Modelos de Direito
Privado
Judith Martins-Costa
André Rodrigues Corrêa
Denise de Oliveira Cezar
Eduardo Silva da Silva
Gerson Luiz Carlos Branco
Gustavo Haical
Laura Beck Varela
Laura Coradini Frantz
Karime Costalunga
Luis Felipe Spinelli
Márcia Santana Fernandes
Maria Cláudia Mércio Cachapuz
Mariana Pargendler
Paulo de Tarso Vieira Sanseverino
Priscila David Sansone Tutikian
Rafael Peteffi da Silva
Monografias Jurídicas
Judith Martins-Costa
MODELOS DE DIREITO PRIVADO
coautores
ANDRÉ RODRIGUES CORRÊA
DENISE DE OLIVEIRA CEZAR
EDUARDO SILVA DA SILVA
GERSON LUIZ CARLOS BRANCO
GUSTAVO HAICAL
LAURA BECK VARELA
LAURA CORADINI FRANTZ
KARIME COSTALUNGA
LUIS FELIPE SPINELLI
MÁRCIA SANTANA FERNANDES
MARIA CLÁUDIA MÉRCIO CACHAPUZ
MARIANA PARGENDLER
PAULO DE TARSO VIEIRA SANSEVERINO
PRISCILA DAVID SANSONE TUTIKIAN
RAFAEL PETEFFI DA SILVA
Marcial Pons
MADRI | BARCELONA | BUENOS AIRES | São Paulo
Modelos de direito privado
Judith Martins-Costa
Coautores
André Rodrigues Corrêa / Denise de Oliveira Cezar / Eduardo Silva da Silva
Gerson Luiz Carlos Branco / Gustavo Haical / Laura Beck Varela
Laura Coradini Frantz / Karime Costalunga / Luis Felipe Spinelli
Márcia Santana Fernandes / Maria Cláudia Mércio Cachapuz / Mariana Pargendler
Paulo de Tarso Vieira Sanseverino / Priscila David Sansone Tutikian / Rafael Peteffi da Silva
Capa
Nacho Pons
Preparação e editoração eletrônica
Ida Gouveia / Oficina das Letras®
Todos os direitos reservados.
Proibida a reprodução total ou parcial, por qualquer meio ou processo – Lei 9.610/1998.
Cip-Brasil. Catalogação na Publicação
Sindicato Nacional dos Editores de Livros, RJ
M342m
Martins-Costa, Judith.
Modelos de direito privado / Judith Martins-Costa. - 1. ed. - São Paulo: Marcial Pons, 2014.
Inclui bibliografia
ISBN 978-85-66722-16-1
1. Direito. 2. Direito privado. I. Título.
14-08227
© Judith Martins-Costa
© MARCIAL PONS EDITORA DO BRASIL LTDA.
Av. Brigadeiro Faria Lima, 1461, conj. 64/5, Torre Sul
Jardim Paulistano CEP 01452-002 São Paulo-SP
( (11) 3192.3733
www.marcialpons.com.br
Impresso no Brasil [06-2014]
CDU: 342
Sumário
Apresentação – Autoridade e utilidade da doutrina: a construção dos
modelos doutrinários
Judith Martins-Costa. ......................................................................... 9
Parte I
MODELOS PARA A PROTEÇÃO DA PESSOA HUMANA E
AOS BENS DE SUA PERSONALIDADE
Prefácio a Cachapuz, Maria Cláudia. Intimidade e vida privada no novo
Código Civil brasileiro: uma leitura orientada no discurso jurídico
Judith Martins-Costa. ......................................................................... A construção de um conceito de privacidade, as cláusulas gerais e a
concreção de direitos fundamentais
Maria Claudia Mércio Cachapuz........................................................ 41
48
n
Prefácio a Cezar, Denise de Oliveira. Pesquisa com medicamentos.
Aspectos bioéticos
Judith Martins-Costa. ......................................................................... Pesquisas patrocinadas com medicamentos e proteção da confiança
Denise de Oliveira Cezar..................................................................... 76
84
n
Prefácio a Fernandes, Marcia Santana. A bioética, a medicina e o direito
de propriedade intelectual: um estudo das patentes e as células-tronco
humanas
Judith Martins-Costa. ......................................................................... 113
As patentes envolvendo partes do corpo humano e a atividade de
biobancos
Márcia Santana Fernandes. ................................................................ 117
6
Judith martins-costa
Parte II
MODELOS DE DIREITO OBRIGACIONAL
Prefácio a Tutikian, Priscila Sansone. O silêncio na formação dos
contratos: proposta, aceitação e elementos da declaração negocial
Judith Martins-Costa. ......................................................................... 141
Silêncio como declaração negocial na formação dos contratos (sob a
perspectiva dos Modelos Hermenêuticos de Miguel Reale)
Priscila David Sansone Tutikian......................................................... 145
n
Prefácio a Silva, Eduardo Silva da. Arbitragem e direito da empresa
Judith Martins-Costa. ......................................................................... 177
Arbitragem, confiança e boa-fé: a autoridade do pacto ético entre os
sujeitos da arbitragem
Eduardo Silva da Silva. ...................................................................... 184
n
Prefácio a Frantz, Laura Coradini. Revisão dos contratos: elementos
para sua construção dogmática
Judith Martins-Costa. ......................................................................... 211
Excessiva onerosidade superveniente: uma análise dos julgados do STJ
Laura Coradini Frantz. ....................................................................... 215
n
Prefácio a: Branco, Gerson. Função social dos contratos. Interpretação
à luz do Código Civil
Judith Martins-Costa. ......................................................................... 249
Elementos para interpretação da liberdade contratual e função social:
o problema do equilíbrio econômico e da solidariedade social como
princípios da Teoria Geral dos Contratos
Gerson Luiz Carlos Branco................................................................ 257
n
Apresentação a Haical, Gustavo. O contrato de agência: seus elementos
tipificadores e efeitos jurídicos
Judith Martins-Costa. ......................................................................... 291
Apontamentos sobre o direito formativo extintivo de denúncia no
contrato de agência
Gustavo Haical.................................................................................... 294
n
sumário
Prefácio a Corrêa, André Rodrigues. Solidariedade e responsabilidade.
O tratamento jurídico dos efeitos da criminalidade violenta no
transporte público de pessoas no Brasil
Judith Martins-Costa. ......................................................................... 332
Ato violento de terceiro como excludente de responsabilidade do
transportador: qual a causa desse entendimento jurisprudencial
defeituoso?
André Rodrigues Corrêa..................................................................... 341
n
Prefácio a Silva, Rafael Peteffi da. Responsabilidade civil pela perda de
uma chance
Judith Martins-Costa. ......................................................................... 385
A responsabilidade pela perda de uma chance, rico exemplo de
circulação de modelos doutrinários e jurisprudenciais
Rafael Peteffi da Silva........................................................................ 391
n
Prefácio a Sanseverino, Paulo de Tarso. Princípio da reparação integral.
Indenização no Código Civil
Judith Martins-Costa. ......................................................................... 415
O princípio da reparação integral e o arbitramento equitativo da
indenização por dano moral no Código Civil
Paulo de Tarso Vieira Sanseverino..................................................... 423
Parte III
SITUAÇÕES DE DIREITO REAL: HISTÓRIA E MODELOS
Apresentação a Varela, Laura Beck. Das sesmarias à propriedade
moderna
Judith Martins-Costa. ......................................................................... 453
Leituras das sesmarias: entre a história e os modelos de direito privado
Laura Beck Varela.............................................................................. 457
Parte IV
SOCIEDADE ANÔNIMA: SINCRETISMO
E COMPLEXIDADE DOS MODELOS
Prefácio a Spinelli, Luis Felipe. Conflito de interesses na administração
da sociedade anônima
Judith Martins-Costa. ......................................................................... 485
7
8
Judith martins-costa
Conflito de interesses na administração da sociedade anônima: respeito à
regra procedimental e inversão do ônus da prova
Luis Felipe Spinelli............................................................................... 490
n
Apresentação a Pargendler, Mariana. Evolução do direito societário:
lições do Brasil
Judith Martins-Costa. ......................................................................... 533
Sincretismo jurídico na evolução do direito societário brasileiro
Mariana Pargendler............................................................................ 539
Parte V
FAMÍLIA E SUCESSÕES:
UM MODELO INTER-SISTEMÁTICO
Prefácio a Costalunga, Karime. Direito de herança e separação de
bens: uma leitura orientada pela Constituição e pelo Código Civil
Judith Martins-Costa. ......................................................................... 565
O cônjuge sobrevivente e seu direito à herança: uma interpretação da
disciplina orientada pela Constituição e pelo Código Civil
Karime Costalunga.............................................................................. 572
Autores. ..................................................................................................... 597
APRESENTAÇÃO
Autoridade e utilidade da doutrina:
a construção dos modelos doutrinários
Judith Martins-Costa*
Toute l’histoire de la doctrine juridique est ainsi
intimement liée à l’autorité que celle-ci est susceptible
d’acquérir et d’exercer.
(Hakin, Nader. L’autorité de la doctrine civiliste
française au XIXeme siecle).
*
Agradeço a revisão, contribuições e a todas as discussões comigo mesma que, na elaboração
deste texto, me proporcionaram Miguel Reale Júnior; Mariana Pargendler; Carla Muller
Rosa; André Rodrigues Correa; Marcia S. Fernandes e Rafael Branco Xavier. A este último,
especialmente, sou grata pelo entusiasmo, dedicação e competência com que se jogou ao
projeto deste livro, realizando a revisão de todos os originais e auxiliando-me enormemente
na sua organização. Sou grata, também, a Luciano Piva, que auxiliou na revisão de alguns dos
originais.
10
judith martins-costa
Sumário: Introdução – I. A autoridade da doutrina. 1. A autoridade epistemológica da doutrina. 2. A perda da autoridade da
doutrina – II. A utilidade da doutrina. 1. Aspectos metodológicos
dos modelos dogmáticos. 2. Tradição e antecipação.
Introdução
«No campo da experiência jurídica», escreveu Miguel Reale, «as estruturas sociais apresentam-se sob a forma de estruturas normativas ou sistemas
de modelos, sendo cada modelo dotado de uma especial estrutura de natureza
tridimensional».1 Modelos são estruturas normativas dinâmicas, que integram
fatos e valores em normas jurídicas. Correspondem às fontes, mas dela se
desprendem por se apresentarem no devir da mutável experiência jurídico-social: há modelos legislativos, jurisprudenciais, costumeiros e negociais, os
quatro consubstanciando a categoria dos modelos jurídicos.2 E há, por igual,
modelos dogmáticos – também ditos hermenêuticos, ou doutrinários – «estruturas teoréticas referidas aos modelos jurídicos, cujo valor eles procuram
captar e atualizar em sua plenitude».3
A elaboração e o desenvolvimento dos modelos dogmáticos é a tarefa
primeira da doutrina jurídica. É «objeto primordial» da dogmática jurídica,
escreveu Reale, «a análise das significações» dos modelos jurídicos, «de
sua linguagem específica, bem como do papel e das funções que os mesmos
desempenham como elementos componentes das estruturas normativas fundamentais, integradas, por sua vez, no macromodelo do ordenamento jurídico».4
Estudos recentes5 têm apontado à irrealização desse «objeto primordial» e, de
Reale, Miguel. Vida e morte dos modelos jurídicos. Em: Estudos e filosofia e ciência do
direito. São Paulo: Saraiva, 1978, p. 16.
2
Reale, Miguel. Fontes e modelos do direito. Para um novo paradigma hermenêutico. São
Paulo: Saraiva, 1994, p. 63-122.
3
Reale, Miguel. Vida e morte dos modelos jurídicos. Estudos e filosofia e ciência do direito.
São Paulo: Saraiva, 1978, p. 18.
4
Idem, ibidem, p. 16.
5
Garrido, Tomás Rubio. La doctrina de los auctores. De fuente jurídica primaria a la
vulgarización e irrelevancia. Granada: Comares, 2006; Gobert, Michelle. Le Temps de penser
la doctrine. Droits – Revue Française de Théorie Juridique, vol. 20, Paris: PUF, 1994; Jestaz,
Philippe e Jamin, Christophe. La doctrine. Paris: Dalloz, 2004. No Brasil: Ávila, Humberto
Bergmann. Notas sobre o papel da doutrina na interpretação. Conversa sobre a interpretação
no direito. Estudos em homenagem ao centenário de Miguel Reale. Cadernos para Debates n.
4. Canela: Instituto de Estudos Culturalistas, set./2011, p. 139-160; Rodrigues Junior, Otavio
Luiz. Dogmática e Crítica da Jurisprudência, ou da vocação da doutrina em nosso tempo. Revista
dos Tribunais, vol. 891/65, jan./2010. Ora em: Mendes, Gilmar Ferreira; Stocco, Rui (Orgs.).
Doutrinas essenciais. Direito civil – Parte geral. Vol. I. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais,
2012, p. 829-872; Pargendler Mariana; Salama, Bruno Meyerhof. Direito e consequência no
Brasil: em busca de um discurso sobre o método. Revista de Direito Administrativo, vol. 262,
jan.-abr./2013, p. 95-144.
1
apresentação
11
certo modo, ao descenso da atividade doutrinária como um todo, modificando-se, em consequência, a relação entre o jurista e o direito positivo. Hoje «já
não podemos silenciar com êxito» sobre o fato de a doutrina civilista «padecer
de sérios problemas»,6 observa o civilista espanhol Tomás Rubio Garrido.
Fundamentalmente, diz entre nós Humberto Ávila, a doutrina «cessou de
ser seguida porque parou, em parte, de ser necessária à aplicação do Direito
e de orientar tanto os operadores quanto os destinatários».7 Tal se deve, no
diagnóstico de Otávio Luiz Rodrigues Jr., por ter deixado «de ser uma arte de
juristas», o que explica em grande parte «seu desprestígio».8
Essas considerações suscitam refletir sobre o que «é» a doutrina (com
ênfase na doutrina civilista, tradicional fornecedora de modelos hermenêuticos), para o que se torna necessário mencionar «o que foi» (Parte I), antes de
averiguar como realiza – se é que o vem realizando – aquele «objeto primordial» de formular modelos doutrinários destinados a explicitar, examinar e
desenvolver os modelos jurídicos (Parte II), afinal, a tarefa proposta nessa
obra coletiva.
I. A autoridade da doutrina
Num ensaio notável, a professora Michelle Gobert, da Universidade de
Paris, observou: se é incontestável que todo o jurista que emite uma opinião
pode ser tido como doutrina, é também verdade que o termo designa, mais
propriamente, «um círculo mais restrito de pessoas, especificamente aquelas
que, tendo por missão ensinar o Direito, têm por vocação refletir sobre o
Direito».9 O termo doutrina, nesta acepção, é indiscernível do significado
de uma obra do pensamento, trabalho de reflexão dotado – pelo menos – de
autoridade persuasiva e orientadora.
6
Garrido, Tomás Rubio. La doctrina de los auctores. De fuente jurídica primaria a la
vulgarización e irrelevancia. Granada: Comares, 2006, p. 65.
7
Ávila, Humberto Bergmann. Notas sobre o papel da doutrina na interpretação. Conversa
sobre a interpretação no direito. Estudos em homenagem ao centenário de Miguel Reale.
Cadernos para Debates n. 4. Canela: Instituto de Estudos Culturalistas, set./2011, p. 146
8
Rodrigues Junior, Otavio Luiz. Dogmática e crítica da jurisprudência, ou da vocação da
doutrina em nosso tempo. Revista dos Tribunais, vol. 891/65, jan./2010. Ora em: Mendes,
Gilmar Ferreira; Stocco, Rui (Orgs.). Doutrinas essenciais. Direito civil – Parte geral. Vol. I.
São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2012, p. 851.
9
Gobert, Michelle. Le Temps de penser la doctrine. Droits – Revue Française de Théorie
Juridique, vol. 20, Paris: PUF, 1994, p. 97, no original: «S’il est incontestable que tout juriste
qui émet une opinion doit être considéré comme doctrine, on ne nous chicanera cependant
pas que ce que l’on a l’habitude d’appeler la doctrine désigne un cercle plus restreint de
personnes, plus spécifiquement l»ensemble de celles qui, ayant pour mission d’enseigner le
droit, ont pour vocation de réféchir sur le droit».
12
judith martins-costa
1. A autoridade epistemológica da doutrina
Foi com essa acepção que o termo ingressou no léxico da cultura jurídica
da família romano-germânica, atinente aos sistemas da Europa continental
e sua descendência, entre a qual nos situamos. Tradicionalmente, o sentido
comum vem assim dicionarizado: «Doutrina – Opinião comumente professada
por aqueles que ensinam o Direito (communis opinio doctorum) ou mesmo
por aqueles que, sem o ensinar, escrevem sobre o Direito».10
Tanto a palavra quanto o seu significado têm história e, portanto, vicissitudes e marcas no tempo.11 O latim doctrina deriva do ato de ensinar, docere,
no sentido de transmissão/aprendizagem de uma formação teórica (por
oposição à prática, designada pelos termos natura e usus). Atuou a doutrina
como ensinamento na cultura jurídica romana, sendo testemunha candente
– mas de modo algum exclusiva – o Digesto, livro designado por palavra
advinda do latim digerere, isto é, «pôr em ordem». E o que vinha posto em
ordem por obra de Triboniano, o grande jurisconsulto de Justiniano, era uma
compilação de fragmentos de textos dos jurisconsultos do período clássico, é
dizer: de textos de doutrina. Estes tinham, inclusive formalmente, força que
se projetava para além da transmissão/aprendizagem, força verdadeiramente
cogente na explicitação e na orientação das constituciones e das leges, para
além da função de desenvolvimento do direito atribuído aos iuris prudentes.
Iurisprudentia designava, então, o corpo doutrinário conformador da opinião
comum ou geral.
Refluiu a força doutrinária no período que vai do século V ao XI, em
que o direito se fez «na oficina da prática».12 Esse foi o período da cimentação, não ainda da edificação do Direito, tal como viria a ser posto em nossa
tradição histórica. Como ensina Paolo Grossi, então o direito resultava do
lavor, silencioso e tenaz, de obscuros notários e juízes, não da elaboração
doutoral. Mas certamente foi de elaboradíssima formulação teórica o direito
construído a partir do Renascimento medieval13 nos séculos XI, XII e XIII
e daí para fora, alcançando a Modernidade. Desde então, muito lentamente,
Cornu, Gérard. Vocabulaire juridique. Paris: Association Henri Capitant. PUF, 1987, p.
324.
11
Para uma síntese, consultar: Garrido, Tomás Rubio. La doctrina de los auctores. De fuente
jurídica primaria a la vulgarización e irrelevancia. Granada: Comares, 2006, p. 5 e ss.; Ferraz
Junior, Tercio Sampaio. Função social da dogmática jurídica. São Paulo: Max Limonad, 1998,
p. 10 e ss.
12
Esse é o período da cimentação, não ainda da edificação, em que, como ensina Grossi, o
direito se forma na oficina da prática, sendo o resultado do lavor, silencioso e tenaz, de obscuros
notários e juízes. (Consulte-se: Grossi, Paolo. L’Ordine Giuridico Medievale, Roma-Bari:
Laterza, 1995, p. 37 e ss.).
13
A expressão é de Calasso, Francesco. Gli Ordinamenti Giuridici del Rinascimento
Medievale. 2. ed. Milão: Giuffrè, 1949.
10
apresentação
13
por passos tão ricos quanto tateantes, traçou-se, nos gabinetes dos juristas
aninhados nas nascentes universidades, um novo modo de pensar o Direito
e suas instituições, enucleado na interpretatio doctorum. Na ordem jurídica
baixo-medieval, o arcabouço do ius commune – direito doutrinário por excelência – foi desenhado, tecido e construído no «laboratório dos juristas».14
Todavia, o emprego da palavra doutrina com o sentido de «conjunto dos
trabalhos tendo por objeto expor ou interpretar o Direito e que constituem uma
das fontes da Ciência Jurídica»15 é relativamente recente: supõe a mudança
radical da Revolução de 1789, com a criação de um «direito novo» como
obra humana e a ideia do direito como um sistema racionalmente apreensível,
abrindo-se no decorrer do século XIX em duas vertentes que se tocam, uma
por designar o conteúdo, outra, o continente.
A primeira acepção começa a ser empregada, segundo o Dictionnaire
historique de la langue française, desde 1840 para designar o conjunto dos
trabalhos destinados a expor o direito, assim restando a doutrina discernida da
legislação e da jurisprudência.16 É uma acepção respeitante ao enquadramento
da doutrina dentre as fontes de produção jurídica. A segunda designa, igualmente, um outro significado, mais próximo, semanticamente, da expressão
dogmática jurídica. É a Savigny que essa vertente é devida17 – e tão audacioso
foi, observa Michel Villey18 – que pretendeu substituir a ação do legislador
pela dos professores, isto é: doutrinadores.
O termo doutrina passa a indicar, então, a tarefa de construção intelectual expressa em um método, dito organicista ou orgânico, pelo qual a aplicação, a interpretação e o desenvolvimento do direito seriam obra doutrinária,
ao jurista cabendo reconduzir cada máxima, preceito, proibição, cada regra
abstratamente delineada pelo legislador à instituição correspondente. A elaboração doutrinária está em desvendar o sistema ínsito ou imanente ao material
jurídico (legislação, costumes etc.), competindo-lhe «olhar o múltiplo na sua
articulação» e interessando-lhe «quer o desenvolvimento de conceitos, quer
a exposição das regras jurídicas segundo o seu “nexo interno”, quer, por fim,
Grossi, Paolo. L’Ordine Giuridico Medievale. Roma-Bari, Laterza, 1995, p. 125 e ss, ao
referir-se ao «laboratorio sapienziale».
15
Em tradução livre do que está no Dicionário Larousse, acessível em: www.larousse.fr/
dictionnaires/francais/doctrine/26263?q=doctrine+(la)#26145, acesso em 30.05.2013.
16
Alland, Denis; Rials, Stéphane. Dictionnaire de la Culture Juridique. 2. ed. Paris:
Lamy-PUF, 2007, p. 385.
17
Entre a inesgotável bibliografia, ver: Wilhelm, Walter. La metodologia jurídica en el siglo
XIX. Trad. espanhola de Rolf Bethmann. Madrid: Edersa, 1989, em especial p. 15-62; Larenz,
Karl. Metodologia da ciência do direito. 3. ed. Trad. portuguesa de José Lamego; Lisboa:
Fundação Gulbenkian, 1997, p. 9-19.
18
Villey, Michel. Philosophie du Droit. Tomo 2, Paris: Dalloz, p. 112, apud Sourioux,
Jean-Louis. Par le droit, au delà du droit. Paris: Lexis Nexis, 2011, p. 208.
14
14
judith martins-costa
o preenchimento das lacunas da lei (...) por meio da analogia».19 O mister
doutrinário não é apenas o de explicitar o direito positivado, esclarecendo o
significado dos textos, mas, justamente, o de construir soluções jurídica20 úteis
à prática, possibilitando resolver os problemas da humana convivência.
Ambos os sentidos se unificam, por volta dos finais do século XIX e início
do século seguinte, quando se dissemina o termo com a acepção hoje vigorante,
embora a atividade designada pela palavra fosse já habitual. «Entende-se por
doutrina as opiniões manifestadas sobre um aspecto do direito pelos autores»;
«chama-se doutrina as opiniões e as ideias emitidas pelos jurisconsultos
em suas obras»,21 dizem os definidores. Desde então, observa Nader Hakin,
«transparece claramente a íntima correlação que liga as opiniões aos seus
autores, o que forja a fisionomia tão particular de uma doutrina feita de ideias
e de corpo».22 E adiciona: «se a doutrina é uma opinião e, por extensão, o autor
dessa opinião, a realidade da qual este termo dá conta é, substancialmente, um
fenômeno de autoridade».23 À doutrina (assim mesmo, no singular, em sinédoque) é atribuída a auctoritas como autoridade epistemológica,24 autoridade
originada não de um poder político (imperium), não de um mandato divino,
mas de uma respeitabilidade intelectual, reconhecendo-se, ao menos como
ponto de partida, que o doutrinador, por ser quem é intelectualmente, possa
emitir opiniões confiáveis ou oferecer soluções provavelmente plausíveis.25
Obras doutrinárias são, portanto, aquelas dotadas de autoridade explicativa e
valor de orientação.
Fazer doutrina, na acepção que então se fixa e perpassa o século XX,
é, antes de mais e fundamentalmente, um ato de autoridade intelectual. Seja
ao jogar luz no valor exemplificativo, argumentativo e persuasivo, seja ao
enfatizar a força substancialmente vinculante (ao menos pela persuasão e pelo
19
Larenz, Karl. Metodologia da ciência do direito. 3. ed. Trad. de José Lamego; Lisboa:
Fundação Calouste Gulbenkian, 1997, p. 11.
20
Por todos: Lazzaro, Giorgio. Storia e teoria della costruzione giuridica, Turim: Giappichelli, 1965.
21
As citações entre aspas foram transcritas de Walter Belime por Hakin, Nader. L’autorité de
la doctrine civiliste française au XIXeme siecle. Paris: L.G.D.J, 2002, p. 15.
22
Hakin, Nader. L’autorité de la doctrine civiliste française au XIXeme siecle. Paris: L.G.D.J,
2002, p. 15, em tradução livre.
23
Idem, ibidem.
24
De «autorité épistemique» fala Vidal, Michel, em prefácio a Hakin, Nader. L’autorité de la
doctrine civiliste française au XIXeme siecle. Paris: L.G.D.J, 2002, p. VII.
25
Em sentido similar à caracterização da auctoritas doutrinal como respeitabilidade intelectual
– reconhecimento que se faz difícil na sociedade atual – vide: Garrido, Tomás Rubio. La
doctrina de los auctores. De fuente jurídica primaria a la vulgarización e irrelevancia. Granada:
Comares, 2006, p. 86.
apresentação
15
asseguramento da manutenção de certo entendimento26), o termo doutrina
tem, para a tradição do direito continental europeu – do qual somos, no Direito
brasileiro, galho de uma mesma planta27– um valor distinto daquele que lhe é
conferido em outros sistemas, e, notadamente, na família do common law.28 É
bem verdade que carregamos ainda em parte o peso da tradição praxista, refratária ao Iluminismo e legatária de um certo hábito escolástico do comentário
(«artigo por artigo» dos textos legais, esquecendo-se, por vezes, o sistema);
também é verdade que esse peso, por derivação e derisão faz abundarem os
repertórios de jurisprudência e os esterilizantes «resumos de texto» (ou manuais
de mero adestramento); e é igualmente assente a sensibilidade brasileira ao
argumento de autoridade traduzida essa, porém, em critérios personalistas.29
Ainda assim, sobrepaira à comunidade jurídica a percepção da doutrina como
autoridade epistemológica, autoridade do saber jurídico específico.
Esse valor (em verdade, esta acepção do que seja a doutrina jurídica) pode
ser sintetizado nos três traços, ou «realidades» que Jestaz e Jamin reportam
ao cenário francês, mas que, em medidas variadas, também se verificam em
outros sistemas integrantes da mesma família romano-germânica ao qual
ajunto ainda um quarto traço, relativo ao locus da doutrina como substantivo
singular:
Primeiramente, a doutrina se apresenta como direito culto (droit savant)
e, como tal, expresso na chamada literatura jurídica: tratados e cursos, artigos,
comentários a textos legislativos. Trata-se, pois, do setor da experiência jurídica em que os atores são – ou deveriam ser – intelectuais, palavra também
26
A doutrina mantém a força da continuidade, que, expressando mentalidade compartilhada,
propicia o entendimento. Nesse sentido escrevi em: Martins-Costa, Judith. A concha do
marisco abandonada e o nomos (ou os nexos entre narrar e normatizar). Em: Martins-Costa,
Judith (Org.). Narração e normatividade. Ensaios de direito e literatura. Rio de Janeiro: GZ
Editora, 2013, p. 11.
27
Recordo Pontes de Miranda que em conhecidíssima passagem reconheceu que o Direito,
no Brasil, não pode ser estudado desde as sementes, pois «nasceu do galho de planta que o
colonizador português – gente de rija têmpera, no ativo século XVI e naquele cansado século
XVII em que se completa o descobrimento da América – trouxe e enxertou no novo continente».
(Pontes de Miranda, Francisco Cavalcanti. Fontes e evolução do direito civil brasileiro. Rio de
Janeiro: Forense, 1981, p. 27).
28
Para uma comparação com o sistema de direito anglo e norte americano, v. Jestaz, Philippe
e Jamin, Christophe. La Doctrine. Paris: Dalloz, 2004, p. 10 e ss.
29
Traço cultural que se revela, por exemplo, no popular «Sabe com quem está falando»? – que
implica, como percebeu Roberto Damatta, «sempre uma separação radical e autoritária de duas
posições sociais real ou teoricamente diferenciadas», desvelando «um modo indesejável de ser
brasileiro, pois que revelador do nosso formalismo e da nossa maneira velada (e até hipócrita)
de demonstração dos mais violentos preconceitos» (Damatta, Roberto. Sabe com quem está
falando? um ensaio sobre a distinção entre indivíduo e pessoa no Brasil. Acessível em: http://
www.ceap.br/material/MAT20082012200620.pdf).
16
judith martins-costa
lexicamente tardia, indicativa «daqueles que se ocupam das coisas da
inteligência».30
Em segundo lugar, se revela como fonte ou poder produtivo de juridicidade, ainda que assim não seja formalmente reconhecida pelo direito legislado.31 O debate então se instaura para saber se é fonte mediata ou imediata,
formal ou informal, tendo como crivo a circunstância de a doutrina não ser
dotada dos poderes de prescritividade e vinculabilidade, como o são as demais
fontes (lei, jurisprudência, negócio jurídico, ato administrativo, costumes).
Para alguns, a doutrina é fonte indireta, informal, ou como se diz ainda,
«simples autoridade», mas fonte ainda assim (tout de même),32 pois dotada
de um poder de fato, poder persuasivo, é verdade, mas inegável: «onde exista
um direito culto, o doutor participa na produção do direito pelo exclusivo fato
de comentá-lo».33 Para outros, não pode ser considerada fonte, seja porque
destituída de força coativa,34 seja porque o fato de assim considerar importaria
em uma falácia atentatória, ademais, ao Estado Democrático de Direito.35
O seu valor reside na circunstância de os modelos de compreensão
e orientação36 advindos da produção doutrinária se apresentarem como
elementos constitutivos da própria experiência jurídica, pois o fato de não
lhes ser formalmente reconhecida a autoridade para decidir (prescritibilidade,
vinculabilidade, exigibilidade) não reduz o resultado do lavor doutrinário a
«meros elementos cognoscitivos».37 Atuam, inclusive, no asseguramento da
30
Bloch, Oscar; Von Wartburg, Walther. Verbete: «Intelectuel». Dictionnaire étymologique
de la langue française. Paris: Quadrige/PUF, 2002, p. 342, em tradução livre.
31
A Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro – nome atualmente designativo da
antiga Lei de Introdução ao Código Civil, conforme reação dada pela Lei 12.376, de 2010 –
deixa de referir a doutrina, ao determinar: «Art. 4.o Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o
caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito».
32
Jestaz, Philippe; Jamin, Christophe. La Doctrine. Paris: Dalloz, 2004, p. 5.
33
Idem, ibidem, p. 5. Ressaltando a «finalidade de criar o Direito» da atividade doutrinária:
Rodrigues Junior, Otavio Luiz. Dogmática e crítica da jurisprudência, ou da vocação da
doutrina em nosso tempo. Revista dos Tribunais, vol. 891/65, jan./2010. Ora em: Mendes,
Gilmar Ferreira; Stocco, Rui (Orgs.). Doutrinas essenciais. Direito civil – Parte geral. Vol. I.
São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2012, p. 847 e ss.
34
Reale, Miguel. Fontes e modelos do direito. Para um novo paradigma hermenêutico. São
Paulo: Saraiva, 1994, p. 107.
35
Garrido, Tomás Rubio. La doctrina de los auctores. De fuente jurídica primaria a la
vulgarización e irrelevancia. Granada: Ed. Comares, 2006, p. 138 e ss.
36
Para a questão de saber se a ciência do direito é «meramente descritiva», cabendo-lhe
descrever os conteúdos do direito «sem interferir no seu desenvolvimento», ou se, ao contrário,
importa em «descrever, adscrever e criar significados normativos», vide: Ávila, Humberto.
Função da ciência do direito tributário: do formalismo epistemológico ao estruturalismo
argumentativo. Em: Direito tributário atual. Oliveira, Eduardo Mariz; Schoueri, Eduardo e
Zilveti, Fernando (Orgs.). São Paulo: Dialética, 2013, p. 181-204.
37
Assim é tanto mais em nossa cultura, em que os modelos doutrinários têm eficácias constituintes, integram o corpo de decisões judiciais, interferindo positivamente na experiência
apresentação
17
segurança jurídica, oferecendo «uma continuidade que sobrevive às reformas
de superfície».38
Em terceiro lugar, a palavra doutrina expressa uma comunidade de
autores formada especialmente por professores. Esta comunidade é um
corpo, e é também um campo, o da dogmática jurídica, construção teórica por
excelência, elaboração intelectual pela qual é continuamente desenvolvido e
reelaborado o conjunto de instituições e de conceitos por meio dos quais se
busca explicar, discernir, orientar, sistematizar e mesmo dirigir o pensamento
dos que se ocupam da prática do direito, daí derivando a auctoritas epistemológica ou a respeitabilidade intelectual reconhecida à doutrina.
Finalmente, a acepção que vem sendo aqui delineada tem um locus
específico, com o qual se confunde: a dogmática jurídica. Com efeito,
compreendida a dogmática como o «campo da ciência do Direito dedicada à
interpretação e à sistematização das normas jurídicas»39 esta nada mais é que
o resultado do trabalho doutrinário, um trabalho de construção intelectual
cujo escopo é tanto prático quanto teórico. A origem, na metódica de Savigny,
marca os nexos entre os setores de maior elaboração da Dogmática Jurídica
e os grandes campos (o Direito Privado, especialmente o Civil, e o Penal)
que resultaram do desenho dado no século XIX à Ciência do Direito – sendo
mais tardia a positivação40 dos demais ramos, como o Direito Administrativo, o Constitucional ou o Tributário. Explicitar, sistematizar, compreender e
desenvolver o que está «posto» pelas normas de direito positivo é a tarefa por
excelência da dogmática.
A auctoritas ou respeitabilidade intelectual reconhecida à doutrina não
deriva – é preciso logo deixar claro – do mero fato de o autor da opinião
exposta ter sido publicado, mas é conquistada pela força do argumento, pela
independência do juízo e, consequentemente, pela confiabilidade moral e
intelectual de quem o explana.41 Porém, é fato que ambas as acepções estão
jurídica. (Veja: Reale, Miguel. Fontes e modelos do direito. Para um novo paradigma
hermenêutico. São Paulo: Saraiva, 1994, p. 3. Também em: Para uma Teoria dos Modelos
Jurídicos. Em: O direito como experiência. São Paulo: Saraiva, 1968, p. 16-25; e Vida e morte
dos modelos jurídicos. Em: Nova fase do direito moderno. São Paulo: Saraiva, 1990, p. 163 e
ss.)
38
Jestaz, Philippe e Jamin, Christophe. La Doctrine. Paris: Dalloz, 2004, p. 6.
39
Arnaud, Andre-Jean et alii. Verbete «Dogmática jurídica». Dicionário enciclopédico de
teoria e de sociologia do direito. Trad. de Vicente de Paula Barreto. Rio de Janeiro: Renovar,
1999, p. 284.
40
Mencionando a ligação entre o fenômeno da positivação e a dogmática jurídica: Ferraz
Junior, Tercio Sampaio. Função social da dogmática jurídica. São Paulo: Max Limonad, 1998,
p. 85.
41
O elemento «independência» vem bem destacado em: Rodrigues Junior, Otavio Luiz.
Dogmática e crítica da jurisprudência, ou da vocação da doutrina em nosso tempo. Revista
dos Tribunais, vol. 891/65, jan./2010. Ora em: Mendes, Gilmar Ferreira; Stocco, Rui (Orgs.).
18
judith martins-costa
hoje confundidas, confusão que auxilia a explicar a perda de autoridade e da
utilidade da doutrina.
2. A perda da autoridade da doutrina
O termo doutrina, na acepção tradicionalmente consagrada, é inconfundível com o «panorama viscoso»42 hoje tristemente perspectivado em grande
parte da doutrina civilista, entre nós ou alhures,43 em que se toma por doutrina
ou uma algaravia divulgadora de clichês e temas da moda ou estudos empíricos
mal copiados do que ocorre nas Ciências Sociais.44 De fato, não pode haver
dúvida que a quadrúplice acepção do termo doutrina acima assinalada está em
profunda crise (numa visão otimista) ou mesmo em vias de desaparecer tale
quale (numa perspectiva talvez mais realista). «Desconcerto, aturdimento e
dispersão» constituem, na visão de Garrido,45 a sensação que, frequentemente,
toma conta daqueles que se acercam do estudo e cultivo do Direito Civil, onde
esteve centrado tradicionalmente o núcleo duro da dogmática jurídica.
A crise é multicausal,46 resultando no esmaecimento da doutrina como
autoridade epistemológica. Não é, porém, uma crise de simplista análise,
pois permeada por paradoxos. A desimportância da doutrina convive com a
produção expansiva de opinião publicada, irrelevante em termos de solidez
construtiva, relevante por seus reflexos na formação de uma jurisprudência
Doutrinas essenciais. Direito civil – Parte geral. Vol. I. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais,
2012, p. 846-847.
42
A expressão está em Garrido, Tomás Rubio. La doctrina de los auctores. De fuente jurídica
primaria a la vulgarización e irrelevancia. Granada: Ed. Comares, 2006, p. 68.
43
Para o panorama italiano, vide Cian, Giorgio. Il Diritto Civile come Diritto Privato Comunne.
Rivista di Diritto Civile, Pádua: Cedam, anno XXXV, 1989. Dentre os civilistas espanhóis se
mostra particularmente crítico Garrido, Tomás Rubio. La doctrina de los auctores. De fuente
jurídica primaria a la vulgarización e irrelevancia. Granada: Ed. Comares, 2006.
44
A este respeito: Pargendler Mariana; Salama, Bruno Meyerhof. Direito e consequência no
Brasil: em busca de um discurso sobre o método. Revista de Direito Administrativo, vol. 262,
jan.-abr./2013, p. 95-144.
45
Garrido, Tomás Rubio. La doctrina de los auctores. De fuente jurídica primaria a la
vulgarización e irrelevancia. Granada: Comares, 2006, p. 94.
46
Para um diagnóstico, vide: Garrido, Tomás Rubio. La doctrina de los auctores. De fuente
jurídica primaria a la vulgarización e irrelevancia. Granada: Comares, 2006, em especial p.
80 e ss. Com ênfase no panorama brasileiro e aos reflexos do consequencialismo: Pargendler
Mariana; Salama, Bruno Meyerhof. Direito e consequência no Brasil: em busca de um
discurso sobre o método. Revista de Direito Administrativo, vol. 262, jan.-abr./2013, p. 95-144.
Também: Rodrigues Junior, Otavio Luiz. Dogmática e crítica da jurisprudência, ou da vocação
da doutrina em nosso tempo. Revista dos Tribunais, vol. 891/65, jan./2010. Ora em: Mendes,
Gilmar Ferreira; Stocco, Rui (Orgs.). Doutrinas essenciais. Direito civil – Parte geral. Vol. I.
São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2012, p. 851 e ss.; Ávila, Humberto Bergmann. Notas
sobre o papel da doutrina na interpretação. Conversa sobre a interpretação no direito. Estudos
em homenagem ao centenário de Miguel Reale. Cadernos para Debates n. 4. Canela: Instituto
de Estudos Culturalistas, set./2011, p. 141-159.
apresentação
19
baseada em chavões, de modo que ambas as características acabam por se
mesclar.
O nosso tempo de irreflexão e de imediatez faz confundir com doutrina
jurídica qualquer opinião publicada (qualquer que seja a fonte da publicação,
inclusive blogs eletrônicos sem qualquer prestígio intelectual, ou textos
destituídos de outra fonte que não os sites de busca google ou similares).
Tem-se por doutrinadores não mais os doctores, mas (num país que os tem
aos milhares)47 até mesmo aqueles que – formalmente doutores ou não – são
paródias de Janjão, o personagem de Machado de Assis, ensinado por seu
pai a expressar fidelidade no repetir numa sala as opiniões ouvidas numa
esquina, e vice-versa.48 Não é raro encontrar uma doutrina desoladora quanto
à consistência intelectual, vazada na superficialidade do manejo de noções
elementares, contraditória e, assim, geradora de insegurança, positivamente
inútil para dar conta de problemas práticos corriqueiros.49
Para chegar-se a esse cenário, há grandes e pequenas causas que se
somam. Entre as multicausas do empobrecimento está a especialização (que
fabrica o técnico, que fabrica, ele mesmo, a especialização50); a confusão entre
dogmática jurídica e a descrição de trivialidades; o pluralismo epistemológico51 pós-moderno, em que a emissão de juízos de valor (com base na contraposição, comparação e crítica entre ideias, essenciais para situar escalas) é
afastado em nome de um «tudo é igual» determinado, no mais das vezes,
por critérios subjetivistas e resultando numa «sopa» de elementos indistintos,
47
Os dados são impressionantes: registram o crescimento de cerca de mil por cento corrido no
número de doutores titulados anualmente entre 1987 e 2008; mais de 87 mil pessoas obtiveram
títulos de doutorado no Brasil no período 1996-2008. O número de titulados no ano de 2008
foi 278% superior ao dos que titularam no ano de 1996. Entre as «grandes áreas que mais
cresceram estão as ciências sociais aplicadas, com crescimento de 14,8% no período; e entre
1996 e 2008 o país formou 2.021 doutores em Direito. (Cf. CGEE – Centro de Gestão e Estudos
Estratégicos – Doutores 2010 – Estudos de Demografia da base técnico-científica brasileira.)
Examinando o triênio de 2004, 2005 e 2006, Loussia Penha Musse Féxix e Fábio Costa Moraes
de Sá registram mais de mil cursos jurídicos; quase 5 mil novos mestres; e quase mil doutores.
Publicado em: Metodologia do Ensino Jurídico no Brasil: Estado da Arte e Perspectivas.
FGV. Seminário 31, vol. 6, n. 5, set./2009, p. 22, 27). Portanto, entre 2006 e 2008 o número
simplesmente dobrou.
48
Machado de Assis, Joaquim Maria. Teoria do Medalhão que li em: Proença Filho, Domício
(Selec.) Melhores contos. Machado de Assis. 14. ed. São Paulo: Global, 2002, p. 19.
49
Basta lembrar nas explicações dadas em muitos manuais ao fenômeno da álea nos contratos:
recorre-se ao exemplo de Ticio ou Caio a jogarem a rede e apanharem peixes em quantidade
imprevista (ou mesmo ao não os apanharem) e não ao Lehman Brothers e aos contratos de
derivativos que infestam a economia mundial.
50
Aponta à especialização: Cian, Giorgio. Il Diritto Civile come Diritto Privato Comunne.
Rivista di Diritto Civile, anno XXXV, Cedam: Pádua,1989, p. 17.
51
Aponta este traço: Garrido, Tomás Rubio. La doctrina de los auctores. De fuente jurídica
primaria a la vulgarización e irrelevancia. Granada: Ed. Comares, 2006, p. 83.
20
judith martins-costa
«conjunto de coisa» extremamente vago, indeterminável, variável e incerto52
que autores como Taruffo denunciam com vigor; a irrupção da sociedade de
massas e o seu atual avatar, a sociedade de consumo, em que tudo (até as
categorias jurídicas, até as universidades53) são transformadas em bens de
consumo. Tem lugar o atomismo social, que é, também, marca da sociedade
pós-industrial.
Está, ainda, a fuga para um ultrapragmatismo, que tudo remete ao caso
concreto e se esgota no caso concreto, resultado em espécie de intoxicação de
concreção; a formulação de parâmetros jurídicos desvinculados da tradição e
resultantes de um incontrolável voluntarismo; está a doutrina simplificadora,
que não dá conta da complexidade da experiência jurídica, que tudo quer apreender em esquemas triviais, «que a tudo pensa explicar, sem orientar nada»;54
está, ainda, o crescimento do método de «legislar por cláusulas gerais» e da
«legislação por princípios», já, de per se, reconhecidamente, produtor de insegurança, podendo resultar em «problemas de coordenação, conhecimento,
custos e controle de poder»55 quando vem desgarrado de uma dogmática forte,
solidamente ancorada na tradição cultural. E, como se fosse pouco, na era da
primazia do dinheiro considerado por si só, há também fatores econômicos que
contribuem para o declínio da qualidade e prestígio da doutrina. De um lado,
há as «teses encomendadas», isto é, obras aparentemente desinteressadas que
na verdade refletem a atuação profissional remunerada de professores e/ou
advogados em prol de determinados interesses econômicos, confundindo-se
objetivos intelectuais com metas monetárias (prestígio social e/ou captação
de clientes56). De outro lado, há a «indústria dos concursos», e, ainda, o bara52
Taruffo, Michele. Uma simples verdade. O Juiz e a construção dos fatos. Trad. de Vitor de
Paula Ramos. Madrid-São Paulo: Marcial Pons, 2012, especialmente p. 78 e ss.
53
Assim denuncia Coetzee, John Maxwell. Diário de um ano ruim. Trad. de José Rubens
Siqueira. São Paulo: Companhia das Letras, 2008, p. 44-45. E ajunta considerações sobre o
que a massificação faz das universidades (esses antigos lugares do pensamento): símiles de
empresas, orientadas por princípios empresariais e, como tal, voltadas à falácia eficientista, que
é morte do pensamento e da reflexão: confunde o êxito de um programa de pós-graduação com
o êxito dos seus integrantes em preencherem formulários burocráticos.
54
Ávila, Humberto Bergmann. Notas sobre o papel da doutrina na interpretação. Conversa
sobre a Interpretação no Direito. Estudos em homenagem ao Centenário de Miguel Reale.
Cadernos para Debates n. 4. Canela: Instituto de Estudos Culturalistas, set./2011, p. 151.
55
Ávila, Humberto Bergmann. Teoria dos princípios. Da definição à aplicação dos princípios
jurídicos. 12. ed. São Paulo: Malheiros, 2011, p. 121.
56
Otávio Luiz Rodrigues Junior critica a «doutrina-parecer», embora reconheça, em alguns
casos, a sua relevância como efetivo lavor dogmático (conferir em: Rodrigues Junior, Otavio
Luiz. Dogmática e crítica da jurisprudência, ou da vocação da doutrina em nosso tempo. Revista
dos Tribunais, vol. 891/65, jan./2010. Ora em: Mendes, Gilmar Ferreira; Stocco, Rui (Orgs.).
Doutrinas essenciais. Direito civil – Parte geral. Vol. I. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais,
2012, p. 836-837). Note-se que em certos setores – especialmente no Direito Privado – o
trabalho sério, fundamentado, com contribuição dogmática de revelo, encerra-se hoje em dias
em pareceres, infelizmente nem sempre acessíveis ao público, como os produzidos arbitragens.
apresentação
21
teamento das publicações, a massificação dos litígios e a proletarização das
profissões jurídicas. Somados, esses fatores geram demanda por respostas
fáceis e simplistas o que conduz ao surgimento da «indústria de manuais» e
sua rede de citações via rankings destituídos de autoridade intelectual – por
exemplo, aqueles tão-somente fornecidos por buscadores na internet.
Em suma: o trabalho pensado e refletido nem sempre vende; como não
vende, não «faz sucesso», e, sendo assim, é desconsiderado, pois na Era do
Entertainment, «sucesso» é palavra traduzida em números de vendas ou de
aparições públicas (o que pode ser tudo o mesmo) e não em autoridade ética
e intelectual.
E, fundamentalmente, há o empobrecimento cultural resultante da
ausência de tempo para a reflexão, da dificuldade de os doutrinadores (professores, no mais das vezes) disporem do tempo para pensar, que é o tempo
necessário para que a doutrina possa desempenhar a sua própria missão,57
afogados que estão no burocratismo das metas de produção reclamadas pelos
órgãos oficiais do ensino, não-raro nocivamente valoradas pelos mesmos
órgãos responsáveis por incentivar e fomentar a pesquisa científica.58
Mesmo na França, esclarece Gobert, a tradição da doutrina como
instância de reflexão permanente é crescentemente enfraquecida pelos
próprios universitários, que colocam em perigo o fazer doutrinário pela
«busca desenfreada das soluções pré-prontas».59 A mesma causa e o mesmo
efeito são denunciados, na Espanha, por Tomás Rubio Garrido, que assinala:
«Um jurista teórico precisa, antes de mais nada, de uma atitude espiritual em
que predomine o desejo de contemplar, desde uma certa distância, a realidade
circunstante e isto demanda recolhimento e reflexão. Porém, se o entorno varia
aceleradamente, ou simplesmente aparenta assim ocorrer ou/e nos bombardeia
em qualquer parte com a ideia de assim dever ser, tal atitude nos brota com
espontaneidade. O mais natural é adotar [a atitude] que tem o espectador de
Aliás, o valor de autoridade do parecer (isto é, o seu valor como opinião doutrinária e douta)
está diretamente ligado à independência e seriedade científica de quem o produz.
57
Gobert, Michelle. Le Temps de penser la doctrine. Droits – Revue Française de Théorie
Juridique, vol. 20, Paris: PUF, 1994, p. 98.
58
«Produzir artigos deixou de ser preocupação de juscientistas (...) e tornou-se instrumento de
prestígio pessoal ou melhoria nas classificações profissionais ou nos certames públicos. O ato
solitário, reflexivo, baseado em leituras razoáveis, focado em tema específico e orientado pela
vocação de contribuir originalmente para o Direito, tornou-se exceção». (Assim: Rodrigues
Junior, Otavio Luiz. Dogmática e crítica da jurisprudência, ou da vocação da doutrina em
nosso tempo. Revista dos Tribunais, vol. 891/65, jan./2010. Ora em: Mendes, Gilmar Ferreira;
Stocco, Rui (Orgs.). Doutrinas essenciais. Direito civil – Parte geral. Vol. I. São Paulo: Ed.
Revista dos Tribunais, 2012, p. 853).
59
A expressão «quête effrénée de solutions toutes faites» está em Gobert, Michelle. Le Temps
de penser la doctrine. Droits – Revue Française de Théorie Juridique, vol. 20, Paris: PUF,
1994, p. 98.
22
judith martins-costa
um telefilme ou de quem olha, da janela de um trem em movimento, toda uma
série de pedaços desconexos de paisagens que passam fugazmente».60
Fazer doutrina não significa atender as vaidades das escolas ou encher
com tipos pretos infindáveis folhas brancas encadernadas em forma de livros
ou de artigos; também não se trata de «entrevistar» autores mais ou menos
consagrados por meio de uma sua leitura apressada – muitas vezes misturando, num mesmo parágrafo de texto, os mais célebres e os mais irrelevantes
dos juristas – num símile de «jornalismo jurídico» meramente transcritor de
opiniões alheias, ausentes critérios de importância, de reconhecimento de uma
autoridade intelectual. Não produz doutrina o sujeito «criativo» que propõe,
afanosamente, caminhos sem substância nem relação com o sistema, desfilando gerúndios e metáforas que não podem substituir o trabalho constitutivo
do pensamento; nem aquele que, alinhado à moda, envereda por «trabalho de
campo» (tão incensado quanto pouco compreendido), facilitado pelos instrumentos de busca na internet, e que afasta – como se inútil ou ultrapassado
fosse – o destrinchar de problemas sistemáticos ou as dificuldades teóricas na
qualificação de tipos sociais novos.
A atividade doutrinária útil e socialmente significativa não se reduz,
enfim, nas trivialidades das opiniões emitidas, resumida ou prolixamente (a
depender do estilo pessoal) no mero afã descritivo, num infindável movimento
em que se tece e borda a veste rala das opiniões limitadas a parafrasear a lei,
a reiterar, acriticamente, ou o que pensam os outros autores, ou a recortar,
copiar e colar decisões judiciais reprodutoras, por sua vez, dessa mesma
doutrina, sempre rezando pela cartilha da devoção ao imediato61 como se toda
e qualquer «novidade» tivesse, no Direito, um valor em si, a confirmar que
os nossos contemporâneos «suspeitam o inconfessável em tudo o que não é
revelado no momento».62 Não se faz doutrina com erudição vazia, slogans e
palavras de ordem – por sonoras, generosas ou grandiloquentes que possam
ser –, nem com o transplante acrítico de soluções estrangeiras, sem pensar-se nas possibilidades e sem avaliar os efeitos concretos de sua inserção no
sistema; sequer com trivialidades destituídas de valor explicativo e cuja força
advém somente da monocórdica repetição. É a atividade doutrinária, antes de
mais, obra de reflexão, a cada dia mais dificultosa e necessária porque, como
disse Hannah Arendt,63 a irreflexão, «a imprudência temerária ou a irreme Garrido, Tomás Rubio. La doctrina de los auctores. De fuente jurídica primaria a la
vulgarización e irrelevancia. Granada: Ed. Comares, 2006, p. 90, em tradução livre.
61
A expressão é de Bloch, Marc. Apologia da História – ou o ofício de historiador. Rio de
Janeiro: Jorge Zahar, 2002, p. 54.
62
Garapon, Antoine. Bem Julgar. Ensaio sobre o ritual judiciário. Trad. de Pedro Filipe
Henriques. Lisboa: Instituto Piaget, s/d, p. 273.
63
Arendt, Hannah. A Condição Humana. 5. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1991,
p. 13.
60
apresentação
23
diável confusão ou a repetição complacente de “verdades” que se tornaram
triviais e vazias parece ser uma das principais características do nosso tempo».
Palavras de ordem, soluções mágicas e índices altos de produção para
fins de preenchimento dos formulários dos órgãos universitários não substituem a reflexão: apenas instauram uma espécie de ditadura do instantâneo,
dificultando o progresso do Direito. Não há, efetivamente, construção, com
tudo o que exige de afastamento, perspectiva, aproveitamento de materiais,
meditação, sedimentação: um «novo» substitui o outro «novo» de ontem,
como se o tempo fosse uma sucessão de «agoras». Sem construção racional
(que implica, necessariamente, a revisão crítica da tradição) a doença da
doutrina está na simplificação, isto é: na adoção de explicações que, sob a
capa de um pretenso didatismo, aplainam o que é complexo e, por isto, tem
ralo ou nulo papel orientador.64
A mera observação empírica faz constatar que se publica muito (se
compararmos com o volume publicado há 30 ou 40 anos), mas o aumento
da quantidade (repetindo antiga lei) tem resvalado na perda de qualidade. O
resultado dessa sobreposição entre as noções de a doutrina e de uma opinião
publicada é a banalização que conduz à crescente desimportância da doutrina:
onde todos publicam qualquer opinião, não vale a pena ler o que publicam.
Se tudo vale como doutrina – e sempre há «doutrina» para todos os lados
–, esta não mais fornece modelos, antes podendo ser usada para reforçar ou
mascarar a discricionariedade dos que julgam ou legislam. «Não me importa
o que pensam os doutrinadores», diz um tristemente célebre acórdão do
Superior Tribunal de Justiça.65 «Ninguém nos dá lições». E, no entanto, segue
impávida, nos julgados, a referência à «doutrina» nacional e estrangeira. Não
é incomum encontrar num mesmo parágrafo e indistintamente, referências
a autores notáveis por seu pensamento, citações de autores estrangeiros no
64
Sublinha o caráter orientador da doutrina: Ávila, Humberto Bergmann. Notas sobre o
Papel da Doutrina na Interpretação. Conversa sobre a Interpretação no Direito. Estudos em
Homenagem ao Centenário de Miguel Reale. Cadernos para Debates n. 4. Canela: Instituto de
Estudos Culturalistas, set./2011, p. 159.
65
STJ, 1ª Seção, AgRg em EREsp 279.889-AL, rel. Min. Francisco Peçanha Martins, relator
para o acórdão Min. Humberto Gomes de Barros, j. 14.08.2002. O trecho da fundamentação
é: «Não me importa o que pensam os doutrinadores. Enquanto for ministro do Superior
Tribunal de Justiça, assumo a autoridade da minha jurisdição. O pensamento daqueles que
não são ministros deste Tribunal importa como orientação. A eles, porém, não me submeto.
Interessa conhecer a doutrina de Barbosa Moreira ou Athos Carneiro. Decido, porém, conforme
minha consciência. Precisamos estabelecer nossa autonomia intelectual, para que este Tribunal
seja respeitado. É preciso consolidar o entendimento de que os senhores ministros Francisco
Peçanha Martins e Humberto Gomes de Barros decidem assim, porque pensam assim. E o
STJ decide assim, porque a maioria de seus integrantes pensa como esses ministros. Esse é o
pensamento do Superior Tribunal de Justiça e a doutrina que se amolde a ele. É fundamental
expressarmos o que somos. Ninguém nos dá lições. Não somos aprendizes de ninguém.»
24
judith martins-costa
idioma original (feitas para valer não pelo que pode persuadir o pensamento
do autor citado, mas pelo fato de a citação poder impressionar pela erudição
de quem cita), referindo-se, ainda, «opiniões publicadas» até mesmo em sites
irrelevantes (sem critérios, sem corpo editorial, sem linha pré-definida). A
soma de citações em nada contribui, porém, para a persuasão (senão pelo argumento simplesmente quantitativo), nem para o debate racional e democrático.
Presente o vazio doutrinário (por desimportância, não por quantidade66)
o trabalho de distinguir, qualificar, classificar, refletir, criticar, elaborar
conceitos e soluções e propor modelos hermenêuticos é remetido à jurisprudência. Esta passa a ocupar, a par de suas próprias e relevantíssimas funções,
um lugar que não é seu: o juiz deve decidir em vista de casos concretos; está,
pois, por dever de ofício, imerso na concreção, na atenção ao particular, nas
diferenças, nos detalhes do caso – e assim deve ser. Não se lhe é exigido
mergulhar na abstração teórica que permite o pensar em termos de generalidade, pois embora a realidade seja feita por uma infinidade de detalhes,
«pensar es olvidar diferencias, es generalizar, es abstraer»,67 é classificar,
qualificar, distinguir, ordenar e, por isto, sempre abstrair, o que demanda
conhecer, meditar e refletir sobre o concreto para dele afinal se despreender.
Mais que tudo, é diversa a atitude, o direcionamento intelectual entre o juiz
e o doutrinador. A exigência de certeza do direito, que é, em definitivo, a
exigência de igualdade de tratamento para todos que se encontram no mesmo
tipo de situação – disse-o bem Cian68 – postula, ao juiz, uma posição determinada: ele é, fundamentalmente, quem aplica uma regra preexistente ao ato
decisório. Esse mister está no núcleo de sua função, não o «fazer teoria»,
muito embora não se negue, de modo algum, a dosagem de criação e inovação
que está presente na atividade jurisdicional.
Porém, ausente o trabalho de construção doutrinária, que funciona como
âncora – ao fixar conceitos e orientar sobre as possibilidades de aplicação
dos modelos jurídicos – é grande a tentação, para o juiz, de se ver como
Como bem apontado, há «falta de semeadores de trigo e excesso de semeadores de joio».
Rodrigues Junior, Otavio Luiz. Dogmática e crítica da jurisprudência, ou da vocação da
doutrina em nosso tempo. Revista dos Tribunais, vol. 891/65, jan./2010. Ora em: Mendes,
Gilmar Ferreira; Stocco, Rui (Orgs.). Doutrinas essenciais. Direito civil – Parte geral. Vol. I.
São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2012, p. 868.
67
Lopes y Lopes, Angel. Las ensoñaciones del jurista solitario. Valencia: Tirant lo Blanch,
2005, p. 45.
68
Cian, Giorgio. Il Diritto Civile come Diritto Privato Comunne. Rivista di Diritto Civile, anno
XXXV, Cedam: Pádua, 1989, p. 7. Sobre o «elemento confiança» na interpretação judicial, v.
Pargendler, Ari. A interpretação judicial. Conversa sobre a Interpretação no Direito. Estudos
em Homenagem ao Centenário de Miguel Reale. Cadernos para Debates n. 4. Canela: Instituto
de Estudos Culturalistas, set./2011.
66
apresentação
25
paralegislador,69 espécie de «engenheiro social»,70 esquecido das eficácias
práticas implicadas a sua dupla atuação como intérprete e aplicador do
Direito.71 Em parte sob a pressão midiática observa Lambert, os juízes se
sentem investidos do velho sonho da «justiça redentora e purificadora», à qual
se atribui «a virtude hercúlea de limpar as cocheiras de Augias»,72 expressão
que, remetendo a uma hercúlea força, conota a ideia de uma capacidade
inaudita para rapidamente resolver tarefas complexas. O resultado está nas
bruscas rupturas do entendimento jurisprudencial, na miscelânea das decisões
conflitantes sobre um mesmo tema, em uma palavra: na insegurança jurídica
derivada da impossibilidade de manter expectativas e vê-las razoavelmente
atendidas. Mas, como está em Gadamer, toda segurança jurídica em um
Estado de Direito consiste em a qualquer um poder ter ideia do a que se ater,73
a que seguir e obedecer.
Não só o juiz resta encarregado de tarefas que não são suas, gerando,
pelo acúmulo e distorção funcional, a insegurança. Ausente a doutrina e sua
eficácia de transformação ordenada nos significados dos modelos jurídicos,
sua efetiva força de conjugação entre o fato e o valor, assegurando os deslizamentos conceituais que promovem a adaptação contínua da norma à realidade,
postula-se, mais e mais produção legislativa, a tal ponto que se tem ressaltado
o fato de vivermos em uma law-satured society.74 Sem retirar o valor da lei
para a segurança jurídica, o fato é que estamos verdadeiramente intoxicados
por regras legais, administrativas, regulamentares, como se a proliferação de
regras assegurasse o Direito. Mas em qualquer setor da experiência humana –
e também no Direito – o excesso pode ser mais erosivo que a escassez.
A doutrina entra em crise quando, despida de sua autoridade epistemológica, é também incapaz de oferecer soluções adequadas ao sistema, consi-
69
Assim, reproduzindo a expressão de Pierre Drai, escreve Lambert, Pierre. La Montée en
puissance du juge. Em: Le rôle du juge dans la cité. Les Cahiers de l’Institut d’études sur la
Justice. Bruxellas: Ed. Bruylant, 2002, p. 4.
70
Ost, François. Le Rôle du juge: vers de nouvelles loyautés? Em: Le rôle du juge dans la cité.
Les Cahiers de l’Institut d’études sur la Justice. Bruxellas: Ed. Bruylant, 2002, p. 16.
71
Pargendler, Ari. A interpretação judicial. Conversa sobre a interpretação no direito.
Estudos em homenagem ao Centenário de Miguel Reale. Cadernos para Debates n. 4. Canela:
Instituto de Estudos Culturalistas, set./2011, p. 103.
72
Assim, reproduzindo a expressão de Marc Verdussen, como escreve Lambert, Pierre. La
Montée en puissance du juge. Em: Le rôle du juge dans la cité. Les Cahiers de l’Institut d’études
sur la Justice. Bruxellas: Ed. Bruylant, 2002, p. 3. A expressão «limpar as cocheiras de Augias»
remete a um dos doze trabalhos de Hércules, da mitologia grega, significando desempenhar,
com sucesso e rapidamente, um enorme esforço.
73
Gadamer, Hans-Georg. Verdad y metodo, trad. espanhola. 4. ed. Ediciones Sígueme,
Salamanca, 1991, p. 402.
74
Rodota, Stefano. Il diritto e il suo limite. Em: La vita e le regole. Tra diritto e non diritto.
Milão: Feltrinelli, 2006, p. 9.
26
judith martins-costa
derados o contexto, as exigências da razão histórica e a destinação ética do
ordenamento,75 o que convida a refletir mais detidamente sobre sua utilidade.
II. A utilidade da doutrina
É por meio da doutrina que o Direito progride sem inseguros saltos
nem demasiados sobressaltos, pois o seu papel é construtivo e progressivo.
Não constrói do nada a doutrina, antes reaproveita, recombina, reexamina,
o material que recava no sistema e no experienciar da realidade. Suas mais
imediatas tarefas estão em esclarecer os significados dos modelos jurídicos,
elaborar conceitos, orientar sua aplicação e em criar modelos doutrinários. É
daí que vem a sua utilitas e sua efetiva auctoritas – não uma vazia auctoritas
derivada do mero fato de provir de uma casta de professores iluminados que
seriam marcados – pelo só fato de escreverem – por um selo de qualidade
intelectual. Há utilitas na doutrina à medida que produz obra útil aos fins que
o Direito, ciência prática (e, pois, prudentia) está direcionado. E há auctoritas
exclusivamente derivada de sua adstrição à diretriz da racionalidade crítica,76
arma inafastável para a consecução de seus misteres.
Primeiramente, pois, a doutrina interpreta (pois interpretar é também
esclarecer), ao explicitar a significação e ao orientar sobre o sentido das
estruturas normativas prescritivas («modelos jurídicos»), atuando, assim,
paralelamente aos métodos de que se servem os juristas para a compreensão
das normas.77 Ressalte-se que interpretar não se limita a «atribuir sentido»,
embora este seja o seu núcleo. Abrange, por igual, «problemas de relevância,
de qualificação, de valoração [dos fatos] e de prova»,78 demandando «além
de textos, o exame de outros elementos, dentre os quais estão fatos, atos,
costumes, finalidades e efeitos».79 Envolve, pois, (ou pode envolver) pressu-
Acerca desses atributos, v. Reale, Miguel. Fontes e modelos do direito. Para um novo
paradigma hermenêutico. São Paulo: Saraiva, 1994, p. 111-112.
76
Fala em «princípio da racionalidad crítica»: Garrido, Tomás Rubio. La doctrina de los
auctores. De fuente jurídica primaria a la vulgarización e irrelevancia. Granada: Ed. Comares,
2006, p. 143.
77
Reale, Miguel. Fontes e modelos do direito. Para um novo paradigma hermenêutico. São
Paulo: Saraiva, 1994, p. 108.
78
Assim: Ávila, Humberto Bergmann. Notas sobre o papel da doutrina na interpretação.
Conversa sobre a interpretação no direito. Estudos em Homenagem ao Centenário de Miguel
Reale. Cadernos para Debates n. 4. Canela: Instituto de Estudos Culturalistas, set./2011, p. 158,
com referência ao exposto por Maccormick, Neil. Rhetoric and the Rule of Law. Oxford: OUP,
2005, p. 43
79
Ávila, Humberto. Função da ciência do direito tributário: do formalismo epistemológico
ao estruturalismo argumentativo. Em: Oliveira, Eduardo Mariz; Schoueri, Eduardo e Zilveti,
Fernando (Orgs.). Direito tributário atual. São Paulo: Dialética, 2013, p. 188.
75
apresentação
27
posições, conjecturas, ilações,80 percepções sociais, pois o intérprete tem como
ponto de partida o a priori cultural81 que se põe, também, como horizonte do
seu próprio conhecimento.82
Mas a doutrina também cria modelos, justamente os modelos dogmáticos a que acima fiz referência. Estes constituem criações/qualificações de
ordem teórica que, estruturando fato e valor, fornecem, com maior liberdade
de ação, esquemas de solução para os casos não regulados (lacunas) ou mal
regulados (insuficiência, deficiência, inadequação valorativa) pelos modelos
jurídicos, possibilitando uma ordenada atividade de integração hermenêutica.
Portanto, o arsenal doutrinário contempla a interpretação das normas e
dos modelos jurídicos; o emprego de técnicas e de métodos hermenêuticos
para solver questões de qualificação, valoração e prova; bem como a criação
de modelos dogmáticos que servem à atividade de interpretação e de integração de lacunas.
Os modelos dogmáticos constituem esquemas de apreensão e solução
que resultam da combinação estruturada de diversos elementos, provindos das
quatro fontes ou mesmo (no caso das cláusulas gerais) de elementos extrassistemáticos. São elaborados ou pela ressignificação (ou o emprego renovado) de uma solução não originalmente disposta para a situação em causa,
transpassando-se a solução de um campo para outro, como ocorreu, v.g., com
a apreensão, nos quadros do abuso de direito, das hipóteses de desvio de
poder e de abuso de posição dominante, que vem, respectivamente, do Direito
Administrativo e do Direito Concorrencial; ou, em outro exemplo, pelo transpasse, desde que não acrítico nem anacrônico, de soluções formuladas em
outros campos semânticos: assim, exemplificativamente, a economia, com
80
Ávila, Humberto. Função da ciência do direito tributário: do formalismo epistemológico
ao estruturalismo argumentativo. Em: Oliveira, Eduardo Mariz; Schoueri, Eduardo e Zilveti,
Fernando (Orgs.). Direito tributário atual. São Paulo: Dialética, 2013, p. 188-189.
81
Entre outras obras de Reale que tratam do «a priori cultural» veja-se: Paradigmas da cultura
contemporânea, São Paulo: Saraiva, 1996, bem como O homem e seus horizontes, São Paulo,
Topbooks, 2. ed., 1997, em especial p. 25 e ss., onde escreveu: «Assim sendo, desde o mais
elementar ato de percepção, o percebido já surge como algo objetivo e transpessoal, de tal
modo que jamais lograríamos compreender o significado do homem desvinculado do complexo
variegado daquilo que ele exterioriza, como projeção e dimensão imediata de sua consciência
intencional. É a razão pela qual costumo afirmar que a cultura é o sistema aberto das “intencionalidades objetivadas”, de tal sorte que o homem só pode ser integralmente compreendido
levando-se em conta o que ele é como indivíduo “a se” e o que ele é como sócio, isto é, enquanto
partícipe consciente ou não do complexo de imagens, símbolos, fórmulas, leis, instituições, etc.,
ou seja, de todas as formas que, no decurso do tempo, vão assinalando a incessante incidência
de valores sobre o já dado ou positivado na história».
82
Assim escrevi em: Direito e cultura: entre as veredas da existência e da história. Em
Diretrizes teóricas do novo Código Civil, Martins-Costa, Judith e Branco, Gerson, São Paulo:
Saraiva, 2002.
28
judith martins-costa
tanto impacto nos modelos contratuais;83 ou o direito comparado, como é tão
pródiga a doutrina brasileira, bastando recordar as figuras da «perda de uma
chance» e do «dever do credor mitigar os próprios danos», em matéria de
responsabilidade civil; pela recuperação de figuras que estiveram em desuso,
mas cuja utilidade se mostra renovada tal qual, em nosso sistema, as noções de
motivo e causa do negócio jurídico; ou ainda, de modo mais raro, pela criação
ex novo, então plasmando figuras originais, cujo desenho é impulsionado por
realidades fático-valorativas, tal como, por exemplo, a «paternidade socioafetiva», ou o «casamento homossexual».
A criação de modelos doutrinários comporta observações de caráter
metodológico, colocando-se a questão de saber até onde vai a liberdade da
doutrina para criá-los.84
1. Aspectos metodológicos dos modelos dogmáticos
Dentre os aspectos metodológicos suscitados pela atividade doutrinária
situa-se a questão da fidelidade ao modelo jurídico que está a ser interpretado,
o que remete, justamente, à dificultosa questão da liberdade da doutrina.
Sendo um modelo uma estrutura «que ordena fatos segundo valores,
numa qualificação tipológica de comportamentos futuros»,85 a sua configuração não está de uma vez por todas pronta e acabada: ao contrário, os modelos
legislativos, jurisprudenciais, costumeiros e negociais são tecidos em um
processo que interliga experiência social e os esquemas teóricos pelos quais é
aquela captada e objetivada em estruturas cognoscitivas. A interpretação opera
83
Exemplificativamente, impactando na causa de certos contratos de construção (os «EPC
contracts») e assim os afastando do molde do contrato de empreitada, de onde provém. (Vide,
a propósito: Pinto, José Emilio Nunes. O contrato de EPC para construção de grandes obras
de engenharia e o novo Código Civil», 2002. Disponível em jusvi.com/artigos/68. Acesso em
04.07.2013.) «Também assim o chamado Project Finance, ou Financiamento de Projeto, uma
operação financeira que se estrutura com base no fluxo de caixa gerado pelo empreendimento
financiado. Trata-se, de certa forma, de uma ruptura na abordagem tradicional dos financiamentos, centrada sempre nas empresas que buscam recursos para a implantação ou expansão
de negócios. A nova forma de financiamento, ao contrário, se concentra em torno do empreendimento que se projeta instalar ou expandir, assim como na sua capacidade de gerar os recursos
necessários à amortização da operação. Em suma, trata-se de financiamento de projeto e não de
empresa» Barros Leães, Luiz Gastão Paes de. O projeto de financiamento. Pareceres. vol. II.
São Paulo: Singular, 2004, p. 1443.
84
A propósito da retomada deste inacabado debate, vide: Gutmann, Daniel. La fonction
sociale de la doctrine juridique. Revue Trimmestrielle de Droit Civil. juil.-sept./2002, n. 3,
Paris: Dalloz, 2002, p. 455-462.
85
Reale, Miguel. Vida e morte dos modelos jurídicos. Em: Estudos de filosofia e ciência do
direito. São Paulo: Saraiva, 1978, p. 17.
apresentação
29
sobre estruturas objetivadas86 de modo que, havendo embora criação no ato de
interpretar, não há ou não pode haver criação ou recriação livre. O intérprete,
diz Reale, «não tem diante de si algo indefinidamente «objetivável», mas sim
algo que só pode ser re-criado ou re-presentado dentro dos limites daquilo que
se tornou objetivo por ato de outrem».87 Há vinculação textual e contextual.
O afastar dessa vinculação (substituída, no mais das vezes, por um
impulso voluntarista, considerando-se a produção doutrinária uma «livre
produção», ou tema a ser equacionado por via do sentimento) é, talvez, uma
das concausas do descenso da doutrina acima apontado. O método dogmático
requer o pensamento estruturado em técnicas de lógica jurídica, supondo habilidade para distinguir, deduzir e correlacionar. Por isto o trabalho doutrinário
é, primeiramente, uma obra de estudo árduo. Mas como o trabalho doutrinário é também obra de construção – porque o Direito jamais é um «dado», é
uma contínua elaboração – é papel da doutrina perceber o que está em vias de
transformação, fixando os elementos da experiência passíveis de objetivação
normativa e os elementos normativos aptos a reconduzi-los ao sistema. Por
esta razão, a atividade interpretativa «tem como um de seus princípios essenciais o da fidelidade ao esquema ou estrutura objetivada, em função da qual
pode se mover o investigador com relativa liberdade, desde que não desnature
ou deforme a estrutura objetivada a que se acha vinculado».88
Assim sendo, complementa Miguel Reale, «por mais que a interpretação
possa tirar partido da elasticidade normativa, preenchendo os vazios inevitáveis do sistema, deve ela sempre manter compatibilidade lógica e ética com
o ordenamento jurídico positivo, excluída a possibilidade, verbi gratia, de
recusar-se eficácia a uma regra de direito positivo a pretexto de colisão com
ditames de uma justiça natural ou de uma pesquisa sociológica». E arremata:
«não se pode, em suma, recusar eficácia às estruturas normativas objetivadas
no processo concreto da história, sob pena de periclitar o valor de certeza
jurídica, ao sabor de interpretações que refletem, não raro, posições variáveis
e incertas».89
Por esta razão alude Reale ao «princípio da fidelidade» que abarca a
consideração à própria doutrina, isto é: o que a opinião individual do autor
traduz do consenso de uma comunidade doutrinária, resultando de uma
tradição. Esta não constringe inelutavelmente o doutrinador (com o que seria
morta e inútil a atividade doutrinária), mas há de ser, pelo menos, o ponto de
Reale, Miguel. O direito como experiência. 2. ed. 2. tir. São Paulo: Saraiva, 1999, p.
242-243.
87
Idem, ibidem, p. 242.
88
Idem, ibidem, p. 243.
89
Reale, Miguel. Fontes e modelos do direito. Para um novo paradigma hermenêutico. São
Paulo: Saraiva, 1994, p. 110.
86
30
judith martins-costa
partida para a nova construção. Há alimentação, estrutura dialógica. Como
escrevi de outra feita,90 todo texto implica trânsitos, confronto produtivo,
sendo dialogal, vale dizer, supondo intertextualidade.91 Na estrutura normativa do modelo doutrinário estará, sempre, a «implicação dialética de forças
emergentes, de natureza fática e axiológica».92
De fato, há modelo doutrinário, como em Janus, a conjugação entre
retrospectividade (por atar-se à tradição, assegurando a continuidade do
Nomos, isto é, de uma comunidade hermenêutica, asseguradora da própria
comunicabilidade93) e prospectividade (propiciando a adequação dos modelos
jurídicos às necessidades fáticas ou valorativas). Ao conjugar essa dupla
vertente a doutrina vincula tradição e antecipação.
2. Tradição e antecipação
Em texto notável que já tive a ocasião de comentar, sugeriu Robert Cover94
que todo ordenamento jurídico, além de um aspecto imperial (correspondente
ao uso da força e da violência) tem um aspecto paidético.95 Este atine à «construção de um mundo» – o Nomos – sendo constituído pelos consensos em
torno de certas ideias, dos compromissos relativamente a determinados ideais.
O aspecto paidético é abrangente, em uma unicidade, de um discurso em parte
coletivo, em parte individual, que diz a uma pessoa o que ela é, assim permi-
90
Martins-Costa, Judith. A concha do marisco abandonada e o Nomos (ou os nexos entre
narrar e normatizar). Em: Martins-Costa, Judith (Org.). Narração e normatividade. Ensaios
de direito e literatura. Rio de Janeiro: GZ Editora, 2013, p. 1-27.
91
Kristeva, Julia. Sémiotiké, Recherches pour une sémanalyse. Paris: Seuil, 1969. Rabau,
Sophie. L’intertextualité. Paris: Flammarion-GF Corpus, 2002, p. 54 e ss.
92
Reale, Miguel. Vida e morte dos modelos jurídicos. Em: Estudos e filosofia e ciência do
direito. São Paulo: Saraiva, 1978, p. 19.
93
Martins-Costa, Judith. A concha do marisco abandonada e o Nomos (ou os nexos entre
narrar e normatizar). Em: Martins-Costa, Judith (Org.). Narração e normatividade. Ensaios
de direito e literatura. Rio de Janeiro: GZ Editora, 2013, p. 10.
94
Professor norte-americano, falecido aos 42 anos, em 1986, seus ensaios foram reunidos
post mortem em: Narrative, Violence, and the Law: The Essays of Robert Cover publicado
em 1995 por University of Michigan Press. A obra de Cover recebeu análise, na França, em
vários escritos, alguns deles reunidos em: Michaut, Françoise (Org.). Le droit dans tous ses
états à travers l’oeuvre de Robert M. Cover. Paris: L’Harmattan, 2001. Utilizei a concepção
de Cover sobre o Nomos em: Martins-Costa, Judith. A concha do marisco abandonada e o
Nomos (ou os nexos entre narrar e normatizar). Em: Martins-Costa, Judith (Org.). Narração e
normatividade. Ensaios de direito e literatura. Rio de Janeiro: GZ Editora, 2013.
95
O autor usa o termo «paideic» que remete à Paideia de Platão, o processo de educação em
sua forma verdadeira, a mais abrangente, «a forma natural e genuinamente humana», segundo
W. Jaeger, de educação na Grécia antiga, abrangendo «formação geral que tem por tarefa
construir o homem como homem e como cidadão» (Jaeger, Werner. Paideia, a formação do
homem grego. 3. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1995, p. 147).
apresentação
31
tindo que ela se situe,96 descobrindo a alteridade, aprendendo a se mover entre
as normas,97 conhecendo e operando os conceitos normativos.98 No sistema
romano-germânico, a doutrina constitui justamente essa «narração» que situa
as normas provindas das fontes e modelos jurídicos, conferindo a sua significação e possibilitando a própria inteligibilidade das estruturas normativas.99
Entenda-se, porém por tradição não o congelamento passadista, que
esteriliza e condena, mas o testemunho informativo e axiológico do passado
por meio de mecanismos específicos que asseguram a sua manutenção,
interpretação, utilização, superação. A tradição não é o passado, mas o que
resta de uma seleção. É o que fica de um processo de acumulação seletiva e
dinâmica. É, pois, nesse sentido, o trabalho de pesquisa e individuação da
identidade estrutural da vida em sociedade, das raízes a partir das quais se
coloca e adquire significado todo e qualquer processo de desenvolvimento e
inovação.100
Assim, não é nem pode ser estática a doutrina, nem estáticos são os
modelos que fornece. Tal qual os modelos jurídicos, os modelos doutrinários são condicionados pelos fatos e valores que os estruturam. Porém, se
atentos, como devem ser, aos ares do mundo, há neles embutido um caráter
de antecipação, condição para uma permanente aderência à vida. Exemplifico
com o modelo dogmático da obrigação como processo, isto é: o modelo, de
construção doutrinária, que, formulado nos anos 60 do século XX por Clóvis
do Couto e Silva101 – já em vista de modelos construídos, por sua vez, pela
civilística germânica, e cuidadosamente adaptado aos dados do ordenamento
brasileiro102 –, vem permitindo a aderência entre o tratamento teórico-dogmá Michaut, Françoise. Introdução a Nomos et narrative. Em : Le droit dans tous ses états à
travers l’oeuvre de Robert M. Cover. Paris: L’Harmattan, 2001, p. 20
97
Assim Michaut, Françoise, aludindo às conclusões da Psicologia piagetiana. Le processus
générative de normes chez Robert Cover: Raisons Politiques. Études de Pensée Politique, nº 27.
Paris: Presses de Sciences Po, 2007, p. 60. Cover cita Piaget, na nota 8 de Nomos and Narrative.
Harvard Law Review, vol. 97, 1983, p. 5
98
Cover, Robert M. Nomos and narrative. Harvard Law Review, vol. 97, 1983, p. 4-5.
99
Assim sustentei em: Martins-Costa, Judith. A concha do marisco abandonada e o Nomos
(ou os nexos entre narrar e normatizar). Em: Martins-Costa, Judith (Org.). Narração e
normatividade. Ensaios de direito e literatura. Rio de Janeiro: GZ Editora, 2013, p. 11.
100
Assim, Opocher, Enrico. Prefácio a: Pastore, Baldassare. Tradizione e Diritto. G. Giappichelli Editore, 1991, p. 7.
101
Couto e Silva, Clóvis. A obrigação como processo. Tese para Concurso da Cátedra de
Direito Civil da Faculdade de Direito da Universidade do Rio Grande do Sul. Porto Alegre: Ed.
do Autor, 1964. Ora editada pela FGV Editora, Rio de Janeiro, 2006.
102
Assim a ideia da «separação relativa» dos planos da relação obrigacional, em vista das
peculiaridades das eficácias da transmissão do domínio no Direito brasileiro. Como bem aponta
Almiro do Couto e Silva: «A originalidade de Clóvis do Couto e Silva não está, pois, na identificação dessas peculiaridades da relação obrigacional (na concepção como totalidade e sistema
de processos, advindas da civilística germânica) e nem mesmo, portanto, do título que deu à
96
32
judith martins-costa
tico do fenômeno obrigacional e a estrutura econômica e social hipercomplexa
em que aquele fenômeno se manifesta em nossos dias.
Em suma: é mister da doutrina atuar como instância de orientação e
reflexão produzida pelo conjunto dos juristas aos quais é reconhecida, por
seus pares, autoridade na formulação de modelos dogmáticos que servem
para explicitar, confirmar, sistematizar, propor, e corrigir os modelos prescritivos (legais, jurisprudenciais, costumeiros, negociais) em vigor. A doutrina
desempenha o seu papel social quando não apenas explica o sistema, mas, por
igual, ao antecipar possibilidades de sentido e soluções práticas que venham
a atender as necessidades sociais, e – principalmente – ao formular e permitir
a sobrevivência – de modelos orientadores, provendo a comunidade jurídica
com representações, indicações e proposição de comportamentos.
É útil a doutrina (e só é útil a doutrina) quando se ocupa com diligência
e rigor da dogmática, este verdadeiro «núcleo da investigação científica no
âmbito do direito»,103 tecido e permanentemente reconstruído a partir da
reflexão sobre o sistema e a atenção à prática, objeto empírico da dogmática
jurídica.
***
tese, mas sim em ter constituído aquelas peculiaridades em permanente fio condutor de sua
análise do nascimento e desenvolvimento do vinculum obligationis em todas as suas fases e
momentos, sempre polarizado por um fim que é o adimplemento e a satisfação dos interesses
do credor». Em: Prefácio à 2ª tiragem de Couto e Silva, Clóvis V. A obrigação como processo.
Rio de Janeiro: FGV Editora, 2006, p. 11.
103
Nobre, Marcos. Apontamentos sobre a pesquisa em direito no Brasil. São Paulo: Publicações
EDESP/FGV, 2004 (Cadernos de Pesquisa).
Dar testemunho das possibilidades de uma elaboração de modelos doutrinários é do que, ao fim e ao cabo, se ocupa este livro coletivo, resultado do
trabalho que, por décadas, foi levado a efeito pela organizadora e pelos coautores quando atuavam nos papéis, respectivamente, de professora orientadora
e de alunos pós-graduandos em atividade no Programa de Pós-Graduação em
Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Temas suscitados em
seminários transformaram-se em problemas a serem pensados e dissecados
em teses de doutorado e em dissertações de mestrado que, uma vez aprovadas,
resultaram em livros e em prefácios a esses livros, traduzindo, eles mesmos,
novas reflexões suscitadas, por sua vez, pela meditação só possível no tempo
e no diálogo. A unir os variados textos (prefácios republicados e novos textos
agora produzidos) está a preocupação em fornecer modelos dogmáticos que,
atentos aos fatos sociais provindos da medicina, economia, sociologia, das
novas tecnologias, das transações comerciais, das contradições do próprio
sistema jurídico, articulam, para regrá-los e solvê-los satisfatoriamente,
normas de múltipla origem (legal, administrativa, costumeira, negocial) em
uma estrutura valorativamente orientada.
Testemunho da doutrina, e em si mesmo obra de doutrina, os textos
componentes deste livro atestam, em primeiro lugar, que o trabalho intelectual,
próprio da doutrina, não compactua com o instantâneo, o atomizado, o irrefletido. Anos passados da defesa das teses e dissertações, experiências vividas,
ideias testadas na realidade dos casos da vida suscitaram voltar novamente
os olhos aos trabalhos então feitos e publicados. Ao fim e ao cabo, os artigos
aqui reunidos constituem a reflexão atual de cada um sobre a validade do que
haviam produzido e oferecido à comunidade jurídica como obra de doutrina.
Cada texto – resultado desse novo olhar – é antecedido pelo prefácio que
traduz, por sua vez, o pensamento desta orientadora (ou, por vezes, co-orientadora104) no momento da publicação original, depois das muitas conversas,
104
Orientadora das teses ou dissertações que resultaram nos livros aqui prefaciados correspondentes aos trabalhos apresentados por: Silva, Eduardo Silva da (UFRGS, 2000); Beck Varela,
Laura (UFRGS, 2001); Peteffi, Rafael (UFRGS, 2001); Cachapuz, Maria Cláudia (UFRGS,
2004); Frantz, Laura Coradini (UFRGS, 2004, Mestrado); Branco, Gerson (UFRGS, 2006);
Costalunga, Karime (UFRGS, 2006); Sanseverino, Paulo de Tarso (UFRGS, 2007); Tutikian,
34
judith martins-costa
das por vezes impiedosas críticas, mas da sempre solidária, dialogal e ativa
atenção aos trabalhos realizados. Em um caso, pelo menos, o livro testemunha
– sem espaço para dúvidas – a função fertilizadora dos modelos doutrinários
na criação de modelos jurisprudenciais.105
É também este livro testemunha da vastidão, riqueza, e desafios do
Direito Privado.
Na estruturação da obra segue-se (mas não em linha reta!) a geografia
do Código Civil. Não se poderia iniciar senão pela pessoa humana, atacando
alguns dos impasses que hoje cercam as formas e métodos da proteção dos
bens de sua personalidade: assim, a privacidade,106 a saúde,107 o estatuto do
próprio corpo humano.108
Prossegue-se com as sempre muito complexas situações jurídico-obrigacionais, a começar pelos problemas da formação negocial, quando atua o
silêncio qualificado;109 são examinados alguns dos princípios que acompanham a vida dos negócios jurídicos traduzindo-se, por exemplo, na confiança
a vincular árbitros e partes de uma arbitragem;110 nos fundamentos da revisão
contratual;111 bem como são analisados os significados do princípio da função
Priscila (UFRGS, 2007); Fernandes, Marcia Santana (UFRGS, 2008); Correa, André
Rodrigues (UFRGS, 2009); Cezar, Denise de Oliveira (UFRGS, 2009); co-orientadora de:
Haical, Gustavo (UFRGS, 2008); Spinelli, Luis Felipe (UFRGS, 2009) e Pargendler, Mariana
(Yale-UFRGS, 2011).
105
Refiro-me ao texto de Sanseverino, Paulo de Tarso. O princípio da reparação integral e o
arbitramento equitativo da indenização por dano moral no Código Civil, p. 423.
106
Prefácio a Cachapuz, Maria Claudia: Intimidade e vida privada no novo Código Civil
Brasileiro. Uma leitura orientada no discurso jurídico. Porto Alegre: Fabris, 2006, e o correspondente novo texto: A construção de um conceito de privacidade, as cláusulas gerais e a
concreção de direitos fundamentais, p. 48.
107
Prefácio a Cezar, Denise de Oliveira. Pesquisa com medicamentos. Aspectos bioéticos,
São Paulo: Saraiva, 2012, e o correspondente novo texto: Pesquisas patrocinadas com medicamentos e proteção da confiança, p. 84.
108
Prefácio a Fernandes, Marcia Santana. A bioética, a medicina e o direito de propriedade
intelectual: um estudo das patentes e as células-tronco humanas. São Paulo: Coleção Saraiva
de Bioética. 2011, e o correspondente novo texto: As patentes envolvendo partes do corpo
humano e a atividade dos biobancos, p. 117.
109
Prefácio a Tutikian, Priscila. O silêncio na formação dos contratos: proposta, aceitação
e elementos da declaração negocial. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009, e o correspondente novo texto: Silêncio como declaração negocial na formação dos contratos (sob a
perspectiva dos Modelos Hermenêuticos de Miguel Reale), p. 145.
110
Prefácio a Silva, Eduardo Silva da. Arbitragem e direito da empresa. São Paulo: Ed.
Revista dos Tribunais, 2003, e o correspondente novo texto: Arbitragem, confiança e boa-fé: a
autoridade do pacto ético entre os sujeitos da arbitragem, p. 184.
111
Prefácio a Frantz, Laura Coradini. Revisão dos contratos. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 211.
apresentação
35
social dos contratos112 e as peculiaridades de tipos contratuais cuja importância
não cessa de crescer na economia globalizada, como o contrato de agência.113
Não se descura do dano indenizável, tratando-se dos intrincados
problemas do fundamento da indenização numa sociedade produtora de danos
que advém de riscos sociais,114 bem como de problemas ligados à sua causa,115
sua extensão e reparação.116 Sendo a sociedade anônima o grande personagem
de nossa Era, são investigados alguns dos seus limites éticos, expressos em
deveres enucleados na fidúcia.117
Entre os modelos do Direito Privado e a História do Direito a relação é
complexa: imantação, por certo, daqueles por esta, mas também subversão
dos modelos, «traição da dogmática», revelação de percepções sociais, desvelamento de humanas escolhas. Não poderiam, portanto, deixar de ser mencionadas as veredas circundantes de uma situação de direito real tão inscrita em
nosso DNA cultural, como as sesmarias;118 não poderia ser esquecido o fenômeno societário com a feição adquirida em nossa complexa historicidade.119
Prefácio a Branco, Gerson. Função social dos contratos. Interpretação à luz do Código
Civil. São Paulo: Saraiva, 2009, e o correspondente novo texto: Elementos para interpretação
da liberdade contratual e função social: o problema do equilíbrio econômico e da solidariedade social como princípios da Teoria Geral dos Contratos, p. 257.
113
Apresentação a Haical, Gustavo. O contrato de agência: seus elementos tipificadores
e efeitos jurídicos. São Paulo, Revista dos Tribunais, 2012, e o correspondente novo texto:
Apontamentos sobre o direito formativo extintivo de denúncia no contrato de agência, p. 294.
114
Prefácio a Correa, André Rodrigues. Solidariedade e responsabilidade. O tratamento
jurídico dos efeitos da criminalidade violenta no transporte público de pessoas no Brasil. São
Paulo: Saraiva, 2009, e o correspondente novo texto: Ato violento de terceiro como excludente
de responsabilidade do transportador: qual a causa desse entendimento jurisprudencial? p.
341.
115
Prefácio a Silva, Rafael Peteffi da. Responsabilidade civil pela perda de uma chance. 3.
ed. São Paulo: Altas, 2013, e o correspondente novo texto: A responsabilidade pela perda
de uma chance, rico exemplo de circulação de modelos doutrinários e jurisprudenciais, p.
391. (Registra-se que a orientação ocorreu quando da dissertação de Mestrado, resultando o
texto ora publicado, em parte daquela dissertação, em parte da tese de doutorado apresentada à
Faculdade de Direito da USP.)
116
Prefácio a Sanseverino, Paulo de Tarso Vieira. Princípio da reparação integral. Indenização
no Código Civil. São Paulo: Saraiva, 2010.
117
Prefácio a Spinelli, Luis Felipe. Conflito de interesses na administração da sociedade
anônima. São Paulo: Malheiros, 2012, e o correspondente novo texto: Conflito de interesses na
administração da sociedade anônima: respeito à regra procedimental e inversão do ônus da
prova, p. 490.
118
Apresentação a: Varela, Laura Beck. Das sesmarias à propriedade moderna. Rio de
Janeiro: Renovar, 2005.
119
Prefácio a Pargendler, Mariana. Evolução do direito societário: lições do Brasil. São
Paulo: Saraiva, 2013, e o correspondente novo texto: Sincretismo jurídico na evolução do
direito societário brasileiro, p. 539.
112
36
judith martins-costa
E, finalmente, são alcançadas as contradições do Código Civil no
momento em que o fenômeno da sucessão vem obstaculizar escolhas feitas
válida e licitamente por ocasião do casamento, instituição por excelência do
Direito de Família.120
Ao fim e ao cabo resta a convicção, por todos nós compartilhada, da
força do Direito Privado, de sua estrutura sistemática ancorada em solidíssima
experiência de testagem conceitual que possibilita ao jurista atento ao sistema,
sua história, seus elementos dogmáticos, individuar e integrar as lacunas do
ordenamento legislado, abrir novas perspectivas sistematicamente ancoradas,
em vista a resolver os problemas advindos dos processos de transformação
social.
Resta, também, a convicção (e o firme propósito, reforçado pela iniciativa da prestigiadíssima Editora Marcial Pons) de manter vivo o «espírito da
universidade» – se não mais em suas salas, na ágora intelectual que um bom
livro representa.
Canela, junho de 2013.
Bibliografia
Alland, Denis; Rials, Stéphane. Dictionnaire de la culture juridique. 2. ed. Paris:
Lamy-PUF, 2007.
Arendt, Hannah. A condição humana. 5. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária,
1991.
Arnaud, Andre-Jean et alii. Dicionário enciclopédico de teoria e de sociologia do
direito. Trad. de Vicente de Paula Barreto. Rio de Janeiro: Renovar, 1999.
Ávila, Humberto Bergmann. Teoria dos princípios. Da definição à aplicação dos
princípios jurídicos. 12. ed. São Paulo: Malheiros, 2011.
_____. Notas sobre o papel da doutrina na interpretação. Conversa sobre a interpretação no direito. Estudos em homenagem ao centenário de Miguel Reale.
Cadernos para Debates n. 4. Canela: Instituto de Estudos Culturalistas, set./2011.
_____. Função da ciência do direito tributário: do formalismo epistemológico ao
estruturalismo argumentativo. Em: Oliveira, Eduardo Mariz; Schoueri, Eduardo
e Zilveti, Fernando (Orgs.). Direito tributário atual. São Paulo: Dialética, 2013,
p. 181-204.
Barros Leães, Luiz Gastão Paes de. O projeto de financiamento. Em: Pareceres. Vol.
II. São Paulo: Singular, 2004.
Prefácio a Costalunga, Karime. Direito de herança e separação de bens: uma leitura
orientada pela Constituição e pelo Código Civil. São Paulo: Quartier Latin, 2009, e o correspondente novo texto: O cônjuge sobrevivente e seu direito à herança: uma interpretação da
disciplina orientada pela Constituição e pelo Código Civil, p. 572.
120
apresentação
37
Beck-Varela, Laura. Das sesmarias à propriedade moderna. Rio de Janeiro:
Renovar, 2005.
Bloch, Marc. Apologia da História – ou o ofício de historiador. Rio de Janeiro: Jorge
Zahar, 2002.
Bloch, Oscar.; Von Wartburg, Walther. Dictionnaire étymologique de la langue
française. Paris: Quadrige/PUF, 2002.
Branco, Gerson L. C. Função social dos contratos. Interpretação à luz do Código
Civil. São Paulo: Saraiva, 2009.
Cachapuz, Maria Cláudia M. Intimidade e vida privada no novo Código Civil Brasileiro: Uma leitura orientada no discurso jurídico. Porto Alegre: Fabris, 2006.
Calasso, Francesco. Gli Ordinamenti Giuridici del Rinascimento Medievale. 2. ed.
Milão: Giuffrè, 1949.
Cezar, Denise de Oliveira. Pesquisa com medicamentos. Aspectos Bioéticos, São
Paulo: Saraiva, 2012.
Cgee – Centro de Gestão e Estudos Estratégicos – Doutores 2010 – Estudos de Demografia da base técnico-científica brasileira.
Cian, Giorgio. Il Diritto Civile come Diritto Privato Comunne. Rivista di Diritto
Civile, anno XXXV, Cedam: Pádua, 1989.
Coetzee, John Maxwell. Diário de um ano ruim. Trad. de José Rubens Siqueira. São
Paulo: Companhia das Letras, 2008.
Cornu, Gérard. Vocabulaire Juridique. Paris: Association Henri Capitant. PUF, 1987.
Corrêa, André Rodrigues. Solidariedade e responsabilidade. O tratamento jurídico
dos efeitos da criminalidade violenta no transporte público de pessoas no Brasil.
São Paulo: Saraiva, 2009.
Costalunga, Karime. Direito de herança e separação de bens: uma leitura orientada
pela Constituição Federal e pelo Código Civil. São Paulo: Quartier Latin, 2009.
Couto e Silva, Clóvis. A obrigação como processo. Rio de Janeiro: FGV Editora,
2006.
Cover, Robert M. Nomos and narrative. Harvard Law Review, vol. 97, 1983, p. 4-68.
Cunha, Alexandre dos Santos. A normatividade da pessoa humana: o estatuto jurídico da personalidade e o Código Civil de 2002. Rio de Janeiro: Forense, 2005.
Damatta, Roberto. Sabe com quem está falando? um ensaio sobre a distinção
entre indivíduo e pessoa no Brasil. Acessível em: http://www.ceap.br/material/
MAT20082012200620.pdf.
Féliz, Loussia Penha M.; De Sá, Fábio Costa M. Metodologia do ensino jurídico no
Brasil: Estado da arte e perspectivas. FGV. Seminário 31, vol. 6. n. 5, set./2009,
p. 22, 27.
Fernandes, Márcia Santana. A bioética, a medicina e o direito de propriedade intelectual: um estudo das patentes e as células-tronco humanas. São Paulo: Saraiva,
2012.
38
judith martins-costa
Ferraz Junior, Tércio Sampaio. Função social da dogmática jurídica. São Paulo:
Max Limonad, 1998.
Frantz, Laura Coradini. Revisão dos contratos: elementos para sua construção
dogmática. São Paulo: Saraiva, 2007.
Garapon, Antoine. Bem Julgar. Ensaio sobre o ritual judiciário. Trad. de Pedro Filipe
Henriques. Lisboa: Instituto Piaget, s/d.
Garrido, Tomás Rubio. La doctrina de los auctores. De fuente jurídica primaria a la
vulgarización e irrelevancia. Granada: Ed. Comares, 2006.
Gobert, Michelle. Le temps de penser la doctrine. Droits – Revue Française de
Théorie Juridique, vol. 20, Paris: PUF, 1994.
Grossi, Paolo. L’Ordine giuridico medievale. Roma-Bari: Laterza, 1995.
Gutmann, Daniel. La fonction sociale de la doctrine juridique. Revue Trimmestrielle
de Droit Civil. juillet/sept. 2002, n. 3, Paris: Dalloz, 2002, p. 455-462.
Haical, Gustavo da Cruz. O contrato de agência: seus elementos tipificadores e
efeitos jurídicos. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2012.
Hakin, Nader. L’autorité de la doctrine civiliste française au XIXeme siecle. Paris:
L.G.D.J., 2002.
Jaeger, Werner. Paideia, a formação do homem grego. 3. ed. São Paulo: Martins
Fontes, 1995.
Jestaz, Philippe; Jamin, Christophe. La Doctrine. Paris: Dalloz, 2004.
Kristeva, Julia. Sémiotiké. Recherches pour une sémanalyse. Paris: Seuil, 1969.
Lambert, Pierre. La Montée en puissance du juge. Em: Le rôle du juge dans la cité.
Les Cahiers de l’Institut d’études sur la Justice. Bruxellas: Ed. Bruylant, 2002.
Larenz, Karl. Metodologia da ciência do direito. 3. ed. Trad. de José Lamego. Lisboa:
Calouste Gulbenkian, 1997.
Lazzaro, Giorgio Storia e teoria della costruzione giuridica. Turim: Giappichelli,
1965.
Lopes y Lopes, Angel. Las ensoñaciones del jurista solitario. Valencia: Tirant lo
Blanch, 2005.
Ludwig, Marcos. Usos e costumes no processo obrigacional. São Paulo: Saraiva,
2005.
Machado de Assis. Teoria do medalhão que li em: Melhores contos. Machado de
Assis. Proença Filho, Domício (Selec.). 14. ed. São Paulo: Global, 2002.
Martins-Costa, Judith. A concha do marisco abandonada e o Nomos (ou os nexos
entre narrar e normatizar). Em: Martins-Costa, Judith (Org.). Narração e
normatividade. Ensaios de direito e literatura. Rio de Janeiro: GZ Editora, 2013.
Michaut, Françoise. Introdução a Nomos et narrative. Em: Le droit dans tous ses états
à travers l’oeuvre de Robert M. Cover. Paris: L’Harmattan, 2001.
apresentação
39
Michaut, Françoise. Le processus générative de normes chez Robert Cover: Raisons
Politiques. Études de Pensée Politique, n. 27. Paris: Presses de Sciences Po, 2007.
Nobre, Marcos. Apontamentos sobre a pesquisa em direito no Brasil. São Paulo:
Publicações Edesp/FGV, 2004 (Cadernos de Pesquisa).
Opocher, Enrico. Prefácio a: Pastore, Baldassare. Tradizione e diritto. G. Giappichelli Editore, 1991.
Ost, François. Le Rôle du juge: vers de nouvelles loyautés? Em: Le rôle du juge dans
la cité. Les Cahiers de l’Institut d’études sur la Justice. Bruxellas: Ed. Bruylant,
2002
Pargendler Mariana; Salama, Bruno Meyerhof. Direito e consequência no Brasil:
Em busca de um discurso sobre o método. Revista de Direito Administrativo, vol.
262, p. 95-144, jan.-abr. 2013.
Pargendler, Ari. A interpretação judicial. Conversa sobre a interpretação no direito.
Estudos em homenagem ao Centenário de Miguel Reale. Cadernos para Debates
n. 4. Canela: Instituto de Estudos Culturalistas, set./2011, p. 99-110.
Pargendler, Mariana. Evolução do direito societário: Lições do Brasil. São Paulo:
Saraiva, 2013.
Pinto, José Emilio Nunes. O contrato de EPC para construção de grandes obras de
engenharia e o novo Código Civil. 2002. Disponível em jusvi.com/artigos/68.
Acesso em 04.07.2013.
Pontes de Miranda, Francisco Cavalcanti. Fontes e evolução do direito civil brasileiro. Rio de Janeiro: Forense, 1981.
Rabau, Sophie. L’intertextualité. Paris: Flammarion-GF Corpus, 2002.
Reale, Miguel. Fontes e modelos do direito. Para um novo paradigma hermenêutico.
São Paulo: Saraiva, 1994.
Reale, Miguel. O direito como experiência. 2. ed., 2. tir. São Paulo: Saraiva, 1999.
_____. Vida e morte dos modelos jurídicos. Estudos de filosofia e ciência do direito.
São Paulo: Saraiva, 1978.
_____. Paradigmas da cultura contemporânea. São Paulo: Saraiva, 1996.
_____. O homem e seus horizontes. 2. ed. São Paulo: Topbooks, 1997.
Rodota, Stefano. Il diritto e il suo limite. Em: La vita e le regole. Tra diritto e non
diritto. Milão: Feltrinelli, 2006.
Rodrigues Junior, Otavio Luiz. Dogmática e crítica da jurisprudência, ou da vocação
da doutrina em nosso tempo. Revista dos Tribunais, vol. 891/65, jan./2010. Ora
em: Mendes, Gilmar Ferreira; Stocco, Rui (Orgs.). Doutrinas essenciais. Direito
civil – Parte Geral. Vol. I. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2012, p. 829-872.
Sanseverino, Paulo de Tarso Vieira. Princípio da reparação integral. Indenização no
Código Civil. São Paulo: Saraiva, 2010.
40
Judith martins-costa
Silva, Eduardo Silva da. Arbitragem e direito da empresa. São Paulo: Ed. Revista dos
Tribunais, 2003.
Silva, Rafael Peteffi da. Responsabilidade civil pela perda de uma chance. 3. ed. São
Paulo: Altas, 2013.
Sourioux, Jean-Louis. Par le droit, au delà du droit. Paris: Lexis Nexis, 2011.
Spinelli, Luis Felipe. Conflito de interesses na administração da sociedade anônima.
São Paulo: Malheiros, 2012.
Taruffo, Michele. Uma simples verdade. O Juiz e a construção dos fatos. Trad. Vitor
de Paula Ramos. São Paulo: Marcial Pons, 2012.
Tutikian, Priscila. D. S. O silêncio na formação dos contratos: proposta, aceitação e
elementos da declaração negocial. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora,
2009.
Wilhelm, Walter. La metodologia jurídica en el siglo XIX. Trad. espanhola de Rolf
Bethmann. Madrid: Edersa, 1989.
PARTE I
MODELOS PARA A PROTEÇÃO DA PESSOA
HUMANA E AOS BENS DE SUA PERSONALIDADE
Prefácio a
Cachapuz, Maria Cláudia Mércio. Intimidade e vida
privada no novo Código Civil brasileiro: uma leitura
orientada no discurso jurídico
De todas as representações metafóricas do mundo contemporâneo aquela
cunhada em 1967 pelo filósofo francês Guy Debord ainda é a mais adequada:
a «sociedade do espetáculo», diz Debord, é aquela fundada na «impostura da
satisfação»1 e na exasperação da aparência que transforma, paradoxalmente, o
estatuto ontológico do ser em «ser visto». Nesses inícios do século XXI uma
outra metáfora, porém, se agrega, completando-a: esta é também a «sociedade
invisível», tal qual imaginada por Daniel Innerarity.2
A tecnologia propicia concomitantemente o espetáculo e invisibilidade,
gerando – ainda uma metáfora – a sociedade da informação, designação
enganosa, pois é a sociedade dos que, hiperinformados carecem de discerni Debord, Guy. La Societé du Spetacle. Paris: Gallimard, 1992, p. 64.
Innerarity, Daniel. La Sociedad Invisible. Madri: Espasa, 2004.
1
2
42
Judith martins-costa
mento perante a informação, restando, assim, paradoxalmente desinformados
pelo excesso, e não pela ausência. A exposição exasperada e sistemática à
informação conduz – ainda outro paradoxo – à invisibilidade social, a uma
«intransparência irredutível»3 derivada já não da tecnologia, mas de suas
possibilidades e sentidos: a virtualidade, a exclusão, a simulação, as representações. Tudo resulta numa opacidade4 que por vezes é também jurídica,
seja porque gerada pelo excesso de regulamentação (qual floresta que impede
a vista das árvores), seja pela existência de espaços de não-direito derivados
(em mais uma dualidade paradoxal) da ausência do Estado (como nas favelas)
e do seu excesso (como em Guantánamo); uma sociedade, enfim, que – já
denunciava Debord em 1967 – adota um conceito de liberdade como «liberdade ditatorial do Mercado, temperada pelo reconhecimento dos Direitos do
Homem Espectador».5
Mas nem a liberdade individual nem a liberdade no sentido democrático
restam íntegras quando a esfera individual se abre indiscriminadamente às
vistas do público e a esfera pública é degradada pela manipulação midiática
que vende ideologias e esperanças solidárias tal qual se vendem sabonetes
e sapatos. Então, nem a vida privada é sinônimo de resguardo e harmônico
silêncio, nem a vida pública é espaço da discussão democrática, ambas se
tendo transformado no locus do espetáculo e do consumo de símbolos onde
a argumentação racional moderna (o pensar) é substituída pela mobilização
pulsional pós-moderna (o consumir).
Nesse espaço pasteurizado que já foi definido como o espaço do não-lugar o sujeito civil (ao qual correspondia uma esfera de deveres, no sentido
kantiano) é agora o sujeito narcisista,6 dispensado da autorresponsabilidade
Innerarity, Daniel. La Sociedad Invisible. Madri: Espasa, 2004, p. 17.
Idem, ibidem, p. 65, que assim descreve a «nueva opacidad social: «La invisibilidad es
resultado de un proceso complejo en el que confluyen la movibilidad, la volatilidad, la fragmentación y las fusiones, a multiplicación de realidades inéditas y la desaparición de bloques
explicativos, las alianzas insólitas y la confluencia de intereses de difícil comprensión. La
distribución del poder es mas volátil; la determinación de las causas y las responsabilidades,
mas complejas; los interlocutores son inestables; las presencias, virtuales y los enemigos,
difusos».
5
Debord, Guy. La Societé du Spetacle.Paris: Gallimard, 1992, p. 10. A ideia de liberdade,
conquista maior do Iluminismo, chega a um impasse: ser livre não é nem gozar de uma esfera de
ação relativamente ampla, protegida do controle estatal (como quis a doutrina liberal clássica),
nem criar leis para si mesmo, aumentando o número de ações reguladas mediante processos de
auto-regulação (tal como postulado pela doutrina democrática). Por isso observa, com acerto,
Gilberto Dupas não ser possível responder com firmeza à questão de saber o que, exatamente,
significa ser livre para o indivíduo que vive na contemporânea sociedade (Dupas, Gilberto.
Tensões contemporâneas entre o público e o privado. São Paulo: Paz e Terra, 2003, p. 26).
6
A expressão é de Edelman, Bernard. Critique de l’humanisme juridique, in La Personne en
Danger, Paris, PUF, 1999, p. 14, que a utiliza, no entanto, em diverso contexto.
3
4
modelos de direito privado – parte I
43
como senso moral e emancipado de um enquadramento normativo, seja de
natureza cultural, política ou ideológica.7
Ocorre que, para além de considerações sociológicas e filosóficas esse é o
mundo que ao Direito cabe ordenar. O Direito é antes de tudo «ordenamento»,
porque sua função primeira e típica é justamente a de «por ordem» (ordenando, isto é, compondo complexas escalas de valores) e «por em ordem»
(re-arrumando o caos, vazio primordial, espaço onde o princípio material de
todas as coisas espera o momento da humana criação). E a ordenação se faz,
primordialmente, por meio de textos normativos que, lidos em consonância ao
sistema e à experiência, resultam em normas jurídicas.
Ordenando a sociedade do espetáculo na esfera que lhe compete o Código
Civil brasileiro determina no art. 21 ser a vida privada da pessoa inviolável,
cabendo ao juiz «adotar as providências necessárias para impedir ou fazer
cessar ato contrário» à garantia da inviolabilidade. Porém, o art. 21 é uma
cláusula geral, isto é, um enunciado normativo caracterizado pela intencional
imprecisão dos termos descritivos da fattispecie que contém e pela ausência
de pré-determinação rígida da consequência que está conectada à previsão
normativa.8 Cabe, pois, ao juiz conferir nitidez ao enunciado (determinando o
que é violação à vida privada) e especificar quais as consequências jurídicas
são acarretadas pela violação.
Sendo essa a tarefa judicial (imprescindível para a ordenação da tutela
da vida privada garantindo, concomitantemente, as condições para o exercício
da liberdade ética do sujeito e os interesses da comunidade) e é evidente que
o art. 21 exige do juiz um especial modo de justificação, tal qual é exigido
na concretização dos princípios,9 muitas vezes acolhidos em cláusulas gerais.
É desse especial modo de justificação que se ocupa o trabalho da Professora
e Juíza Maria Claudia Mércio Cachapuz que tive a grata incumbência de
orientar no âmbito do Programa de Pós-Graduação – Doutorado em Direito
da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
A tese ora dada a público ocupa-se em demonstrar que o fato de as fronteiras entre a vida pública e a vida privada serem moventes e cambiantes não
enseja, contudo, a ausência de nitidez acerca do que integra uma ou outra
esfera. Porém, a atividade de «tornar nítido» não se pode amparar em critérios
voluntaristas, sentimentais ou impressionistas, sendo objeto, ao contrário, de
um processo racional de enquadramento normativo que conjuga, em relação
Dupas, Gilberto. Tensões contemporâneas entre o público e o privado. São Paulo: Paz e
Terra, 2003, p. 49.
8
Assim o meu A boa-fé no direito privado. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 1999.
9
Sobre o tema da aplicação dos princípios consulte-se Ávila, Humberto Bergman. Teoria
dos princípios. Da definição e aplicação dos princípios jurídicos. 4. ed. São Paulo: Malheiros,
2004.
7
44
Judith martins-costa
de complementaridade dialética, estruturas intelectivas a priori com complementos fático-normativos averiguáveis a posteriori.
Como juíza perfeitamente a par das responsabilidades implicadas no
processo de decidir rejeitou a autora as facilidades decorrentes da vulgata
da ponderação, essa epidemia quase endêmica segundo a qual «o caso» é
tudo, cabendo ao juiz «ponderar» segundo a impressão provocada pelo caso
em sua sensibilidade. E como docente perfeitamente a par das responsabilidades científicas do fazer doutrina, mergulhou na Teoria do Discurso Jurídico
de Habermas e Alexy para averiguar como poderia auxiliar a pragmática da
proteção à privacidade mediante (i) o estabelecimento de critérios tendentes a
viabilizar o controle intersubjetivo das decisões, aumentando (ii) a racionalidade do processo decisório e (iii) as chances de uma sistematização dos casos
apreciados.
Mencionemos essas três linhas de força subjacentes ao trabalho.
(i) Os critérios servem para responder às questões de saber qual é a relevância do espaço privado e no que se distingue do espaço social e do espaço
publico; quais são suas margens de relatividade; em que condições interessa
ao Direito assegurar às pessoas a possibilidade da «realização consciente de
uma biografia individual»,10 compatibilizando as liberdades subjetivas com
os assaltos do âmbito público; até que ponto a privacidade deve ceder para
que todos possam viver num espaço de interesses compartilhados. Servem,
em suma, para estabelecer os modos de operar a integração das liberdades
coexistentes em nossa transversal, complexa e conflitada sociedade.
Numa época em que a tarefa hermenêutica está por vezes como que intoxicada por um excesso de concretização – impeditiva do discernir, separar,
valorar, ordenar e sistematizar e, por isso, abstrair, isto é, pensar – cabe à
doutrina, mais que tudo, fixar critérios que possibilitem a concreção num
quadro de inteligibilidade e controle intersubjetivos, relevantíssimos especialmente quando se trata de aplicar cláusulas gerais. É que essas têm uma
«função de progresso» refletida na constante possibilidade de atualização do
enunciado, um «dado de correção do estável, na medida em que se predispõe
ao discurso ideal a possibilidade de correção de rumos a partir do discurso
real proposto em concreto».11 Por isso mesmo não prescindem da amarração a
critérios cuja função é, concomitantemente, a de servir como âncoras (para o
intérprete) e como balizas (para o controle da racionalidade da decisão).
Ao fixar os critérios que a final propõe, a Professora Cachapuz seguiu
uma estrada segura: para que se possa chegar à melhor solução jurídica no
10
Assim a observação de Habermas, citado pela autora na Introdução, acentuando a relevância
das liberdades jurídicas na proteção da «liberdade positiva da pessoa ética».
11
Os trechos entre aspas são da autora, no Capítulo Quarto.
modelos de direito privado – parte I
45
exame de um caso concreto e «reproduzir uma situação de proporcionalidade
entre os interesses em conflito, uma integração das liberdades coexistentes
deve ser promovida a partir da argumentação racional, possibilitada pela
abertura proposta ao discurso prático».12 O intérprete deve, primeiramente,
perceber a estrutura formal de identificação dos espaços público e privado,
confrontando-a, subsequentemente, com as específicas situações da vida civil.
Ao assim proceder abre-se o sistema jurídico de forma ordenada e ordenadora
à mutabilidade da vida, possibilitando a permanente reconstrução do Direito.
(ii) Os critérios estão na base da argumentação racional. Esta – e só esta
– é capaz de decidir da validade de uma afirmação que se pretenda verdadeira
ou de uma norma que se queira justa.13 Porque proibir-se a divulgação de fatos
referentes à vida privada de X e permitir-se que similares fatos, alusivos à vida
privada de Y sejam divulgados?
Só a argumentação racional, fundada nos critérios a priori desenvolvidos
por uma dogmática responsável permitirá uma resposta segura e controlável
(que não é nem a paráfrase da lei nem o seu desprezo), só ela permitirá
compreender o que está nas linhas e nas entrelinhas do sistema, viabilizando a
interação entre sistema e tópica. É que a razão é fundamentalmente crítica, por
isso permitindo compreender que as boas intenções não são suficientes para
vencer os malefícios do voluntarismo judicial, da jurisprudência sentimental
– essa empatia de primeiro grau, verdadeiro passaporte ao «impressionismo
equitativo»14 que esquecendo o respeito aos procedimentos ignora que pensar
é classificar e distinguir e, por isto, é abstrair e mediar por meio de argumentos
intersubjetivamente válidos.
Para além da barreira ao irracional, ao incontrolável, ao pulsional (que no
Direito podem entrar como elementos do suporte fático das normas, mas não
como método de aplicação) a racionalidade do processo decisório é, portanto,
condição de implemento da ordem democrática, ordem controlável, mais que
controladora.
(iii) A sistematização é consequência e causa da fixação de critérios
objetivamente válidos e intersubjetivamente compreensíveis. É consequência
da existência de critérios forjados por uma dogmática forte, crítica e responsável. É consequência do desenvolvimento, pelo intérprete, de um processo
decisório racional, justificado com base naqueles critérios. É consequência,
enfim, do direcionamento dos casos particulares referentes à proteção da vida
privada aos dados do sistema. E, por isso mesmo, é a causa de um processo
Assim a autora, na Introdução.
Rouanet, Paulo Sérgio. As razões do iluminismo. 7. reimpr. São Paulo: Companhia das
Letras, 2000, p. 19.
14
Ascarelli, Túlio. Panorama do direito comercial. São Paulo: Saraiva, 1947, p. 219.
12
13
46
Judith martins-costa
contínuo de ressistematização, pelo qual as novas referências, nascendo
tópicas e isoladas, são, afinal, ordenadas, são incorporadas ao sistema.
Maria Claudia Mércio Cachapuz segue essa estrada tendo como pano
de fundo a metódica gademeriana: a primeira parte do seu estudo, voltada
a saber o que é, para a nossa experiência, o íntimo e o privado, forma a pré-compreensão. Sabendo que o Direito é instância da cultura convoca a literatura (também mundo do discurso), a filosofia (que permite pensar e valorar)
e o direito comparado (atestado de uma comum cittadinanza jurídica no
mundo globalizado) para fazer dogmática jurídica. Pela mão de Habermas e
de Hannah Arendt analisa a jurisprudência dos tribunais superiores visando
saber, afinal, como são demarcadas as fronteiras entre o espaço da exclusividade (conectado, materialmente, ao princípio do livre desenvolvimento da
personalidade) e o da visibilidade necessária à convivência na polis, onde as
liberdades de ação subjetivas e iguais para todos devem estar asseguradas pelo
Direito. É que nas duas esferas – a pública e a privada – o direito de liberdade
é relevante. Porém, numa e noutra esfera a experiência humana da liberdade
manifesta-se e exercita-se diferentemente, razão pela qual uma e outra exigem
tutelas jurídicas também distintas. Por isso, diz a autora, «a questão é saber,
frente uma determinada questão concreta proposta, se se está diante de um
fenômeno que revele uma circunstância da vida privada ou da intimidade de
alguém – devendo, por isso, ser mantido na esfera privada – ou se é algo que
mereça visibilidade pública, dado o interesse público reconhecido». Assim
posta a questão, conclui: «a Teoria das Esferas contribui para a racionalização
do problema na medida em que permite ao intérprete visualizar, a priori, os
espaços existentes e a organizar uma argumentação suficiente, capaz de justificar a tutela jurídica adotada frente à situação concreta posta à discussão».
Na segunda parte ocupa-se da representação dogmática da intimidade
e da vida privada. Não se fica, porém, na descrição do tema. Após propor
acurada reflexão sobre o papel dogmático das cláusulas gerais alcança o que
é, no meu modo de entender, o ponto alto do estudo, conectando as formas de
tutela da intimidade e da vida privada a uma outra cláusula geral do Código
Civil, qual seja, ao art. 187, que incorpora a ilicitude de meios, ou de exercício
do direito subjetivo.
Essa cláusula geral situa quatro critérios15 que funcionam como verdadeiras balizas da licitude no exercício dos direitos subjetivos, remetendo
ainda que implicitamente, às variadas formas de coibição e remoção do ilícito
constante do sistema, para além da eficácia genérica da responsabilização
civil quando, ao ilícito, somar-se o dano. Ao assim dispor, o art. 187 permite
15
Quais sejam, a boa-fé, os bons costumes, a finalidade econômica e a finalidade social do
direito subjetivo.
modelos de direito privado – parte I
47
(pela ponderação dos elementos fáticos e normativos do caso, ordenados e
valorados em vista daquelas balizas) que esfera pública e esfera privada sejam
adequadamente tuteladas mesmo se ausente a rígida demarcação do que é
integrante do íntimo e privado e do que deve estar exposto aos holofotes da
vida pública. Como explica a autora,
«O ilícito como fonte de obrigações civis passa a ter um espaço de incidência mais amplo, capaz de abranger não apenas a contrariedade à direito
decorrente de culpa imputável a alguém, mas toda e qualquer conduta que
possa estar em contradição ao Direito por se sujeitar à necessidade de composição de liberdades humanas na sociedade.»
Na contracorrente da doutrina majoritária afasta, pois, o enquadramento
na figura do «abuso de direito», sustentando estar aí prevista uma forma de
tutela perfeitamente adequada ao próprio caráter movente e contingente das
esferas da vida pública e da vida privada.
Com essa conclusão – exemplificada pelo exame pontual, na última
parte, do problema da proteção de dados e do espaço da autodeterminação
informativa – justifica a validade de um discurso sobre a tutela do íntimo e do
privado apesar do caráter cambiante do seu conteúdo.
É preciso, por fim, noticiar que a tese da Professora Maria Claudia
Cachapuz (que inaugurou a produção científica em doutorado no Programa
de Pós-Graduação em Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Sul)
mereceu aprovação plena, com nota máxima e recomendação para publicação
por uma banca composta, nada mais, nada menos, do que por Tércio Sampaio
Ferraz, Francisco dos Santos Amaral Neto, Celso Lafer, Luis Afonso Heck e
Luis Renato Ferreira da Silva. O endosso de tão ilustres jusfilósofos, civilistas
e constitucionalistas sobre o tema é, de per se, garantia da seriedade científica
que perpassa o livro que tenho a alegria de prefaciar.
Canela, agosto de 2005
Judith Martins-Costa
A Construção de um Conceito de
Privacidade, As Cláusulas Gerais e a
Concreção de Direitos Fundamentais
Maria Claudia Mércio Cachapuz*
Sumário: Introdução – I. A tentativa de construção de um
conceito de privacidade. 1. Dogmática e interpretação. 2. O papel
das cláusulas gerais na interpretação de um direito à privacidade
– II. A concreção de direitos fundamentais pelo Código Civil
brasileiro. 1. A «diferença qualitativa» das cláusulas gerais e a
hipótese do art. 187 do Código Civil. 2. Consequências da qualificação proposta – Considerações finais – Bibliografia.
Introdução
Trabalhar o confronto entre a tradição e o novo por meio da experiência.
Este é o desafio de fazer-se pesquisa e ciência jurídica sobre o texto do Código
Civil brasileiro, em que se parte da expectativa gerada, pelos construtores
da normatividade, quanto à possibilidade de reconhecer-se, no próprio texto
normativo, uma maior abertura ao ordenamento jurídico, possibilitando a
integração hermenêutica necessária a outras normas jurídicas. Tal experiência
não é, em verdade, uma atividade específica de compilação de normas civis.
É antes uma aplicação inerente à atividade hermenêutica, a partir de qualquer testagem da universalidade proposta. Como na aposta de Hans-Georg
*
Doutora em Direito Civil pela UFRGS. Juíza de Direito no RS. Professora da Unilasalle e
da ESM/Ajuris.
Autores
Judith Martins-Costa
Livre Docente e Doutora em Direito pela Universidade de São Paulo (USP). Lecionou entre 1992
e 2010 na Faculdade de Direito da Universidade
Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), nos cursos
de graduação, mestrado e doutorado. É conferencista em universidades brasileiras e estrangeiras.
É Presidente do Comitê Brasileiro da Association
Internationale des Sciences Juridiques e Vice-presidente do instituto de Estudos Culturalistas
(IEC). Também atua como árbitra e parecerista em
litígios civis e comerciais no Brasil e no exterior. É
autora dos seguintes livros, entre outros: A boa-fé
no direito privado, 1999; Comentários ao novo
Código Civil – Do adimplemento das obrigações,
2005 em 2.ed.; Do inadimplemento das obrigações, 2009 em 2.ed.; Diretrizes teóricas do novo
Código Civil, 2002, em coautoria com Gerson
Luiz Carlos Branco; Narração e normatividade –
como organizadora, 2013.
André Rodrigues Corrêa
Doutor em Direito pela Universidade Federal do Rio
Grande do Sul (UFRGS) (2008). Pós-Doutor pela
University of Edinburgh School of Law (Old College)
(2012). Post-Doctoral Fellow no Edinburgh Institute for
Advanced Studies in the Humanities (2014). É professor
da graduação e do mestrado profissional da Escola de
Direito de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas. Autor
598
autores
de Solidariedade e responsabilidade: o tratamento jurídico dos efeitos da criminalidade violenta no transporte
público, 2009, Prêmio Capes de Tese em Direito, 2009;
e organizador de Cumprimento de contratos e razão de
Estado, 2013.
Denise de Oliveira Cezar
Doutora em Direito Civil e Bioética e Mestre em Direitos
Fundamentais pela UFRGS. Desembargadora no Tribunal
de Justiça do Rio Grande do Sul. Coordenadora do Núcleo
de Bioética e Professora na Escola Superior da Magistratura do Estado do Rio Grande do Sul. Gestora Líder do
Programa Estratégico Qualidade de Vida e Saúde Laboral
no Judiciário do Estado do Rio Grande do Sul. Autora do
livro Pesquisa com medicamentos: aspectos bioéticos,
2012. Membro do Instituto de Estudos Culturalistas.
Eduardo Silva da Silva
Doutor em Direito Privado e Processual (2006) e Mestre
em Direito dos Negócios (2000) pela Universidade
Federal do Rio Grande do Sul. Membro do Comitê Brasileiro de Arbitragem, da Comissão Especial de Arbitragem
da OAB-RS e da Comissão de Arbitragem do Comitê
Brasileiro da International Chamber of Commerce (ICC).
Membro do rol de árbitros da Câmara de Arbitragem da
FIERGS/CIERGS e da Federasul, onde também é Diretor.
Órgão de decisão do CCRD, do Centro de Arbitragem
da Câmara Brasil-Canadá (CAM/CCBC). Autor de Arbitragem e direito da empresa, 2003; e coautor de Teoria
geral do processo, 2002.
Gerson Luiz Carlos Branco
Doutor em Direito Civil, Professor na Graduação e no
Programa de Pós-graduação da Universidade Federal
do Rio Grande do Sul (UFRGS) e Advogado em Porto
Alegre. Membro do Instituto de Estudos Culturalistas.
Autor dos livros Sistema contratual do cartão de crédito,
autores
599
1998, Diretrizes teóricas do novo Código Civil, 2002, em
coautoria com Judith Martins-Costa; Função social dos
contratos – Interpretação à luz do Código Civil, 2009,
bem como de artigos jurídicos publicados em revistas
nacionais e estrangeiras na área do Direito Civil e Direito
Empresarial.
Gustavo Haical
Mestre em Direito Privado e Especialista em Direito Civil
pela UFRGS. Associado-Fundador do IEC. Advogado.
Autor de O contrato de agência: seus elementos tipificadores e efeitos jurídicos, 2012; Cessão de crédito: existência, validade e eficácia, 2013; e coautor da atualização
do Tomo I do Tratado de direito privado de Pontes de
Miranda, 2012, além de artigos em revistas especializadas.
Laura Beck Varela
Mestre em Direito pela Universidade Federal do Rio
Grande do Sul (2001). Realizou seus estudos de doutorado na Universidade de Sevilha e em Frankfurt am Main
(Max-Planck-Institut für europäische Rechtsgeschichte) e
estágio pós-doutoral na EHESS (École des Hautes Études
en Sciences Sociales), em Paris. É autora de diversos
estudos sobre história do Direito, tais como Das sesmarias
à propriedade moderna. Um estudo de história do direito
brasileiro, 2005; Literatura jurídica e censura. Fortuna
de Vinnius en España, 2013; e coautora do Manual de
História do Direito (dirigido por M. Lorente), 2012.
Laura Coradini Frantz
Mestre e Doutora em Direito Privado pela Universidade
Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). É Professora
Adjunta do Centro Universitário Ritter dos Reis – Laureate
International Universities, atuando como Pró-Reitora de
Graduação desde 2009. É autora do livro Revisão dos
contratos: elementos para sua construção dogmática,
2007.
600
autores
Karime Costalunga
Doutora e Mestre em Direito Privado pela UFRGS, Especialista em Direito Empresarial e também em Processo
Civil pela UFRGS. Professora do GVLaw e Pesquisadora
do Grupo de Estudos da Empresa Familiar da Escola de
Direito de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas (FGV/
SP). Advogada atuante em Direito de Família e Planejamento Sucessório. Membro do IEC. Autora da obra Direito
de herança e separação de bens: uma leitura orientada
pela Constituição Federal e pelo Código Civil, 2009.
Luis Felipe Spinelli
Doutor em Direito Comercial pela USP, Mestre em
Direito Privado e Especialista em Direito Empresarial
pela UFRGS. É professor em cursos de pós-graduação. É
autor do livro Conflito de interesses na administração da
sociedade anônima, 2012; e coautor do livro Recuperação
extrajudicial de empresas, 2013; é também autor e coautor
de artigos publicados em livros e revistas especializadas.
Membro do Instituto Brasileiro de Estudos de Recuperação de Empresas (IBR). Advogado.
Márcia Santana Fernandes
Pós-Doutora pelo Programa de Pós-Graduação em
Medicina: Ciências Médicas pela UFRGS. Doutora em
Direito pela UFRGS. Pró-Reitora de Pesquisa, Pós-Graduação e Extensão da UniRitter. Professora de Direito
na UniRitter. Pesquisadora Associada do Laboratório
de Pesquisa em Bioética e Ética na Ciência do Centro
de Pesquisas do Hospital de Clínicas de Porto Alegre-LAPEBEC/HCPA. Associada fundadora do Instituto de
Estudos Culturalistas – IEC. Autora de A bioética, a medicina e o direito de propriedade intelectual: um estudo das
patentes e as células-tronco humanas, 2012.
autores
601
Maria Cláudia Mércio Cachapuz
Doutora em Direito Civil pela UFRGS e graduada em
Ciências Jurídicas (UFRGS) e Comunicação Social –
Jornalismo (PUCRS). É professora da Graduação e do
Mestrado em Direito e Sociedade do Unilasalle e da
Escola Superior de Magistratura da Associação dos Juízes
do Rio Grande do Sul, exercendo a coordenação da área
de Direito Civil. Também atua como juíza de direito, por
convocação, perante a 5ª Câmara Cível do Tribunal de
Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. Publicou, entre
outras obras, Intimidade e vida privada no novo Código
Civil brasileiro. Uma leitura orientada no discurso jurídico, 2006.
Mariana Pargendler
Professora na Escola de Direito de São Paulo da Fundação
Getúlio Vargas (Direito GV). Doutora e mestre em Direito
pela Yale University. Doutora e bacharel em Direito pela
UFRGS. Foi Global Associate Professor of Law na New
York University (NYU) School of Law. É membro consultora da Comissão de Mercado de Capitais e Governança
Corporativa da OAB-SP. É credenciada pela Ordem dos
Advogados do Brasil e pela New York State Bar Association. Desenvolve pesquisas nas áreas de direito societário, governança corporativa, direito contratual, direito
e economia e direito comparado. Autora de Evolução do
direito societário: lições do Brasil, 2013.
Paulo de Tarso Vieira Sanseverino
Ministro do Superior Tribunal de Justiça. Mestre e Doutor
em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande
do Sul. Professor de Direito Civil (Contratos e Responsabilidade Civil). Autor de Responsabilidade civil no
Código do Consumidor e a defesa do fornecedor, 2010
em 3.ed.; Princípio da reparação integral – Indenização
no Código Civil, 2010; e Comentários ao novo Código
Civil – Contratos em espécie, 2005, bem como de artigos
publicados em revistas especializadas.
602
autores
Priscila David Sansone Tutikian
Mestre em Direito Civil pela Universidade Federal do Rio
Grande do Sul. Professora de Direito Civil e Contratos
nos Cursos de Graduação e Pós-Graduação na Universidade do Vale dos Sinos (Unisinos) entre 2007/2008 e
2014. Autora de O silêncio na formação dos contratos –
proposta, aceitação e elementos da declaração negocial,
2009. Advogada e consultora jurídica com atuação em
contratos, responsabilidade civil e direito do consumidor
em São Paulo e Porto Alegre.
Rafael Peteffi da Silva
Professor Adjunto III da Faculdade de Direito da UFSC,
nos cursos de graduação, mestrado e doutorado. Mestre
em Direito (UFRGS, 2001) e Doutor em Direito Civil
(USP, 2004). Ex-Diretor-Geral da Escola Superior da
Advocacia/SC. Professor da Escola da Magistratura Catarinense e de cursos de pós-graduação lato sensu em todo
território nacional. Coordenador do grupo de pesquisas do
CNPq “Direito Civil na Contemporaneidade”. Autor de
Responsabilidade civil pela perda de uma chance, 2013
em 3.ed.; e de artigos jurídicos, com ênfase em responsabilidade civil, contratos e arbitragem. Parecerista e árbitro.
1
Divulgação
bibliografia
Adquirir este livro
contato por e-mail
Av. Brigadeiro Faria Lima, 1461, 17º andar, Jardim Paulistano • CEP 01452-002
São Paulo-SP • tel. 55 (11) 3192.3733
Download

Clique aqui para fazer o