IRENE HAJAJ RESPONSABILIDADE EDUCACIONAL DO ESTADO A EDUCAÇÃO PARA A CIDADANIA MESTRADO EM DIREITO DO ESTADO SUB-ÁREA: DIREITO CONSTITUCIONAL PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO SÃO PAULO, 2006 1 IRENE HAJAJ RESPONSABILIDADE EDUCACIONAL DO ESTADO A EDUCAÇÃO PARA A CIDADANIA MESTRADO: Dissertação apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de MESTRE em Direito Constitucional, sob orientação da Professora Doutora Maria Garcia. São Paulo 2006 2 Banca Examinadora: ___________________________ ___________________________ ___________________________ 3 Agradecimento À prof.ª Dr.ª Maria Garcia, um exemplo notável de dedicação ao ensino do Direito 4 Dedicatória A Deus, guardião da minha vida. Aos meus pais Judath (in memorian) e Munira, bússolas da minha formação. Aos meus filhos Marcelo e Daniela Patrícia, razão da minha luta e da minha alegria. 5 RESUMO O presente estudo tem como objeto a análise da Responsabilidade Educacional do Estado brasileiro, aspecto sempre atual e reciclável no curso da história, e da própria educação e formação do homem e do cidadão. O objetivo do trabalho é o de traçar um paralelo em relação aos preceitos constitucionais elencados nos artigos 205 a 214 da Carta Magna e sua (não) aplicação por parte do Poder Público, naquilo que concerne ao atual momento da realidade brasileira, indo fora da educação para pensar a educação. Abordaremos o surgimento da Educação e do Sistema Educacional como doutrina na conduta humana, fazendo, para tanto, uma breve digressão histórica, que começa no período clássico, passa pelos períodos cristão e moderno e chega aos nossos dias, evidenciando-se, principalmente, as diferenças fundamentais existentes entre estes na área educacional. Será abordado o conceito de comunidade grega, analisando-se as diferenças educacionais existentes entre Esparta e Atenas na sua relação com o ente estatal, enfocando a responsabilidade educacional do Estado perante seus cidadãos, mormente quando no desempenho de suas funções administrativas. Os preceitos constitucionais inseridos na Constituição Federal de 1988 serão relacionados com o direito à educação, enquanto direito fundamental de natureza social, bem como com o processo educacional, porquanto preceitos calcados nos direitos sociais e de responsabilidade do ente estatal Por fim, serão analisados os princípios da cidadania e da dignidade da pessoa humana, enfocados no seu contexto histórico e no seu exercício, 6 prospectando possibilidades para a construção de uma cidadania para todos, através da garantia do Estado aos cidadãos, do acesso ao sistema educacional e do recebimento de ensino e formação de qualidade. Da pesquisa realizada, é possível concluir que a cidadania crítica à qual almejamos, aquela mesma em que os cidadãos, caminhando juntos, possam construir projetos que atendam aos anseios coletivos, numa democracia representativa, que não exclua a ordem da pessoalidade, a tomada de consciência, a cultura política, a ordem ética e os valores morais, só poderá ser alcançada quando o Estado cumprir com o dever de formar o cidadão, da forma como se obriga pela norma constitucional, qual seja, assumindo a responsabilidade educacional a que está imposto. 7 ABSTRACT This essay broaches State’s educacional responsibility, which connects to every human knowledge fields and therefore is incessantly current and recyclabe in the course of history, and in education and the evolution of Man and citizen themselves. It has the aim to connect constitutional’s precepts available in articles 205 to 214 in Magna Letter and its (non-) enforcement by Public Power, concerning to current moment in Brazilian reality, and looking at Education by an outside-viewer perspective. We shall broach education and educational system’s genesis as doctrine of human behavior, by doing a brief historical digression starting from Classical Period, through Cristian and Modern Periods, and finally reaching the present days. We intend to emphasize educacional differences between Sparta and Athens, and the relation between State and power in those societies, focusing on State’s educational responsibility facing both the surrounding world and its citizens, mainly when carrying out administrative functions inherent to the State system. Constitutional precepts inserted in Federal Constitutional of 1988 be related to education and educational process, precepts of those based on social rights and social State’s responsibility. Al last we shall deal with citizenship principles and human person’s dignity, focused on its historical context and its drill, prospecting possibilities of the construction of that one citizenship to every individual. 8 SUMÁRIO INTRODUÇÃO ................................................................................... 01 Capítulo 1. A EDUCAÇÃO ................................................................. 03 1.1.- A educação e o sistema educacional ........................................ 03 1.2.- A educação na Declaração Universal dos direitos do homem ... 11 1.3.- Visão histórica da educação....................................................... 17 1.4.- A educação a partir do século XV .............................................. 22 1.5.- A educação contemporânea....................................................... 24 Capítulo 2. O ESTADO GREGO E A DUCAÇÃO............................... 30 2.1.- A polis no contexto histórico da Grécia ...................................... 33 2.2.- As diferenças educacionais entre Esparta e Atenas .................. 36 2.2.1.- A educação em Esparta ................................................. 37 2.2.2.- A educação em Atenas .................................................. 40 Capítulo 3. A CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 E A EDUCAÇÃO ............................................................................................................ 44 3.1.- O descumprimento da norma constitucional pelo Estado .......... 46 3.2.- Os direitos do homem e o respeito aos direitos individuais........ 48 3.3.- Os direitos sociais no Brasil ....................................................... 51 3.4.- Educação:direito do cidadão, dever do Estado .......................... 55 3.5.- A responsabilidade social do Estado na Educação.................... 58 Capítulo 4. A CIDADANIA .................................................................. 63 4.1.- Visão histórica da cidadania....................................................... 64 4.2.- Exercício da cidadania: novas possibilidades ............................ 71 Capítulo 5 – A EDUCAÇÃO PARA A CIDADANIA ............................. 73 5.1.- A educação no contexto da globalização neo-liberal ................. 75 5.2.- A educação pública: redução da responsabilidade social do Estado................................................................................................. 79 5.3.- A construção da cidadania: da outorga para a conquista .......... 87 CONCLUSÕES................................................................................... 90 BIBLIOGRAFIA................................................................................... 94 9 “Age sempre de modo a tratar a Humanidade como um fim, tanto em tua própria pessoa como na dos outros, e nunca te sirvas dela como um simples meio.” Immanuel Kant 10 INTRODUÇÃO A idéia dissertação deste de tema surgiu Mestrado na da área intenção de de Direito elaborar a Constitucional, relacionando-o com o Direito Educacional. Dentre os infindáveis temas que poderiam resultar em um trabalho dissertativo, elegeuse a Responsabilidade Educacional do Estado que, por sua indissociável conexão com o Direito Constitucional, a Política, a Democracia, a Dignidade Humana, enfim, com todo o campo dos direitos sociais, torna-se sempre atual e reciclável no curso da história e da própria educação e evolução do homem e do cidadão. O objetivo do trabalho que ora se apresenta é de, analisando o pensamento ético- filosófico-educacional no curso da história, traçar um paralelo em relação aos preceitos constitucionais dispostos nos artigos 205 a 214 da Carta Magna e sua (não) aplicação por parte do Poder Público, no que tange ao atual c o n t e xt o d a r e a l i d a d e b r a s i l e i r a , i n d o f o r a d a e d u c a ç ã o p a r a pensar a educação. Para tanto, foi dividido em cinco capítulos. No primeiro capítulo, direcionamos nossa pesquisa ao surgimento da Educação e do Sistema Educacional, como doutrina na conduta humana, fazendo, para tanto, uma breve digressão histórica, que se inicia no período clássico, passa pelos períodos cristão e moderno e vem até os nossos dias, evidenciando-se, principalmente, as diferenças fundamentais existentes entre esses momentos conceito históricos. de Num comunidade segundo grega, momento, estabelecemos introduzido as o diferenças educacionais entre Esparta e Atenas e suas relações com o Estado, enfocando a Responsabilidade Educacional do Estado no 11 mundo que o cerca, bem como analisando a responsabilidade assumida pelo ser estatal perante seus cidadãos, mormente quando no desempenho de suas funções administrativas. No terceiro capítulo, enfocamos os preceitos constitucionais inseridos na Constituição Federal de 1988, relacionando-os com a educação e com o processo educacional, preceitos estes calcados nos direitos sociais e na Responsabilidade Social do Estado. A par disso, traçamos um panorama dos direitos do homem e dos direitos sociais no Brasil, para analisar o cumprimento dos princípios e regras estabelecidos na legislação, entendendo a Educação como responsabilidade social do Estado. No princípios quarto da estabelecidos capítulo cidadania no seu dedicamos e da contexto especial dignidade histórico da e atenção pessoa no seu aos humana, exercício, prospectando possibilidades para a construção de uma cidadania plena para todos os indivíduos, sem distinções, que os conduza ao desenvolvimento individual e ao progresso social. Por fim, no quinto e último capítulo, ocupamo-nos com a educação para a cidadania, no que concerne à Responsabilidade Educacional preconizada pelo Estado Brasileiro em relação aos seus nacionais, através da análise da educação no contexto do neoliberalismo, buscando compreendermos a educação no atual processo de globalização, consistente na integração econômica, social, cultural e espacial dos países, integração essa formadora da denominada sociedade de informação. 12 Capítulo 1. A EDUCAÇÃO 1.1. Educação e sistema educacional Em sua acepção mais lata, educação é o processo pelo qual um indivíduo aprende as coisas necessárias para ajustar-se à vida na sua sociedade. Grande parte des sa aprendizagem provém da sua participação nas atividades da sociedade, vez que toda e qualquer experiência vivida é, em certo sentido, educativa. Para Kant, cujas idéias se aplicam à realidade atual, “o homem só se torna homem pela educação” É fato que em toda e qualquer sociedade, mesmo onde se encontram escolas formalmente organizadas, procura-se dar aos jovens uma especial atenção, com o desenvolvimento de um sistema educacional para instruí-los . As sociedades tomam a iniciativa nesse sentido por razões bem definidas, haja vista que necessárias para transmitirem a sua herança social e cultural, no intuito de sobreviver como uma ordem social, calcada no treinamento consciente desses jovens para desempenharem seus papéis de adultos, e para a própria manutenção da sociedade. Valores, princípios, normas e modos de adaptação da sociedade à sua tecnologia lhes são transmitidos mediante esse sistema, vez que as geraç ões passam, restando às gerações mais novas o papel de guardiãs de suas indispensáveis aptidões e formas de agir. 13 O que lhes será ensinado e como será ensinado, depende do tipo de sociedade e da fase de seu próprio desenvolvimento cultural. Grande foi a influência de Rousseau no campo da educação, principalmente nos escritos de sua obra “Emílio, ou da Educação” 1, onde descreve a educação de uma criança, retirada da influência dos pais e das escolas, isolada da sociedade e entregue a um professor considerado pelo autor como ideal, em razão de que a educa segundo os padrões da natureza, em contato permanente com esta. Em referida obra o autor se contrapõe diametralmente às idéias que predominavam na época a respeito da natureza humana. A educação, no olhar de Rousseau, deveria levar em conta as inclinações naturais desenvolvimento, do fato indivíduo, que o nas levaria a diversas uma fases educação do seu natural, resultante de seus instintos, não de imposições externas, posto que, a partir do momento em que a educação passasse a ser vista da perspectiva da criança, dando-lhe importância, essa educação passaria a ser um processo natural e contínuo, não fazendo da criança um ser infeliz hoje, em nome de um futuro incerto. Em oposição às suas idéias, Hobbes afirmava que a natureza humana é essencialmente má, vez que o homem nasce com o pecado original, e que caberia somente à educação, preponderantemente à religiosa, destruir es sa natureza original do homem, substituindo-a por uma outra, modelada pela sociedade. 1 ROUSSEAU, Jean Jacques. Emílio, ou da Educação.……. 14 Entendemos, todavia, que a identificação do termo educação com escola é um dogma nuclear dos sistemas educativos modernos. É certo que o papel das instituiç ões de ensino é cada vez mais importante em valor absoluto, porém, em seu valor relativo, quando se o compara com outros meios de comunicação exis tentes atualmente, como, por exemplo, a utilização da “Internet”, que globaliza as informações, esse papel tende a diminuir. Refere Faure, citado por N elson e C laudino Piletti: O u t r a s g e n e r al i z a ç õ e s s u má ri a s re l a t i v as à e d u c a ç ão e à e s c ol a p e r s i s te m e s e p r op a ga m. D i z - s e q ue a e d u c aç ã o c i m e n ta a u n i d ad e n a c i o n a l e s oc i al ; q u e f a v or e c e a mo b i l i d a d e s o c i a l ; q u e i g u al a a s o p or t u n i d a de s ; q u e a v i d a e s c ol ar e n s i n a a s o l i d ar i e d ad e e a c oo p er a ç ão . S e m d úv i da , t u d o i s t o é c e r to e m c on j u n to , po r é m a r ea l i da d e n ão é tã o s i mp l e s , n e m t ão c l ara , n e m t ã o l i v r e d e e qu ív o c o s ”. S e é v e rda d e q u e a aç ã o e du c a tiv a c o n tr ib ui u p od e r os a me n te , e m mu i to s o u t r o s p a ís e s , p a r a f o r j a r a u ni d a d e n a c i o n a l , t a mb é m é c e r t o , p e l o c o n tr á ri o , q u e mu i t os s i s t e m a s e s c o l a r e s c u l ti v a m ma i s a d iv i s ã o p el a p r á ti c a d o e l i ti s m o , e te n d e m a a u m e n t a r as v a n t ag e ns d a s p op u l a ç õ e s u r b an a s f r e n te à s ru r a i s . 2 Razão assiste aos autores, na medida em que, apesar da indiscutível contribuição das instituições de ensino à educação e formação do indivíduo, a obtenção dos conhecimentos, de per si, não lhe outorga a mobilidade social, tampouco lhe iguala as oportunidades na vida em sociedade. Referem, ainda, em relação à ação educativa 2 Nelson, PILETTI e Claudino, PILETTI. História da educação. São Paulo. Ática. 1995. 4.ed. p. 130 15 [ . . . ] d e i g u a l fo r ma , s e mu i t a s v e z e s o c o r r e q u e a e s c o l a a pa r e c e c o m o o m e i o p a r a e s c a p a r d a mis é r i a p r óp r i a d e t a n tas r eg iõ e s r u r ai s , o u p a r a f u gi r d a me d i o c r i d ad e s o c i a l t r a z i d a p e l o tra ba l h o m a n u a l , o u i n c l u s i v e p ar a e l e v ar - s e à s c a m a da s p r i v i l e g i a d a s , n ão é m en o s v e rd a de q u e ta m b é m f a v o r e c e f r e q üe n te m e n te o s i n di v íd u o s p r o v e n i e n te s d e a m b i e n t es s ó c i o - ec o n ô m i c o s p r i v i l e g i a d o s , d e s o ri e n t a n do e c o m p r o m e t e n do as s i m o fu t u r o d e u m a bo a p a r t e d a s j o v e ns ex i s t ên c i a s q u e l he f o r am c o n f i a d a s 3. Como salientado pelos autores, ao mesmo tempo em que a ação educativa pode propiciar novas possibilidades a uma parcela da sociedade, pode também comprometer o futuro de muitos indivíduos, a partir do momento em que favorece aqueles egressos de uma camada privilegiada da sociedade. A par disto, sintetizam: “se a educação, muitas vezes, nos ensina virtudes tais como a solidariedade e a cooperação, também pode, com seus procedimentos, alimentar de uma forma bastante prejudicial o espírito de competição”. 4 Enquanto a educação propende para a conservação do sistema e sua c onstante inovação, preservando a ordem e suscitando profundas mudanças, o sistema educacional tem como principal fundamento, dentro da sociedade, a transmissão dos mais diversos aspectos da cultura das gerações mais velhas para os membros mais novos. Em nível de educação formal, esse sistema educacional está preocupado não apenas em reproduzir o sistema do qual emerge e que lhe é peculiar, mas também em desenvolver um comportamento inteligente. 3 4 idem p.130 PILETTI, Nelson e PILETTI, Claudino. História da educação. Ática, São Paulo. 1995. 4.ed. p. 130 16 O ajuste e a integração dos indivíduos, para se tornarem atores sociais dentro do sistema educacional, tem início com a educação informal, em que lhes são inculcados os hábitos fisiológicos, de identificaç ão sexual, de limpeza e higiene pessoal e social, assim como os turno, a costumes, e até a independência e dependência. Por seu educação formal, qualquer que seja a ideologia educacional da sociedade, está intimamente ligada à instrução dos indivíduos, a diferentes níveis, aí consideradas a educação dos excepcionais, dos adultos e da massa em geral. Outro elemento professorado, cuja desenvolvimento, Por estrutural do participação outro lado, é a sistema educacional elementar para administração é o o seu educacional decorre da organização formal necessária para o funcionamento bom e adequado do sistema, que se apóia em meios, os mais diversos, a fim de solucionar os múltiplos encargos que o proces so educacional exige. Em suma, acreditamos que o sistema social educacional vem permitir a estabilidade, o equilíbrio e o desenvolvimento da sociedade em que se insere, permitindo, também, o adequado ajuste das gerações mais novas e a renovação das diversas posições sociais, sem que se convulsione a própria sociedade. A despeito de ainda hoje crermos que o processo educativo se situa, preferencialmente, nos limites entre a infância e a juventude, devendo ter como objetivo proporcionar a cada indivíduo uma bagagem de conhecimentos e de habilidades, válida para toda a sua 17 existência, não podemos perder de vista que a educação não pode estar centrada somente naquelas fases da infância e da adolescência, mas deve enriquecer a experiência humana na vida adulta e na terceira idade Ademais, a continuidade temporal da educação não é uma condição necessária do processo educativo, como ressalta Faure 5. Jean Piaget, abordando o tema direito à educação, ensina: A fi r m ar o di r e i to d a pe s s o a h u m a n a à e d uc a ç ã o é po i s a s s u m i r u ma r e s p o n s a bi l i d a d e m ui to m ai s pe s a da d o q u e a s s eg u r ar a c a da u m a p os s i bi l i d a d e d a l e i tu ra , da e s c r i t a e d o c ál c ul o : s i g ni fi c a , a r i g or , g a r a n ti r pa r a to d a s a s c r i a n ç as o p l e n o d e s en v o l v i m en to d e to d a s as s u a s fu nç õ e s me n ta i s e a aq u i s i ç ão d o s c on h ec i m e n to s , b e m c o mo d o s v a l o r es mo r ai s q ue c or r e s po n de m a o ex e r c íc i o d e s s as f u n ç õe s , a t é a ad a p t aç ã o pl en a à v i d a s oc i a l a t ua l . É a n t es d e ma i s n a d a , p o r c o n s e g u i n te , a s s um i r a o br i ga ç ã o , _ l e v an d o e m c o n ta a c on s ti t ui ç ã o e a s a p t i d õe s q u e d i s ti ng u e m c a d a i n d i v íd u o _ d e n a d a d es tr u i r ou ma l b ara t ar d as p o s s i b i l i da d e s q u e e le e nc e r r a e qu e c a b e à s o c i e da d e s e r a p ri me i r a a b en e fic i ar , a o i nv é s d e d ei x ar q u e s e d es p e rdi c em i mp o r t an te s f r a ç õe s e s e s u fo q u e m o u tr as . 6 Hodiernamente, a educação é reconhecida por todos como sendo um eixo central no exercício de uma cidadania ativa, livre e responsável, haja vista que educa em valores e para valores aceitos como os mais certos e verdadeiros para uma determinada sociedade, num determinado período de sua vida coletiva, posto que a escola integra e socializa o indivíduo, estimulando a capacidade e, conseqüentemente, a autonomia e a livre iniciativa de cada um deles, com o objetivo de que cada ator social se transforme no autor de seu próprio futuro. 5 6 In História da educação, Nelson e Claudino PILETTI, op.cit, p. 131 Jean PIAGET. Para onde vai a educação? Ed. José Olympio, Rio de Janeiro. 1973.p.40 18 Montesquieu afirma que “o mundo não é governado por cega fatalidade”. Também nesse sentido Karl Popper 7 ensina que “o curs o da história humana é fortemente influenciado pelo crescer do conhecimento humano” e que “uma sociedade aberta” é aquela em que os homens são agentes críticos de seus destinos, em uma espécie de neodarwinismo. Entendemos que a educação é direito público subjetivo, haja vista que o indivíduo tem a possibilidade de exigir da administração pública o cumprimento das atribuições a que esta se impôs em termos de prestações educacionais, uma vez que asseguradas pelas normas jurídicas vigentes, mormente naquelas insertas na Carta Magna. Comungamos também das idéias de Pontes de Miranda A e du c a ç ão s o m e n te p od e se r d i r e i t o d e t o d o s s e h á e s c ol as e m n ú m er o s u fic i e n te e s e n i n gu é m é e x c l u í d o d el a s , p o r t a n to s e h á d i re i t o pú b l i c o s ub j e ti v o à e d uc a ç ã o , e o E s t a do p o d e e te m d e e n tre g ar a p r es ta ç ã o e du c a c i o n al . F or a d a í, é i l ud i r c om a r ti g o s d e C o n s t i tu i ç ã o o u d e l ei s . R e s ol v er o p r o bl e m a d a e d u c aç ã o n ão é f a z e r l e i s , a i n d a e x c e l e n t es ; é a b r i r e s c ol as , t e n d o p r o fe s s o r e s e a d m i ti n d o os al u n o s . 8 Estabelecendo um paralelo entre as educações tradicional e nova, Gadotti afirma: E n r ai z ad a n a s oc i e da d e d e c l as s e s e s c r av i s t a d a Id a d e A n ti g a , d e s ti na d a a u m a p e qu e n a mi n o r i a , a e d uc a ç ã o tra di c i o na l in ic i ou s eu d e c l ín io já no mo v i m e n to r e na s c e n t i s t a , ma s e l a s o b re v i v e a t é h o j e , a p es a r d a e x te ns ã o m éd i a d a e s c ol a r i da d e t r a z i d a p e l a e d uc a ç ã o b ur g u es a . A e du c a ç ão n ov a , q u e s u r ge d e fo r m a ma i s c l a r a a p a r ti r da ob r a d e R o us s e a u , d e s en v o l v e u- s e n e s s e s ú l ti mo s do is s é c u lo s e trou x e c on s ig o n u mer o s a s 7 8 POPPER, Karl. A miséria do Historicismo, 1980. Ed. Saraiva, São Paulo, 1988 MIRANDA, Pontes de. Comentários à Constituição de 1946.(T.4).2ed.Rio de Janeiro: Borsoi, 1963. 19 c o nq u i s ta s , s ob re t u d o n o c a mp o d as c i ê n c i a s d a e d uc a ç ã o e d a s me t o d ol o g i a s de en s i n o . O c o n c ei to d e " ap r e nd e r f a z e nd o " d e J oh n D e w e y e a s t é c ni c a s F r ei n e t , p o r e x e m pl o , s ã o a qu i s i ç õe s de fin i t i v a s n a h i s tó r i a d a p ed a g og i a . T a n to a c o nc e p ç ão tra d i c i o na l d e e d uc a ç ã o q ua n t o a n o v a , a mp l a me n t e c on s o l i d a da s , t e r ã o u m l u g a r g ar a n ti d o na e d u c a ç ão d o f u t u r o . 9 Em relação à chamada educação nova, muitas de suas conquistas advieram com a aplicação do conceito de “aprender fazendo” que se integrou aos métodos de ensino utilizados até hoje pela pedagogia. Preleciona Gadotti A e d uc a ç ã o t r a d i c i o n al e a n ov a tê m e m c o mu m a c o nc e p ç ã o da e du c a ç ão como processo de d es e n v o l v ime n to i n d i v i d u al . T o d a v i a , o traç o m a i s ori gi nal d a e d uc a ç ã o d e s s e s é c u l o é o d es l o ca me n to de e n fo q ue d o i n d i v i du a l p ar a o s o c i a l , p a r a o p ol ít i c o e pa r a o i d e o l ó gi c o . A p e d a g o g i a i ns ti t u c i o n a l é u m e x e m pl o d i s s o . A e x pe r i ê n c i a de ma i s d e m e i o s é cu l o d e e d uc a ç ã o n o s p a ís es s o c ia li s tas t am bé m o te s te mu nh a . 10 No que concerne à educação no século XX, o autor salienta que esta “tornou-se permanente e social”. Aduz ainda o autor e x i s te m a in d a mu i t o s d es n ív e i s e n tr e r e g i õ es e p a ís es , e n t r e o N o r te e o S ul , e n t r e pa ís e s p e ri fé ri c os e h eg e m ô n i c o s , en tr e p a ís e s g l ob a l i z a d ore s e g l ob a l i z a d o s . E n t r e t a n t o , h á i d éi as u ni v er s a l m en t e d i f un d i d as , e n t re el a s a d e q u e n ã o h á i d a d e p ar a se e du c a r , d e q u e a e d u c a ç ã o s e e s t e n d e p e l a v i d a e q u e el a nã o é n e u tr a . 11 9 Moacir GADOTTI. Perspectivas atuais da Educação. Porto Alegre, Artes Médicas, 2000 idem, p. 32 11 ibidem, p. 38 10 20 1.2. A educação na Declaração Universal dos Direitos do Homem A i n s tr u ç ão será o r i e n t ad a no s e n ti do do pleno d es e n v o l v ime n to d a p e s s o a h um an a e d o fo r tal e ci me n to d o r e s pe i t o p e l o s di r e i tos d o h om e m e p e l a s l i be r da d es f u n da me n t ai s . A i ns tru ç ã o p r o m ov e r á a c o m pr e e ns ã o , a t o l e r ân c i a e a a mi z ad e en t r e t od a s as n a ç õ e s , g ru p o s r a c i a i s e r e l i gi os o s , e co a d j u v ará as a ti v i da d e s d a s N a ç õ es U n i d as e m p r ol d a ma n u t en ç ã o d a pa z . (A R T I G O X X V I D A D EC L AR A Ç ÃO U N IV ER SAL D OS D IR E IT O S H U MA N O S DA ONU ) Reconhecido mundialmente, o direito à educação está expresso no artigo XXVI da Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão, aprovada pela Assembléia Geral das Nações Unidas a 10 de dezembro de 1948, aparecendo, no que tange à instrução elementar, como obrigatória e gratuita, pelo menos nos graus elementares e fundamentais, e, neces sariamente, acessível a todos, na modalidade técnico-profissional. A Constituição Federal foi inspirada na Declaração Universal dos Direitos do Homem e estabelece, não só os direitos políticos e civis, como também os direitos sociais dos cidadãos. No Capítulo III, do Título VIII, a Constituiç ão confirma o interesse estatal na política educacional, ampliando o interesse social pela educação. Afirma Hannah Arendt, citada por C elso Lafer: N ã o é v e r d a de q ue t o do s o s ho me n s n a s c e m l i v r e s e i g ua i s e m d i g n i d ad e e di r e i t os c o mo a fi r ma o a rt . 1 , d a D e c l a ra ç ã o U n i v e rs a l d os D i r e i t o s d o H o m e m d a ON U , de 19 4 8 , n a e s te i r a d a D e c l a r a ç ã o de V i r g ín i a d e 1 77 6 ( a r ti g o 1 ) , o u d a D e c l a ra ç ã o F r a nc e s a de 1 7 8 9 ( ar t i go 1 ) . N ós n ã o na s c e mo s i g u a i s : n ó s n o s t o r na mo s i g ua i s c o mo me m b r os d e u m a c o l e tiv i d a d e e m v ir tu d e d e um a de c i s ã o c o nj u n ta q u e g ar a n te a to d o s di r ei tos i g u a i s . A i g u al da d e n ã o é u m d ad o _ e l a nã o é p h ys i s , n e m r es u lt a de u m a b s o l u to 21 t r a ns c e n d e n te ex t e r n o à c o m u n i d a de p o l í ti c a . E la é c o ns tr u íd a , ’ ’ e l ab o r ad a c o n v en c i o n al m e n t e pe l a a ç ã o c o nj un t a do s homens a tr a v é s da organização da c o m u ni d a d e p o l í t i c a . D a í a i n d i s s o l u bi l i d a d e d a re l a ç ão e n t r e o d i r e i to i nd i v i d ua l d o c id a dã o d e a u t o d e t er mi n a r - s e p ol i ti c a m e n te , e m c o n j u n t o co m os s eu s c o n c i d ad ã os , a trav é s d e e x erc íc i o de s e u s d ire i to s p o l íti c os , e o di r ei to da comunidade de au to - de te r min a r - s e , c o ns t r u i n d o c o nv e n c i o na l me n t e a i g u a l da d e . 12 Mas, apesar do reconhecido mundial do direito à educação, os fatos nos mostram que, em geral, somente uma minoria de pessoas usufrui desse direito. A UNESCO- Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura, em razão do desrespeito ao direito à educação ao qual se assistia em muitos países no início da década de 70, elaborou uma estratégia de 21 pontos, a ser seguida por todos os países que pretendem fazer valer, na realidade, o direito à educação, assim discriminados: 1. “Propomos que a educação permanente seja a pedra angular da política educ ativa nos próximos anos, tanto nos países desenvolvidos quanto nos países em desenvolvimento, para que todo indivíduo tenha a possibilidade de aprender durante toda sua vida. 2. prolongar a educação ao longo de toda a vida, sem limitá-la aos muros da escola, supõe uma reestruturação global do ensino. A educação deve adquirir as dimensões de um verdadeiro movimento popular. 12 LAFER, Celso. A reconstrução dos direitos humanos: um diálogo com os pensamentos de Hannah Arendt. São Paulo: Companhia das Letras, 2003, p.150. 22 3. A educação deve poder ser repartida e adquirida por uma multiplicidade de meios. O importante não é saber que caminho o indivíduo seguiu, mas sim o que aprendeu e adquiriu. 4. É preciso abolir as barreiras artificiais ou antiquadas que existem entre os diferentes tipos, ciclos e graus de ensino, assim como entre a educação formal e a não-formal. 5. A educação das crianças em idade pré-escolar é um requisito prévio essencial de toda a política educativa e cultural. Por isso, o desenvolvimento da educação pré-escolar deve figurar entre os principais objetivos da estratégia educativa dos próximos anos. 6. A educação elementar deve ser efetivamente assegurada a todos os indivíduos. Por isso, a generalização da educação básica, sob formas diversas, segundo as possibilidades e as necessidades, deve ser incluída em caráter prioritário entre os objetivos da política educativa. 7. O conceito de ensino geral deve ampliar-se de forma que englobe o campo dos conhecimentos sócio-econômicos, técnicos e práticos de ordem geral. É preciso abolir as distinções rígidas entre os diferentes tipos de ensino_ geral, científico, técnico e profissional, conferindo-se à educação, desde o ensino de 1º grau, um caráter simultaneamente teórico, tecnológico, prático e manual. 8. A finalidade da educação é formar os jovens não só com vistas a um ofício determinado, mas, sobretudo, capacitá-los para 23 que possam adaptar-se a tarefas diferentes e ao aperfeiçoamento contínuo, na medida em que evoluem as formas de produção e as condições de trabalho. A educação deve tender a facilitar a reconversão profissional. 9. As tarefas da formação técnica não devem ficar à mercê do sistema escolar apenas, mas distribuir-se entre escolas , empresas e educ ação extra-escolar. 10. No ensino superior é preciso promover uma ampla diversificação das estruturas, dos conteúdos e dos alunos, abrindo-se o acesso à universidade a categorias sociais que ainda não podem freqüentá-la. 11. O acesso aos diferentes tipos de ensino e às atividades profissionais deve depender exclusivamente dos conhecimentos, capacidade e aptidões de cada indivíduo. 12. O rápido desenvolvimento da educação de adultos, escolar e extra-escolar, deve constituir um dos objetivos primordiais da estratégia educacional nos próximos anos. 13. A alfabetização não é mais que um momento e um elemento da educ ação de adultos e deve articular-se com a realidade sócio-econômica do país. 14. A nova ética da educação tende a fazer do indivíduo mestre e agente do seu próprio desenvolvimento cultural. 24 15. Os sistemas educacionais devem ser concebidos e planejados levando em conta as possibilidades que as novas técnicas oferecem, como a televisão, o rádio, a correspondência, etc. 16. A formação dos educadores deve levar em conta as novas funções que eles deverão desempenhar, como resultado da aplicação das novas técnicas educativas. 17. Num plano ideal, a função de todo educador é a mesma e tem idêntica dignidade, qualquer que seja sua área de atuação. Devem-se reduzir gradualmente as distinções hierárquicas mantidas entre as diversas categorias docentes, como professores de 1º e 2º graus, professores de ensino técnico, professores de ensino superior, etc. 18. As condições de formação do pessoal docente devem ser profundamente modificadas para que sua missão seja mais a de educadores que a de especialistas em transmissão de conhecimentos. 19. Deve-se recorrer, além de aos educadores profissionais, a auxiliares técnicos, e profissionais executivos, etc.) de outros e ao domínios(operários, concurso de alunos e estudantes, de tal modo que se eduquem a si mesmos ao instruir outros e c ompreendam que toda a aquisição intelectual comporta o dever de reparti-la com outros. 20. Contrariamente às práticas tradicionais, é o ens ino que deve adaptar-se ao educando e não este submeter-se às regras preestabelecidas do ensino. 25 21. Os educandos, jovens e adultos, devem poder exercer responsabilidades como sujeitos não só da própria educação mas também da empresa educativa em seu conjunto”. 13 Os 21 pontos elencados, compreendem, bas icamente: a. “a educação permanente, contínua, não limitada aos muros da escola e adquirida e repartida por inúmeros meios; b. a ênfase na educação pré-escolar e elementar; c. a importância de que toda a sociedade assuma o papel de educar e de que a educação prepare para uma adaptação a um mundo diversificado; d. a prioridade da educação de adultos e da alfabetização; e. os professores como educadores mais do que como transmissores de conhecimentos; f. os educandos como empresa educativa”. 13 14 sujeitos da educação e da 14 FAURE, Edgar et alii. Aprender a ser: la educación del futuro. Madrid, Alianza/Unesco, 1973. p.259-323. Apud Nelson PILETTI e Claudino PILETTI. História da educação. Ed. Àtica. 4.ed.1995. São Paulo.p.129 26 1.3. Visão histórica da Educação Paul Monroe salienta E n t r e os p o v os p r i m i ti v o s a e du c a ç ão p r á t i c a n ã o é o r ga n i z a d a . E l a é min i s t ra d a a tr av é s d a i mi t aç ã o d i r e t a do a du l t o p e l a c r i a n ç a . A e d u c aç ã o t eó r i c a c on s i s t e n a t r a ns mi s s ã o , à s g e ra ç õ es m ai s j o v e n s , d o c o r p o g e r a l d e c o nh e c i me n to s o u de cre n ç a s an i mis ta s , q u e c o ns ti tu e m a i n te r pr e t a ç ão d as e x p er i ê n c i a s d a v i da . E s s a t r an s mi s s ã o é r e al i z a da p o r me i o d e d i v e r s a s c er i mô ni as . A s c e ri mô ni a s d e i ni c i a ç ão s ão a s m ai s i mp o r t a n te s , d o p o n t o d e v i s ta e du c a c i o n al . D o an i m i s mo p r o v ê m a s r el i g i õ es n a t ur a i s , a s p ri me i ra s fil os o fi as e a s c iê n c ia s ru d i m en ta res . 15 Entende o escritor que a educação primitiva tinha como traço característico o seu caráter estacionário e imitativo, porquanto o homem procurava ajustar-se ao seu meio ambiente, sem consciência do passado ou do futuro, dedicando-se à obtenção do mais necessário, como alimento, abrigo e vestuário. Ressalta ainda que, com a formulação das religiões naturais, das primeiras filosofias e das ciências rudimentares criaram-se “as linguagens escritas” e se desenvolveu “um corpo especial de conhecimento, acessível apenas a poucos”. Alude também Is t o c o n s ti t u i m a t é r i a p a r a u m e s t ád i o s u p er i o r de e du c a ç ã o . J u n ta m en te d e s e n v ol v e - s e u m s a c er d óc i o e s pe c i a l qu e s e di f e re n c i a d os c u r a nd e i r o s ou e x o rc i s tas , d e u m l a d o , e d o po v o c o m u m do o u tro . O s a c e r d ó c i o t or n a s e um a c l a s s e es p e c i a l d e p r o f e s s o r e s p ar a t od o s . Lo g o q ue s e o r ga n i z a m pa r a e n s i n ar o s fu t u r os me m b r os d e s u a p r óp r i a o r d e m , s u r g e a pri m ei r a e s c o l a . C om a f o r m a ç ão d e u m c ur r íc u lo d e fin i d o , d e u m ma gi s téri o e d a e s c ol a , 15 idem, p. 129 27 e nc e r r a-s e o e s t á d io p ri mi ti v o n a e d u c a ç ã o , e a ti ng e m - s e o s p ri me i r o s es tá d i o s d a c i v i l i z a ç ão . 16 Se remontarmos às sociedades antigas, perceberemos que China, Egito, Pérsia, Grécia e Roma tiveram instituições de educação formal que não eram para as massas, mas apenas para determinadas classes, fato indicador de que a transição da sociedade primitiva para os primeiros estádios da civilização é assinalada pela substituiç ão da organização genética da sociedade por uma organização política e pela formação de uma linguagem escrita e de uma literatura. Na China, o sistema formal estava limitado somente à preparação de pessoas letradas, as quais, por terem aprendido os clássicos e os caracteres da escrita, eram sempre reconhecidos como as pessoas adequadas para dirigir a sociedade. Advém daí um sistema de escolas muito mais elaborado e de longa duração, com o desenvolvimento de currículos definidos e excelentes métodos de ensino. No Egito as escolas foram criadas em ligaç ão com a corte, a fim de ministrar instrução aos filhos dos reis e cortesãos. O objetivo era educar os jovens para o serviço da corte, instruindo-os em leitura, escrita, etiqueta, e história nacional. O resultado geral é uma ordem social que possui estabilidade, porém sem capacidade de progresso. As cidades-estado da Grécia treinavam seus jovens para servirem o Estado, desenvolvendo-lhes as qualidades do corpo e do espírito, que lhes permitissem ser cidadãos úteis à pátria. 16 MONROE, Paul. História da Educação.Cia. Ed. Nacional- 11. ed. São Paulo-1976-p.10/11 28 No período homérico, os ideais gregos concentraram-se nos tipos do guerreiro e do conselheiro, nos quais era exaltado o aspecto social do ideal da educação. Os espartanos, em continuidade a essa exaltação do aspecto social da educação, elaboraram um plano no qual a sociedade, como um todo, era organizada para fins educativos, cujo sistema acentuava o desenvolvimento físico dos guerreiros. Já, em Atenas, onde o indivíduo recebeu mais importância, o Estado determinava os padrões, mas a família tinha a obrigatoriedade de dar a educação. Atenas também realç ou o treinamento para os cargos de governo. Lá foram estabelecidas escolas de dois tipos: uma de música e literatura e outra de ginástica. Ambos os Estados educavam seus jovens no patriotismo e no bem-estar da comunidade, sublinhando especialmente a perfeição física e a iniciativa individual. Contudo, as escolas estavam apenas ao alcance dos filhos de um pequeno grupo de cidadãos, que eram acompanhados por um adulto servindo como supervisor do aproveitamento escolar dos moços. Os sofistas foram os instrumentos na introdução de novas práticas educativas, sendo certo que os filósofos gregos, especialmente Sócrates, Platão e Aristóteles tentaram harmonizar o conflito entre a velha educação institucional e a nova, individualista, porém sem resultado imediato, haja vista que essa tendência individualista só chegou a ser reprimida politicamente pelo Império Romano e moralmente pelo cristianismo. 29 Roma tinha escolas que preparavam seus jovens para a luta, para a arte de viver com simplicidade e para os serviços de cidadão. Porém, ampliou o ensino para abranger também os plebeus , que foram instruídos especialmente na prática do comércio e em ofícios, fornecendo à civilização a melhor ilustração da educação prática, bem como uma contribuição prática de instituições como meios para realizar ideais ou propósitos sociais. No período medieval europeu, a educação formal dos jovens era dedicada, particularmente, ao serviço da Igreja. As escolas monásticas criadas pela Igreja exaltavam a renúncia a um mundo repleto de malefícios e tentações demoníacas, e o desenvolvimento da espiritualidade. Mas, em virtude de muitos monges assim treinados acreditarem nas virtudes do trabalho produtivo, imprimiram um grande progresso às artes e à agricultura. Outros, dedicando-se à tarefa de copistas, conseguiram preservar documentos de grande valor como os clássicos latinos. Essas atividades não afetavam diretamente o mundo em geral, mas fizeram com que as ordens religiosas servissem, de fato, como modelos sociais, pois eram muito comuns. Podemos tomar como exemplo os Jesuítas, que desenvolveram um sistema altamente organizado de escolas monásticas, cujo ensino gravitava em torno do ascetismo e da obediência aos seus superiores. Cumpre observar que no ano de 1800, os jesuítas contavam com 750 unidades escolares que congregavam mais de 200.000 jovens na Europa. 30 As reações a esse domínio e às doutrinas da Igreja provocaram a defesa de Lutero e Calvino a outros tipos de escolas para a juventude, posto que ambos defendiam a educação univers al para as crianças, apoiada e mantida pelo Estado. Das idéias de Lutero e Calvino surgiram as escolas Sturm, que deram realce à leitura dos clássicos, à epis tolografia, à oratória e polêmica e à instrução religiosa, que se tornaram o modelo das escolas secundárias na Europa, bem como o modelo dos primeiros colégios americanos onde se ensinava gramática e latim. 31 1.4. A Educação a partir do Século XV No mundo ocidental, a educação tornou-se necessária quando novas forças influenciaram as condições existentes, como a invenção da imprensa e o incremento do comércio oceânico. Por outro lado, o valor do conhecimento por pensadores como Francis Bacon e Comenius, foram alguns dos progressos que fizeram culminar na atribuição de uma posiç ão de destaque para a educação. Outros fatores, como o sistema corporativo de produção e o treino por aprendizado, aliados ao crescente interesse na própria natureza do homem, também agiram como poderosos estímulos à criação de escolas que servissem a toda a população. A Renascença clássica dos séculos XV e XVI, em primeiro lugar, foi um movimento intelectual, estético e social e trouxe, como traço essencial, o individualismo, desfazendo a unidade de pensamento e de vida medieval, face aos múltiplos interesses e atividades características dos tempos modernos. Os traços característicos desse período foram as tentativas para derrubar, na Igreja, no Estado, nas organizações industriais e sociais e na vida intelectual e educacional, as diversas formas de autoridade dominantes durante a Idade Média. D o i s tip os d i s ti n t o s de p en s a me n t o e d e p r á ti c a s e du c a c i o n ai s s ur g i r a m d o R e n as c i me n t o . O p r i me i r o f oi a r e s ta u r a ç ã o d e e d u c a ç ã o l i b e r a l d o s g r e g o s q u e v i s a v a a o d es e n v o l v ime n to da pe r s o na l i da d e p o r m e i o d e u m a g r an d e v a r i e d a d e d e r ec u r s o s ed u c a ti v os . E s t e o b j e ti v o d a e du c a ç ã o e r a a m p l o e i nc l u í a di v er s o s e l e m e n t os al é m d o i n te l e c tu a l e e mp r eg a v a m u i t o s me i o s a l é m d o l i te rá ri o . 32 C e do , en t r e ta n to , f i c o u pa r a t r á s , e s o b r ev i v e u ap e na s e m v á r i a s f o r ma s d e p r o te s t os o u mo v i m en to s r e f o r ma d o r e s , q ue s e l e v a n t a r a m c o n t r a o t i p o d o m i n an t e d e e d u c a ç ã o . E s te ti p o d o mi n a n t e de e d uc a ç ã o q u e f o i o s e g un d o r e s ul tad o ed u c a ci o na l d o R e n a s ci me n to f o i a e s t r ei ta e du c a ç ã o hu m a n i s t a , fra n c a d ec a d ê nc i a da ampl a e du c a ç ã o hu ma n i s t a o u l i be r a l g r e ga . A s l í ng u as e l i t e ra t u r as c l ás s i c as f o r a m , pr i m e i r a m e n te , es t ud a da s c o m o f o n te d e t od a s as i d é i a s l i be r ai s ; d ep o is c om o e x e r c íc i o e m a pr e c i a ç ã o l i te r á r i a f or m a l e fi n a l m e n te c om o u m a d i s c i p l i n a f or ma l i s t a pa r a o i n di v íd uo . C a da p a ís p ro d uz i u u m c er t o nú me r o d e l íd er e s e d u c ac i on a i s do R e n a s c i me n to e tipos de escolas adequa d os . E n t r e os l íd e re s , E ra s m o f o i o m a i s n o t á v el . O g i n á s i o a l e mã o , a e s c ol a p ú b l i ca i n g l es a , o c o l ég i o e a e s c o l a d e g r a m á t i c a c o l on i a l am eri c a n a f or a m t o d as es c o l a s d e ti p o h u m an i s t a e s t r e i t o . E m to d a s o c o n te ú d o d a e d u c a ç ão f o i r e s tri n gi d o à s l i t e r a tu r a s e l í n g ua s l a t i n a e g r e g a . E s t a e du c a ç ã o p u r a me n t e f or m al v ei o a i de n ti f i c ar - s e c o m a e du c a ç ã o l i be r a l , t r an s fo r ma nd o -s e n o ti p o d o mi n a n t e d e e du c a ç ã o a té o s éc u l o X IX . 17 Finalmente, a Revolução Industrial trouxe a idéia de que a educação dos jovens deveria revestir-se de utilidade, porquanto deveria preparar os jovens para viverem num mundo comercial e industrial. Nessa época, restou claro que as sociedades poderiam ser servidas com muito maior êxito por uma população alfabetizada e formalmente educada para cumprir com seus deveres, reconhecendo-se a educação, então, como necessidade, levando-a à promoção e institucionalização definitivas. 17 MONROE, Paul. História da Educação. Cia Editora Nacional- 11ª ed. São Paulo-1976.p.171 33 1.5. A Educação Contemporânea No que concerne à educação contemporânea, não podemos deixar de trazer à colação, as teses elaboradas por Jacques Delors, feitas com o objetivo de aprofundar a visão transdisciplinar da educação e com vistas a trazer uma reflexão nova e criativa à educação do amanhã. O Relatório Delors estabeleceu os quatro pilares da educação contemporânea, que deveriam ser perseguidos permanentemente pela política educacional de todos os países, elencando-os da seguinte forma: 1- Aprender a ser: voltado para o desenvolvimento integral do indivíduo. 2- Aprender a fazer: vale mais a competência pessoal do que a qualificação profissional. 3- Aprender a viver juntos: compreender e estar apto a viver com o outro. 4- Aprender a conhecer: ter prazer em compreender, descobrir, construir e reconstruir o conhecimento. 34 Nessa esteira, Basarab Nic olescu 18, afirma: H á u ma t r an s r el a ç ão qu e l i g a o s qu a tr o p i l a r e s d o n o vo s i s t e ma d e ed u c a ç ã o e q u e t e m s u a ori ge m e m n o s s a p r óp r i a c on s ti tu i ç ã o c o mo s er e s h u m a n o s . U m a e d uc a ç ã o s ó p o d e s e r v i á v e l s e fo r u m a e du c a ç ão i n te g r a l d o s e r h u m an o . U ma e du c a ç ão q u e s e d ir i g e à t o t al i d ad e a be r t a d o s e r h u m a n o e n ã o a p e n as a u m d e s e us c o m p o ne n t e s . 19 Ensina Edgar Morin que: “Há sete saberes ‘fundamentais’ que a educação do futuro deveria tratar em toda sociedade e em toda cultura, sem exc lusividade nem rejeição, segundo modelos e regras próprias a cada sociedade e a cada cultura”. 20 São eles: I - As cegueiras do conhecimento: o erro e a ilusão Morin entende que a educação, cujo objeto é transmitir conhecimentos, é cega naquilo que tange ao próprio conhecimento humano, cujas tendências ao erro e à ilusão são uma constante, não se preocupando em fazer conhecer o que é realmente o conhecer, capacitando cada mente humana à lucidez, na medida em que introduza e desenvolva na educação o estudo das características mentais, culturais e cerebrais do conhecimento humano, bem como das disposições culturais e psíquicas que conduzem o indivíduo ao erro, à ilusão ou mesmo aos erros de percepção resultantes da visão e do intelecto da cada indivíduo em particular. 18 Presidente do Centro Internacional de Estudos e Pesquisas Transdisciplinares (CIRET) Apud MORIN, Edgar. Os sete saberes necessários à Educação do Futuro, 9 ed. 2004, UNESCO/Cortez Editora. 20 MORIN, Edgar. Os sete saberes necessários à Educação do Futuro, 9 ed. 2004, UNESCO/Cortez Editora, p.13. 19 35 Aduz o autor que o desenvolvimento do conhecimento científico é um meio exc elente e poderoso para detectar erros e ilusões e, por isto, a educação deve se dedic ar a identificar a origem de erros , ilusões e cegueiras, usando da racionalidade teórica, crítica e autocrítica, e não da racionalização. II - Os princípios do conhecimento pertinente O autor ensina que, para se reconhecer e conhecer os problemas globais há que se reformar o pensamento humano, no sentido de articular e organizar os conhecimentos. Porém, essa reforma é uma reforma de paradigmas e torna-se questão basilar da educação, haja vista que diretamente ligada à aptidão do indivíduo para organizar o conhecimento. Entende que o grande problema que a educ ação do século XXI enfrentará é o de tornar evidentes: o contexto ( sentido a ser dado às informações e dados); o global (relação das partes com o todo); o multidimensional (reconhecimento do caráter multidimensional do ser humano) e o complexo (união entre unidade e multiplicidade). III - Ensinar a condição humana A educação do futuro deverá estar centrada na condição humana, vez que o homem é, ao mesmo tempo, um ente físico, psíquico, biológico, social, histórico e cultural, unidades que se encontram desintegradas na educação, em razão da separação das disciplinas. 36 Há que se conhecer o ser humano situando-o no universo e não o separando dele, na evidenciação do elo indissolúvel existente entre a unidade e a diversidade de tudo o que é humano. C a be à e d u c aç ã o d o f u tur o c u i d a r p ar a q u e a i d é i a d e u ni d a d e d a e s pé c ie h u m an a nã o a p a gu e a i dé i a d e d i v e r s i d ad e e q u e a d a s u a d i v e rs i d a d e nã o a p a g ue a d a u ni d a d e . H á uma u n i d a de h u ma n a . H á u ma d i v e rs i d a d e h u m an a . A u ni d a d e n ão es tá a p e na s n o s t r a ç o s b i o l ó g i c o s d a es p é c i e H o mo s a pi en s . A d i v e r si d a d e n ão e s t á a pe n a s n os t r aç o s p s i c o l ó g i c o s , c u l t u r ai s , s o c i a i s d o s e r h u ma n o . E x i s t e t a m b é m di v er s i da d e pro p ri a m e n te b i o l ó g i c a n o s ei o d a u n i d a d e h u m a n a ; n ão a pe n as e x i s t e u n i d ad e c er e b ra l , ma s me n t al , ps í q u i c a , a fe ti v a , i n t el ec tu a l ; a l é m d i s s o , a s ma i s d i v e r s a s c u l t ura s e s oc i ed a de s tê m p r i n c ípi o s g er a d or e s ou o r g a n i z a c i o na i s c o m u n s . É a u n i d a d e hu ma n a q ue t r a z e m s i o s p r i n c íp i o s d e s u as m ú l ti p l a s d i v e r s i d a d e s . C o mp re e n d e r o h u m a n o é c om pr e e n d e r s ua u n i d a d e n a d i v e r s i d ad e , s u a d i v e r s i d a d e n a u n i d a d e . É p rec i s o c o nc e b e r a u n i d ad e do mú l t i p l o , a m ul ti p l i c i d ad e d o un o . A e du c a ç ã o deverá i l u s t r ar es t e princípio de u ni d a d e /d i v ers i da d e e m to d a s as es f e r a s . 21 IV - Ensinar a identidade terrena Outra realidade ignorada pela educação até os dias atuais, que deverá se converter num dos principais objetos da educação, diz respeito ao destino planetário do gênero humano, ao conhecimento dos desenvolvimentos operados na era planetária e ao reconhecimento da identidade terrena, cada vez mais indispensáveis ao homem. Não é conveniente ocultarmos do homem as opressões e a dominação que devassaram a humanidade e que ainda hoje exis tem em vários países, a fim de mostrarmos que todos os seres terrestres partilham um mesmo destino, vez que se confrontam aos idênticos problemas comuns da vida e da morte. 21 Op cit. p.55. 37 V - Enfrentar as incertezas As ciências nos trouxeram muitas certezas, mas também nos revelaram um sem número de incertezas nas ciências físicas, biológicas e históricas, incertezas estas que deveriam ser incluídas e tratadas na educação do futuro. Faz-se necessário ensinar princípios de estratégia que nos permitam enfrentar as incertezas, os imprevistos e o inesperado, a fim de que conhecedores destas informações, possamos, ao longo do tempo, modific ar seu desenvolvimento. O poeta grego Eurípedes, há vinte e cinco séculos, escreveu: "O esperado não se cumpre, e ao inesperado um deus abre o caminho". 22 VI - Ensinar a compreensão Edgar Morin considera que a compreensão é, a um só tempo, meio e fim da comunicação humana. No entanto, no ensino, não está presente a educaç ão para a compreensão, sendo certo que o mundo atual precisa, em todos os sentidos, da compreensão mútua. Em todos os níveis da educação, bem como em todas as idades, o desenvolvimento da compreensão importa na reforma daquelas mentalidades que, em última instância, representa a verdadeira obra para a educação do futuro. 22 sine dacta 38 A c o m p r e en s ã o m ú t ua e n t re o s s e r es hu m a n os , qu e r p r óx i mo s , q u e r e s t ra n h os , é d a qu i p a ra f r en t e v i t a l p a r a q ue as r e l aç õ e s h u ma na s s ai am d e s e u e s ta d o b á r b a r o d e i n c o mp r ee n s ão . D a í d ec o r r e a ne c e s s i d ad e d e e s tu d a r a i n c o mp r ee n s ão a pa r ti r d e s u a s ra íz e s , s ua s mo d al i d a de s e s e us e f e i t os . E s t e es tu d o é t an to ma i s n e c e ss á r i o p o rq u e e n f oc a ri a n ã o os s i n to ma s , ma s a s c au s a s d o r ac i s mo , d a x e no fo b i a , d o d e s p r e z o . C o n s ti t u i ri a , ao m e s mo t e mp o , u m a d as b a s e s m a i s s e gu r as da e du c a ç ã o p ar a a p a z , à q ua l e s ta m o s l i g a do s p o r e s s ê n ci a e v o c a ç ã o . 23 VII – A ética do gênero humano Ressalta Edgar Morin que a educação para o futuro deve ter como fim a “antropo-ética”, isto é, deve levar em conta o caráter ternário da condição humana: indivíduo/sociedade/espécie, ressaltando que a ética indivíduo/espécie necessita basicamente da democracia, ou seja, do controle mútuo do indivíduo pela sociedade e da sociedade pelo indivíduo. A é ti c a n ã o p o de ri a s er e ns i na d a p o r m ei o d e l i ç õ es d e mo r a l . D e v e fo r m a r - s e n as me n t e s c o m ba s e n a c o ns c i ên c ia d e q u e o hu ma n o é , a o me s mo te m p o , i n d i v íd u o , parte da s o c i e da d e , parte da e s p éc i e . C a rre g a m os e m n ó s e s s a t r i p l a r e a l i d a de . D e s s e m o d o , t o d o d e s e nv o l v i m e n to v e r d ad e i r a m e n te h u ma no d e ve c o m p r e e n de r o d e s en v o l v i m e n to c on j u n to d a s a u to no m i a s i n d i v i du a i s , da s pa r t i c i pa ç õ es c o m u ni t ár i as e da c o ns c i ên c ia d e pe r t e nc e r à e s p é c i e h u m a n a . 24 Entende Morin que P a r t i n d o d i s s o , e s b o ç a m- s e d u as g r a n d e s fin al i d a de s é ti c o p ol ític a s do n ov o mil ê n i o : e s tab e l e c e r u ma r e l a ç ã o d e c o n t r o l e mú t u o en t r e a s oc i ed a d e e o s i n di v íd uo s p el a d e m oc r a c i a e c on c e be r a H um an i d a d e c om o c o m u ni d a d e p l a n e t á r i a . A ed u c a ç ã o d e v e c o n tr i b ui r n ã o s o me n te p a r a a t o ma d a d e c o n s c i ê nc i a d e n o s s a T e r r a -P á tri a , ma s ta m b ém p er m i ti r q ue es ta c on s c i ê n c i a s e t r a d u z a e m v o n ta d e d e r e al i z a r a c i da d a n i a t e r r en a . 25 23 Morin Edgar. Os sete saberes necessários à Educação do Futuro. 9 ed. UNESCO/Ed.Cortez.p.17 idem.p.17 25 MORIN, Edgar. Os sete saberes necessários à Educação do Futuro. 9 ed. UNESCO/Ed.Cortez.p.17 24 39 Capítulo 2. O Estado Grego e a Educação Sem dúvida, a história da civilização ocidental começa na Grécia, cujos habitantes, que adotaram uma posiç ão revolucionadora e solidária, há vários milênios, traçaram o destino da educação, que representava para aquele povo o sentido de todo o esforço humano e a justificação última da comunidade e individualidade humanas. É no conceito de arete que se concentrou o ideal de educação daquela época, tema essencial da história da formação grega, significando o mais alto ideal da nobreza cavaleiresca, unido a uma conduta cortês e distinta e ao heroísmo guerreiro. A arete estava intimamente ligada à honra, como reflexo do valor interno no espelho da estima social, haja vista que o ser humano homérico só adquiria consciência do seu valor pelo reconhecimento da sociedade a que pertencia. Jaeger 26 em sua célebre obra Paidéia, cita que não se pode traçar o processo de formação do povo grego, senão a partir do ideal de Ser humano que forjaram, processo esse que estabeleceu, pela primeira vez de modo consciente, um ideal de cultura como princípio formativo, aliado a um sentimento da dignidade humana. Foram os gregos que perceberam, em primeira mão, que a educação deveria ser um processo de contínua construção consciente, “constituído de modo correto e sem falha, nas mãos, nos pés e no espírito”, como já disse um poeta grego dos tempos de Maratona e Salamina, quando descreve a essência da virtude 26 JAEGER, Werner. Paidéia: a formação do Homem Grego. Martins Fontes, São Paulo, 2001.tradução Artur M.Parreira. 40 humana mais difícil de adquirir, a formação do indivíduo, expressão que Platão usou em sentido metafórico, quando a aplicou à ação educadora. Em lapidar texto, refere o autor D e s de a s pri me i r as n o t í c i a s q ue t e m o s d el es ( g r eg o s ) e nc o n tr a m os o s e r hu ma n o no c e n t ro d e s eu p e n s a me n t o . A f o r ma hu ma n a d e s e us de u s es , o p r ed o mín i o e v i d e n t e d o p rob l e ma da fo r ma hu ma n a na s u a e s c u l tu r a e n a s ua p i n tu ra , o mo v i m e n to c o n s e qü e n t e d a fil os o f i a d es d e o p r ob l e ma d o c o s mo s a t é o p r o bl e m a d o s e r h u ma n o , q u e c u l mi na e m S ó c r a t e s , P l a tã o e A ri s t ó t el es ; a s u a p o es i a , c u j o te ma i n es g o t á v e l de s d e H o me r o a té o s úl ti mo s s é c ul o s é o s e r h u m a n o e o s e u d u r o d e s tin o n o s e n ti d o d a p a l a v r a ; e , fin a l me n te , o Es ta do g reg o , c u ja e s s ên c ia s ó p od e s e r c o m p r e e n di da s ob o po n to d e v i s ta da for m a ç ã o d o s e r h u m an o e d a s u a v i da i n t e i r a ; tu d o s ã o r a i o s de um a ú n i c a e mes m a lu z , ex p re s s õ e s d e u m s e n ti me n to v i ta l a n t r o p oc ê n tr i c o q ue n ã o po d e s er ex p li c ad o n e m d er i v a d o d e n e n h u m a o u t ra c oi s a e q u e p e n e t r a to d a s a s f o r ma s d o e s p í ri t o g r e go . A sua descoberta do Ser humano não é a do eu subjetivo, mas a consciência gradual das leis gerais que determinam a essência humana. O princípio espiritual dos Gregos não é o individualismo, mas o “humanismo”, para usar a palavra no seu sentido clássico e originário. Humanismo vem de humanitas. Pelo menos desde o tempo de Varrão e de Cícero, esta palavra teve, ao lado da acepção vulgar e primitiva de humanitário, que não nos interessa aqui, um segundo sentido mais nobre e rigoroso. 41 S i gn i f i c ou a e du c a ç ão do S er h u m an o d e a c o r d o c o m a v e r da d ei r a fo r ma h u m a n a , c o m o s e u au tê n ti c o s e r . T a l é a g en u í n a P a i d é i a g re ga ( p a l a v r a q u e a pa re c e u no s éc .V ) , c o ns i de ra da mo d el o p o r u m s e r h u ma n o d e E s t ad o ro ma n o . N ã o b r o ta do i nd i v i du a l , m as s i m d a i d é i a , p oi s a c i ma d o S e r h u ma no c o mo s en d o s e r g re g ári o ou c o m o s up o s to e u a u t ôn o mo , er g u e- s e o S e r h u ma n o c o m o i d é i a . 27 Conclui seu pensamento afirmando: “Como vimos, a essência da educação consiste na modelagem dos indivíduos pe la norma da comunidade.”28 27 JAEGER, Werner. Paidéia: a formação do Homem Grego. Martins Fontes, São Paulo, 2001.tradução Artur M.Parreira. p. 32 28 Idem, p. 33 42 2.1. A polis no contexto histórico da Grécia No centro de todas as considerações históricas encontramos a polis, o centro principal a partir do qual se organizou historicamente o período mais importante da evoluç ão grega. Foi na estrutura social da vida da polis que a cultura grega atingiu a forma clássica, vez que as finalidades morais estavam presentes no âmago desta, na medida em que se identificavam com o conjunto de cidadãos. O termo está etimologicamente ligado à palavra akropolis, ‘cidadela’ ou parte alta da cidade, designando a “cidade” (civitas), por oposição aos campos que as circundavam. Refere-se também às cidades-estados e, neste sentido, implica numa unidade política peculiar, auto-governada, incluindo o núcleo urbano e o território adjacente, constituída por ‘Estado’ e ‘sociedade civil’. Segundo Aristóteles, “todas as comunidades visam algum bem, a comunidade mais elevada de todas e que engloba todas as outras visará o maior de todos os bens”. 29 Explica o filósofo que a polis é uma comunidade política que surge de outras associações, como a comunidade familiar e doméstica, representada pela casa e a comunidade de viz inhos, que busca alcançar o maior bem, a autarcia e a vida feliz, sendo certo que no primeiro momento as finalidades são a sobrevivência e a subsistência, com o objetivo de satisfazer as necessidades do cotidiano e atingir a auto-suficiência para, no segundo momento, atingir a meta não só de viver, mas de viver bem. 29 ARISTÓTELES. Política. São Paulo, Abril Cultural, 1973.(coleção Os Pensadores). 43 Aduz, ainda, que os homens são, por natureza, simples animais políticos e não apenas meros animais gregários, dotados de potencialidades e impulsos. Aristóteles afirma C o m e fei to , a e x c el ê nc i a mor a l s e re l a c i on a c o m o p raz e r e o s o f r i me n to ; é p o r c a us a d o pr a z er q u e p r a t i c a m o s m á s a ç õe s , e é p o r c a u s a d o so fri m e n t o q ue d e i x am os d e p r a ti c ar a çõ e s n o b i l i tan te s . D a í v ê -s e a i m p o r t â nc i a , a s s i n al a d a po r P l a tão , d e t e r mo s s i do ha b i tu a do s de f o r m a a de q u ad a , de s d e a i n fâ n c i a , a g os ta r e de s g os ta r d aq u el a s c o i s a s c e r t a s ; e s t a é a v e r d a d e i r a ed u c aç ã o . 30 Como é cediço, foi com a polis grega que apareceu, pela primeira vez, o que atualmente denominamos de Estado, embora o termo grego possa ser traduzido tanto por Estado quanto por cidade. No fim do século VI, a Grécia havia espalhado os seus estabelecimentos coloniais do Ponto Euxino ao Estreito de Gibraltar, ocupando toda a costa européia do Mediterrâneo, bem como o litoral da África do Norte até a Grande Sirta e à Anatólia. Porém, todo este domínio não chegou a constituir um império colonial, no sentido literal da expressão, uma vez que cada cidade era politicament e independente e não tinha qualquer obrigação militar ou financeira para com a pátria. Cada cidade, autônoma e independente, organizava as suas próprias leis e estabelecia o regime político que lhe convinha, escolhendo os seus magistrados e orientando livremente suas finanças, seu comércio e sua economia. 30 ARISTÓTELES. Ética a Nocômacos. UnB. Brasília. 4.ed. 2001.tradução Mário da Gama Kury. p.37. 44 Essa liberdade, reivindicada altivamente pelos colonos, fazia parte da mentalidade individualista dos gregos, mas restringia-se apenas ao aspecto político, posto que os laços morais, especialmente no que tangia ao aspecto religioso, eram sempre fortes e constantes, intensas eram suas relações comerciais e a influência das instituições políticas da metrópole, bem como os sentimentos de afeto e de respeito, em semelhança àqueles que o filho tem para com os pais. Apesar de separado fisicamente, o povo helênico manteve uma consciência comum, não perdendo seu orgulho de raça, a sua superioridade cultural e o seu ideal de civilização, calcado numa unidade moral que se manteve através dos séculos. Isolados em cidades-estados, ou seja, em organismos politicamente independentes uns dos outros, com sua constituição própria, suas normas jurídicas, suas tradições e seus órgãos administrativos especiais, apresentavam, mesmo isoladamente, os mesmos sinais da autonomia e da perfeição política que acreditavam possuir. 45 2.2. As diferenças educacionais entre Atenas e Esparta Há dois períodos na história da educação grega: o período antigo que compreende a educação homérica e a educação antiga de Esparta e Atenas, e o novo período, o da educação no "século de Péricles", correspondendo este ao período áureo da cultura grega, o qual se inicia com filósofos/educadores os ou Sofistas e se desenvolverá educadores/filósofos gregos com os Sócrates, Platão e Aristóteles. Depois, seguir-se-á o período helenístico, já de decadência, em que a Grécia é conquistada primeiro pelos macedônios e depois pelos romanos. Atenas perde, então, a sua posição de centro cultural do mundo em favor, sobretudo, de Alexandria. A Grécia triunfou pela sua cultura, que se difundiu e universalizou - Graecia canta ferum victorem cepit et artes intulit agresti Latio (Horácio) -, não é menos verdade que o que ganhou em universalização o perdeu em originalidade e alento criador 31. A cultura grega está em Homero, que representa a base fundamental de toda pedagogia clássica. A educação era nitidamente definida: o jovem recebia conselhos dos mais velhos, a quem era confiado sua formação. A educação homérica tinha dois aspectos: uma técnica que preparava a criança progressivamente para inserir em um determinado modo de vida; e outra ética, que trabalhava com o ideal de existência, a formação do homem. 31 MORIN, Edgar. Os sete saberes necessários à Educação do Futuro. 9 ed. UNESCO/ Ed. Cortez p 38 46 2.2.1. A educação em Esparta Em Esparta a educação s empre teve como principal meta a formação militar e física deixando em segundo plano desenvolvimento do espírito e do intelecto, pois submetia o o indivíduo aos interesses do Estado. O lema era: Obedecer e combater. Como a sociedade espartana era muito rigorosa, a educação era definida como adestramento. A civilização helênica apresentou curiosas diversidades em matéria educacional. Em Esparta, a família e os adultos que atuavam como agentes das autoridades públicas civis e militares no exercício do controle da cidade-estado preparavam a infância para a habilitação e coragem marciais, virtudes estóicas e ênfase na obediência e educação física. Havia um superintendente oficial, o paedonomous, e seus assistentes. O Estado oferecia campos e barracas em que eram distribuídos grupos etários devidamente classificados, modelo sem dúvida paramilitar, com a exclusão dos filhos de escravos. Não se concebia, em Esparta, a escola como instituição educacional especializada, organizando-s e a educação para a defesa e a força militar de uma sociedade em competição com outras cidades-estados, e sob a ameaça das invasões persas. A educação em Esparta é outro claro dado histórico da atribuição pelo Estado de um papel especial discriminante à educação. 47 Esparta era uma cidade conservadora, aristocrática e guerreira, ocupando um privilegiado lugar na história da educação grega. Segundo Marrou: A e du c a ç ão d o c i d ad ã o e s p ar t a n o n ão é a d e u m c a v al he i ro , ma s a d e u m s o l d a d o ; i ns e r e -s e n u ma a tmo s fe ra « po l í t i c a » ( Ma r r ou , 19 6 6 : 3 6 ) . O o bj e ti v o e r a d a r a c a da i n d i v íd u o pr e p ar a ç ão f í s i c a , c or a g e m e h á b i to s d e o be d i ê n c i a t o tal à s l e i s da c i da d e d e f or ma a t o r n á - l o u m s o l d ad o i n s up e r áv e l e m b ra v u r a e m q ue o i nd i v íd u o e s tiv e s s e ab s o rv i d o p e l o c id a dã o 32. A educação espartana, enfim, não tinha por fim selecionar heróis, como dizia Marrou, mas formar uma cidade inteira de heróis, consubstanciados em soldados prontos a devotarem a sua vida à pátria. Não admira, pois, que o jovem espartano revelasse hábitos de obediência e uma compostura que os outros gregos possuíam em muito menor grau. Todavia, conquanto os espartanos possuíssem um fino senso de humor e a sua vida ativa não se ressentisse da falta de alguns prazeres naturais e simples, pouco havia no seu ideal da ‘vida bela e feliz’ dos atenienses. Faltavam aos espartanos os sentimentos mais delicados e a sensibilidade dos atenienses para a harmonia na conduta e especialmente para as amenidades da vida, ou para o seu aspecto cultural. 32 MARROU, Henry-Irénée. História da Educação na Antiguidade. Ed. Herder, São Paulo, 1996. p.36 48 Nesse sentido refere Monroe O j o v e m m ai s i n t el i g e n t e e m ai s c or a j o s o n a l u ta e ra c o ns i de ra do o c h e fe d o g r u po , e t o d o s t i n h a m o s o l h o s fi x a d o s n e l e ; ac a ta v a m s u a s o r d en s e s u j e i t a v a m - s e a o s s e us c as ti go s . D e s s e mo d o a e du c a ç ã o e r a pa r a o s e s pa r t a no s a a p re n di z a g e m d a d is c i p l i na . A s pe s s o a s i d o s as v i g i a v a m o s j o g o s , q u e n a m a i o r p a r te d o t e mp o p r op o rc i o n a v a m a o s j o v e n s m o tiv o s pa r a a lt er c a ç õe s e c o n f l i t o s . C o m i s s o po d i a m to m a r c on h ec i m e n t o do c ar á t e r d e c ad a j o v e m , d a s ua c o r a g e m e d a s ua c o ns t ân c i a n a s c o mp e tiç õ es . 33 Plutarco em “Vidas Paralelas” afirma: O s j ov e n s n ã o a p re n d i a m as l e tr a s s e n ão n a m e d i d a do e s tri ta me n te ne c e s s ári o . T o d o o res to d a e d uc a ç ã o v is a v a p rep a rá -lo s pa ra s a b ere m de i x a r-s e c o nd u z ir , e m c o mb a te . À me d id a q u e a v a n ç a v a m n a i d a d e , e ra m- l he s a t ri bu íd o s ma i s e x e r c íc i os . E r am r a p ad o s p o r c o m p l e to , h ab i t ua d os a c a mi n h a r d e s c a l ç o s e a j o ga r c o m p l e t a m e n te n u s a ma i o r p ar t e d o t em po . A o s d o z e a n os d e i x a v a m d e u s a r a tú ni c a e a p e na s ti n h am u m ma n to p ar a t o d o o a no . A n d a v a m s uj os , i g n o r a n d o o s b an h o s e as fri cç õ e s , s al v o e m c e r t os d i a s d o a n o , e m q u e p ar ti c i p av a m de s s a s de l íc i a s . Também dormiam em conjunto, divididos em grupos e por seções, sobre esteiras preparadas por eles próprios com as mãos, sem o uso de nenhum, utilizando para tal as extremidades dos juncos que cresciam ao longo do rio Eurotas. No inverno, entretanto, juntavam cardos - planta que se diz libertar algum calor - aos juncos de seus leitos. 33 MONROE, Paul. História da Educação. Cia Ed. Nacional. 11. ed. São Paulo, 1976, p.p. 10-11 49 2.2.2. A educação em Atenas A sociedade ateniense forjou uma das primeiras escolas de formação do homem ocidental, modelando os clássicos arquétipos ideais, tais como o herói de epopéia, o cavaleiro culto, o cidadão ativo ou o sábio introspectivo. O que exercitaram no campo da educação durante alguns séculos antes de Cristo serviu como exemplo à maioria das instituições educacionais primárias e superiores adotadas em Roma e dali espalhando-se para o restante do Ocidente Em Atenas, onde arte, filosofia e drama floresceram, em parte, graças a um clima social mais prolongado de maior segurança e paz, o destaque à educação física e atlética nos magnífic os ginásios (que constituíam instituição esportiva, recreativa, atlética, pré-militar) não excluía a educação intelectual, artística, moral e religiosa, nem excluía o ensino em escolas, liceus e academias que se seguiam aos dois anos iniciais no gymnasium. Os testemunhos existentes sobre a educação ateniense são unânimes em afirmar que a democratização da sociedade e da vida política alterou os métodos pedagógicos, mas não representou uma alteração no seu ethos, nos objetivos últimos da formação do jovem ateniens e. Ela continuou orientando-se pelo modelo cavalheiresco da nobreza ática, a ambição de reunir num só corpo a beleza física e moral de um indivíduo. Os plebeus que ascendiam socialmente não o questionavam. 50 Na escola prioriz ava-se o ensino de música, isto é, das nove musas: música propriamente dita e poesia, drama, história, oratória, ciências, etc., e, no séc. VI a.C., o ensino da leitura e escrita. Currículo este muito rico e diversif icado, acessível para as elites, não para as massas populares. A educação já havia pas sado por uma substancial alteração quando se deu a evoluç ão da cidade oligárquica dos tempos arcaicos, calcada nos valores militares, para a cidade democrática do período clássico, inspirada na importância da palavra. O antigo processo de transmissão do conhecimento, ou das habilidades, que fazia largo uso da pederastia, vez que um amante mais velho, um guerreiro, acompanhava a formação do seu jovem escudeiro, foi substituído pelo pedagogo ou pela escola regida pelo mestre didático, que ministrava lições de gramática e ensinava os primeiros cálculos. As técnicas universais de memorização e imitação também eram empregadas pelos educadores gregos, mas valorizando-se, e muito, o desenvolvimento da personalidade e a criatividade. Posteriormente, acrescentou-se no currículo aritmética, geometria e des enho, aumentando ainda mais as exigências de aplicação e aproveitamento do alunado e o elitismo escolar. Na Grécia, e mesmo em Roma, que adotou os modelos da primeira, a educação oferecida aos homens livres não podia alcançar os plebeus, cujos filhos cedo aprendiam os ofícios dos pais, perseverando na condição profissional de artífices e artesãos, pouco se distinguindo dos escravos. 51 Apesar da versatilidade e certa liberalidade que já se ensaiava na educação ateniense - como, esporadicamente, também no seu sistema político - modelavam-se as novas gerações, de modo a se manter a continuidade cultural e a preservação dos valores, interesses e relações de poder das classes dominantes. Estas, porém, e seus servidores mais qualificados, jamais atuaram e pensaram de modo compacto, homogêneo e unificado, no campo ideológico e político. Assim sendo, só num clima social pluralista e filosoficamente tolerante, já es boçando o pensamento democrático-liberal, é que as divergências se multiplicaram em torno das posições progressistas, conservadoras ou reacionárias. A mudança social e cultural não seria uma característica própria e exclusiva da civilização ocidental, nem a estabilidade estacionária e autoritária uma característica das civilizações orientais. No seio das classes economicamente dominantes, uma orientação política diferenciada poderia partir da divergência para a busca do poder estatal imprimindo-lhe orientação especial, ou mais progressiva do que a vigente, ou mais conservadora, ou mais reacionária. Dissidências profundas e intensas tanto ocorreram na Grécia e Roma antigas, quanto nas sociedades européias, afro-asiátic as e ameríndias de data mais recente. Contradições e conflitos entre grupos divergentes das próprias classes dominantes alteraram radicalmente sistemas sócio-político- 52 econômicos sem se chegar, inexoravelmente, à tomada do poder da classe dominada e explorada. Cabe, pois, a suposição de que o progresso das idéias, atitudes, técnicas e ciências tendem a minar o poder das forças autoritárias, rígidas e retrógradas, quando não ocorre exatamente o oposto, como teriam sido os surtos nazi-fascistas, autoritário- populistas e ditatoriais oligárquicos em reação ao progresso das idéias e dos ideais liberalizantes e democratizantes. 53 CAPÍTULO 3. A CONSTITUIÇÃO FEDERAL E A EDUCAÇÃO A Carta Magna de 1988, a Constituição C idadã, traz insculpida em seus artigos 205 e seguintes, ao tratar da educação, a qualidade do ensino e a educação para a cidadania. A educação, estabelecida na Constituição como dever da família e do Estado, é primordial à pessoa para transformá-la em cidadão, cônscio de seus direitos e deveres sociais , e apto para o exercício da cidadania no Estado Democrático de Direito, haja vista que educação é mais que simples ensino ou transmissão de conhecimentos. É formação de personalidade, com a transmissão de valores, sentimentos, atitudes, expectativas de comportamentos comuns. É a própria socialização do indivíduo. Refere J orge Miranda O s di r ei to s c o n s ag r a do s e r e c o n he c i d o s pe l a c o n s t i tu i ç ã o d es i gn a m- s e , po r v e z e s , d i r e i t o s f u n d a m e n ta i s f o r ma l me n te c o ns ti tu c i o na i s , p o r qu e el es s ã o e n u n c i ad o s e p r o t e g i d os p or n o r m a s c o m v a l o r c o n s ti t u c i o n al fo r ma l ( no r ma s q u e tê m a for ma cons ti t uci onal ) . 34 Em casos como tal, da garantia constitucional de um direito, resulta, necessariamente, o dever do Estado em adotar medidas positivas destinadas a proteger o exercício dos direitos fundamentais perante atividades lesivas praticadas contra esses, bem como o dever de desempenhar a função de prestação, quando esses direitos devem ser prestados pelo poder estatal. 34 MIRANDA, Jorge. Manual de Direito Constitucional, IV. Mossé-B. Portugal. 2001 p.153 54 Assim, o esquema relacional se estabelece entre o titular do direito, que é o cidadão, e o Estado, que é a autoridade encarregada de desempenhar uma tarefa pública. Esta função de proteção que o Estado deve desempenhar o obrigará a concretizar normas reguladoras das relações jurídicocivis, de forma a assegurar, nestas relações, a observância dos direitos fundamentais, inclusive nas relações jurídicas privadas. Por exemplo, a partir do princípio da igualdade e dos direitos de igualdade específicos consagrados na Constituição Federal, deriva a função primária e básica dos direitos fundamentais, qual seja, assegurar que o Estado trate os seus cidadãos como cidadãos fundamentalmente iguais, haja vista a efetivação plena da igualdade de direitos numa sociedade multicultural e hiper inclusiva. Referida sociedade deverá estar atenta a direitos tais como direitos das mães solteiras, direitos das pessoas portadoras de HIV, direitos dos homossexuais, e outros, em mesmo sentido em que se orientam as mais recentes Convenções Internacionais, das quais o Brasil é signatário. Dos princípios expostos na Declaraç ão dos Direitos do Homem, dois tiveram uma importância toda particular na constituiç ão da França de 1791: o princípio da soberania do povo, exposto no artigo III e o princípio da separação dos poderes, exposto no artigo XVI e emprestado dos escritos de Montesquieu. 55 3.1. O descumprimento da norma constitucional pelo Estado O dever de educar começa na família e deve continuar na escola. Dessa obrigação não se pode apartar o Estado, que dev e prestar sua contribuição, com os recursos advindos da sociedade. A educação é um direito público subjetivo, disposto no regime jurídico constitucional. Portanto, os indivíduos têm o direito de requerer a prestação educacional do Estado, haja vista que o descumprimento deste dever a que ele mesmo se impôs, deve trazer como conseqüência, a responsabilização da autoridade competente, conforme disposto nos parágrafos 1º e 2º, do artigo 208, da Constituição Federal Vimos atualmente, que o Brasil não cumpre seus próprios preceitos constitucionais, mas impõe a seus cidadãos que os obedeça cegamente, sob pena de coação e/ou sanção. Urge, pois, que se socialize o conhecimento, a fim de ensejar maior bem-estar para todos, haja vista que a melhoria do padrão educacional pode levar a um maior progresso individual e coletivo do cidadão. Alan Greenspan, presidente do FED-Banco da Reserva Federal dos Estados Unidos, nesse sentido, afirma: S e f o r mo s c a p az e s d e a u me n ta r o s i n v es ti me n to s e m p es s o a s , i dé i a s e p r o c es s o s , ta n t o e m m áq u i n as e e qu i p a me n tos , a ec o n o mia p o d e rá o p e r ar ma i s e fe ti v a me n te e n qu a n to s e a d a p ta às m ud a nç a s . 56 Ao Estado, que é, fundamentalmente, a soc iedade exercente de funções estatais, de governo e administração, não se admite que, no regime do Estado Democrático de Direito, seja a ela oposto, caminhando num sentido distanciado dos norteios determinados pelos anseios sociais. Kliksberg, citado por Maria Garcia, leciona que quando se indaga o papel do Estado na democratização, pres supõe-se que avançar em direção à democracia requer “um redesenho profundo do Estado”. Conclui o autor N o l u ga r de u m E s t a d o b u ro c r á ti c o , a lh ei o a o s c i d ad ã os , i m p e n e t rá v e l , de s a l e n t ad o r d a pa r ti c i p a ç ã o , d e es ti l o d e g es tão a u t o ri t á ri o , s e r e qu e r o c o n t rá r i o . A b r i r p l e na me n t e o E s ta d o à pa r ti c i p a ç ã o c i da d ã , pa r a o q u e é n ec e s s á ri o d es c e n tr a l i z a r , c r i a r tra ns p a r ê n c i a d o s a to s p úb l i c os , d es b u roc r a tiz a r , f a v o r ec e r t o d a s a s f o r ma s d e c o - g e s tã o d os c i da d ã os , a tiv a r ig u al me n te i ns ti tu iç õ es d e pa r tic i pa ç ã o p er m a n e n t e s c o mo o s re f e r e n d os , o s o m b ud s m a n , r e no v a r c o ns ti tu i ç õ es , c h e ga r a s i s t e m as p ol ític o s q ue f a ç a m ma t u r ar c r e s c en te me n t e a c i d a d an ia e f a v or e ç a m a o rga n iz a ç ão e e x pr e s s ão d a s oc i ed a de c i v il . 35 É necessário, portanto, que o Estado, no cumprimento de sua função constitucionalmente estabelecida, atue permanentemente com vistas ao bem estar da sociedade civil, que é sua coadjuvante e co-participante, no interesse público. 35 KLIKSBERG, Bernardo. El rediseño Del Estado, uma perspectiva internacional, Fondo de Cultura Econômica, México, 1994, p. 26-27(citado pela Profª Dra. Maria Garcia em prefácio do livro Responsabilidade extracontratual do Estado de Aparecida Vendramel) 57 3.2. Os direitos do homem e o respeito aos direitos individuais O artigo 5º da Declaração e Programa de Ação de Viena, aprovado na Conferência Mundial sobre Direitos do Homem, datada de 25 de junho de 1993, dis põe: “Todos os direitos humanos são universais, indissociáveis e interdependentes, e estão relacionados entre si. A comunidade internacional deve tratar os direitos humanos de forma global e de maneira justa e eqüitativa, em condições de igualdade e atribuindo a todos o mesmo peso. Há que ser levada em c onta a importância das particularidades nacionais e regionais, bem c omo a importância dos vários patrimônios históricos, culturais e religiosos; contudo, independentemente de seus sistemas políticos econômicos e culturais, os Estados têm o dever de promover e proteger todos os direitos do homem e as liberdades fundamentais ”. Bobbio, neste sentido, assinala O s d i re i t o s e l e n c a d o s n a D ec l ara ç ã o U n i v e rs a l d o s D i r ei to s d o H o m e m nã o s ã o os ún i c o s e p o s s ív e i s d i r e i t o s d o h o m e m : s ã o o s d i r e i to s do h o m e m h i s tó ri c o , t a l c om o e s te s e c on fi g u r av a n a me n te do s r ed a t or e s d a D e c l a r aç ã o a p ó s a t r ag é di a d a S e g u nd a Gu e rr a Mu nd i a l , nu ma ép o c a q u e ti v e r a i n íc i o c o m a R ev o l u ç ã o F r a n c es a e d e s e mb oc a r a n a R e v ol uç ã o S o v i é ti c a . N ã o é p r ec i s o m u i t a i ma g i n a ç ão pa r a p r ev e r q u e o d es e n v ol v i m e n to d a té c ni c a , a tr a n s f or ma ç ã o d as c o nd i çõ e s ec o n ô m i c a s e s oc i ai s , a a mp l i a ç ã o d o s c o nh e c i m e n to s e a i n t e ns i fi c a ç ã o dos me i o s de c o m u ni c a ç ã o po d e rã o p r o d uz i r tais m u d a n ça s na o r ga n i z a ç ão da v i d a h u m a na e d a s r e l a ç õ es s o c ia i s q ue s e c r i e m o c a s i õ es f a v o r áv e i s p a ra o n as c i m e n t o d e n o v o s c a r ec i me n t o s e , p or t a n to , pa r a n o v a s de ma n da s de l i be r d ad e e de p o d e r es . 36 36 BOBBIO, Norberto. A Era dos Direitos.: Rio de Janeiro. Campus, 1992. 17 ed. p. 21 58 Afirma o mestre: P a r a d ar ap e n as a l g un s ex e mp l o s , l e mb r o q u e a c r es c e n te q ua n ti d a d e e i n te n s i da d e d a s i n f or m a ç õ e s a q u e o h o m e m d e ho j e e s tá s u b me ti d o f a z s u rg i r , c om f o r ç a c a d a v e z ma i o r , a n e c es s i da d e d e n ã o s e s er e n g a na d o , e x c i t a d o o u p er t u r b a d o po r u ma pro p ag a nd a ma c i ç a e de fo r m a do r a ; c o m e ç a a s e e s bo ç a r , c o n t r a o d i r e i t o d e e x p r e s s a r a s p r óp r i a s o p i n i õ e s , o di r ei to à v e r d a d e d a s i n fo r m a ç õ es . N o c a m p o d o di r ei to à p ar ti c i p a ç ã o n o p o de r , f a z - s e s e n t i r n a me d i d a e m q ue o p od e r e c o nô mi c o s e t o r n a c a da v e z m a i s d e t e r mi na n te n as d e c i s õ e s po l í t i c a s e c a da v e z ma i s d ec i s i v o n as es c o l h a s q ue c o n di c i o n a m a v i d a de c ad a h o m e m _ a ex i gê n c ia d e p a r t i c i pa ç ã o no p o d er e c o nô mi c o , a o l ad o e p a ra a l é m d o d i r e i t o (j á p o r t o d a p a r te re c on h ec i do , a in d a qu e ne m s e mp re a p l ic a do ) d e p ar ti c i p aç ã o n o p o d e r p ol ític o . 37 Aduz, ainda: O c a mp o do s di r e i tos s o c i a i s , fi na l m e n t e , es t á e m c o n t í n u o mo v i m en to : as s i m c o m o a s d e m an d as d e p r o t e ç ã o s o c i a l n as c e r a m c o m a r e v ol u ç ã o i nd u s t r i a l , é p r ov á v e l q u e o r á pi d o de s e nv o l v i m e n t o té c ni c o e e c o n ô mi c o tra g a c o n s i g o n ov a s d e ma nd a s , q u e h o j e nã o s o mo s c a pa z e s n e m d e p r ev e r . A D e c l a r aç ã o U n i v e r s al re p r e s e n ta a c o n s c i ê nc i a h i s tó r i c a q ue a hu m a n i d ad e te m d o s p r óp r i o s v a l o r e s f u n da me n t ai s n a s e gu n d a m e t a d e d o s éc u l o X X . É u m a s í n te s e d o p a s s a d o e u m a i n s p i r a ç ão p ar a o f u tu r o : ma s s u as t á b u as n ã o f o r a m g r av a d as de u ma v ez p a r a s e m p r e . 38 Concordamos com o autor, acreditando que a comunidade internacional enc ontra-se hoje diante do problema de dar garantias válidas para aqueles direitos, e de aperfeiçoar continuamente o conteúdo da Declaração, vazias. Hobbes visualizava o Estado absoluto como sendo o resultado do estabelecimento de um “contrato social” entre os indivíduos, que viviam até então em “estado de natureza”(existência de homens 37 38 Norberto BOBBIO. A Era dos Direitos: Rio de Janeiro. Campus. 1992. 17ª tiragem. p.21 Idem. P. 21. 59 livres e iguais) e que, por determinadas razões, decidiram abandoná-lo em razão da entrada em um corpo social e político. Os indivíduos, por terem suas vidas permanentemente ameaçadas, abrem mão da individualidade, colocando-as nas mãos do Estado, que passa a ter a única obrigação de protegê-los; o Estado Leviatã, situando-o como o fruto da vontade racional dos homens. Se, com Aristóteles o Estado vem antes do indivíduo, no modelo individualista hobbesiano, o indivíduo vem antes do Estado, já que invenção artificial do homem. Neste sentido, refere Mondaini S e , p a r a H ob b es o p od e r é a b s ol u t o , i n d i v i s ív e l e i r r e s i s t í v e l, p a r a L o c k e , ao c o n tr á r i o , é l i mi t a d o , di v i s ív e l e r e s i s tív e l . F oi p r e c i s a me n t e na u l t r a p a s s a g e m d e s s a f r o n t e i r a q ue s e c o ns ti tu í r a m os p ri m ei ro s p a s s os d a q u i l o q ue c h a ma mo s c o m um en te h oj e d e “d i r ei tos h u ma n os ” . 39 39 MONDAINI, Marco. O respeito aos direitos dos indivíduos. In História da Cidadania. PINSKY, Jaime eT Carla.(org) São Paulo, Contexto, 2003, p. 129 60 3.3. Os direitos sociais no Brasil Os direitos sociais no Brasil estão contemplados na Constituição Federal de 1988, conjuntamente a outros direitos do cidadão, mormente no artigo 6º do Título VIII - Da Ordem Social, que dispõe: Art. 6º. “São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição” Celso Ribeiro Bastos, a respeito da distinção entre direitos individuais e direitos sociais esclarece: A o l a d o d o s d i r ei to s i nd i v i du a i s , q ue t ê m p o r c a r a c te r ís ti c a fu n da me n tal a i mp os i ç ão d e u m fa z e r o u ab s te r-s e d o e s ta do , a s mo de r n as C on s ti tu i ç õe s i mp õe m a os Po de r e s P ú b l i c o s a p r e s ta ç ã o d e d i v e rs a s a t i v i da d es , v i s a nd o o b e m - es ta r e o p l e no d es e n v ol v i m e n to d a p e r s o na l i d a d e h u m an a , so b r e t u d o e m mo m e n t os e m qu e e l a s e mo s t r a ma i s c a r e n te d e r e c ur s o s e t e m m e n o s p o s s i b i l i da d e d e c o nq u is tá -lo s p el o s e u tr ab a l h o . 40 Bobbio afirma T o d a s a s d ec l ara ç õ es r ec e n tes d o s d i r ei to s d o h om em c o m p r e e n de m , a l é m d os d i r ei tos i n d i v i d u ai s t r a di c i o na i s , q ue c on s i s t e m e m l i b er d a d e s , t a m b é m os c ha ma d o s d i r e i t o s s o c i a i s , q u e c on s i s t e m e m p o de re s . O s p r i me i r o s e x i g e m d a pa r te d os ou t r o s ( i n c l u í do s a q ui o s ó rg ã os p úb l i c o s ) ob r i g a ç õe s pu r a m e n te n e ga ti v as , qu e i mp l i c a m a a bs ten ç ã o d e d e t e r mi n a d o s c om po r t a me n to s ; o s s e g un d os s ó p o d e m s e r r e al i z a do s s e fo r i m po s t o a o u t r o s ( a qu i i n c l u íd o s os ó r g ão s p ú bl ic o s ) u m c er to n ú m er o d e o br i g a ç õ e s p os i t i v a s . S ão a n ti nô mi c os n o s e n t i d o d e q ue o d es e n v o l v ime n to de l e s n ã o p o d e p r o c e d e r p a r al e l am en t e : a 40 BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Constitucional. São Paulo. Saraiva. 1998.19 ed. p.259. 61 r e al i z a ç ão i n te g r a l d e u n s i mp ed e a r e al i z a ç ão i n te g r a l d o s o u t r o s . Q u a n to ma i s au me n t am o s p o de r e s d o s i n d i v íd u o s , t a n to mais di mi n u e m as l i b e r d a d es dos m e s m os in d iv íd u os . 41 A Revolução Americana, que estourou em meados do ano de 1770, resultado de uma frente única da plebe com latifundiários escravistas e com a plutocracia manufatureira e banqueira do nordeste dos Estados Unidos da América, contra a elite aristocrátic a de grandes latifundiários, foi a pioneira na formulação dos direitos humanos, revolução essa em que, pela primeira vez na história, fez com que um povo aspirasse à independência nos princípios da cidadania, ou seja, colocasse como objetivo primordial do Estado, a preservação das liberdades dos indivíduos integrantes do povo, elevados à categoria de sujeitos políticos 42. No entanto, ainda que essenciais sejam os direitos, o fato de a legislação garanti-los no texto escrito, não é suficiente para tornálos efetivos na prática. As desigualdades manifestam variadas na formas exclusão de sociais, dos violência, principalmente no indivíduos, submetidos e do alijados acesso Brasil, às à se mais saúde, educação, previdência social, justiç a e habitação. Nesse sentido, José Afonso da Silva assevera que enquanto os direitos sociais impõem ao Estado um fazer, os direitos individuais implicam do órgão estatal a obrigação de não fazer ou de abster-se: o s di r ei tos so c i ai s , c o m o c o mp r e en s ã o d o s di r ei to s f u n da me n t ai s do h o m e m , s ão p re s t a ç õ e s p os i tiv a s e s t a t a i s , e nu n c i a d a s e m n o r m as c o n s ti t u c i o n ai s , qu e p o s s i bi l i ta m me l h o r es c o n d i ç õ es d e v i d a a os m ai s f r a c os , di re i t os q u e 41 42 Norberto BOBBIO. A Era dos Direitos: Rio de Janeiro. Campus. 1992. 17ª tiragem. p. 33 e 34. Norberto BOBBIO. Op. cit 62 t e n de m a r e al i z a r d es i gu a i s . 43 Como podemos a i gu a l i z aç ã o observar, de dos s i tua ç õ e s direitos sociais sociais estabelecidos na nossa Carta Magna nascem as políticas sociais, tornando obrigatórias e imediatas as medidas estatais nascidas das necessidades sociais, às quais cumpre elevar a condição humana dos cidadãos nac ionais, titulares desses direitos. Paul Singer 44 escreve com propriedade sobre os direitos sociais: A l u t a p e l o s d i r e i to s s o c i a i s e s tá l o n g e d e s e r en c e r ra d a , ma s mud o u d e di re ç ã o . A té o fi m do s ‘ an o s d ou ra do s ’ , o s d i r e i t o s s oc i ai s e s t av a m c o n s i g na d os n a l e g i s l a ç ã o e s u a o bs e r v â nc i a e s ta v a a c a r g o d o E s ta d o , a s s i m c o mo a p r es t a ç ã o d e s e r v i ç o s q u e d e l e s d e c o rr i a m , c o m o a a s s i s tê n c i a à s aú d e , a ed u c aç ã o e a p r ev i d ê n c i a s o c i a l . A g o ra é a p ró p r i a s o c i e d ad e c i v i l qu e s e t o r n a a p r o t a g on i s t a d a s ol uç ã o d o s p r ob l e ma s q u e o s di r ei to s s o c i a i s p re te n de m p r e v en i r . A s s o c i a ç õ es e c o op e ra ti v as o r ga n i z a m s o l i da r i a me n te os s o c i a l me n te e x c l u íd os c o m o a po i o d e um a r e de c a d a v e z ma i s a mp l a d e a g ên c i a s d e f o me n to . Assim, p ar t e d os d e s e m pr e g ad o s e dos ‘ i ne mp r e g á v e i s ’ s e r ei ns e r e n a ec o n omi a p o r s ua p r ó p r i a i n i c i a tiv a . A c ri s e do s d i r e i t o s s o c i a is de mo n s t ra q u e a v i g ê nc i a d e l e s d ep e nd e d o p l e n o e mp r e go e d o c r e s c i me n to d a e c on o mi a , p or t a n to d a s r e c ei ta s fi s c ai s q u e fi n a n c i a m o g as to s o c i al . C o m d es e m p r eg o e m ma s s a e e c o n o mi a d ep r i m i d a , p a r c el a c r e s c e n t e d as c l a s s e s tra ba l ha d o r a s é p r i v a d a d o g o z o d e v ár i o s di re i tos s oc i a i s e o go z o d e o u t r o s t e n d e a e nc o l he r p o r c a us a do s c o r te s n o s b en e f í c i o s . Em diferentes países observa-se que o solidária surto de economia está longe de atender a todas as vítimas da crise do 43 José Afonso da SILVA. Curso de Direito Constitucional Positivo. 8 ed. São Paulo. Malheiros editores, 1992.p.258 44 “A cidadania para todos” 63 trabalho haja vista que implica em mudança de mentalidade, que demanda tempo. Milhares tornam-se vítimas da crise mundial que abala o mercado de trabalho, sendo expurgados da economia. Outros esperam a oportunidade, vez que a demanda por força de trabalho é insuficiente. Podemos concluir que a luta por direitos sociais se resume hoje à luta pela retomada do crescimento, o que equivale dizer que existe uma luta contra a hegemonia neoliberal, imposta pelo capit al financeiro a toda a sociedade. 45 45 Paul SINGER. A cidadania para todos. In História da cidadania.(orgs, Jaime Pinsky, Carla Bassanezi Pinsky) : Contexto. São Paulo, 2003,p.260. 64 3.4. Educação: direito do cidadão, dever do Estado A educação, como um dever do Estado, aparece pela primeira vez numa Constituição brasileira, na Emenda Cons titucional de 1969. Bosi, assinala E mb o r a a C o ns ti t u i ç ã o d o I mp é r i o e a C o n s t i tu i ç ã o r e pu b l i c a n a d e 18 9 1 a fi r m e m o d i r e i to de to do s à e d uc a ç ã o e à c u l tu ra e a g r a tu i d ad e da i n s tr uç ã o pr i má ri a , n ã o e s ta be l e c e m s e u c a r á te r o b ri ga tó r i o n e m d e fin e m q u ai s q u e r me d i d a s qu e o g a r a n ta . P r e v a l e c e a d e te r m i n a ç ã o d o A t o A d i c i o n a l d e 1 83 4 q u e tra n s fe r e à s p r o v ínc i a s a r e s po n s ab il i d ad e s o br e os e n s i n o s pri m á r i o e s e c un d á ri o . Me s mo c o n s i d e ra n do a r ev i s ão d e 1 9 26 , “ a e d uc a ç ã o r e du z i a - s e a a s s u n t o p r i v ad o , d e q u e a R e pú b l i ca po d e ri a , n a p r á ti c a , d es o n e r a r - s e . 46 J.J.Gomes Canotilho, a respeito do Estado de direit o democrático-constitucional, elucida O E s t ad o c o n s ti tu c io n al n ã o é n e m d e v e s e r a p en a s u m Es ta d o d e d irei to . Se o p ri n c íp io d o Es ta d o d e d ire i to s e r e v el o u c o m o u ma ‘ l i n ha M a g i n o t ’ e n t r e ‘ Es ta d o s q u e t ê m uma c on s ti t u i ç ã o ’ e ‘ E s t a d os que n ão têm uma c o ns ti tu iç ã o’ , isso nã o s ig n i fi c a qu e o Es ta do C o ns ti tu c i o na l m od e r no p os s a l i mi t ar - s e a s e r a pe n a s u m E s ta d o d e d i re i t o . E l e te m d e es tru tu ra r - s e c o m o E s ta d o d e d i r e i t o de mo c rá t i c o , i s t o é , c o m o u ma o rd e m de d o m í ni o l e g i ti ma da p el o p o v o . A a r t i c u l a ç ão d o ‘ d i re i t o’ e d o ‘ po d er’ n o E s t ad o c o ns ti t u ci o na l s i g n i fic a , a s s i m , q u e o p o d e r d o E s ta d o de v e o r g an i z a r - s e e e x erc e r -s e e m te r m o s d e m oc r á ti c o s . O p ri n c íp i o d a s o be r a n i a po p ul ar é , po i s , u m a d a s t r a v es me s t r a s d o E s ta d o c o n s ti tuc i on a l . O p od e r p ol ític o d e ri v a d o s c id a dã o s . 47 46 Apud FÁVERO, Osmar (org). A educação nas Constituintes Brasileiras: 1823-1988. São Paulo. 2ed. 2001, p.p. 248 e 249 47 CANOTILHO, J.J.Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. 7ed. 2ª reimpressão. Almedina.Portugall, 2003, p.p. 97 e 98. 65 Entrelaçando os conceitos de princípio democrático e direitos fundamentais, Canotilho observa: T a l c o mo s ã o u m el e m en t o c o n s ti t u ti v o d o es t a d o d e d i r e i t o , o s d i r e i t o s fu n d a me n tai s s ã o u m e l e me n to b ás i co p ar a a realização do pri nc íp i o d e m o c r á tic o . M ai s c o nc r e t a m e n te : o s d i r e i t o s f u nd a me n t ai s t ê m u ma f un ç ã o d e m oc r á ti c a , d a do q ue o e x erc íc i o d e mo c rá ti c o d o po d e r : ( 1 ) s i g n i fi c a a c o n tr i b ui ç ã o d e t od o s o s c i d ad ã os p a r a o s e u e x erc íc i o ( p r i n c í p i o - d i re i t o d a i g u al da d e e d a p a r tic i p a ç ã o p ol ític a ) ; (2 ) i m p l i c a p ar ti c i p aç ã o l i v r e a s s en te e m i m p o r t a n t e s g a r an ti a s p a r a a l i b er d a d e d e s s e e x e r c íc i o ( o d i r e i t o d e a s s oc i aç ã o , d e f o r ma ç ã o de pa r ti d o s , d e l i be r d ad e d e e x p r e s s ã o , s ã o , p o r e x . , d i re i t os c o n s ti tu t i v o s d o p r óp r i o pri nc íp i o de mo c r á ti c o ) ; ( 3 ) c o e nv o l v e a a b e r tu r a d o p r o c e s s o po l í ti c o no s e n ti do d a c r i aç ã o d e di r ei to s s o c i a i s , e c o nô mi c os e c u l t u r ai s , c on s ti tu t i v os d e u m a d e m oc r a c i a e c o nô mi c a , s o c i a l e c ul tur a l . R ea l c e - s e e s t a d i n â m i c a di al éc t i c a e n t r e o s d i r e i t o s fu n d a m e n t ai s e o p r i n c ípi o de mo c r á t i c o . A o pre s s u po r a p a r t i c i p a ç ão i g u al do s c i d a dã o s , o p r i n c ípi o d e m oc r á ti c o e n t r el aç a - s e c o m o s d i r e i to s s u b j e c tiv o s de p ar ti c i p aç ã o e a s s oc i aç ã o , q u e s e t or n a m , a s s i m , f u n da me n t os f u n c i o n ai s d a d e m o c ra c i a . 48 Por sua vez, cita o autor, os direitos fundamentais, como direitos subjetivos de liberdade, criam um espaço pessoal contra o exercício de poder antidemocrático, e, como direitos legitimadores de um domínio democrático, asseguram o exercício da democrac ia mediante a exigência de garantias de organização e de processos com transparência democrática (princípio maioritário, publicidade crítica, direito eleitoral). Por fim, econômicas e como direitos culturais, os subjetivos direitos a prestações fundamentais sociais, constituem dimensões impositivas para o preenchimento intrínseco, através do legislador democrático, desses direitos. 48 J.J.Gomes CANOTILHO. Direito constitucional e teoria da constituição. 7ed. 2ª reimp. Almedina 66 Foi esta compreensão que inspirou o artigo 1º da Constituição Federal do Brasil, ao referir-se a Estado Democrático de Direito, baseado na soberania popular e na garantia dos direitos fundamentais. 67 3.5. A responsabilidade social do Estado na Educação O significado político do termo Estado, procedente do latim status, que em Roma designava a situação jurídica da pessoa, ou seja, a situação de homem livre, de cidadão romano, de membro de uma família não sujeito a poder alheio, é atribuída a Ulpiano (170-228). No sentido que lhe é dado atualmente, Estado é uma criação moderna que mais se aproxima dos antigos impérios orientais, que, segundo o conceito de Sahid Maluf em concordância com Queiroz Lima significa: “o Estado é a Nação encarada sob o ponto de vista de sua organização política, ou simplesmente, é a Nação politicamente organizada. (...) O Estado, democraticamente considerado, é apenas uma instituição nacional, um meio destinado à realização dos fins da comunidade nacional. ...é uma síntese dos ideais da comunhão que ele representa...é o órgão executor da soberania nacional” 49. Segundo Ataliba Nogueira, também citado por Sahid Maluf 50: O f i m d o E s ta d o é a p r o s pe r i d a de p úb li c a ou o c o m p l e x o d as c o n di ç õe s r e qu e ri d as p ar a q ue , n a m e d i d a d o p os s ív e l , t o d os o s me m b ro s o r gâ n i c o s da s oc i e da d e p o s s am c o ns e g u i r p or s i a o m n í mo da f e l i c i d a d e te mp o r a l , s u bo r d i n a d a a o fi m úl ti m o . E n tre es t as c on d i ç õ e s, to d av i a , o c up a p r i m ei ro l u g a r o g o z o d a o rd e m j u r íd i c a , t a l q ua l p os tul a a e s tru tu ra da s o c i e d a d e n a t ur a l ; l u g a r s e c un d á ri o , a a b u n dâ n c i a s u f i c i en te d os be n s d a al m a e d o c or p o , o s q ua i s s ã o ne c e s s ári o s p a r a r ea l i z a r a di ta fe l i c i da d e , c o i s a s es t a s q u e s e nã o po d e m a t i n gi r s u fi c i e n t e me n te co m a a ti v i d a d e p r i v a da . 49 50 Sahid Maluf. Teoria geral do Estado, p. 22. Sahid Maluf, op. cit.,p. 318-319. 68 Os direitos políticos e civis, de per si, não asseguram a democracia sem que a eles se juntem os direitos sociais, porquanto são esses últimos que vêm garantir aos indivíduos a sua participação na riqueza coletiva, qual seja: o direito à educação, à saúde, ao trabalho, ao salário justo, à velhic e tranqüila. É conveniente lembrar a posição de Mário Masagão, ao afirmar: 51 O E s ta do p o s s ui , a o l a d o da a ti v i da d e j u r í di c a , u ma a ti v i da d e s oc i al q ue p o d e r á ex e r c e r de n tr o de c e r t o s p r i n c ípi os bá s i c o s : a a ç ã o s oc i a l d e v e se r s u p l e ti v a d a a ti v i da d e i n d i v i d u a l ; de v e te r em mi r a o b e m c o m um e n ã o o i n te r e s s e i n d i v i d u al ou d e g r u po s , e n ão d ev e o c a si o na r o s a c r i f íc i o d o di r ei to d e q u e m q u e r q u e s ej a . Bobbio, em valiosa lição explana: “O problema fundamental em relação aos direitos do homem, hoje, não é tanto o de justificálos, mas o de protegê-los. Trata-se de um problema não filosófico, mas político”. A responsabilidade civil do Estado passou por diversas fases que vai desde aquela onde o Estado não podia ser responsabilizado por qualquer lesão ao direito de alguém, até a fase da desenvolvimento da responsabilidade civilista surgida na França. Conforme salienta Rui Stoco, “o grande responsabilidade do Estado, proveio do direito francês e através da construção pretoriana do C onselho de Estado”. 52. 51 52 Mário Masagão. Curso de direito administrativo, p. 44-45. Rui Stoco. Tratado de responsabilidade civil e sua interpretação doutrinária e jurisprudencial, p. 749. 69 Leciona o mestre A d o u t ri n a d a r e s p o n s ab i l i d ad e c i v i l d a A d m i n i s tra ç ã o P ú b l i c a e v ol ui u d o c o nc e i to d e i r r es p o n s a b i l i da d e pa r a o d a r e s po n s ab il i d ad e s em c ul p a . P a s s o u - s e da fa s e d a i r r e s p o n s ab i l i d a de d a A d min i s tr a ç ã o pa r a a f as e d a r e s po n s ab il i d ad e c iv i l ís ti c a e d e s t a p a ra a fa s e d a r e s po n s ab il i d ad e p ú b l i c a . . 53 No direito brasileiro, mais precisamente no Estado de Direito _Estado que faz as leias e a ela se submete_ começou a surgir a responsabilidade do Estado. Agasalhada pela atual Carta Política, a responsabilidade objetiva do Estado, na modalidade do risco administrativo, encontrase esculpida no artigo 37, § 6°, que dispõe: “Art. 37 § 6° As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou c ulpa”. Em breve síntese, podemos dizer que a responsabilidade do Estado por atos jurisdicionais será cabível sempre que houver dano experimentado por particulares, decorrentes do exercício da atividade judiciária, como por exemplo, o erro judiciário; por lei 53 Idem, p.749 70 inconstitucional ou constitucional. Arnaldo Niskier afirma 54: G r a n d es e d uc a d or e s b r a s i l e i r os r e u ni ra m -s e m u i ta s v e z e s p ar a d i ri g i r à N a ç ã o o q ue v ei o a s e d e no mi na r ‘ Ma n i fe s t o d os P i on e i r o s d a E d uc a ç ã o N o v a’ , a s s i na d o p o r d i v e r s as p er s o n al i d ad e s , m u i ta s da s qu a i s p e r t e n c en t e s à A c a d e m i a B r a s i l e i r a d e Le t r a s . Um pugilo de 26 educadores de escol que, em 1932, retomando o que Miguel Couto dissera em 1927, assinalava de forma objetiva: N a h i e r a r q ui a d os pro b l e ma s n ac i on a i s , ne n hu m s o bre le va e m i mp or t â n c i a e g ra v i da d e ao d a e d u c a ç ão . N e m me s m o o s de c a r á te r e c o n ô mi c o l h e po d e m di s pu ta r a p ri m a z i a n o s p l a n os d e re c o ns t r u ç ã o n a c i on a l . P oi s , s e a ev o l u ç ã o o r gâ n i c a d o s i s te ma c u l tu ra l d e u m p a ís d e p e n de d e s u a s c o nd i ç õ e s e c o nô mi c as , é i m p os s ív e l d es e n v o l v e r a s f o r ç a s e c on ô mi c a s o u d e p ro d uç ã o s em o p re pa ro i n t en s i v o d a s f o r ç as c u lt u r ai s e o de s e nv o l v i me n t o d as a p ti dõ e s à i n v e nç ã o e à i n i c i a ti v a , q u e s ã o f a t o r e s fu n d a m e n ta i s d o a c r és c i mo de r i q u ez a d e u m a s o c i e d a de . 55 Mesmo na poesia ou na literatura, podemos entrever a preocupação de escritores famosos para com a educação. Exemplo disso é o incomparável texto extraído das ‘Obras Completas de Machado de Assis’, que assinala: “ P a s s ai d a s ri qu e z a s ma t e r i a i s à s i n t e l e c tu a i s : é a me s ma c o us a . S e o me s tr e - es c o l a d a tu a r u a , i ma g i n a r q u e n ã o s a be v e rn á c ul o , n e m l a t i m, e m v ão l h e pr o v ar á s qu e el e e s c r ev e c o mo V i e i r a o u C íc e ro , e l e p e rde r á a s n o i te s e o s s o no s e m c i ma d o s l i v r o s , c o me rá a s u n h a s e m v e z d e p ã o , e s c ar n e c e r á o u e n c al v ec e r á , e mo rre rá s e m c re r q ue ma l d i s ti ng u e o v er b o do ad v é r bi o . A o c o n t r á r i o , s e o te u c o pe i r o a c r e di t a r q ue es c r e v e u o s L u s í ad a s , l er á co m 54 A Educação na Virada do Século idem. p. 260 Arnaldo NISKIER. A educação na Virada do Século. Col. Páginas Amarelas. (pocket books). Exped Expressão e Cultura. São Paulo, 2001, p.262 e 263. 55 71 o r gu l h o ( s e s o u b e r l e r ) a s es t ân c i a s d o po e ta ; r ep e t i - l a s - á d e c o r , i n te r rog a r á o te u r o s to , o s te us g es to s , as tu as me i a s p al av r a s , fic a r á po r h o r a s d i an t e do s mo s tr a d o r e s , mi r an d o o s e x e mp l a re s d o po e ma e xp o s to .” Paulo Freire, numa crítica à globalização neoliberal instalada atualmente, escreve: A p ed a g o g i a r a d i c a l j a ma i s p o de f a z er n en h u m a c o nc e s s ã o à s a r t i ma nh a s d o ‘ pr a g ma ti s mo ’ ne o l i b e r al qu e r e d u z a práti c a educativa ao t rein a me n to técnico-cie n tífico dos e du c a n d o s . A o t r ei na me n to e n ã o à fo rm aç ã o . A n ec e s s á r i a f o r ma ç ão t éc n i co -c i e n t í fi c a d o s e du c a nd o s p o r q u e s e b a t e a p e d ag o gi a c r í ti c a n ão t e m na d a q u e v e r c o m a e s tr e i te z a tecnicista e c i e n ti fic i s ta que c a ra c te r i z a o m e ro tre in a men to . É p or i s s o q u e o e d uc a d o r p ro g r es s i s ta c a pa z e s é r i o , n ã o a pe n a s d e v e e n s i n ar mu i t o b em a s u a d i s c i pl i n a , m a s d es a fi a r o ed u c an d o a p en s a r c r i ti c a m e n t e a r ea l i da d e s o c i a l , po l í t i c a e hi s t ó ri c a e m q ue é u m a p r e s e n ç a . É p o r i s s o q ue , a o en s i n a r c o m s er i e d a de e r i g or s u a d i s ci p l i n a , o e du c a d o r pro g r e s s is t a nã o p o de ac o mo d a r - s e , de s i s te n te d a l u ta , v e nc i d o p e l o d i sc u r s o f a t a l i s ta q u e a p o n ta c o m o ú ni c a s a í d a hi s tó ri c a h o j e a a c e i t aç ã o , ti d a c o m o e x p re s s ã o d a me n te mo d er n a e n ã o ‘ c a i p i ra ’ d o q ue a í e s t á p or q u e o q ue e s t á a í é o q u e d e v e es t a r . 56 O Estado brasileiro, incurso no rol dos Estados do bem-estar social, ou seja, aquele responsável pela efetivação da igualdade social entre os indivíduos, responsável pela s ua jus-cidadania, deve, pois, administrar e distribuir os recurso materiais, de maneira a abreviar as distâncias econômicas entre os mesmos. 56 Paulo FREIRE. Pedagogia da indignação: cartas pedagógicas e outros escritos. São Paulo:Unesp, 2000, p. 43 e 44. 72 CAPÍTULO 4. A CIDADANIA Preliminarmente há que se ressaltar que cidadania não é uma definição estanque, mas sim um conceito histórico que varia no tempo e no espaç o, haja vista que a prática da cidadania se alter a no transcorrer do tempo, seja pelo grau de participação política dos indivíduos na sociedade, seja pelo maior ou menor grau de participação destes no estatuto de cidadão de cada sociedade distinta. Percebemos que a cidadania é um verdadeiro processo dentro da história, em cujo lento movimento, perceptível mas não linear, partiu da total inexistênc ia, para a existência de direitos cada vez mais amplos. Na Grécia reconhecia-se como cidadão todo o homem que tomava parte no culto da cidade, e desta participação lhe derivavam todos os seus direitos civis e políticos. Renunciando ao culto, renunciava aos direitos. Coulanges refere S e qu i s e r mo s de f i n ir o c i da d ão d os t e m p os a n t i g os p el o s e u a t r i b u to ma i s e s se n c i a l , de v e m o s d i z e r s e r c i d a d ã o t o d o o h o m e m qu e s e gu e a r e l i gi ã o d a c i d ad e , q ue h o nra o s me s mo s d e u s es d a c i da d e , a q ue l e pa r a q u e m o arc o n te o u o p r í ta n e o f ere c e , em c a da d i a , o s a c r i f íc i o , o q u e t e m o d i r e i t o d e ap r o xi ma r - s e d os a l ta r es e , po d e n d o p e ne tr a r n o r e c i n to s a g r ad o o n d e s e r ea l i z a m a s a s s em bl éi a s , as s i s te à s fes ta s , s e g u e a s p r o c i s s õ es , e e n t r a no s p an e g í ri c o s , p ar ti c i p a n os r e pa s t o s s a g ra d o s e r e c e be s u a pa r te d a s v í t i ma s . T am bé m e s t e h o m e m , n o di a e m qu e s e i n s c re v e u 73 n o r e gi s tr o d os c i d a d ão s , j u r ou p r a ti c a r o c u l t o do s d e u s e s d a c i d a d e e po r e l e s c o m ba te r . 57 4.1. Visão histórica da cidadania Os direitos da cidadania, embora interligados com os direitos humanos, não se podem confundir. Dalmo Dallari deixa claro esta diferenciação ao analisar com profundidade a problemática dos direitos humanos no mundo atual, afirmando que os direitos da cidadania dizem respeito aos direitos públicos subjetivos consagrados por um determinado ordenamento jurídico, concreto e específico. Por sua vez, os direitos humanos sintetizam uma expressão muito mais abrangente, a partir do momento em que se referem à própria pessoa humana, que, na expressão de Miguel R eale a entende como valor-fonte de todos os direitos sociais, significando que os direitos humanos em si (direito à vida, direito a não ser escravizado, direito a uma nacionalidade, direito a não ser submetido à tortura) se colocam no plano universal, global, numa perspectiva jusnaturalista e não somente numa perspectiva do direito positivo e tópico (Dalmo Dallari). Com efeito, podemos dizer que a cidadania é a fruição de todos os direitos fundamentais e sociais do indivíduo, neces sários para a expansão da personalidade humana. 57 Apud Coulanges, Fustel de. A Cidade Antiga. Livraria Clássica Editora.Lisboa. 10ª ed. 1.971. p.238/239 74 Rousseau, apontando para a dimensão educativa da polis grega, lugar onde se desenvolveu o ser político por excelência, reconhece que o homem não nasce cidadão, mas aprende a sê-lo. Nilda Teves Ferreira sintetiza a ed u c a ç ã o p ar a a c i d ad a ni a pa s s a po r a j u d a r o al un o a n ão t e r m e d o d o p o d er do E s t a do , a a p r en d er a e x i g i r d el e a s c on d iç õ es d e tro c a s liv re s e p rop ri e d ad e , e fi na l men te a n ão a mb i c i o na r o p od e r c o mo a fo r ma d e s u b o r di na r s e u s s e m e l h a n t e s . E s t a p od e s er a c i d a d an i a c r í t i c a q u e t a n to a l m e j a mo s . A q u e l e q ue e s q ue c e u s u a s u to pi a s , s u fo c o u s u as p ai x õe s e pe r d eu a c a p a c i d a d e d e s e i n di g n a r d i a n t e d e t o d a e q ua l qu e r i n j u s ti ç a s oc i a l n ã o é u m c i d a dã o , m a s t a mb é m n ã o é u m ma r g i n al . É ap e n as u m N AD A qu e a tu d o n ul i fi c a ” .58 Em obra da qual valiosas lições retiramos, Octavio Ianni escreve: o s E s tad o s es t ã o s en d o i n te r n ac i o n a l i z a d o s e m s u a s e s tru t u r a s i n t er n a s e f u nç õ e s . P o r t o d a a ma i o r pa r t e d e s t e s é c ul o , o p ap e l do s E s t a d o s e r a c o n c e bi do c o m o o de u m a pa r a to p r o te tor d a s e c o n o mi as na c i o n ai s , e m f a c e d as f o r ç as e x t er n a s p e r t ur b a d o r as , d e m od o a ga r a n t i r a de q u ad o s n ív ei s d e e m pre g o e be m- e s ta r n ac i on a i s . A p r i o ri d ad e d o E s t a do e r a o b e m - e s ta r . N a s ú l ti m a s d éc a d a s , a p r i o ri d a d e mo d i f i c ou - s e , n o s en ti d o d e a d a p t a r a s e c on o mi a s n a c i o na i s às e x i g ê n c i a s da e c o n o mi a mu n di a l . O E s t a do e s tá s e to rn a n d o u ma c o rre i a d e t r a ns mi s s ã o d a e c o n o mia m u n di a l à e c o n o mia n a c i on a l . 59 Nesse sentido, adverte Mário Lúcio Quintão Soares que, dada a desvirtualização que rapidamente transforma os Estados em membros de blocos econômicos, a noção de soberania, enquanto 58 Nilda Teves FERREIRA. Cidadania: uma questão para a educação. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1993, p.229. 59 Octavio IANNI. A sociedade global. 11.ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003,p.22-23 75 poder indivisível, inalienável e incontrastável, determinante para a consolidação da noção de Estado, constitui agora “um obstáculo a ser transposto”, cuja transposição “exige como pressuposto a consolidação do Estado Democrático de Direito e implicando a participação da delegação de sociedade civil competências nas para decisões pertinentes à instituição de órgãos internacionalização dos Estados supranacionais”.60 Esse fenômeno de total acarreta, entre outros efeitos, “alterações profundas nas idéias de soberania e cidadania vigentes no mundo ocidental, desde a Revolução Francesa”, na observação de José Augusto Lindgren Alves. Entende o autor que a aç ão dos agentes econômicos transestaduais e as novas tecnologias da comunicação inviabilizam o exercício da soberania pelos Estados e, nesse contexto, torna-s e hoje mais necessário do que nunca resgatar a cidadania, “ainda que modificada, para que a convivência humana não retorne aos modelos hobbesianos, ou seja, o “da lei da selva”, do homem como lobo do homem. Refere D almo Dallari; A c i d a d a n i a e x p r e s s a u m c on j u n t o d e d i r e i to s q u e d á à p es s o a a p os s i bi l i d a d e de p a r ti c i p a r a ti v a m e n t e d a v i d a e d o g ov e r n o d e s e u po v o . Q u e m n ã o te m c i d ad a ni a e s t á ma r g i n al i z a do o u e x c l u í do d a v i d a s o c i a l e d a t o ma d a d e d ec i s õe s , fic a n d o n u m a p o s i ç ã o d e i n f e ri o ri da d e d en tr o d o g rup o s oc i al . 61 60 Mário Lúcio Quintão SOARES. A metamorfose da soberania em face da mundialização, In: Flávia PIOVESAN.(coord.) Direitos Humanos, globalização econômica e integração regional: desafios do direito constitucional internacional. São Paulo:Max Limonad, 2002,p.564. 61 DALLARI, Dalmo. Direitos humanos e Cidadania. São Paulo. Moderna, 1998,p.14 76 Segundo o dicionário Aurélio, “cidadania é a qualidade ou estado do cidadão”. Entende-se por cidadão “o indivíduo no goz o dos direitos civis e políticos de um Estado, ou no desempenho de seus deveres para com este”. 62 Etimologicamente a palavra cidadão ou cidadã, tem origem na palavra civitas, que em latim significa cidade, e que tem s eu correlato grego na palavra politikos – como sendo aquele que habita na cidade. A palavra cidadania era usada na R oma antiga para indicar a situação política de uma pessoa e os direitos que essa pessoa tinha ou podia exercer. No sentido ateniense do termo, cidadania pode ser definida como o direito da pessoa de participar das decisões nos destinos da C idade através da Ekklesia (reunião dos chamados de dentro para fora) deliberar na Ágora sobre (praça decisões de pública, comum onde se agonizava para Dentro desta ac ordo). concepção surge a democracia grega, em que somente 10% da população determinava os destinos de toda a Cidade (eram 63 excluídos os escravos, mulheres e artesãos) . O conceito dos direitos humanos é antigo, mas tem sido desenvolvido ao longo da his tória. Os direitos intrínsecos dos seres humanos já haviam sido naturais ou anteriormente mencionados de forma explícita em textos religios os (como por exemplo os dez mandamentos, que reconhecem o direito a vida, a honra, etc), literários (como a peça de teatro Antigone de Sófocles), ou puramente filosóficos (como os da escola de pensadores de estoicistas). 62 63 - HOLANDA, Aurélio Buarque de. Dicionário da Língua Portuguesa. Ed. Positivo. 3 ed. São Paulo DALLARI, Dalmo. Direitos Humanos e Cidadania. São Paulo. Moderna, 1998 p. 14 77 Um evento marcante nessa evolução foi a Carta Magna inglesa, promulgada em 1215, considerada no mundo anglo-saxão como a base do conceito atual dos diretos do Homem. A primeir a declaraç ão dos direitos dos homens da época moderna é aquela do Estado da Virgínia (EUA), escrita por George Mason e adotada pela Convenç ão de Virgínia em 12 de junho de 1776. Ela foi extensamente copiada por Thomas Jefferson para a Declaração dos Direitos do H omem, contida na Declaração de Independência dos Estados Unidos da América (4 de julho de 1776), pelas outras colônias para redação dos direitos do Homem, e pela Assembléia Francesa para a D eclaração Dos Direitos do Homem e do Cidadão. A consolidação da cidadania foi um proces so longo, complexo e também repleto de tensões sociais. Instaura-se a partir dos processos de lutas que culminaram na famosa D eclaração dos Direitos Humanos, dos Estados Unidos da América do Norte, e também na Revolução Francesa. Esses eventos romperam o Princípio de Legitimidade 64 que vigia até então, baseado nos deveres dos súditos, e passaram a estruturá-lo a partir dos direitos fundamentais do cidadão. A partir desse momento então todos os tipos de luta foram travados para que se ampliasse o conceito e a prática de cidadania e o mundo ocidental o estendesse para mulheres, crianças, minorias nac ionais, étnicas, sexuais, etárias. Pode-se afirmar, então, que cidadania é a expressão concreta do exercício da democracia. 64 Princípio da Legitimidade: consistia na crença (ou imposição) de que o poder político total só poderia ser exercido por membros da nobreza. A Revolução Francesa quebrou este princípio, baseada nos ideais iluministas, sendo que anos depois, no Congresso de Viena, retornaram provisoriamente ao poder os antigos monarcas absolutistas depostos pelos revolucionários franceses. 78 A Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão foi redigida no dia 26 de agosto de 1789, sintetizando em apenas dezessete artigos e um preâmbulo todos os ideais libertários e liberais da primeira fase da Revolução Francesa. Pela primeira vez são proclamados as liberdades e os direitos fundamentais do Homem (ou do homem moderno, o homem s egundo a burguesia) de forma ecumênica, visando abarcar toda a humanidade. Reformulada em 1793, serviu de inspiração para as Constituições francesas de 1848 (Segunda República Franc esa) e para a atual. Também foi a base da Declaração Universal dos Direitos Humanos promulgada pela ONU. Segue abaixo o documento, na íntegra, cujos princípios básicos eram a liberdade e igualdade perante a Lei, defesa inalienável à propriedade privada e o direito de resistência à opressão. A Declaração dos Direitos Humanos e do Cidadão possuía a iconografia familiar à dos Dez Mandamentos. 79 Jaime Pinsky et al referem que N o B r as i l , a i n d a pr e d o m i n a um a a n tig a v i s ã o r ed u c i o ni s ta d a c i d a d a n i a . D i r e i t o s e de v e r es c o m o v o ta r e pa g ar o s i m p o s to s s ã o o br i g a tó r i o s , n ão v i s to s c o m o u m a to c ív i c o . E x i s t e m , a s s i m , mu i t a s ba r r ei ras c u l t u r ai s e h i s t ó r i c a s p a r a a v i v ê n c i a d a c i d a da n i a . O s d i r e i t o s q ue p o s s u í mo s f o r a m c o nq u i s ta d os – e n ã o c o n c e d i d o s , c o mo u m f a v o r d e q u e m es tá “ e m cima” pa r a que m está “e mba ixo”. Des ta fo rm a, a c i d a da n i a n ão n os é d ad a , e l a é c o n s t r u í d a e c o n q ui s tad a a p ar ti r d a c ap a c i d a de d e o r ga n i z a ç ão , p a r ti c i pa ç ã o e i n te r v en ç ã o s oc i a l . Cidadania consiste, a nos so ver, em respeitar a diversidade racial, cultural, etária, estética, religiosa e social. Ser cidadão é ter direito à vida, à liberdade, à propriedade, à igualdade perante a lei: é, em resumo, ter direitos civis. É também participar no destino da sociedade, votar, ser votado, ter direitos políticos. Os direitos civis e políticos não asseguram a democracia sem os direitos sociais , aqueles que garantem a participação do indivíduo na riqueza coletiva: o direito à educação, ao trabalho, ao salário justo, à saúde, a uma velhice tranqüila. Exercer a cidadania plena é ter direitos civis, políticos e sociais. Contudo, sonhar com cidadania plena em uma sociedade pobre, em que o acesso aos bens e serviços é restrito, seria utópico. 80 4.2. Exercício da cidadania: novas possibilidades Entendemos que, do poder de o Estado implementar políticas públicas que assegurem a todos o exercício de seus direitos políticos, depende a promoção da cidadania. A realidade atual nos mostra a face mais desfavorável do neoliberalismo, a cuja expansão c oincidiu a redemocratização do Brasil; a uma, presente na crescente miséria que atinge cada vez mais pessoas e segmentos sociais; a duas, num volume de riqueza cada vez mais concentrado numa fração menor da sociedade. Face à conjuntura mundial pós-socialista, são cada vez maiores as críticas ao Estado do bem-estar social. O Estado brasileiro, de acordo com a Constituição Federal de 88, deve oferecer a todos os seus cidadãos: saúde, transporte, seguranç a, previdência e educação, dentre outros benefícios. Atualmente, a crescente conscientização cidadã dos indivíduos deu origem a um sentimento de cidadania global, fazendo destes, cidadãos do mundo. Hannah Arendt ensina que cidadania é o “direito a ter direitos” como é, qualidade também, direito-dever, desenvolvidas vez que gradativamente tem na sua extensão conformidade e da participação do cidadão na comunidade interna e internacional. Entendemos, todavia, que um grande e valioso instrumento na luta pela conquista da cidadania é a alfabetização, no seu mais amplo sentido, qual seja, a alfabetização c om objeto de reflexão, pesquisa e ensino. 81 Por meio desta, o indivíduo é dotado de maiores condições para uma participação econômica, política e social mais plena. Nessa ideologia podemos inserir o nosso país . A alfabetização, no sentido de ultrapassar, de muito, a mera aquis ição da técnica de saber ler e escrever, é fundamental para que o indivíduo obtenha o ‘status’ de cidadão, na medida em que exerça seus direitos civis, sociais e políticos, tendo acesso a bens culturais que são, em última instância, um capital indispensável na luta pela conquista desses direitos, pela participação no poder e pela transformação social. 82 CAPÍTULO 5. A EDUCAÇÃO PARA A CIDADANIA Paul Monroe, a respeito da Educação para a cidadania, ensina que “a concepção da educação, comum a todos os grandes estadistas e líderes públicos, é que a educação é, principalmente, uma preparação para a cidadania”. 65.... Refere o autor N a o p i n i ã o an ti g a , a f un ç ã o d a ed u c aç ã o er a de s e nv o l v e r a h ab i l i d a de , me l h o r ar o s h áb i to s , f o r ma r o c a r á t er d o i n d i v íd u o , de f o r ma q u e p u d es s e p r o s pe r a r na s a ti v i da d e s d e s u a v i da e c o n f or ma r - s e a c e r to s p a dr õ e s s o c i a i s d e c o nd u ta . A i d é i a a c en tu a d a n a c on c e pç ã o d e c i d ad a n i a é a q ue o be m- e s ta r i n d i v i d ua l e s o ci a l , a f el i c i d a d e e a r e ti d ã o d ep e n de m , ma i s l a r g a m e n te d o q u e n un c a , d a s re l a ç õ e s e x i s te n tes e n t r e p e s s oa s e c l a s s es na v i d a i n s ti tu c i o n al . D e f o r ma q u e a ed u c aç ã o te m u ma n ov a mi s s ão , a d e e s c l a r ec e r o s pri nc íp i o s b á s i c os de s ta a fi n i d ad e e de d a r i n fo r m a ç ã o a r e s p ei to d as mu i t o c o mp l e x a s r el aç õ e s d a s o c i e da d e e d ar u m n ov o fi m de te r mi n a do p el a a ç ã o s o c i a l . O no v o t r a b a l h o e x i g e u ma r e c on s t r u ç ã o d o tr ab a l h o e s c ol ar , c o m m ai or d e s t a q u e da s ma t é r i a s hi s t ó ri c as , e c on ô mi c a s e l i t e r á ri a s . O n o v o o b j e ti v o e x i g e u ma a ten ç ã o ma i o r à f o r m aç ã o d o c a r á te r , a o s há b i to s s o c i a i s e a o s mo t i vo s p a t ri ó t i c o s e a l tr u ís ti c o s . O p r i m ei r o d á u m n o v o r e l e v o à p ar te d e i n s t r u ç ã o n a e d u c aç ã o ; o s e g u n d o , a o fi m mo r a l . A e du c a ç ã o t o r n a - s e a s s i m , e mb or a i n d i r e t am en te , a fo rç a mo d ific a do ra da s i ns ti tui ç õ es s o c ia is , re a l i z an d o u m me l h o r aj us t a m en to do s i n d i v íd u o s . 66 A “educação para a cidadania” proposta pelos PCN tem em vista desenvolver entre crianças e jovens – a partir dos Temas Transversais – valores gerais de solidariedade, compaixão, tolerância, preparando-as para participar no futuro, dentro ou fora do local de trabalho, de ações voltadas, em última instância, aos 65 66 Monroe, Paul. História da Educação.Cia. Ed. Nacional-11ª ed.São Paulo-1976. p.p.341-342 idem, p. 342 83 excluídos ou àqueles que não dispõem de uma condição de vi da minimamente digna, mas também às questões voltadas à saúde e à preservação ambiental, bem como aquelas ligadas à aceitação das diferenças – religiosas, culturais, de opção s exual, etc. O problema é que essa “nova cidadania” vem carregada de um forte apelo, em detrimento de uma visão mais abrangente dos fatores sociais que causam a exclusão, bem como o preconceito, as epidemias e a devastação do meio ambiente, e das possibilidades efetivas de solução desses problemas no mundo capitalis ta globalizado do século XXI. 84 5.1. A educação no contexto da globalização neoliberal José Eustáquio Romão, traçando um paralelo entre globalização e Estado, pondera: A gra n de q u es tã o s o b r e a g l o ba l i z aç ã o é p o r qu e o E s ta d o l i be r a l d o s m ea d os d o s éc u l o X IX t o r no u - s e o E s ta d o d e b e m - es ta r n os m e a d o s do s é c u l o X X , m as , a o fi n a l d e s t e me s mo s éc u l o , t e v e d e s e tr a n s fo r m a r n o E s t a d o n eo l i b era l . O u s e j a , p o r q ue o E s ta d o na c i on a l m o d e r n o , q ue p r o mo v i a o s i n te r e s s es d o c a pi t a l pe l o l a i s s e z - fa i r e , mu d ou s u a p e r f or m a n c e p a r a fo r ta l e c e r a d i s c i p l i na d o me r c a d o , ap a r en te me n t e r ev e l an d o p r eo c u pa ç õ es s o c i a i s _ e m b or a s e m p r e tr a b al ha n do , p r i o r i t a r i a m e n t e , d e a c ord o c o m o s i n te r es s e s d o c a p i t a l _ p ar a , fi na l m en t e , te r mi n a r r e v el a n d o s ua v e r d ad e i r a fa c e , q u e te m c o m pr o mi s s o c o m a d es i gu a l d a d e e c o m a te n dê n c i a e s t r u tu ra l a o autoritarismo? É c l ar o q u e o pa p el de c ad a E s ta d o e r a ( e c on ti n u a s e nd o ) d e te r mi na d o pe l a s l u t as e n tr e a s f o rç a s s o c i a i s , l o c a l i z ad a s n o i n te r i o r d e c ad a f o r m aç ã o s oc i al . D ep o i s d o s a no s 9 0 , t o r n o u - s e i m po s s ív e l c u m p r i r a q ue l e pa p el s e m p r es t a r a t e n ç ã o à pro d u ç ã o e à s f i n an ç a s i n t er n a c i o na i s , e x a t a m e n t e po r qu e , n e m o E s t a d o n a c i o na l p o de ma n te r o u d es e n v o l v er a c a p a c i d a d e p ar a r es i s ti r à s p r e s s õe s d o c a pi ta l ‘ g l o b al i z a d o ’ , ne m fo i p o s s í v el c o n s tr ui r um c o ns e n s o i nt e r n ac i on a l s o bre a c o n s tr uç ã o de u m a r e gu l a ç ã o t ra n s n a c i o n a l d os m e r c a d o s c a p i ta l i s t as . E s t e v e r da d ei r o ‘ ts u n a m i ec o n ômi c o ’ n ã o p o d e t e r s u a s g i g a n t e s c a s fo r ç a s , q ue s e a ba te m s o bre o t e c i d o s o c i a l , c o n t r o l a d as . E m s u m a , a f ac a e o q u ei j o d o c a p i ta l i n te r na c i o n a l é a fr ag i l i d a de do E s t ad o n a c i o na l e o v á c u o d e u m E s t a d o tra n s n ac i on a l , ou a l g o p ar e c i d o c o m i s to , a s e r c o n s tr u ído ” . 67 67 in ROMÃO, José Eustáquio. Globalização e educação. Revista Educação & Linguagem. UMESPUniversidade Metodista de São Paulo . Faculdade de Educação e Letras-Pós-graduação. N.13, p.p. 50 e 51. 85 Boaventura de Souza Santos p r op õ e a d i s ti nç ã o e n t re gl ob a l i za ç ã o d e a l t a d e ns i da d e p ar a o s pro c e s s os r áp i d o s , i n t en s o s e r e l a tiv a m e n te mo n oc a u s ai s d e g lo b al i z a ç ã o , e g l o ba l i z aç ã o d e b ai x a i n te n s i d ad e , p a ra o s p r o c es s o s m ai s l e n to s e d i fu s os e ma is a mb í g u os n a s u a c a u s al i d ad e . 68 Para o próprio Boaventura de Souza Santos, por um lado, a globalização de baixa intensidade ocorre no universo das trocas em que as desigualdades não são tão grandes ou, em outras palavras , em que as diferenças de poder entre os países não são tão marcantes, restando um largo espaço para as iniciativas do Estado nacional. Por outro lado, globalização de alta intensidade tende a predominar em situações em que as trocas são muito mais desiguais e as diferenças de poder são grandes, sobrando pouco espaço para a ação desses Estados. Para ele, a economia e a política situar-se-iam no universo da globalização de alta intensidade, enquanto a educação situar-se-ia entre as atividades humanas de baixa intensidade de globalização, permanecendo um campo mais vasto para as reformas, formulação de polític as e implementação de ações nac ionais. Entretanto, mesmo reconhecendo que esta classificaç ão é uma poderosa e útil idéia, a especificidade da reforma educacional brasileira, aduz o autor, conduz-nos a pensar sobre a globalização hegemônica como sendo a do tipo de alta intensidade.” 69 68 69 Idem, p. 51 Op. citada, p.p. 55 e 56 86 Em geral, pode-se compreender o processo de globalização como um fenômeno que surgiu com a Nova Ordem Mundial, após a queda da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, em 1991. Consiste num dos processos de integração econômica, social, cultural e espacial, maior acessibilidade e barateamento dos meios de transporte e comunicação entre países um “encurtamento de distâncias”. É um fenômeno observado naquela necessidade de formar uma Aldeia Global que possa permitir maiores ganhos para os mercados internos que já estavam saturados. As principais características da G lobalização são a homogeneização dos centros urbanos, bem como a expansão das corporaç ões para aquelas regiões fora de seus núcleos geopolíticos, a revolução tecnológica nas comunicações e na eletrônica, a reorganiz ação geopolítica do mundo em blocos comerciais regionais (não mais ideológicos), a hibridização entre culturas populares locais e aquela cultura de massa supostamente era "universal", entre outros. Já, o Neoliberalismo consiste numa nova aplicação do Liberalis mo Clássico, que passou a vigorar a partir dos anos 70. Sua base filosófica e econõmica foi proposta por Friedrich von Hayek e Ludwig von Mises. Tal corrente de pensamento político defende a instituição de um sistema de governo em que o indivíduo tenha mais importância do que o Estado (minarquia), sob a argumentação de que quanto menor a participação do Estado na economia, maior é o 87 poder dos indivíduos e mais rapidamente a sociedade pode se desenvolver e progredir, para o bem dos cidadãos. Acredita-se que a economia possui suas próprias leis e deve ser conduzida por elas, livremente, sem se submeter à regulação do Estado. 88 5.2. A educação pública: redução da responsabilidade social do Estado A Constituição Federal de 1988, em seus artigos 193 a 224 definiu as funções governamentais, que têm como fundamento a promoção do bem estar comum 70, a melhoria do padrão de vida da população e a busca das liberdades fundamentais. São estas funções consideradas de responsabilidade indiscutível do governo. A conduta ética na aplicação da lei exige que esta conduta seja constituída por valores e obrigações que formam o conteúdo das condutas morais que se constituem em virtudes, e deve prevalec er sobre todas as outras. Assim, a conduta ética para a aplicação da lei, pres supõe a existência do estado de direito e o respeito que por ele se origina; situação onde direitos, liberdades, obrigações e deveres estão incorporados na lei para todos, em plena igualdade, e com a garantia de que as pessoas serão tratadas eqüitativamente, em circunstâncias similares. 70 “Bem Comum nada mais é do que o próprio bem particular de cada indivíduo, enquanto este é parte de um todo ou de uma comunidade: "O bem comum é o fim das pessoas singulares que existem na comunidade, como o fim do todo é o fim de qualquer de suas partes". Ou seja, o bem da comunidade é o bem do próprio indivíduo que a compõe. O indivíduo deseja o bem da comunidade, na medida em que ele representa o seu próprio bem. Assim, o bem dos demais não é alheio ao bem próprio. O bem particular buscado por cada um dos membros da comunidade é, em última análise, a própria felicidade, que só se alcança com o perfeito aquietamento do apetite, ou seja, quando nada resta a desejar. O objeto formal de nossa vontade é o bem, sem limitações, e não este ou aquele bem. Daí que apenas um bem que seja universal é capaz de saciá-la plenamente. Um bem é tanto mais bem quanto é bem para mais pessoas.” Ives Grandra da Silva Martins Filho. O princípio ético do bem comum e a concepção jurídica do interesse público. in Instituto Brasileiro de Direito Público. 89 A necessidade de se aplicar a lei, no sentido de assegurar o respeito pelas normas jurídicas e de estipular as conseqüências dos delitos, é provavelmente tão antiga quanto a própria lei. No ensinamento de Carlos Maximiliano 71, a aplicação da lei consiste em enquadrar um caso concreto numa norma jurídic a adequada. Submete àquelas prescrições da lei uma relação da vida real; procura e indica o dispositivo adaptável a um fato determinado e específico. Por outras palavras, tem por objeto descobrir o modo e os meios de amparar juridicamente um interesse humano. Podemos inferir que a responsabilidade do indivíduo é o fundamento da responsabilidade do Estado. Porém, como nos ensina a história, também o contrário é verdadeiro. Neste aspecto, vale relembrar a filosofia hegeliana que construiu uma nova justificação racional para o Estado. Hegel atribui ao Estado as características da própria razão, ao considerá-lo “a realidade em ato da idéia ética”, o “racional em si para si” A atuação pública deve sempre estar motivada no interesse da coletividade. Na prática da democracia política, a gestão e administração do Estado nasce da votação, pelos cidadãos, das pessoas que terão a responsabilidade do Governo, tanto no âmbito executivo como no legislativo. O Presidente da República, como representante máximo do executivo, por sua vez, designa e delega para outros, parcelas da responsabilidade do governo, em conformidade com as normas constitucionais, ou seja, escolhe os Ministros, Diretores de Instituições, etc. 71 Carlos Maximiliano, Hermenêutica e aplicação do direito, p. 11. 90 Um bom governo deve reconhecer antes de tudo a primazia do Estado de Direito e estar atento, principalmente, ao fato de que a autoridade governamental seja exercida em harmonia com as leis aprovadas pelo parlamento legitimamente eleito, que o sistema jurídico seja independente, que o governo e a administração respeitem o Estado de Direito, marco da Constituição e que o sistema jurídico exerça seu direito de questionar e sancionar os atos da administração. É dever dos governantes a busca de relações harmônicas entre seus governados e, o reconhecimento de que a política é criação e responsabilidade governo a dos homens manutenção e e para os permanente homens, cabendo construção da ao ordem democrática. Como instituição sócio-jurídica, a finalidade do Estado é promover a concretização dos ideais de paz , de segurança e de prosperidade. Reside aí, na finalidade do Estado, a responsabilidade ética do mesmo. O descumprimento dessa responsabilidade gera o dano para seus nacionais e, neste caso, torna-se pas sível de reparação na esfera civil. Esses danos poderão ser provenientes de, por exemplo, medidas judiciais legítimas, mas que causem dano às partes de um processo ou a terceiros, responsabilizando-s e assim ao Estado, com base no princípio constitucional da igualdade, frente aos cargos públicos, e a defesa dos direitos e garantias fundamentais, que são princípios consagrados pela Constituição. 91 Para Hegel 72 o Estado é o elemento primordial da formação dos direitos; é a racionalidade da substância moral objetivada em leis, em organizações jurídicas, pois o Estado, sem ordem jurídic a, não existe na filosofia hegeliana, porque ela é o indício da evolução racional do povo e de seus costumes. O Estado como aparelhamento ético é a compatibilização entre ordem e liberdade, não podendo o indivíduo ser marginalizado pela irracionalidade à mercê da anarquia total. Deve, portanto, o Estado, promover a mediação, não podendo ser governado como uma forma de privilégio, de prevalecimento pessoal, de realização da própria vontade, exercendo arbitrariamente o poder. Enfim, deve o Estado governar o todo pelo todo instrumentalizado, pela boa aplicação da justiça por meio do Direito, pois é respeitando os governados que se fará cumprir o ideal do Direito, conectado ao ideal do Estado. As políticas públicas para a educação básica no Brasil atual – especialmente as relativas ao estabelecimento de parâmetros curriculares nacionais _ devem contruibuir para a edificação de uma proposta educacional voltada à liberdade de conhecimento. No caso dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN), a comunidade escolar tem a opção de aderir ou não a eles, mas será avaliada pelo MEC a cada etapa de seu trabalho. O Estado, preestabelecendo 72 um corpo de conhecimentos e uma forma In PINSKY, Jaime et al. História da Cidadania. Contexto. 2.ed. São Paulo, 2003 92 específica de analisá-los – através dos PCN – e avaliando as escolas públicas a partir desses mesmos conteúdos – via SAEB, ENEM, Provão –, “deixa livre” as redes estaduais e municipais de ensino e as unidades escolares para “gerenciarem” e “operacionalizarem” o novo currículo (im)posto. Ainda que os apologistas das competências afirmem que o que se propõe é apenas um novo método de trabalho dos conteúdos escolares básicos em substituição ao seu antigo tratamento tradicional descontextualizado e estanque dado pelas disciplinas escolares, a mudança de foco do saber acumulado para o saber vivido do aluno, pode pôr em risco a liberdade de conhecimento, se essa bagagem prévia de conhecimentos trazida pelas crianças e jovens para a escola não for trabalhada arduamente para se chegar ao conhecimento científico e aos embates mais amplos que o caracterizam. Nos PCN, ao contrário, o conhecimento sistematizado aparece como desvinculado da história, “desideologizado”, assim como as competências a serem trabalhadas para a vida profissional e cidadã. Os jovens devem sair da escola básica (o que, a partir da Lei de Diretrizes e Bases de 1996, significa ensino fundamental e médio) com a certeza de que só terão bom desempenho profissional e pessoal se continuarem aprendendo ao longo da vida. 93 Essa verdade se torna cruel, no entanto, quando analisamos o quadro de desemprego estrutural que assola o mundo e em especial os países capitalistas periféricos. Diante dele, os indivíduos passam a ser responsabilizados pela sua capacidade pessoal ou não de competir e garantir os recursos para sua sobrevivência e, ao mesmo tempo, de contribuir para a diminuição dos contrastes sociais existentes. Nos PCN-Parâmetros Curriculares Nacionais- a ênfase está no manuseio das novas tecnologias e na preparação subjetiva dos educandos para lidar com as instabilidades características do atual mercado de trabalho e com as novas formas de participação política que marcam nossos dias. Os valores ligados à “nova cidadania” difundidos pelos PCN se assemelham à vis ão do Banco Mundial, como podemos visualizar neste trecho do relatório do seminário “Novas parcerias em políticas de combate à pobreza”, realizado em Belo Horizonte, em 1997, por esse banco, com o apoio do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico Social (BNDES) e do governo estadual de Minas Gerais. No que tange às escolas públicas brasileiras, esses “novos atores da sociedade civil” são principalmente empresas que, através de fundações, institutos e demais ONGs, vêm buscando realizar atividades voltadas à responsabilidade social direta ou indiretamente vinculadas à educação. 94 Um exemplo disto é o manual “O que as empresas podem fazer pela educação” 73, composto atualmente por 808 empres as, das quais quase 40% são de grande porte. Neste manual, a produção de materiais didáticos é um dos focos de ação sugeridos a empresas que desejam colaborar com a escola pública no país. Nessa mesma direção, o Projeto Cuidar do Instituto Souz a Cruz e o Programa de Educação Afetivo-Sexual da C ompanhia Siderúrgica Belgo-Mineira assumem a tarefa de implementação dos temas transversais nas escolas da rede pública, fornecendo gratuitamente materiais didáticos próprios ancorados nos princ ípios gerais delimitados nos PCN. Os PCN se configuram num instrumento de controle por parte do Estado do que se deve ensinar e aprender nas escolas públicas de todo o país, de acordo com os princípios gerais definidos pelos organismos capitalistas internacionais – tanto no que se refere à adaptação de tecnologia pelos países de capitalismo periférico quanto com relação ao modelo de cidadania “colaboradora”, que não questione os fundamentos da nossa sociedade –, bem como numa importante via de acesso do setor empresarial nacional às políticas públicas educacionais, favorecendo a possibilidade de intervenção direta das empresas privadas no currículo, na seleção de materiais e na gestão dos recursos das escolas públicas brasileiras. 73 Instituto Ethos de Empresas e Responsabilidade Social. p.p. 52-53 95 A liberdade de conhecimento não é garantida nesse modelo de educação, e talvez por isso professores sintam tanta dificuldade em convencer seus alunos de que “o conhecimento liberta”. 74 74 op. cit. p. 57 96 5.3. A construção da cidadania: da outorga para a conquista Não se pode falar em construção da cidadania sem falar em educação, pois a vinculação entre alfabetização e cidadania faz parte do senso comum: a concepção de que só quem é alfabetizado é capaz de agir politicamente, de participar, de ser livre, responsável, consciente - de ser homem histórico e político, de ser cidadão, faz parte do senso comum. A excessiva ênfase que se coloca no analfabetismo, como sendo a causa da exc lusão da cidadania, e a cidadania, com a correspondente ênfase na alfabetização, como sendo fator essencial para evitá-la, ocultam as causas mais profundas dessa exclusão, que estão centradas nas condições materiais de existênc ia a que são submetidos os “exc luídos”, nas estruturas privatizantes do poder, nos mecanismos de alienação e de opressão, fatores que, juntos, resultam na outorga diferenciada de direitos sociais, civis e políticos às diversas classes e categorias sociais. Na verdade, a exclusão do agir e do participar politicamente, longe de ser produto de uma “ignorância” causada pelo analfabetismo, é produto das iniqüidades sociais que, elas sim, impõem estreitos limites ao exerc ício dos direitos sociais, civis e políticos que constituem a cidadania. Basta que se considere a co-ocorrência de indicadores de exclusão: altas taxas de analfabetismo e outros indicadores educacionais (taxas de repetência, de evasão, de não acesso à escola, etc.), que ocorrem ao lado de baixas faixas salariais , maiores índices de subnutrição, de imoralidade, de menor expectativa de vida, etc. 97 Ao se pensar em alfabetização e cidadania, é preciso fugir a uma interpretação linear desses dois termos, atribuindo-lhes uma relação de causa-consequência, em que a exclusão da cidadania seja tomada como conseqüência do analfabetismo; as relações entre analfabetização e cidadania – pois elas existem – devem ser entendidas no conjunto mais amplo dos determinantes sociais, políticos e econômicos, que inviabilizam o exercício da cidadania por enorme parcela da população brasileira. A conquista do direito de voto pelo analfabeto, de um lado, comprova, pelas acirradas polêmicas que suscitou, a arraiga da resistência a rec onhecer, no analfabeto, um cidadão (lembramos que os analfabetos constituem o grupo de excluídos que mais tardou a obter o direito de voto), e, de outro lado, testemunha o cidadão, fazendo-se pela prática da reivindicação política, ainda que analfabeto. Portanto, ao se pensar em analfabetização e cidadania é preciso, aqui também, e de novo, fugir a uma interpretação linear desses dois consequência, termos, em que atribuindo-lhes a construção uma da relação cidadania seja causavista independente da alfabetização; esta deve ser entendida como um componente, entre muitos outros, da conquista, pela populaç ão, de seus direitos sociais, civis e políticos . 98 As sociedades que chegaram a garantir atributos e conquistas avançadas à população, passaram por transformações profundas e radicais. Onde há instituições cristalizadas em benefício apenas de setores minoritários dominantes, onde o Estado é o parceiro preferencial da acumulação, da exploração e da exclusão, mais necessário se torna organizar-se e mobilizar-se para a conquista da cidadania. 99 CONCLUSÕES 1. Há uma crescente conscientização da sociedade a respeito dos direitos que lhe são assegurados constitucionalmente, como também existe hoje a certeza do direito do cidadão, em exigir do ente estatal, o cumprimento de suas atribuições públicas, no exato desempenho das obrigações que lhe são inerentes, consubstanciadas em ações concretas. 2. A esses preceitos constitucionais, consagradores de direitos, liberdades e garantias, se atribui uma força vinculante, porquanto pressupõem um regime jurídico-constitucional especial, que os caracteriza materialmente. 3. O predomínio do neoliberalismo durante as décadas de 80 e 90 não conseguiu eliminar os direitos sociais, mas também impediu que outros fossem obtidos. 4. Os direitos sociais não podem divorciar-se das várias dimensões reconhecidas pela constituição, ao catálogo dos direitos fundamentais dos indivíduos. 5. O sentido global que resulta da combinação das dimensões objetiva e subjetiva dos direitos fundamentais, é de que o cidadão, em princípio, tem assegurada uma posição jurídica subjetiva, cuja violação lhe permite exigir a proteção jurídica. 6. O princípio da proteção jurídica fundamenta um alargamento da 100 dimensão subjetiva e, ao mesmo tempo, alicerça um verdadeiro direito ou pretensão de defesa das posições jurídicas ilegalmente lesadas, que se refere, precisamente, à defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos. 7. Muitos direitos impõem um dever ao Estado, aos poderes públicos. Os direitos sociais, dentre eles o direito à educação, é qualificado como um direito a prestação, o que significa, em sentido estrito, o direito do particular a obter algo através do Estado. 8. Os particulares podem derivar diretamente das normas constitucionais pretensões prestacionais por parte do Estado, traduzidas no direito de exigir. Podem exigir, também, uma atuação legislativa concretizadora das normas constitucionais sociais, sob pena de omissão inconstitucional por parte do ente estatal. 9. Também estão aptos a exigir e obter a participação igual nas prestações criadas pelo legislador, como por exemplo, prestações médicas e hospitalares, ou mesmo prestações educacionais existentes. 10. Se o particular tiver meios suficientes e houver resposta satisfatória do mercado à procura destes bens sociais, ele pode obter a satisfação de suas pretensões prestacionais através da iniciativa privada. 11. Caso o particular não disponha dos meios suficientes para tal, como é o caso da imensa maioria dos brasileiros, o Estado, que tem o dever da prestação ao atendimento das necessidades dos cidadãos em tais áreas, deve atender a estes ou responder por sua omissão. 101 12. É líquido que as normas consagradoras de direitos sociais, econômicos e culturais, insculpidas na Constituição Federal de 88, individualizam e impõem políticas públicas socialmente ativas, sendo certo que, neste ponto, reside a responsabilidade educacional do Estado. 13. Por excelência, a destinação maior da instituição Estado, é propiciar a construção de uma sociedade mais justa, cujo conjunto do povo possa constituir uma identidade política, que lute contra as discriminações e o desrespeito aos direitos dos cidadãos. 14. O pleno exercício desses direitos resulta na cidadania, que deve ser entendida no conjunto mais amplo dos determinantes sociais, políticos e econômicos, de forma que estes não inviabilizem o exercício desta cidadania, a grande parte da população. 15. A conquista da cidadania se fará, fundamentalmente, através da prática política e social, na luta dos indivíduos por seus direitos civis, políticos e sociais. 16. O Brasil é um país endividado com sua população, em razão do descumprimento das obrigações constitucionais assumidas perante seus nacionais, no que tange ao atendimento dos direitos mais comezinhos de seus cidadãos, designados como direitos sociais e qualificados como garantias fundamentais do ser humano. 17. Falta aos cidadãos o cumprimento das garantias constitucionais por parte do Estado, mormente aquelas insculpidas no artigo 6º da Lei maior, dentre as quais destacamos a sua obrigação no desempenho da prestação educacional, 102 pedra fundamental para a edificação do caráter e da própria condição de vida dos indivíduos, visualizadas em uma realidade concreta. 18. A educação poderá formar cidadãos com juízos ou condutas errôneas por ignorância, omissão ou livre arbítrio, porém, sob esses aspectos, não isentos da responsabilidade. 19. No devido cumprimento das obrigações constitucionalmente garantidas, reside a responsabilidade do Estado, aí inclusa a responsabilidade educacional. 103 BIBLIOGRAFIA ARISTÓTELES. Ética a Nicômacos. UnB. Brasília. 4.ed. 2001.tradução Mário da Gama Kury. _____________. Política. Tradução, introdução e notas de Mário da Gama Kury. 3. ed. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1997. BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Constitucional. São Paulo. Saraiva 19 ed. 1998. ____________. Hermenêutica e Interpretação Constitucional . Celso Bastos Editor - São Paulo 2002. BOBBIO, Norberto. A Era dos Direitos.: Rio de Janeiro. Campus, 17 ed 1992.. CANOTILHO, J.J.Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. 7 ed. 2ª reimpressão. Almedina.Portugal, 2003. COULANGES, Fustel de. A Cidade Antiga. Livraria Clássica Editora.Lisboa. 10 ed. 1971. DALLARI, Dalmo de Abreu. Direitos Humanos e Cidadania. São Paulo. Moderna, 1998. FAURE, Edgar et alii. Aprender a ser: la educación del futuro. 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Elementos de Direito Constitucional. 10 ed. São Paulo: Malheiros, 1994. 107 ANEXO DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS DO HOMEM E DO CIDADÃO A Assembléia Nacional reconhece e declara em pres ença e sob os auspícios do Ser Supremo, os direitos seguintes do homem e do cidadão: I - Os homens nascem e permanecem livres e iguais perante a lei; as distinções sociais não podem ser fundadas senão sobre a utilidade comum. II - O fim de toda associação política é a conservação dos direitos naturais e impres critíveis do homem; esses direitos são: a liberdade, a propriedade, a segurança e a resistência à opressão. III - O Princípio fundamental de toda autonomia reside essencialmente na nação; nenhuma autoridade corporação, que ela nenhum não indivíduo emane pode exercer expressamente. IV - A liberdade consiste em fazer tudo que não perturbe a outrem. Assim, os exercícios dos direitos naturais de cada homem não tem limites senão os que asseguram aos outros membros da sociedade o desfrute desse mesmo direito; esses limites não podem 108 ser determinados V – senão por lei. A lei só tem o direito de proibir as ações que prejudiquem a sociedade. Tudo quanto não for impedido por lei não pode ser proibido e ninguém é obrigado a fazer o que a lei não ordena. VI - A lei é a expressão de vontade geral; todos os cidadãos têm o direito de concorrer pessoalmente ou pelos seus representantes para a sua formação; deve ser a mesma para todos, seja os protegendo, seja ela os punindo. Todos os cidadãos sendo iguais aos seus olhos, são igualmente admissíveis a todas as dignidades, lugares e empregos públicos, segundo as respectivas capacidades e sem outras distinções que não sejam as das suas virtudes e as dos seus talentos . VII - Ninguém pode ser acusado, preso, nem detido, senão nos casos determinados pela lei, e segundo as formas por ela prescritas. Os que solic itam, expedem, ou fazem executar, ordens arbitrárias devem ser punidos; mas todo cidadão chamado em virtude da lei deve obedecer incontinenti; ele torna-se culpado em caso de resistência. VIII - A lei só deve estabelecer as penas estritas e evidentemente necessárias e ninguém pode ser punido senão em virtude de uma lei estabelecida e promulgada anteriormente ao delito e legalmente aplicada. IX - Todo homem é presumido inocente, até que tenha sido declarado culpado e se for indispensável será preso, mas todo rigor que não for necessário contra sua pessoa deve ser severamente reprimido pela lei. X - Ninguém deve ser inquietado pelas suas opiniões, mesmo religiosas, 109 desde que as suas manifestações não prejudiquem a ordem pública estabelecida pela lei. XI - A livre comunicação das opiniões e dos pensamentos é um dos direitos mais preciosos do homem; todo o cidadão pode então falar, escrever, imprimir livremente; devendo responder pelos abusos desta liberdade em casos determinados pela lei. XII - A garantia dos direitos do homem e do cidadão necessita uma forç a pública; essa força é então instituída para vantagem de todos e não pela utilidade XIII - Para particular manutenção aos da quais força pública é e para confiada. os gastos de administração, uma contribuição comum é indispensável; ela deve ser igualmente repartida entre todos os cidadãos na razão das suas faculdades. XIV - Os cidadãos tem o direito de constatar por si mesmo ou pelos seus representantes, a necessidade da c ontribuição pública, de a consentir livremente, de seguir o seu emprego, de determinar a quantidade e a duração. XV - A sociedade tem o direito de pedir contas a todo agente público de sua administração. XVI - Toda sociedade na qual a garantia dos direitos não é assegurada, nem a separação dos poderes determinada, não tem constituiç ão. XVII - A propriedade, sendo um direito inviolável e sagrado, ninguém dela pode ser privado se não for por necessidade pública, legalment e constatada, sob a condição de uma justa e prévia indenização. 110 111