos
nazi-fascistas,
autoritário-
populistas e ditatoriais oligárquicos em reação ao progresso das
idéias e dos ideais liberalizantes e democratizantes.
53
CAPÍTULO 3. A CONSTITUIÇÃO FEDERAL E A EDUCAÇÃO
A Carta Magna de 1988, a Constituição C idadã, traz insculpida
em seus artigos 205 e seguintes, ao tratar da educação, a qualidade
do ensino e a educação para a cidadania.
A educação, estabelecida na Constituição como dever da
família e do Estado, é primordial à pessoa para transformá-la em
cidadão, cônscio de seus direitos e deveres sociais , e apto para o
exercício da cidadania no Estado Democrático de Direito, haja vista
que
educação
é
mais
que
simples
ensino
ou
transmissão
de
conhecimentos. É formação de personalidade, com a transmissão de
valores, sentimentos, atitudes, expectativas de comportamentos
comuns. É a própria socialização do indivíduo.
Refere J orge Miranda
O s di r ei to s c o n s ag r a do s e r e c o n he c i d o s pe l a c o n s t i tu i ç ã o
d es i gn a m- s e , po r v e z e s , d i r e i t o s f u n d a m e n ta i s f o r ma l me n te
c o ns ti tu c i o na i s , p o r qu e el es s ã o e n u n c i ad o s e p r o t e g i d os
p or n o r m a s c o m v a l o r c o n s ti t u c i o n al fo r ma l ( no r ma s q u e
tê m a for ma cons ti t uci onal ) . 34
Em casos como tal, da garantia constitucional de um direito,
resulta, necessariamente, o dever do Estado em adotar medidas
positivas
destinadas
a
proteger
o
exercício
dos
direitos
fundamentais perante atividades lesivas praticadas contra esses,
bem como o dever de desempenhar a função de prestação, quando
esses direitos devem ser prestados pelo poder estatal.
34
MIRANDA, Jorge. Manual de Direito Constitucional, IV. Mossé-B. Portugal. 2001 p.153
54
Assim, o esquema relacional se estabelece entre o titular do
direito, que é o cidadão, e o Estado, que é a autoridade encarregada
de desempenhar uma tarefa pública.
Esta função de proteção que o Estado deve desempenhar o
obrigará a concretizar normas reguladoras das relações jurídicocivis, de forma a assegurar, nestas relações, a observância dos
direitos fundamentais, inclusive nas relações jurídicas privadas.
Por exemplo, a partir do princípio da igualdade e dos direitos
de igualdade específicos consagrados na Constituição Federal,
deriva a função primária e básica dos direitos fundamentais, qual
seja, assegurar que o Estado trate os seus cidadãos como cidadãos
fundamentalmente iguais, haja vista a efetivação plena da igualdade
de direitos numa sociedade multicultural e hiper inclusiva.
Referida sociedade deverá estar atenta a direitos tais como
direitos das mães solteiras, direitos das pessoas portadoras de HIV,
direitos dos homossexuais, e outros, em mesmo sentido em que se
orientam as mais recentes Convenções Internacionais, das quais o
Brasil é signatário.
Dos princípios expostos na Declaraç ão dos Direitos do Homem,
dois tiveram uma importância toda particular na constituiç ão da
França de 1791: o princípio da soberania do povo, exposto no artigo
III e o princípio da separação dos poderes, exposto no artigo XVI e
emprestado
dos
escritos
de
Montesquieu.
55
3.1. O descumprimento da norma constitucional pelo Estado
O dever de educar começa na família e deve continuar na
escola. Dessa obrigação não se pode apartar o Estado, que dev e
prestar sua contribuição, com os recursos advindos da sociedade.
A educação é um direito público subjetivo, disposto no regime
jurídico constitucional. Portanto, os indivíduos têm o direito de
requerer a prestação educacional
do Estado, haja vista que o
descumprimento deste dever a que ele mesmo se impôs, deve trazer
como conseqüência, a responsabilização da autoridade competente,
conforme disposto nos parágrafos 1º e 2º, do artigo 208, da
Constituição Federal
Vimos atualmente, que o Brasil não cumpre seus próprios
preceitos constitucionais, mas impõe a seus
cidadãos que os
obedeça cegamente, sob pena de coação e/ou sanção. Urge, pois,
que se socialize o conhecimento, a fim de ensejar maior bem-estar
para todos, haja vista que a melhoria do padrão educacional pode
levar a um maior progresso individual e coletivo do cidadão.
Alan Greenspan, presidente do FED-Banco da Reserva Federal
dos Estados Unidos, nesse sentido, afirma:
S e f o r mo s c a p az e s d e a u me n ta r o s i n v es ti me n to s e m
p es s o a s , i dé i a s e p r o c es s o s , ta n t o e m m áq u i n as e
e qu i p a me n tos ,
a
ec o n o mia
p o d e rá
o p e r ar
ma i s
e fe ti v a me n te e n qu a n to s e a d a p ta às m ud a nç a s .
56
Ao Estado, que é, fundamentalmente, a soc iedade exercente
de funções estatais, de governo e administração, não se admite que,
no regime do Estado Democrático de Direito, seja a ela oposto,
caminhando num sentido distanciado dos norteios determinados
pelos anseios sociais.
Kliksberg, citado por Maria Garcia, leciona que quando se
indaga o papel do Estado na democratização, pres supõe-se que
avançar em direção à democracia requer “um redesenho profundo do
Estado”.
Conclui o autor
N o l u ga r de u m E s t a d o b u ro c r á ti c o , a lh ei o a o s c i d ad ã os ,
i m p e n e t rá v e l , de s a l e n t ad o r d a pa r ti c i p a ç ã o , d e es ti l o d e
g es tão a u t o ri t á ri o , s e r e qu e r o c o n t rá r i o . A b r i r p l e na me n t e
o E s ta d o à pa r ti c i p a ç ã o c i da d ã , pa r a o q u e é n ec e s s á ri o
d es c e n tr a l i z a r , c r i a r tra ns p a r ê n c i a d o s a to s p úb l i c os ,
d es b u roc r a tiz a r , f a v o r ec e r t o d a s a s f o r ma s d e c o - g e s tã o
d os c i da d ã os , a tiv a r ig u al me n te i ns ti tu iç õ es d e pa r tic i pa ç ã o
p er m a n e n t e s c o mo o s re f e r e n d os , o s o m b ud s m a n , r e no v a r
c o ns ti tu i ç õ es , c h e ga r a s i s t e m as p ol ític o s q ue f a ç a m
ma t u r ar c r e s c en te me n t e a c i d a d an ia e f a v or e ç a m a
o rga n iz a ç ão e e x pr e s s ão d a s oc i ed a de c i v il . 35
É necessário, portanto, que o Estado, no cumprimento de sua
função
constitucionalmente
estabelecida,
atue
permanentemente
com vistas ao bem estar da sociedade civil, que é sua coadjuvante e
co-participante, no interesse público.
35
KLIKSBERG, Bernardo. El rediseño Del Estado, uma perspectiva internacional, Fondo de Cultura
Econômica, México, 1994, p. 26-27(citado pela Profª Dra. Maria Garcia em prefácio do livro
Responsabilidade extracontratual do Estado de Aparecida Vendramel)
57
3.2. Os direitos do homem e o respeito aos direitos individuais
O artigo 5º da Declaração e Programa de Ação de Viena,
aprovado na Conferência Mundial sobre Direitos do Homem, datada
de 25 de junho de 1993, dis põe:
“Todos
os
direitos
humanos
são
universais,
indissociáveis e interdependentes, e estão relacionados entre si. A
comunidade internacional deve tratar os direitos humanos de forma
global e de maneira justa e eqüitativa, em condições de igualdade e
atribuindo a todos o mesmo peso. Há que ser levada em c onta a
importância das particularidades nacionais e regionais, bem c omo a
importância dos vários patrimônios históricos, culturais e religiosos;
contudo, independentemente de seus sistemas políticos econômicos
e culturais, os Estados têm o dever de promover e proteger todos os
direitos do homem e as liberdades fundamentais ”.
Bobbio, neste sentido, assinala
O s d i re i t o s e l e n c a d o s n a D ec l ara ç ã o U n i v e rs a l d o s D i r ei to s
d o H o m e m nã o s ã o os ún i c o s
e p o s s ív e i s d i r e i t o s d o
h o m e m : s ã o o s d i r e i to s do h o m e m h i s tó ri c o , t a l c om o e s te
s e c on fi g u r av a n a me n te do s r ed a t or e s d a D e c l a r aç ã o a p ó s
a t r ag é di a d a S e g u nd a Gu e rr a Mu nd i a l , nu ma ép o c a q u e
ti v e r a i n íc i o c o m a R ev o l u ç ã o F r a n c es a e d e s e mb oc a r a n a
R e v ol uç ã o S o v i é ti c a . N ã o é p r ec i s o m u i t a i ma g i n a ç ão pa r a
p r ev e r q u e o d es e n v ol v i m e n to d a té c ni c a , a tr a n s f or ma ç ã o
d as c o nd i çõ e s ec o n ô m i c a s e s oc i ai s , a a mp l i a ç ã o d o s
c o nh e c i m e n to s
e
a
i n t e ns i fi c a ç ã o
dos
me i o s
de
c o m u ni c a ç ã o
po d e rã o
p r o d uz i r
tais
m u d a n ça s
na
o r ga n i z a ç ão da v i d a h u m a na e d a s r e l a ç õ es s o c ia i s q ue s e
c r i e m o c a s i õ es f a v o r áv e i s p a ra o n as c i m e n t o d e n o v o s
c a r ec i me n t o s e , p or t a n to , pa r a n o v a s de ma n da s de
l i be r d ad e e de p o d e r es . 36
36
BOBBIO, Norberto. A Era dos Direitos.: Rio de Janeiro. Campus, 1992. 17 ed. p. 21
58
Afirma o mestre:
P a r a d ar ap e n as a l g un s ex e mp l o s , l e mb r o q u e a c r es c e n te
q ua n ti d a d e e i n te n s i da d e d a s i n f or m a ç õ e s a q u e o h o m e m
d e ho j e e s tá s u b me ti d o f a z s u rg i r , c om f o r ç a c a d a v e z
ma i o r , a n e c es s i da d e d e n ã o s e s er e n g a na d o , e x c i t a d o o u
p er t u r b a d o po r u ma pro p ag a nd a ma c i ç a e de fo r m a do r a ;
c o m e ç a a s e e s bo ç a r , c o n t r a o d i r e i t o d e e x p r e s s a r a s
p r óp r i a s o p i n i õ e s , o di r ei to à v e r d a d e d a s i n fo r m a ç õ es . N o
c a m p o d o di r ei to à p ar ti c i p a ç ã o n o p o de r , f a z - s e s e n t i r n a
me d i d a e m q ue o p od e r e c o nô mi c o s e t o r n a c a da v e z m a i s
d e t e r mi na n te n as d e c i s õ e s po l í t i c a s e c a da v e z ma i s
d ec i s i v o n as es c o l h a s q ue c o n di c i o n a m a v i d a de c ad a
h o m e m _ a ex i gê n c ia d e p a r t i c i pa ç ã o no p o d er e c o nô mi c o ,
a o l ad o e p a ra a l é m d o d i r e i t o (j á p o r t o d a p a r te
re c on h ec i do , a in d a qu e ne m s e mp re a p l ic a do ) d e
p ar ti c i p aç ã o n o p o d e r p ol ític o . 37
Aduz, ainda:
O c a mp o do s di r e i tos s o c i a i s , fi na l m e n t e , es t á e m c o n t í n u o
mo v i m en to : as s i m c o m o a s d e m an d as d e p r o t e ç ã o s o c i a l
n as c e r a m c o m a r e v ol u ç ã o i nd u s t r i a l , é p r ov á v e l q u e o
r á pi d o de s e nv o l v i m e n t o té c ni c o e e c o n ô mi c o tra g a c o n s i g o
n ov a s d e ma nd a s , q u e h o j e nã o s o mo s c a pa z e s n e m d e
p r ev e r . A D e c l a r aç ã o U n i v e r s al re p r e s e n ta a c o n s c i ê nc i a
h i s tó r i c a q ue a hu m a n i d ad e te m d o s p r óp r i o s v a l o r e s
f u n da me n t ai s n a s e gu n d a m e t a d e d o s éc u l o X X . É u m a
s í n te s e d o p a s s a d o e u m a i n s p i r a ç ão p ar a o f u tu r o : ma s
s u as t á b u as n ã o f o r a m g r av a d as de u ma v ez p a r a s e m p r e . 38
Concordamos com o autor, acreditando que a comunidade
internacional enc ontra-se hoje diante do problema de dar garantias
válidas para aqueles direitos, e de aperfeiçoar continuamente o
conteúdo da Declaração, vazias.
Hobbes visualizava o Estado absoluto como sendo o resultado
do estabelecimento de um “contrato social” entre os indivíduos, que
viviam até então em “estado de natureza”(existência de homens
37
38
Norberto BOBBIO. A Era dos Direitos: Rio de Janeiro. Campus. 1992. 17ª tiragem. p.21
Idem. P. 21.
59
livres
e
iguais)
e
que,
por
determinadas
razões,
decidiram
abandoná-lo em razão da entrada em um corpo social e político.
Os
indivíduos,
por
terem
suas
vidas
permanentemente
ameaçadas, abrem mão da individualidade, colocando-as nas mãos
do Estado, que passa a ter a única obrigação de protegê-los; o
Estado Leviatã, situando-o como o fruto da vontade racional dos
homens.
Se, com Aristóteles o Estado vem antes do indivíduo, no
modelo individualista hobbesiano, o indivíduo vem antes do Estado,
já que invenção artificial do homem.
Neste sentido, refere Mondaini
S e , p a r a H ob b es o p od e r é a b s ol u t o , i n d i v i s ív e l e
i r r e s i s t í v e l, p a r a L o c k e , ao c o n tr á r i o , é l i mi t a d o , di v i s ív e l e
r e s i s tív e l . F oi p r e c i s a me n t e na u l t r a p a s s a g e m d e s s a
f r o n t e i r a q ue s e c o ns ti tu í r a m os p ri m ei ro s p a s s os d a q u i l o
q ue c h a ma mo s c o m um en te h oj e d e “d i r ei tos h u ma n os ” . 39
39
MONDAINI, Marco. O respeito aos direitos dos indivíduos. In História da Cidadania. PINSKY, Jaime eT
Carla.(org) São Paulo, Contexto, 2003, p. 129
60
3.3. Os direitos sociais no Brasil
Os
direitos
sociais
no
Brasil
estão
contemplados
na
Constituição Federal de 1988, conjuntamente a outros direitos do
cidadão, mormente no artigo 6º do Título VIII - Da Ordem Social,
que dispõe:
Art. 6º. “São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho,
o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade
e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta
Constituição”
Celso Ribeiro Bastos, a respeito da distinção entre direitos
individuais e direitos sociais esclarece:
A o l a d o d o s d i r ei to s i nd i v i du a i s , q ue t ê m p o r c a r a c te r ís ti c a
fu n da me n tal a i mp os i ç ão d e u m fa z e r o u ab s te r-s e d o
e s ta do , a s mo de r n as C on s ti tu i ç õe s i mp õe m a os Po de r e s
P ú b l i c o s a p r e s ta ç ã o d e d i v e rs a s a t i v i da d es , v i s a nd o o
b e m - es ta r e o p l e no d es e n v ol v i m e n to d a p e r s o na l i d a d e
h u m an a , so b r e t u d o e m mo m e n t os e m qu e e l a s e mo s t r a
ma i s c a r e n te d e r e c ur s o s e t e m m e n o s p o s s i b i l i da d e d e
c o nq u is tá -lo s p el o s e u tr ab a l h o . 40
Bobbio afirma
T o d a s a s d ec l ara ç õ es r ec e n tes
d o s d i r ei to s d o h om em
c o m p r e e n de m , a l é m d os d i r ei tos i n d i v i d u ai s t r a di c i o na i s ,
q ue c on s i s t e m e m l i b er d a d e s , t a m b é m os c ha ma d o s
d i r e i t o s s o c i a i s , q u e c on s i s t e m e m p o de re s . O s p r i me i r o s
e x i g e m d a pa r te
d os ou t r o s ( i n c l u í do s a q ui o s ó rg ã os
p úb l i c o s ) ob r i g a ç õe s pu r a m e n te n e ga ti v as , qu e i mp l i c a m a
a bs ten ç ã o d e d e t e r mi n a d o s c om po r t a me n to s ; o s s e g un d os
s ó p o d e m s e r r e al i z a do s s e fo r i m po s t o a o u t r o s ( a qu i
i n c l u íd o s os ó r g ão s p ú bl ic o s ) u m c er to n ú m er o d e
o br i g a ç õ e s p os i t i v a s . S ão a n ti nô mi c os n o s e n t i d o d e q ue o
d es e n v o l v ime n to de l e s n ã o p o d e p r o c e d e r p a r al e l am en t e : a
40
BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Constitucional. São Paulo. Saraiva. 1998.19 ed. p.259.
61
r e al i z a ç ão i n te g r a l d e u n s i mp ed e a r e al i z a ç ão i n te g r a l d o s
o u t r o s . Q u a n to ma i s au me n t am o s p o de r e s d o s i n d i v íd u o s ,
t a n to
mais
di mi n u e m
as
l i b e r d a d es
dos
m e s m os
in d iv íd u os . 41
A Revolução Americana, que estourou em meados do ano de
1770, resultado de uma frente única da plebe com latifundiários
escravistas e com a plutocracia manufatureira e banqueira do
nordeste dos Estados Unidos da América, contra a elite aristocrátic a
de grandes latifundiários, foi a pioneira na formulação dos direitos
humanos, revolução essa em que, pela primeira vez na história, fez
com que um povo aspirasse à independência nos princípios da
cidadania, ou seja, colocasse como objetivo primordial do Estado, a
preservação das liberdades dos indivíduos integrantes do povo,
elevados à categoria de sujeitos políticos 42.
No entanto, ainda que essenciais sejam os direitos, o fato de a
legislação garanti-los no texto escrito, não é suficiente para tornálos efetivos na prática.
As
desigualdades
manifestam
variadas
na
formas
exclusão
de
sociais,
dos
violência,
principalmente
no
indivíduos,
submetidos
e
do
alijados
acesso
Brasil,
às
à
se
mais
saúde,
educação, previdência social, justiç a e habitação.
Nesse sentido, José Afonso da Silva assevera que enquanto os
direitos sociais impõem ao Estado um fazer, os direitos individuais
implicam do órgão estatal a obrigação de não fazer ou de abster-se:
o s di r ei tos so c i ai s , c o m o c o mp r e en s ã o d o s di r ei to s
f u n da me n t ai s do h o m e m , s ão p re s t a ç õ e s p os i tiv a s e s t a t a i s ,
e nu n c i a d a s e m n o r m as c o n s ti t u c i o n ai s , qu e p o s s i bi l i ta m
me l h o r es c o n d i ç õ es d e v i d a a os m ai s f r a c os , di re i t os q u e
41
42
Norberto BOBBIO. A Era dos Direitos: Rio de Janeiro. Campus. 1992. 17ª tiragem. p. 33 e 34.
Norberto BOBBIO. Op. cit
62
t e n de m a r e al i z a r
d es i gu a i s . 43
Como
podemos
a
i gu a l i z aç ã o
observar,
de
dos
s i tua ç õ e s
direitos
sociais
sociais
estabelecidos na nossa Carta Magna nascem as políticas sociais,
tornando obrigatórias e imediatas as medidas estatais nascidas das
necessidades sociais, às quais cumpre elevar a condição humana
dos cidadãos nac ionais, titulares desses direitos.
Paul Singer 44 escreve com propriedade sobre os
direitos sociais:
A l u t a p e l o s d i r e i to s s o c i a i s e s tá l o n g e d e s e r en c e r ra d a ,
ma s mud o u d e di re ç ã o . A té o fi m do s ‘ an o s d ou ra do s ’ , o s
d i r e i t o s s oc i ai s e s t av a m c o n s i g na d os n a l e g i s l a ç ã o e s u a
o bs e r v â nc i a e s ta v a a c a r g o d o E s ta d o , a s s i m c o mo a
p r es t a ç ã o d e s e r v i ç o s q u e d e l e s d e c o rr i a m , c o m o a
a s s i s tê n c i a à s aú d e , a ed u c aç ã o e a p r ev i d ê n c i a s o c i a l .
A g o ra é a p ró p r i a s o c i e d ad e c i v i l qu e s e t o r n a a
p r o t a g on i s t a d a s ol uç ã o d o s p r ob l e ma s q u e o s di r ei to s
s o c i a i s p re te n de m p r e v en i r . A s s o c i a ç õ es e c o op e ra ti v as
o r ga n i z a m s o l i da r i a me n te os s o c i a l me n te e x c l u íd os c o m o
a po i o d e um a r e de c a d a v e z ma i s a mp l a d e a g ên c i a s d e
f o me n to .
Assim,
p ar t e
d os
d e s e m pr e g ad o s
e
dos
‘ i ne mp r e g á v e i s ’ s e r ei ns e r e n a ec o n omi a p o r s ua p r ó p r i a
i n i c i a tiv a . A c ri s e do s d i r e i t o s s o c i a is de mo n s t ra q u e a
v i g ê nc i a d e l e s d ep e nd e d o p l e n o e mp r e go e d o c r e s c i me n to
d a e c on o mi a , p or t a n to d a s r e c ei ta s fi s c ai s q u e fi n a n c i a m o
g as to s o c i al . C o m d es e m p r eg o e m ma s s a e e c o n o mi a
d ep r i m i d a , p a r c el a c r e s c e n t e d as c l a s s e s tra ba l ha d o r a s é
p r i v a d a d o g o z o d e v ár i o s di re i tos s oc i a i s e o go z o d e
o u t r o s t e n d e a e nc o l he r p o r c a us a do s c o r te s n o s
b en e f í c i o s .
Em diferentes países observa-se que o
solidária
surto de economia
está longe de atender a todas as vítimas da crise do
43
José Afonso da SILVA. Curso de Direito Constitucional Positivo. 8 ed. São Paulo. Malheiros editores,
1992.p.258
44
“A cidadania para todos”
63
trabalho haja vista que implica em mudança de mentalidade, que
demanda tempo. Milhares tornam-se vítimas da crise mundial que
abala o mercado de trabalho, sendo expurgados da economia.
Outros esperam a oportunidade, vez que a demanda por força de
trabalho é insuficiente.
Podemos concluir que a luta por direitos sociais se resume
hoje à luta pela retomada do crescimento, o que equivale dizer que
existe uma luta contra a hegemonia neoliberal, imposta pelo capit al
financeiro a toda a sociedade. 45
45
Paul SINGER. A cidadania para todos. In História da cidadania.(orgs, Jaime Pinsky, Carla Bassanezi
Pinsky) : Contexto. São Paulo, 2003,p.260.
64
3.4. Educação: direito do cidadão, dever do Estado
A educação, como um dever do Estado, aparece pela primeira
vez numa Constituição brasileira, na Emenda Cons titucional de
1969.
Bosi, assinala
E mb o r a a C o ns ti t u i ç ã o d o I mp é r i o e a C o n s t i tu i ç ã o
r e pu b l i c a n a d e 18 9 1 a fi r m e m o d i r e i to de to do s à e d uc a ç ã o
e à c u l tu ra e a g r a tu i d ad e da i n s tr uç ã o pr i má ri a , n ã o
e s ta be l e c e m s e u c a r á te r o b ri ga tó r i o n e m d e fin e m q u ai s q u e r
me d i d a s qu e o g a r a n ta . P r e v a l e c e a d e te r m i n a ç ã o d o A t o
A d i c i o n a l d e 1 83 4 q u e tra n s fe r e à s p r o v ínc i a s a
r e s po n s ab il i d ad e s o br e os e n s i n o s pri m á r i o e s e c un d á ri o .
Me s mo c o n s i d e ra n do a r ev i s ão d e 1 9 26 , “ a e d uc a ç ã o
r e du z i a - s e a a s s u n t o p r i v ad o , d e q u e a R e pú b l i ca po d e ri a ,
n a p r á ti c a , d es o n e r a r - s e . 46
J.J.Gomes
Canotilho,
a
respeito
do
Estado
de
direit o
democrático-constitucional, elucida
O E s t ad o c o n s ti tu c io n al n ã o é n e m d e v e s e r a p en a s u m
Es ta d o d e d irei to . Se o p ri n c íp io d o Es ta d o d e d ire i to s e
r e v el o u c o m o u ma ‘ l i n ha M a g i n o t ’ e n t r e ‘ Es ta d o s q u e t ê m
uma
c on s ti t u i ç ã o ’
e
‘ E s t a d os
que
n ão
têm
uma
c o ns ti tu iç ã o’ ,
isso
nã o
s ig n i fi c a
qu e
o
Es ta do
C o ns ti tu c i o na l m od e r no p os s a l i mi t ar - s e a s e r a pe n a s u m
E s ta d o d e d i re i t o . E l e te m d e es tru tu ra r - s e c o m o E s ta d o d e
d i r e i t o de mo c rá t i c o , i s t o é , c o m o u ma o rd e m de d o m í ni o
l e g i ti ma da p el o p o v o . A a r t i c u l a ç ão d o ‘ d i re i t o’ e d o ‘ po d er’
n o E s t ad o c o ns ti t u ci o na l s i g n i fic a , a s s i m , q u e o p o d e r d o
E s ta d o de v e o r g an i z a r - s e e e x erc e r -s e e m te r m o s
d e m oc r á ti c o s . O p ri n c íp i o d a s o be r a n i a po p ul ar é , po i s ,
u m a d a s t r a v es me s t r a s d o E s ta d o c o n s ti tuc i on a l . O p od e r
p ol ític o d e ri v a d o s c id a dã o s . 47
46
Apud FÁVERO, Osmar (org). A educação nas Constituintes Brasileiras: 1823-1988. São Paulo. 2ed. 2001,
p.p. 248 e 249
47
CANOTILHO, J.J.Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. 7ed. 2ª reimpressão.
Almedina.Portugall, 2003, p.p. 97 e 98.
65
Entrelaçando os conceitos de princípio democrático e direitos
fundamentais, Canotilho observa:
T a l c o mo s ã o u m el e m en t o c o n s ti t u ti v o d o es t a d o d e
d i r e i t o , o s d i r e i t o s fu n d a me n tai s s ã o u m e l e me n to b ás i co
p ar a
a
realização
do
pri nc íp i o
d e m o c r á tic o .
M ai s
c o nc r e t a m e n te : o s d i r e i t o s f u nd a me n t ai s t ê m u ma f un ç ã o
d e m oc r á ti c a , d a do q ue o e x erc íc i o d e mo c rá ti c o d o po d e r :
( 1 ) s i g n i fi c a a c o n tr i b ui ç ã o d e t od o s o s c i d ad ã os p a r a o s e u
e x erc íc i o ( p r i n c í p i o - d i re i t o d a i g u al da d e e d a p a r tic i p a ç ã o
p ol ític a ) ; (2 ) i m p l i c a p ar ti c i p aç ã o l i v r e a s s en te e m
i m p o r t a n t e s g a r an ti a s p a r a a l i b er d a d e d e s s e e x e r c íc i o ( o
d i r e i t o d e a s s oc i aç ã o , d e f o r ma ç ã o de pa r ti d o s , d e
l i be r d ad e d e e x p r e s s ã o , s ã o , p o r e x . , d i re i t os c o n s ti tu t i v o s
d o p r óp r i o pri nc íp i o de mo c r á ti c o ) ; ( 3 ) c o e nv o l v e a a b e r tu r a
d o p r o c e s s o po l í ti c o no s e n ti do d a c r i aç ã o d e di r ei to s
s o c i a i s , e c o nô mi c os e c u l t u r ai s , c on s ti tu t i v os d e u m a
d e m oc r a c i a e c o nô mi c a , s o c i a l e c ul tur a l . R ea l c e - s e e s t a
d i n â m i c a di al éc t i c a e n t r e o s d i r e i t o s fu n d a m e n t ai s e o
p r i n c ípi o de mo c r á t i c o .
A o pre s s u po r a p a r t i c i p a ç ão i g u al do s c i d a dã o s , o p r i n c ípi o
d e m oc r á ti c o e n t r el aç a - s e c o m o s d i r e i to s s u b j e c tiv o s de
p ar ti c i p aç ã o e a s s oc i aç ã o , q u e s e t or n a m , a s s i m ,
f u n da me n t os f u n c i o n ai s d a d e m o c ra c i a . 48
Por sua vez, cita o autor, os direitos fundamentais, como
direitos subjetivos de liberdade, criam um espaço pessoal contra o
exercício de poder antidemocrático, e, como direitos legitimadores
de um domínio democrático, asseguram o exercício da democrac ia
mediante a exigência de garantias de organização e de processos
com transparência democrática (princípio maioritário, publicidade
crítica, direito eleitoral).
Por
fim,
econômicas
e
como
direitos
culturais,
os
subjetivos
direitos
a
prestações
fundamentais
sociais,
constituem
dimensões impositivas para o preenchimento intrínseco, através do
legislador democrático, desses direitos.
48
J.J.Gomes CANOTILHO. Direito constitucional e teoria da constituição. 7ed. 2ª reimp. Almedina
66
Foi esta compreensão que inspirou o artigo 1º da Constituição
Federal do Brasil, ao referir-se a Estado Democrático de Direito,
baseado
na
soberania
popular
e
na
garantia
dos
direitos
fundamentais.
67
3.5. A responsabilidade social do Estado na Educação
O significado político do termo Estado, procedente do
latim status, que em Roma designava a situação jurídica da pessoa,
ou seja, a situação de homem livre, de cidadão romano, de membro
de uma família não sujeito a poder alheio, é atribuída a Ulpiano
(170-228).
No sentido que lhe é dado atualmente, Estado é uma
criação
moderna
que
mais
se
aproxima
dos
antigos
impérios
orientais, que, segundo o conceito de Sahid Maluf em concordância
com Queiroz Lima significa: “o Estado é a Nação encarada sob o
ponto de vista de sua organização política, ou simplesmente, é a
Nação politicamente organizada. (...) O Estado, democraticamente
considerado, é apenas uma instituição nacional, um meio destinado
à realização dos fins da comunidade nacional. ...é uma síntese dos
ideais da comunhão que ele representa...é o órgão executor da
soberania nacional” 49.
Segundo Ataliba Nogueira, também citado por Sahid Maluf 50:
O f i m d o E s ta d o é a p r o s pe r i d a de p úb li c a ou o c o m p l e x o
d as c o n di ç õe s r e qu e ri d as p ar a q ue , n a m e d i d a d o p os s ív e l ,
t o d os o s me m b ro s o r gâ n i c o s da s oc i e da d e p o s s am
c o ns e g u i r p or s i a o m n í mo da f e l i c i d a d e te mp o r a l ,
s u bo r d i n a d a a o fi m úl ti m o . E n tre es t as c on d i ç õ e s, to d av i a ,
o c up a p r i m ei ro l u g a r o g o z o d a o rd e m j u r íd i c a , t a l q ua l
p os tul a a e s tru tu ra da s o c i e d a d e n a t ur a l ; l u g a r s e c un d á ri o ,
a a b u n dâ n c i a s u f i c i en te d os be n s d a al m a e d o c or p o , o s
q ua i s s ã o ne c e s s ári o s p a r a r ea l i z a r a di ta fe l i c i da d e ,
c o i s a s es t a s q u e s e nã o po d e m a t i n gi r s u fi c i e n t e me n te co m
a a ti v i d a d e p r i v a da .
49
50
Sahid Maluf. Teoria geral do Estado, p. 22.
Sahid Maluf, op. cit.,p. 318-319.
68
Os direitos políticos e civis, de per si, não asseguram a
democracia sem que a eles se juntem os direitos sociais, porquanto
são
esses
últimos
que
vêm
garantir
aos
indivíduos
a
sua
participação na riqueza coletiva, qual seja: o direito à educação, à
saúde, ao trabalho, ao salário justo, à velhic e tranqüila.
É
conveniente lembrar
a
posição de Mário
Masagão,
ao
afirmar: 51
O E s ta do p o s s ui , a o l a d o da a ti v i da d e j u r í di c a , u ma
a ti v i da d e s oc i al q ue p o d e r á ex e r c e r de n tr o de c e r t o s
p r i n c ípi os bá s i c o s : a a ç ã o s oc i a l d e v e se r s u p l e ti v a d a
a ti v i da d e i n d i v i d u a l ; de v e te r em mi r a o b e m c o m um e n ã o
o i n te r e s s e i n d i v i d u al ou d e g r u po s , e n ão d ev e o c a si o na r o
s a c r i f íc i o d o di r ei to d e q u e m q u e r q u e s ej a .
Bobbio, em valiosa lição explana:
“O problema fundamental
em relação aos direitos do homem, hoje, não é tanto o de justificálos, mas o de protegê-los. Trata-se de um problema não filosófico,
mas político”.
A responsabilidade civil do Estado passou por diversas fases
que vai desde aquela onde o Estado não podia ser responsabilizado
por
qualquer
lesão
ao
direito
de
alguém,
até
a
fase
da
desenvolvimento
da
responsabilidade civilista surgida na França.
Conforme
salienta
Rui
Stoco,
“o
grande
responsabilidade do Estado, proveio do direito francês e através da
construção pretoriana do C onselho de Estado”. 52.
51
52
Mário Masagão. Curso de direito administrativo, p. 44-45.
Rui Stoco. Tratado de responsabilidade civil e sua interpretação doutrinária e jurisprudencial, p. 749.
69
Leciona o mestre
A d o u t ri n a d a r e s p o n s ab i l i d ad e c i v i l d a A d m i n i s tra ç ã o
P ú b l i c a e v ol ui u d o c o nc e i to d e i r r es p o n s a b i l i da d e pa r a o d a
r e s po n s ab il i d ad e s em c ul p a . P a s s o u - s e da fa s e d a
i r r e s p o n s ab i l i d a de d a A d min i s tr a ç ã o pa r a a f as e d a
r e s po n s ab il i d ad e c iv i l ís ti c a e d e s t a p a ra a fa s e d a
r e s po n s ab il i d ad e p ú b l i c a . . 53
No direito brasileiro, mais precisamente no Estado de Direito
_Estado que faz as leias e a ela se submete_ começou a surgir a
responsabilidade do Estado.
Agasalhada
pela
atual
Carta
Política,
a
responsabilidade
objetiva do Estado, na modalidade do risco administrativo, encontrase esculpida no artigo 37, § 6°, que dispõe:
“Art. 37
§ 6° As pessoas jurídicas de direito público e
as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão
pelos
danos
que
seus
agentes,
nessa
qualidade,
causarem
a
terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos
casos de dolo ou c ulpa”.
Em breve síntese, podemos dizer que a responsabilidade do
Estado por atos jurisdicionais será cabível sempre que houver dano
experimentado
por
particulares,
decorrentes
do
exercício
da
atividade judiciária, como por exemplo, o erro judiciário; por lei
53
Idem, p.749
70
inconstitucional ou constitucional.
Arnaldo Niskier afirma 54:
G r a n d es e d uc a d or e s b r a s i l e i r os r e u ni ra m -s e m u i ta s v e z e s
p ar a d i ri g i r à N a ç ã o o q ue v ei o a s e d e no mi na r ‘ Ma n i fe s t o
d os P i on e i r o s d a E d uc a ç ã o N o v a’ , a s s i na d o p o r d i v e r s as
p er s o n al i d ad e s , m u i ta s da s qu a i s p e r t e n c en t e s à A c a d e m i a
B r a s i l e i r a d e Le t r a s .
Um
pugilo
de
26
educadores
de
escol
que,
em
1932,
retomando o que Miguel Couto dissera em 1927, assinalava de
forma objetiva:
N a h i e r a r q ui a d os pro b l e ma s n ac i on a i s , ne n hu m s o bre le va
e m i mp or t â n c i a e g ra v i da d e ao d a e d u c a ç ão . N e m me s m o
o s de c a r á te r e c o n ô mi c o l h e po d e m di s pu ta r a p ri m a z i a n o s
p l a n os d e re c o ns t r u ç ã o n a c i on a l . P oi s , s e a ev o l u ç ã o
o r gâ n i c a d o s i s te ma c u l tu ra l d e u m p a ís d e p e n de d e s u a s
c o nd i ç õ e s e c o nô mi c as , é i m p os s ív e l d es e n v o l v e r a s f o r ç a s
e c on ô mi c a s o u d e p ro d uç ã o s em o p re pa ro i n t en s i v o d a s
f o r ç as c u lt u r ai s e o de s e nv o l v i me n t o d as a p ti dõ e s
à
i n v e nç ã o e à i n i c i a ti v a , q u e s ã o f a t o r e s fu n d a m e n ta i s d o
a c r és c i mo de r i q u ez a d e u m a s o c i e d a de . 55
Mesmo
na
poesia
ou
na
literatura,
podemos
entrever
a
preocupação de escritores famosos para com a educação. Exemplo
disso é o incomparável texto extraído das ‘Obras Completas de
Machado de Assis’, que assinala:
“ P a s s ai d a s ri qu e z a s ma t e r i a i s à s i n t e l e c tu a i s : é a me s ma
c o us a . S e o me s tr e - es c o l a d a tu a r u a , i ma g i n a r q u e n ã o
s a be v e rn á c ul o , n e m l a t i m, e m v ão l h e pr o v ar á s qu e el e
e s c r ev e c o mo V i e i r a o u C íc e ro , e l e p e rde r á a s n o i te s e o s
s o no s e m c i ma d o s l i v r o s , c o me rá a s u n h a s e m v e z d e p ã o ,
e s c ar n e c e r á o u e n c al v ec e r á , e mo rre rá s e m c re r q ue ma l
d i s ti ng u e o v er b o do ad v é r bi o . A o c o n t r á r i o , s e o te u
c o pe i r o a c r e di t a r q ue es c r e v e u o s L u s í ad a s , l er á co m
54
A Educação na Virada do Século idem. p. 260
Arnaldo NISKIER. A educação na Virada do Século. Col. Páginas Amarelas. (pocket books). Exped
Expressão e Cultura. São Paulo, 2001, p.262 e 263.
55
71
o r gu l h o ( s e s o u b e r l e r ) a s es t ân c i a s d o po e ta ; r ep e t i - l a s - á
d e c o r , i n te r rog a r á o te u r o s to , o s te us g es to s , as tu as
me i a s p al av r a s , fic a r á po r h o r a s d i an t e do s mo s tr a d o r e s ,
mi r an d o o s e x e mp l a re s d o po e ma e xp o s to .”
Paulo Freire, numa crítica à globalização neoliberal instalada
atualmente, escreve:
A p ed a g o g i a r a d i c a l j a ma i s p o de f a z er n en h u m a c o nc e s s ã o
à s a r t i ma nh a s d o ‘ pr a g ma ti s mo ’ ne o l i b e r al qu e r e d u z a
práti c a educativa ao t rein a me n to técnico-cie n tífico dos
e du c a n d o s . A o t r ei na me n to e n ã o à fo rm aç ã o . A n ec e s s á r i a
f o r ma ç ão t éc n i co -c i e n t í fi c a d o s e du c a nd o s p o r q u e s e b a t e
a p e d ag o gi a c r í ti c a n ão t e m na d a q u e v e r c o m a e s tr e i te z a
tecnicista
e
c i e n ti fic i s ta
que
c a ra c te r i z a
o
m e ro
tre in a men to .
É p or i s s o q u e o e d uc a d o r p ro g r es s i s ta c a pa z e s é r i o , n ã o
a pe n a s d e v e e n s i n ar mu i t o b em a s u a d i s c i pl i n a , m a s
d es a fi a r o ed u c an d o a p en s a r c r i ti c a m e n t e a r ea l i da d e
s o c i a l , po l í t i c a e hi s t ó ri c a e m q ue é u m a p r e s e n ç a . É p o r
i s s o q ue , a o en s i n a r c o m s er i e d a de e r i g or s u a d i s ci p l i n a , o
e du c a d o r pro g r e s s is t a nã o p o de ac o mo d a r - s e , de s i s te n te
d a l u ta , v e nc i d o p e l o d i sc u r s o f a t a l i s ta q u e a p o n ta c o m o
ú ni c a s a í d a hi s tó ri c a h o j e a a c e i t aç ã o , ti d a c o m o e x p re s s ã o
d a me n te mo d er n a e n ã o ‘ c a i p i ra ’ d o q ue a í e s t á p or q u e o
q ue e s t á a í é o q u e d e v e es t a r . 56
O Estado brasileiro, incurso no rol dos Estados do bem-estar
social, ou seja, aquele responsável pela efetivação da igualdade
social entre os indivíduos, responsável pela s ua jus-cidadania, deve,
pois, administrar e distribuir os recurso materiais, de maneira a
abreviar as distâncias econômicas entre os mesmos.
56
Paulo FREIRE. Pedagogia da indignação: cartas pedagógicas e outros escritos. São Paulo:Unesp, 2000, p.
43 e 44.
72
CAPÍTULO 4. A CIDADANIA
Preliminarmente há que se ressaltar que cidadania não é uma
definição estanque, mas sim um conceito histórico que varia no
tempo e no espaç o, haja vista que a prática da cidadania se alter a
no transcorrer do tempo, seja pelo grau de participação política dos
indivíduos
na
sociedade,
seja
pelo
maior
ou
menor
grau
de
participação destes no estatuto de cidadão de cada sociedade
distinta.
Percebemos que a cidadania é um verdadeiro processo dentro
da história, em cujo lento movimento, perceptível mas não linear,
partiu da total inexistênc ia, para a existência de direitos cada vez
mais amplos.
Na Grécia reconhecia-se como cidadão todo o homem que
tomava parte no culto da cidade, e desta participação lhe derivavam
todos os seus direitos civis e políticos. Renunciando ao culto,
renunciava aos direitos.
Coulanges refere
S e qu i s e r mo s de f i n ir o c i da d ão d os t e m p os a n t i g os p el o
s e u a t r i b u to ma i s e s se n c i a l , de v e m o s d i z e r s e r c i d a d ã o
t o d o o h o m e m qu e s e gu e a r e l i gi ã o d a c i d ad e , q ue h o nra o s
me s mo s d e u s es d a c i da d e , a q ue l e pa r a q u e m o arc o n te o u
o p r í ta n e o f ere c e , em c a da d i a , o s a c r i f íc i o , o q u e t e m o
d i r e i t o d e ap r o xi ma r - s e d os a l ta r es e , po d e n d o p e ne tr a r n o
r e c i n to s a g r ad o o n d e s e r ea l i z a m a s a s s em bl éi a s , as s i s te
à s fes ta s , s e g u e a s p r o c i s s õ es , e e n t r a no s p an e g í ri c o s ,
p ar ti c i p a n os r e pa s t o s s a g ra d o s e r e c e be s u a pa r te d a s
v í t i ma s . T am bé m e s t e h o m e m , n o di a e m qu e s e i n s c re v e u
73
n o r e gi s tr o d os c i d a d ão s , j u r ou p r a ti c a r o c u l t o do s d e u s e s
d a c i d a d e e po r e l e s c o m ba te r . 57
4.1. Visão histórica da cidadania
Os direitos da cidadania, embora interligados com os direitos
humanos, não se podem confundir. Dalmo Dallari deixa claro esta
diferenciação ao analisar com profundidade a problemática dos
direitos humanos no mundo atual, afirmando que os direitos da
cidadania
dizem
respeito
aos
direitos
públicos
subjetivos
consagrados por um determinado ordenamento jurídico, concreto e
específico.
Por sua vez, os direitos humanos sintetizam uma expressão
muito mais abrangente, a partir do momento em que se referem à
própria pessoa humana, que, na expressão de Miguel R eale a
entende como valor-fonte de todos os direitos sociais, significando
que os direitos humanos em si (direito à vida, direito a não ser
escravizado,
direito
a
uma
nacionalidade,
direito
a
não
ser
submetido à tortura) se colocam no plano universal, global, numa
perspectiva jusnaturalista e não somente numa perspectiva do
direito positivo e tópico (Dalmo Dallari).
Com efeito, podemos dizer que a cidadania é a fruição de
todos os direitos fundamentais e sociais do indivíduo, neces sários
para a expansão da personalidade humana.
57
Apud Coulanges, Fustel de. A Cidade Antiga. Livraria Clássica Editora.Lisboa. 10ª ed. 1.971. p.238/239
74
Rousseau, apontando para a dimensão educativa da polis
grega, lugar onde se desenvolveu o ser político por excelência,
reconhece que o homem não nasce cidadão, mas aprende a sê-lo.
Nilda Teves Ferreira sintetiza
a ed u c a ç ã o p ar a a c i d ad a ni a pa s s a po r a j u d a r o al un o a
n ão t e r m e d o d o p o d er do E s t a do , a a p r en d er a e x i g i r d el e
a s c on d iç õ es d e tro c a s liv re s e p rop ri e d ad e , e fi na l men te a
n ão a mb i c i o na r o p od e r c o mo a fo r ma d e s u b o r di na r s e u s
s e m e l h a n t e s . E s t a p od e s er a c i d a d an i a c r í t i c a q u e t a n to
a l m e j a mo s . A q u e l e q ue e s q ue c e u s u a s u to pi a s , s u fo c o u
s u as p ai x õe s e pe r d eu a c a p a c i d a d e d e s e i n di g n a r d i a n t e
d e t o d a e q ua l qu e r i n j u s ti ç a s oc i a l n ã o é u m c i d a dã o , m a s
t a mb é m n ã o é u m ma r g i n al . É ap e n as u m N AD A qu e a tu d o
n ul i fi c a ” .58
Em obra da qual valiosas lições retiramos,
Octavio Ianni
escreve:
o s E s tad o s es t ã o s en d o i n te r n ac i o n a l i z a d o s e m s u a s
e s tru t u r a s i n t er n a s e f u nç õ e s . P o r t o d a a ma i o r pa r t e d e s t e
s é c ul o , o p ap e l do s E s t a d o s e r a c o n c e bi do c o m o o de u m
a pa r a to p r o te tor d a s e c o n o mi as na c i o n ai s , e m f a c e d as
f o r ç as e x t er n a s p e r t ur b a d o r as , d e m od o a ga r a n t i r
a de q u ad o s n ív ei s d e e m pre g o e be m- e s ta r n ac i on a i s . A
p r i o ri d ad e d o E s t a do e r a o b e m - e s ta r . N a s ú l ti m a s
d éc a d a s , a p r i o ri d a d e mo d i f i c ou - s e , n o s en ti d o d e a d a p t a r
a s e c on o mi a s n a c i o na i s às e x i g ê n c i a s da e c o n o mi a
mu n di a l . O E s t a do e s tá s e to rn a n d o u ma c o rre i a d e
t r a ns mi s s ã o d a e c o n o mia m u n di a l à e c o n o mia n a c i on a l . 59
Nesse sentido, adverte Mário Lúcio Quintão Soares que, dada
a desvirtualização que rapidamente transforma os Estados em
membros de blocos econômicos, a noção de soberania, enquanto
58
Nilda Teves FERREIRA. Cidadania: uma questão para a educação. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1993,
p.229.
59
Octavio IANNI. A sociedade global. 11.ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003,p.22-23
75
poder indivisível, inalienável e incontrastável, determinante para a
consolidação da noção de Estado, constitui agora “um obstáculo a
ser
transposto”,
cuja
transposição
“exige
como
pressuposto
a
consolidação do Estado Democrático de Direito e implicando a
participação
da
delegação
de
sociedade
civil
competências
nas
para
decisões
pertinentes
à
instituição
de
órgãos
internacionalização
dos
Estados
supranacionais”.60
Esse
fenômeno
de
total
acarreta, entre outros efeitos, “alterações profundas nas idéias de
soberania
e
cidadania
vigentes
no
mundo
ocidental,
desde
a
Revolução Francesa”, na observação de José Augusto Lindgren
Alves.
Entende o autor que a aç ão dos agentes econômicos transestaduais e as novas tecnologias da comunicação inviabilizam o
exercício da soberania pelos Estados e, nesse contexto, torna-s e
hoje mais necessário do que nunca resgatar a cidadania, “ainda que
modificada,
para
que
a
convivência
humana
não
retorne
aos
modelos hobbesianos, ou seja, o “da lei da selva”, do homem como
lobo do homem.
Refere D almo Dallari;
A c i d a d a n i a e x p r e s s a u m c on j u n t o d e d i r e i to s q u e d á à
p es s o a a p os s i bi l i d a d e de p a r ti c i p a r a ti v a m e n t e d a v i d a e
d o g ov e r n o d e s e u po v o . Q u e m n ã o te m c i d ad a ni a e s t á
ma r g i n al i z a do o u e x c l u í do d a v i d a s o c i a l e d a t o ma d a d e
d ec i s õe s , fic a n d o n u m a p o s i ç ã o d e i n f e ri o ri da d e d en tr o d o
g rup o s oc i al . 61
60
Mário Lúcio Quintão SOARES. A metamorfose da soberania em face da mundialização, In: Flávia
PIOVESAN.(coord.) Direitos Humanos, globalização econômica e integração regional: desafios do direito
constitucional internacional. São Paulo:Max Limonad, 2002,p.564.
61
DALLARI, Dalmo. Direitos humanos e Cidadania. São Paulo. Moderna, 1998,p.14
76
Segundo o dicionário Aurélio, “cidadania é a qualidade ou
estado do cidadão”. Entende-se por cidadão “o indivíduo no goz o
dos direitos civis e políticos de um Estado, ou no desempenho de
seus deveres para com este”. 62
Etimologicamente a palavra cidadão ou cidadã, tem origem na
palavra civitas, que em latim significa cidade, e que tem s eu
correlato grego na palavra politikos – como sendo aquele que habita
na cidade. A palavra cidadania
era usada na R oma antiga para
indicar a situação política de uma pessoa e os direitos que essa
pessoa tinha ou podia exercer.
No sentido ateniense do termo, cidadania pode ser definida
como
o direito da pessoa de participar das decisões nos destinos
da C idade através da Ekklesia (reunião dos chamados de dentro
para
fora)
deliberar
na
Ágora
sobre
(praça
decisões
de
pública,
comum
onde
se
agonizava
para
Dentro
desta
ac ordo).
concepção surge a democracia grega, em que somente 10% da
população
determinava
os
destinos
de
toda
a
Cidade
(eram
63
excluídos os escravos, mulheres e artesãos) .
O conceito dos direitos humanos é antigo, mas tem sido
desenvolvido
ao
longo
da
his tória.
Os
direitos
intrínsecos dos seres humanos já haviam sido
naturais
ou
anteriormente
mencionados de forma explícita em textos religios os (como por
exemplo os dez mandamentos, que reconhecem o direito a vida, a
honra, etc), literários (como a peça de teatro Antigone de Sófocles),
ou puramente filosóficos (como os da escola de pensadores de
estoicistas).
62
63
- HOLANDA, Aurélio Buarque de. Dicionário da Língua Portuguesa. Ed. Positivo. 3 ed. São Paulo
DALLARI, Dalmo. Direitos Humanos e Cidadania. São Paulo. Moderna, 1998 p. 14
77
Um
evento
marcante
nessa
evolução
foi
a
Carta
Magna
inglesa, promulgada em 1215, considerada no mundo anglo-saxão
como a base do conceito atual dos diretos do Homem. A primeir a
declaraç ão dos direitos dos homens da época moderna é aquela do
Estado da Virgínia (EUA), escrita por George Mason e adotada pela
Convenç ão
de
Virgínia
em
12
de
junho
de
1776.
Ela
foi
extensamente copiada por Thomas Jefferson para a Declaração dos
Direitos do H omem, contida na Declaração de Independência dos
Estados Unidos da América (4 de julho de 1776), pelas outras
colônias para redação dos direitos do Homem, e pela Assembléia
Francesa para a D eclaração Dos Direitos do Homem e do Cidadão.
A consolidação da cidadania foi um proces so longo, complexo
e também repleto de tensões sociais. Instaura-se a partir dos
processos de lutas que culminaram na famosa D eclaração dos
Direitos Humanos, dos Estados Unidos da América do Norte, e
também na Revolução Francesa.
Esses eventos romperam o Princípio de Legitimidade 64 que
vigia até então, baseado nos deveres dos súditos, e passaram a
estruturá-lo a partir dos direitos fundamentais do cidadão. A partir
desse momento então todos os tipos de luta foram travados para
que se ampliasse o conceito e a prática de cidadania e o mundo
ocidental o estendesse para mulheres, crianças, minorias nac ionais,
étnicas, sexuais, etárias. Pode-se afirmar, então, que cidadania é a
expressão concreta do exercício da democracia.
64
Princípio da Legitimidade: consistia na crença (ou imposição) de que o poder político total só poderia ser
exercido por membros da nobreza. A Revolução Francesa quebrou este princípio, baseada nos ideais
iluministas, sendo que anos depois, no Congresso de Viena, retornaram provisoriamente ao poder os antigos
monarcas absolutistas depostos pelos revolucionários franceses.
78
A Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão foi redigida
no dia 26 de agosto de 1789, sintetizando em apenas dezessete
artigos e um preâmbulo todos os ideais libertários e liberais da
primeira
fase
da
Revolução
Francesa.
Pela
primeira
vez
são
proclamados as liberdades e os direitos fundamentais do Homem (ou
do homem moderno, o homem s egundo a burguesia) de forma
ecumênica, visando abarcar toda a humanidade.
Reformulada
em
1793,
serviu
de
inspiração
para
as
Constituições francesas de 1848 (Segunda República Franc esa) e
para a atual. Também foi a base da Declaração Universal dos
Direitos
Humanos
promulgada
pela
ONU.
Segue
abaixo
o
documento, na íntegra, cujos princípios básicos eram a liberdade e
igualdade perante a Lei, defesa inalienável à propriedade privada e
o direito de resistência à opressão.
A Declaração dos Direitos Humanos e do Cidadão
possuía a iconografia familiar à dos Dez Mandamentos.
79
Jaime Pinsky et al referem que
N o B r as i l , a i n d a pr e d o m i n a um a a n tig a v i s ã o r ed u c i o ni s ta
d a c i d a d a n i a . D i r e i t o s e de v e r es c o m o v o ta r e pa g ar o s
i m p o s to s s ã o o br i g a tó r i o s , n ão v i s to s c o m o u m a to c ív i c o .
E x i s t e m , a s s i m , mu i t a s ba r r ei ras c u l t u r ai s e h i s t ó r i c a s p a r a
a v i v ê n c i a d a c i d a da n i a . O s d i r e i t o s q ue p o s s u í mo s f o r a m
c o nq u i s ta d os – e n ã o c o n c e d i d o s , c o mo u m f a v o r d e q u e m
es tá “ e m cima” pa r a que m está “e mba ixo”. Des ta fo rm a, a
c i d a da n i a n ão n os é d ad a , e l a é c o n s t r u í d a e c o n q ui s tad a a
p ar ti r d a c ap a c i d a de d e o r ga n i z a ç ão , p a r ti c i pa ç ã o e
i n te r v en ç ã o s oc i a l .
Cidadania consiste, a nos so ver, em respeitar a diversidade
racial, cultural, etária, estética, religiosa e social. Ser cidadão é ter
direito à vida, à liberdade, à propriedade, à igualdade perante a lei:
é, em resumo, ter direitos civis. É também participar no destino da
sociedade, votar, ser votado, ter direitos políticos. Os direitos civis e
políticos não asseguram a democracia sem os direitos sociais ,
aqueles
que
garantem
a
participação
do
indivíduo
na
riqueza
coletiva: o direito à educação, ao trabalho, ao salário justo, à saúde,
a uma velhice tranqüila. Exercer a cidadania plena é ter direitos
civis, políticos e sociais. Contudo, sonhar com cidadania plena em
uma sociedade pobre, em que o acesso aos bens e serviços é
restrito, seria utópico.
80
4.2. Exercício da cidadania: novas possibilidades
Entendemos que, do poder de o Estado implementar políticas
públicas que assegurem a todos o exercício de seus direitos
políticos, depende a promoção da cidadania.
A realidade atual nos mostra a face mais desfavorável do
neoliberalismo, a cuja expansão c oincidiu a redemocratização do
Brasil; a uma, presente na crescente miséria que atinge cada vez
mais pessoas e segmentos sociais; a duas, num volume de riqueza
cada vez mais concentrado numa fração menor da sociedade.
Face
à
conjuntura
mundial
pós-socialista,
são
cada
vez
maiores as críticas ao Estado do bem-estar social. O Estado
brasileiro, de acordo com a Constituição Federal de 88, deve
oferecer a todos os seus cidadãos: saúde, transporte, seguranç a,
previdência e educação, dentre outros benefícios.
Atualmente, a crescente conscientização cidadã dos indivíduos
deu origem a um sentimento de cidadania global, fazendo destes,
cidadãos do mundo.
Hannah Arendt ensina que cidadania é o “direito a ter direitos”
como
é,
qualidade
também,
direito-dever,
desenvolvidas
vez
que
gradativamente
tem
na
sua
extensão
conformidade
e
da
participação do cidadão na comunidade interna e internacional.
Entendemos, todavia, que um grande e valioso instrumento na
luta pela conquista da cidadania é a alfabetização, no seu mais
amplo sentido, qual seja, a alfabetização c om objeto de reflexão,
pesquisa e ensino.
81
Por meio desta, o indivíduo é dotado de maiores condições
para uma participação econômica, política e social mais plena.
Nessa ideologia podemos inserir o nosso país . A alfabetização,
no sentido de ultrapassar, de muito, a mera aquis ição da técnica de
saber ler e escrever, é fundamental para que o indivíduo obtenha o
‘status’ de cidadão, na medida em que exerça seus direitos civis,
sociais e políticos, tendo acesso a bens culturais que são, em última
instância, um capital indispensável na luta pela conquista desses
direitos, pela participação no poder e pela transformação social.
82
CAPÍTULO 5. A EDUCAÇÃO PARA A CIDADANIA
Paul Monroe, a respeito da Educação para a cidadania, ensina
que
“a
concepção
da
educação,
comum
a
todos
os
grandes
estadistas e líderes públicos, é que a educação é, principalmente,
uma preparação para a cidadania”. 65....
Refere o autor
N a o p i n i ã o an ti g a , a f un ç ã o d a ed u c aç ã o er a de s e nv o l v e r a
h ab i l i d a de , me l h o r ar o s h áb i to s , f o r ma r o c a r á t er d o
i n d i v íd u o , de f o r ma q u e p u d es s e p r o s pe r a r na s a ti v i da d e s
d e s u a v i da e c o n f or ma r - s e a c e r to s p a dr õ e s s o c i a i s d e
c o nd u ta . A i d é i a a c en tu a d a n a c on c e pç ã o d e c i d ad a n i a é a
q ue o be m- e s ta r i n d i v i d ua l e s o ci a l , a f el i c i d a d e e a r e ti d ã o
d ep e n de m , ma i s l a r g a m e n te d o q u e n un c a , d a s re l a ç õ e s
e x i s te n tes e n t r e p e s s oa s e c l a s s es na v i d a i n s ti tu c i o n al . D e
f o r ma q u e a ed u c aç ã o te m u ma n ov a mi s s ão , a d e
e s c l a r ec e r o s pri nc íp i o s b á s i c os de s ta a fi n i d ad e e de d a r
i n fo r m a ç ã o a r e s p ei to d as mu i t o c o mp l e x a s r el aç õ e s d a
s o c i e da d e e d ar u m n ov o fi m de te r mi n a do p el a a ç ã o s o c i a l .
O no v o t r a b a l h o e x i g e u ma r e c on s t r u ç ã o d o tr ab a l h o
e s c ol ar , c o m m ai or d e s t a q u e da s ma t é r i a s hi s t ó ri c as ,
e c on ô mi c a s e l i t e r á ri a s . O n o v o o b j e ti v o e x i g e u ma a ten ç ã o
ma i o r à f o r m aç ã o d o c a r á te r , a o s há b i to s s o c i a i s e a o s
mo t i vo s p a t ri ó t i c o s e a l tr u ís ti c o s . O p r i m ei r o d á u m n o v o
r e l e v o à p ar te d e i n s t r u ç ã o n a e d u c aç ã o ; o s e g u n d o , a o fi m
mo r a l . A e du c a ç ã o t o r n a - s e a s s i m , e mb or a i n d i r e t am en te , a
fo rç a mo d ific a do ra da s i ns ti tui ç õ es s o c ia is , re a l i z an d o u m
me l h o r aj us t a m en to do s i n d i v íd u o s . 66
A “educação para a cidadania” proposta pelos PCN tem em
vista desenvolver entre crianças e jovens – a partir dos Temas
Transversais
–
valores
gerais
de
solidariedade,
compaixão,
tolerância, preparando-as para participar no futuro, dentro ou fora
do local de trabalho, de ações voltadas, em última instância, aos
65
66
Monroe, Paul. História da Educação.Cia. Ed. Nacional-11ª ed.São Paulo-1976. p.p.341-342
idem, p. 342
83
excluídos ou àqueles que não dispõem de uma condição de vi da
minimamente digna, mas também às questões voltadas à saúde e à
preservação ambiental, bem como aquelas ligadas à aceitação das
diferenças – religiosas, culturais, de opção s exual, etc.
O problema é que essa “nova cidadania” vem carregada de um
forte apelo, em detrimento de uma visão mais abrangente dos
fatores sociais que causam a exclusão, bem como o preconceito, as
epidemias e a devastação do meio ambiente, e das possibilidades
efetivas
de
solução
desses
problemas
no
mundo
capitalis ta
globalizado do século XXI.
84
5.1. A educação no contexto da globalização neoliberal
José
Eustáquio
Romão,
traçando
um
paralelo
entre
globalização e Estado, pondera:
A gra n de q u es tã o s o b r e a g l o ba l i z aç ã o é p o r qu e o E s ta d o
l i be r a l d o s m ea d os d o s éc u l o X IX t o r no u - s e o E s ta d o d e
b e m - es ta r n os m e a d o s do s é c u l o X X , m as , a o fi n a l d e s t e
me s mo s éc u l o , t e v e d e s e tr a n s fo r m a r n o E s t a d o
n eo l i b era l . O u s e j a , p o r q ue o E s ta d o na c i on a l m o d e r n o ,
q ue p r o mo v i a o s i n te r e s s es d o c a pi t a l pe l o l a i s s e z - fa i r e ,
mu d ou s u a p e r f or m a n c e p a r a fo r ta l e c e r a d i s c i p l i na d o
me r c a d o , ap a r en te me n t e r ev e l an d o p r eo c u pa ç õ es s o c i a i s _
e m b or a s e m p r e tr a b al ha n do , p r i o r i t a r i a m e n t e , d e a c ord o
c o m o s i n te r es s e s d o c a p i t a l _ p ar a , fi na l m en t e , te r mi n a r
r e v el a n d o s ua v e r d ad e i r a fa c e , q u e te m c o m pr o mi s s o c o m
a d es i gu a l d a d e e c o m a te n dê n c i a e s t r u tu ra l a o
autoritarismo?
É c l ar o q u e o pa p el de c ad a E s ta d o e r a ( e c on ti n u a
s e nd o ) d e te r mi na d o pe l a s l u t as e n tr e a s f o rç a s s o c i a i s ,
l o c a l i z ad a s n o i n te r i o r d e c ad a f o r m aç ã o s oc i al . D ep o i s d o s
a no s 9 0 , t o r n o u - s e i m po s s ív e l c u m p r i r a q ue l e pa p el s e m
p r es t a r a t e n ç ã o à pro d u ç ã o e à s f i n an ç a s i n t er n a c i o na i s ,
e x a t a m e n t e po r qu e , n e m o E s t a d o n a c i o na l p o de ma n te r o u
d es e n v o l v er a c a p a c i d a d e p ar a r es i s ti r à s p r e s s õe s d o
c a pi ta l ‘ g l o b al i z a d o ’ , ne m fo i p o s s í v el c o n s tr ui r um
c o ns e n s o i nt e r n ac i on a l s o bre a c o n s tr uç ã o de u m a
r e gu l a ç ã o t ra n s n a c i o n a l d os m e r c a d o s c a p i ta l i s t as . E s t e
v e r da d ei r o ‘ ts u n a m i ec o n ômi c o ’ n ã o p o d e t e r s u a s
g i g a n t e s c a s fo r ç a s , q ue s e a ba te m s o bre o t e c i d o s o c i a l ,
c o n t r o l a d as . E m s u m a , a f ac a e o q u ei j o d o c a p i ta l
i n te r na c i o n a l é a fr ag i l i d a de do E s t ad o n a c i o na l e o v á c u o
d e u m E s t a d o tra n s n ac i on a l , ou a l g o p ar e c i d o c o m i s to , a
s e r c o n s tr u ído ” . 67
67
in ROMÃO, José Eustáquio. Globalização e educação. Revista Educação & Linguagem. UMESPUniversidade Metodista de São Paulo . Faculdade de Educação e Letras-Pós-graduação. N.13, p.p. 50 e 51.
85
Boaventura de Souza Santos
p r op õ e a d i s ti nç ã o e n t re gl ob a l i za ç ã o d e a l t a d e ns i da d e
p ar a o s pro c e s s os r áp i d o s , i n t en s o s e r e l a tiv a m e n te
mo n oc a u s ai s d e g lo b al i z a ç ã o , e g l o ba l i z aç ã o d e b ai x a
i n te n s i d ad e , p a ra o s p r o c es s o s m ai s l e n to s e d i fu s os e
ma is a mb í g u os n a s u a c a u s al i d ad e . 68
Para o próprio Boaventura de Souza Santos, por um lado, a
globalização de baixa intensidade ocorre no universo das trocas em
que as desigualdades não são tão grandes ou, em outras palavras ,
em que as diferenças de poder entre os países não são tão
marcantes, restando um largo espaço para as iniciativas do Estado
nacional.
Por outro lado, globalização de alta intensidade tende a
predominar em situações em que as trocas são muito mais desiguais
e as diferenças de poder são grandes, sobrando pouco espaço para
a ação desses Estados.
Para ele, a economia e a política situar-se-iam no universo da
globalização de alta intensidade, enquanto a educação situar-se-ia
entre as atividades humanas de baixa intensidade de globalização,
permanecendo um campo mais vasto para as reformas, formulação
de polític as e implementação de ações nac ionais.
Entretanto, mesmo reconhecendo que esta classificaç ão é uma
poderosa e útil idéia, a especificidade da reforma educacional
brasileira, aduz o autor, conduz-nos a pensar sobre a globalização
hegemônica como sendo a do tipo de alta intensidade.” 69
68
69
Idem, p. 51
Op. citada, p.p. 55 e 56
86
Em
geral,
pode-se
compreender
o
processo
de
globalização como um fenômeno que surgiu com a Nova Ordem
Mundial,
após
a
queda
da
União
das
Repúblicas
Socialistas
Soviéticas, em 1991. Consiste num dos processos de integração
econômica,
social,
cultural
e
espacial,
maior
acessibilidade
e
barateamento dos meios de transporte e comunicação entre países um “encurtamento de distâncias”.
É um fenômeno observado naquela
necessidade de formar
uma Aldeia Global que possa permitir maiores ganhos para os
mercados internos que já estavam saturados.
As
principais
características
da
G lobalização
são
a
homogeneização dos centros urbanos, bem como a expansão das
corporaç ões para aquelas regiões fora de seus núcleos geopolíticos,
a
revolução
tecnológica
nas
comunicações
e
na
eletrônica,
a
reorganiz ação geopolítica do mundo em blocos comerciais regionais
(não mais ideológicos), a hibridização entre culturas populares
locais e aquela cultura de massa supostamente era
"universal",
entre outros.
Já,
o
Neoliberalismo
consiste
numa
nova
aplicação
do
Liberalis mo Clássico, que passou a vigorar a partir dos anos 70. Sua
base filosófica e econõmica foi proposta por Friedrich von Hayek e
Ludwig von Mises. Tal corrente de pensamento político defende a
instituição de um sistema de governo em que o indivíduo tenha mais
importância do que o Estado (minarquia), sob a argumentação de
que quanto menor a participação do Estado na economia, maior é o
87
poder dos indivíduos e mais rapidamente a sociedade pode se
desenvolver e progredir, para o bem dos cidadãos.
Acredita-se que a economia possui suas próprias leis e deve
ser conduzida por elas, livremente, sem se submeter à regulação do
Estado.
88
5.2. A educação pública: redução da responsabilidade social do
Estado
A Constituição Federal de 1988, em seus artigos 193 a 224
definiu as funções governamentais, que têm como fundamento a
promoção do bem estar comum 70, a melhoria do padrão de vida da
população e a busca das liberdades fundamentais. São estas
funções consideradas de responsabilidade indiscutível do governo.
A conduta ética na aplicação da lei exige que esta conduta
seja constituída por valores e obrigações que formam o conteúdo
das
condutas
morais
que
se
constituem
em
virtudes,
e
deve
prevalec er sobre todas as outras.
Assim, a conduta ética para a aplicação da lei, pres supõe a
existência do estado de direito e o respeito que por ele se origina;
situação onde direitos, liberdades, obrigações e deveres estão
incorporados na lei para todos, em plena igualdade, e com a
garantia de que as pessoas serão tratadas eqüitativamente, em
circunstâncias similares.
70
“Bem Comum nada mais é do que o próprio bem particular de cada indivíduo, enquanto este é parte de um
todo ou de uma comunidade: "O bem comum é o fim das pessoas singulares que existem na comunidade,
como o fim do todo é o fim de qualquer de suas partes". Ou seja, o bem da comunidade é o bem do próprio
indivíduo que a compõe. O indivíduo deseja o bem da comunidade, na medida em que ele representa o seu
próprio bem. Assim, o bem dos demais não é alheio ao bem próprio. O bem particular buscado por cada um
dos membros da comunidade é, em última análise, a própria felicidade, que só se alcança com o perfeito
aquietamento do apetite, ou seja, quando nada resta a desejar. O objeto formal de nossa vontade é o bem,
sem limitações, e não este ou aquele bem. Daí que apenas um bem que seja universal é capaz de saciá-la
plenamente. Um bem é tanto mais bem quanto é bem para mais pessoas.” Ives Grandra da Silva Martins
Filho. O princípio ético do bem comum e a concepção jurídica do interesse público. in Instituto Brasileiro
de Direito Público.
89
A necessidade de se aplicar a lei, no sentido de assegurar o
respeito pelas normas jurídicas e de estipular as conseqüências dos
delitos, é provavelmente tão antiga quanto a própria lei.
No ensinamento de Carlos Maximiliano 71, a aplicação da lei
consiste em enquadrar um caso concreto numa norma jurídic a
adequada. Submete àquelas prescrições da lei uma relação da vida
real; procura e indica o dispositivo adaptável a um fato determinado
e específico. Por outras palavras, tem por objeto descobrir o modo e
os meios de amparar juridicamente um interesse humano.
Podemos inferir que a responsabilidade do indivíduo é o
fundamento da responsabilidade do Estado. Porém, como nos ensina
a história, também o contrário é verdadeiro. Neste aspecto, vale
relembrar a filosofia hegeliana que construiu uma nova justificação
racional para o Estado. Hegel atribui ao Estado as características da
própria razão, ao considerá-lo “a realidade em ato da idéia ética”, o
“racional em si para si”
A atuação pública deve sempre estar motivada no interesse da
coletividade.
Na
prática
da
democracia
política,
a
gestão
e
administração do Estado nasce da votação, pelos cidadãos, das
pessoas que terão a responsabilidade do Governo, tanto no âmbito
executivo como no legislativo. O Presidente da República, como
representante máximo do executivo, por sua vez, designa e delega
para
outros,
parcelas
da
responsabilidade
do
governo,
em
conformidade com as normas constitucionais, ou seja, escolhe os
Ministros, Diretores de Instituições, etc.
71
Carlos Maximiliano, Hermenêutica e aplicação do direito, p. 11.
90
Um bom governo deve reconhecer antes de tudo a primazia do
Estado de Direito e estar atento, principalmente, ao fato de que a
autoridade governamental seja exercida em harmonia com as leis
aprovadas pelo parlamento legitimamente eleito, que o sistema
jurídico
seja
independente,
que
o
governo
e
a
administração
respeitem o Estado de Direito, marco da Constituição e que o
sistema jurídico exerça seu direito de questionar e sancionar os atos
da administração.
É dever dos governantes a busca de relações harmônicas entre
seus governados e, o reconhecimento de que a política é criação e
responsabilidade
governo
a
dos
homens
manutenção
e
e
para
os
permanente
homens,
cabendo
construção
da
ao
ordem
democrática.
Como
instituição
sócio-jurídica,
a
finalidade
do
Estado
é
promover a concretização dos ideais de paz , de segurança e de
prosperidade. Reside aí, na finalidade do Estado, a responsabilidade
ética do mesmo.
O descumprimento dessa responsabilidade gera o dano para
seus nacionais e, neste caso, torna-se pas sível de reparação na
esfera civil. Esses danos poderão ser provenientes de, por exemplo,
medidas judiciais legítimas, mas que causem dano às partes de um
processo ou a terceiros, responsabilizando-s e assim ao Estado, com
base no princípio constitucional da igualdade, frente aos cargos
públicos, e a defesa dos direitos e garantias fundamentais, que são
princípios consagrados pela Constituição.
91
Para Hegel 72 o Estado é o elemento primordial da formação dos
direitos; é a racionalidade da substância moral objetivada em leis,
em organizações jurídicas, pois o Estado, sem ordem jurídic a, não
existe na filosofia hegeliana, porque ela é o indício da evolução
racional do povo e de seus costumes.
O Estado como aparelhamento ético é a compatibilização
entre ordem e liberdade, não podendo o indivíduo ser marginalizado
pela irracionalidade à mercê da anarquia total. Deve, portanto, o
Estado, promover a mediação, não podendo ser governado como
uma forma de privilégio, de prevalecimento pessoal, de realização
da própria vontade, exercendo arbitrariamente o poder.
Enfim,
deve
o
Estado
governar
o
todo
pelo
todo
instrumentalizado, pela boa aplicação da justiça por meio do Direito,
pois é respeitando os governados que se fará cumprir o ideal do
Direito, conectado ao ideal do Estado.
As políticas públicas para a educação básica no Brasil atual –
especialmente
as
relativas
ao
estabelecimento
de
parâmetros
curriculares nacionais _ devem contruibuir para a edificação de uma
proposta educacional voltada à liberdade de conhecimento.
No caso dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN), a
comunidade escolar tem a opção de aderir ou não a eles, mas será
avaliada pelo MEC a cada etapa de seu trabalho. O Estado,
preestabelecendo
72
um
corpo
de
conhecimentos
e
uma
forma
In PINSKY, Jaime et al. História da Cidadania. Contexto. 2.ed. São Paulo, 2003
92
específica de analisá-los – através dos PCN – e avaliando as
escolas públicas a partir desses mesmos conteúdos – via SAEB,
ENEM, Provão –, “deixa livre” as redes estaduais e municipais de
ensino
e
as
unidades
escolares
para
“gerenciarem”
e
“operacionalizarem” o novo currículo (im)posto.
Ainda que os apologistas das competências afirmem que o que
se propõe é apenas um novo método de trabalho dos conteúdos
escolares
básicos
em
substituição
ao
seu
antigo
tratamento
tradicional descontextualizado e estanque dado pelas disciplinas
escolares, a mudança de foco do saber acumulado para o saber
vivido do aluno, pode pôr em risco a liberdade de conhecimento, se
essa bagagem prévia de conhecimentos trazida pelas crianças e
jovens para a escola não for trabalhada arduamente para se chegar
ao conhecimento científico e aos embates mais amplos que o
caracterizam.
Nos PCN, ao contrário, o conhecimento sistematizado aparece
como desvinculado da história, “desideologizado”, assim como as
competências a serem trabalhadas para a vida profissional e cidadã.
Os jovens devem sair da escola básica (o que, a partir da Lei
de Diretrizes e Bases de 1996, significa ensino fundamental e
médio) com a certeza de que só terão bom desempenho profissional
e pessoal se continuarem aprendendo ao longo da vida.
93
Essa verdade se torna cruel, no entanto, quando analisamos o
quadro de desemprego estrutural que assola o mundo e em especial
os países capitalistas periféricos. Diante dele, os indivíduos passam
a ser responsabilizados pela sua capacidade pessoal ou não de
competir e garantir os recursos para sua sobrevivência e, ao mesmo
tempo, de contribuir para a diminuição dos contrastes sociais
existentes.
Nos PCN-Parâmetros Curriculares Nacionais- a ênfase está no
manuseio das novas tecnologias e na preparação subjetiva dos
educandos para lidar com as instabilidades características do atual
mercado de trabalho e com as novas formas de participação política
que marcam nossos dias.
Os valores ligados à “nova cidadania” difundidos pelos PCN se
assemelham à vis ão do Banco Mundial, como podemos visualizar
neste trecho do relatório do seminário “Novas parcerias em políticas
de combate à pobreza”, realizado em Belo Horizonte, em 1997, por
esse banco, com o apoio do Banco Nacional de Desenvolvimento
Econômico Social (BNDES) e do governo estadual de Minas Gerais.
No que tange
às escolas públicas brasileiras, esses “novos
atores da sociedade civil” são principalmente empresas que, através
de fundações, institutos e demais ONGs, vêm buscando realizar
atividades
voltadas
à
responsabilidade
social
direta
ou
indiretamente vinculadas à educação.
94
Um exemplo disto é o manual “O que as empresas podem fazer
pela educação” 73, composto atualmente por 808 empres as, das quais
quase 40% são de grande porte. Neste manual, a produção de
materiais didáticos é um dos focos de ação sugeridos a empresas
que desejam colaborar com a escola pública no país.
Nessa mesma direção, o Projeto Cuidar do Instituto Souz a
Cruz e o Programa de Educação Afetivo-Sexual da C ompanhia
Siderúrgica Belgo-Mineira assumem a tarefa de implementação dos
temas
transversais
nas
escolas
da
rede
pública,
fornecendo
gratuitamente materiais didáticos próprios ancorados nos princ ípios
gerais delimitados nos PCN.
Os PCN se configuram num instrumento de controle por parte
do Estado do que se deve ensinar e aprender nas escolas públicas
de todo o país, de acordo com os princípios gerais definidos pelos
organismos capitalistas internacionais – tanto no que se refere à
adaptação de tecnologia pelos países de capitalismo periférico
quanto com relação ao modelo de cidadania “colaboradora”, que não
questione os fundamentos da nossa sociedade –, bem como numa
importante via de acesso do setor empresarial nacional às políticas
públicas educacionais, favorecendo a possibilidade de intervenção
direta das empresas privadas no currículo, na seleção de materiais e
na gestão dos recursos das escolas públicas brasileiras.
73
Instituto Ethos de Empresas e Responsabilidade Social. p.p. 52-53
95
A liberdade de conhecimento não é garantida nesse modelo de
educação, e talvez por isso professores sintam tanta dificuldade em
convencer seus alunos de que “o conhecimento liberta”. 74
74
op. cit. p. 57
96
5.3. A construção da cidadania: da outorga para a conquista
Não se pode falar em construção da cidadania sem falar em
educação, pois a vinculação entre alfabetização e cidadania faz
parte do senso comum: a concepção de que só quem é alfabetizado
é
capaz
de
agir
politicamente,
de
participar,
de
ser
livre,
responsável, consciente - de ser homem histórico e político, de ser
cidadão, faz parte do senso comum.
A excessiva ênfase que se coloca no analfabetismo, como
sendo a causa da exc lusão da cidadania, e a cidadania, com a
correspondente ênfase na alfabetização, como sendo fator essencial
para evitá-la, ocultam as causas mais profundas dessa exclusão,
que estão centradas nas condições materiais de existênc ia a que
são submetidos os “exc luídos”, nas estruturas privatizantes do
poder, nos mecanismos de alienação e de opressão, fatores que,
juntos, resultam na outorga diferenciada de direitos sociais, civis e
políticos às diversas classes e categorias sociais.
Na verdade, a exclusão do agir e do participar politicamente,
longe
de
ser
produto
de
uma
“ignorância”
causada
pelo
analfabetismo, é produto das iniqüidades sociais que, elas sim,
impõem estreitos limites ao exerc ício dos direitos sociais, civis e
políticos que constituem a cidadania.
Basta que se considere a co-ocorrência de indicadores de
exclusão:
altas
taxas
de
analfabetismo
e
outros
indicadores
educacionais (taxas de repetência, de evasão, de não acesso à
escola, etc.), que ocorrem ao lado de baixas faixas salariais ,
maiores
índices
de
subnutrição,
de
imoralidade,
de
menor
expectativa de vida, etc.
97
Ao se pensar em alfabetização e cidadania, é preciso fugir a
uma interpretação linear desses dois termos, atribuindo-lhes uma
relação de causa-consequência, em que a exclusão da cidadania
seja tomada como conseqüência do analfabetismo; as relações
entre analfabetização e cidadania – pois elas existem – devem ser
entendidas no conjunto mais amplo dos determinantes sociais,
políticos e econômicos, que inviabilizam o exercício da cidadania
por enorme parcela da população brasileira.
A conquista do direito de voto pelo analfabeto, de um lado,
comprova, pelas acirradas polêmicas que suscitou, a arraiga da
resistência a rec onhecer, no analfabeto, um cidadão (lembramos
que os analfabetos constituem o grupo de excluídos que mais
tardou a obter o direito de voto), e, de outro lado, testemunha o
cidadão, fazendo-se pela prática da reivindicação política, ainda
que analfabeto.
Portanto, ao se pensar em analfabetização e cidadania é
preciso, aqui também, e de novo, fugir a uma interpretação linear
desses
dois
consequência,
termos,
em
que
atribuindo-lhes
a
construção
uma
da
relação
cidadania
seja
causavista
independente da alfabetização; esta deve ser entendida como um
componente, entre muitos outros, da conquista, pela populaç ão, de
seus direitos sociais, civis e políticos .
98
As sociedades que chegaram a garantir atributos e conquistas
avançadas à população, passaram por transformações profundas e
radicais. Onde há instituições cristalizadas em benefício apenas de
setores
minoritários
dominantes,
onde
o
Estado
é
o
parceiro
preferencial da acumulação, da exploração e da exclusão, mais
necessário se torna organizar-se e mobilizar-se para a conquista da
cidadania.
99
CONCLUSÕES
1. Há uma crescente conscientização da sociedade a respeito dos direitos
que lhe são assegurados constitucionalmente, como também existe hoje a certeza
do direito do cidadão, em exigir do ente estatal, o cumprimento de suas atribuições
públicas, no exato desempenho das obrigações que lhe são inerentes,
consubstanciadas em ações concretas.
2. A esses preceitos constitucionais, consagradores de direitos, liberdades
e garantias, se atribui uma força vinculante, porquanto pressupõem um regime
jurídico-constitucional especial, que os caracteriza materialmente.
3. O predomínio do neoliberalismo durante as décadas de 80 e 90 não
conseguiu eliminar os direitos sociais, mas também impediu que outros fossem
obtidos.
4. Os direitos sociais não podem divorciar-se das várias dimensões
reconhecidas pela constituição, ao catálogo dos direitos fundamentais dos
indivíduos.
5. O sentido global que resulta da combinação das dimensões objetiva e
subjetiva dos direitos fundamentais, é de que o cidadão, em princípio, tem
assegurada uma posição jurídica subjetiva, cuja violação lhe permite exigir a
proteção jurídica.
6. O princípio da proteção jurídica fundamenta um alargamento da
100
dimensão subjetiva e, ao mesmo tempo, alicerça um verdadeiro direito ou
pretensão de defesa das posições jurídicas ilegalmente lesadas, que se refere,
precisamente, à defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos.
7. Muitos direitos impõem um dever ao Estado, aos poderes públicos. Os
direitos sociais, dentre eles o direito à educação, é qualificado como um direito a
prestação, o que significa, em sentido estrito, o direito do particular a obter algo
através do Estado.
8. Os particulares podem derivar diretamente das normas constitucionais
pretensões prestacionais por parte do Estado, traduzidas no direito de exigir.
Podem exigir, também, uma atuação legislativa concretizadora das normas
constitucionais sociais, sob pena de omissão inconstitucional por parte do ente
estatal.
9. Também estão aptos a exigir e obter a participação igual nas prestações
criadas pelo legislador, como por exemplo, prestações médicas e hospitalares, ou
mesmo prestações educacionais existentes.
10. Se o particular tiver meios suficientes e houver resposta satisfatória do
mercado à procura destes bens sociais, ele pode obter a satisfação de suas
pretensões prestacionais através da iniciativa privada.
11. Caso o particular não disponha dos meios suficientes para tal, como é o
caso da imensa maioria dos brasileiros, o Estado, que tem o dever da prestação
ao atendimento das necessidades dos cidadãos em tais áreas, deve atender a
estes ou responder por sua omissão.
101
12. É líquido que as normas consagradoras de direitos sociais, econômicos
e culturais, insculpidas na Constituição Federal de 88, individualizam e impõem
políticas públicas socialmente ativas, sendo certo que, neste ponto, reside a
responsabilidade educacional do Estado.
13. Por excelência, a destinação maior da instituição Estado, é propiciar a
construção de uma sociedade mais justa, cujo conjunto do povo possa constituir
uma identidade política, que lute contra as discriminações e o desrespeito aos
direitos dos cidadãos.
14. O pleno exercício desses direitos resulta na cidadania, que deve ser
entendida no conjunto mais amplo dos determinantes sociais, políticos e
econômicos, de forma que estes não inviabilizem o exercício desta cidadania, a
grande parte da população.
15. A conquista da cidadania se fará, fundamentalmente, através da
prática política e social, na luta dos indivíduos por seus direitos civis, políticos e
sociais.
16. O Brasil é um país endividado com sua população, em razão do
descumprimento
das
obrigações
constitucionais
assumidas
perante
seus
nacionais, no que tange ao atendimento dos direitos mais comezinhos de seus
cidadãos, designados como direitos sociais e qualificados como garantias
fundamentais do ser humano.
17. Falta aos cidadãos o cumprimento das garantias constitucionais por
parte do Estado, mormente aquelas insculpidas no artigo 6º da Lei maior, dentre
as quais destacamos a sua obrigação no desempenho da prestação educacional,
102
pedra fundamental para a edificação do caráter e da própria condição de vida dos
indivíduos, visualizadas em uma realidade concreta.
18. A educação poderá formar cidadãos com juízos ou condutas
errôneas por ignorância, omissão ou livre arbítrio, porém, sob esses aspectos, não
isentos da responsabilidade.
19. No devido cumprimento das obrigações constitucionalmente
garantidas, reside a responsabilidade do Estado, aí inclusa a responsabilidade
educacional.
103
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107
ANEXO
DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS DO HOMEM E DO
CIDADÃO
A Assembléia Nacional reconhece e declara em pres ença e sob os
auspícios do Ser Supremo, os direitos seguintes do homem e do
cidadão:
I - Os homens nascem e permanecem livres e iguais perante a lei;
as distinções sociais não podem ser fundadas senão sobre a
utilidade comum.
II - O fim de toda associação política é a conservação dos direitos
naturais e impres critíveis do homem; esses direitos são: a liberdade, a
propriedade,
a
segurança
e
a
resistência
à
opressão.
III - O Princípio fundamental de toda autonomia reside essencialmente
na
nação;
nenhuma
autoridade
corporação,
que
ela
nenhum
não
indivíduo
emane
pode
exercer
expressamente.
IV - A liberdade consiste em fazer tudo que não perturbe a outrem.
Assim, os exercícios dos direitos naturais de cada homem não tem
limites senão os que asseguram aos outros membros da sociedade o
desfrute
desse
mesmo
direito;
esses
limites
não
podem
108
ser
determinados
V –
senão
por
lei.
A lei só tem o direito de proibir as ações que prejudiquem a
sociedade.
Tudo quanto não for impedido por lei não pode ser proibido e ninguém é
obrigado
a
fazer
o
que
a
lei
não
ordena.
VI - A lei é a expressão de vontade geral; todos os cidadãos têm o
direito de concorrer pessoalmente ou pelos seus representantes para a
sua formação; deve ser a mesma para todos, seja os protegendo, seja
ela os punindo. Todos os cidadãos sendo iguais aos seus olhos, são
igualmente admissíveis a todas as dignidades, lugares e empregos
públicos, segundo as respectivas capacidades e sem outras distinções
que
não
sejam
as
das
suas
virtudes
e
as
dos
seus
talentos .
VII - Ninguém pode ser acusado, preso, nem detido, senão nos casos
determinados pela lei, e segundo as formas por ela prescritas. Os que
solic itam, expedem, ou fazem executar, ordens arbitrárias devem ser
punidos; mas todo cidadão chamado em virtude da lei deve obedecer
incontinenti;
ele
torna-se
culpado
em
caso
de
resistência.
VIII - A lei só deve estabelecer as penas estritas e evidentemente
necessárias e ninguém pode ser punido senão em virtude de uma lei
estabelecida
e
promulgada
anteriormente
ao
delito
e
legalmente
aplicada.
IX - Todo homem é presumido inocente, até que tenha sido declarado
culpado e se for indispensável será preso, mas todo rigor que não for
necessário contra sua pessoa deve ser severamente reprimido pela lei.
X - Ninguém deve ser inquietado pelas suas opiniões, mesmo religiosas,
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desde que as suas manifestações não prejudiquem a ordem pública
estabelecida
pela
lei.
XI - A livre comunicação das opiniões e dos pensamentos é um dos
direitos mais preciosos do homem; todo o cidadão pode então falar,
escrever, imprimir livremente; devendo responder pelos abusos desta
liberdade
em
casos
determinados
pela
lei.
XII - A garantia dos direitos do homem e do cidadão necessita uma forç a
pública; essa força é então instituída para vantagem de todos e não pela
utilidade
XIII
-
Para
particular
manutenção
aos
da
quais
força
pública
é
e
para
confiada.
os
gastos
de
administração, uma contribuição comum é indispensável; ela deve ser
igualmente repartida
entre
todos
os
cidadãos
na
razão
das
suas
faculdades.
XIV - Os cidadãos tem o direito de constatar por si mesmo ou pelos seus
representantes, a necessidade da c ontribuição pública, de a consentir
livremente, de seguir o seu emprego, de determinar a quantidade e a
duração.
XV - A sociedade tem o direito de pedir contas a todo agente público de
sua
administração.
XVI - Toda sociedade na qual a garantia dos direitos não é assegurada,
nem a separação dos poderes determinada, não tem constituiç ão.
XVII - A propriedade, sendo um direito inviolável e sagrado, ninguém
dela pode ser privado se não for por necessidade pública, legalment e
constatada, sob a condição de uma justa e prévia indenização.
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