Planejando o Meio Ambiente Acústico
Urbano: uma abordagem baseada em SIG1
Maria da Piedade Gomes de Oliveira2
Analista de Informática da Prodabel; Coordenadora da Área de Divulgação do
Centro de Desenvolvimento e Estudos da Prodabel – CDE; Licenciada em Matemática pela PUC/MG; Mestre em Administração Pública: Sistemas de Informação e Gestão pela Fundação João Pinheiro
Áreas de interesse: Sistemas de informações geográficas, planejamento urbano, sistemas de apoio à decisão, indicadores ambientais.
Eduardo Bauzer Medeiros3
Professor adjunto do departamento de Engenharia Mecânica da UFMG; Coordenador do Laboratório de Acústica e Vibrações (DEMEC-UFMG); PhD em
Engenharia Mecânica pela University of Salford-Manchester, U.K; MSc em Engenharia Aeronáutica pelo Cranfield Institute of Technology, U.K; Engenheiro
Mecânico pela UFMG
Áreas de interesse: acústica; vibrações mecânicas; controle de ruído: suas aplicações ao meio ambiente e indústria.
Clodoveu Augusto Davis Jr.4
Analista de Informática da Prodabel; Coordenador da Área de Pesquisa e Desenvolvimento do Centro de Desenvolvimento e Estudos da Prodabel – CDE;
Doutorando em Ciência da Computação pelo DCC/UFMG; Mestre em Ciência
da Computação pelo DCC/UFMG; Engenheiro Civil pela UFMG
Áreas de interesse: geoprocessamento; banco de dados; computação gráfica e
processamento digital de imagens
PALAVRAS-CHAVE
Ruído urbano - Controle da poluição ambiental - Aplicações geográficas
RESUMO
O desenvolvimento econômico que ocorre nos grandes centros urbanos freqüentemente pode prover uma melhoria na qualidade de vida
1
Artigo baseado no trabalho: “Planning the Acoustic Urban Environment: a GIS-Centered
Approach,Planning apresentado no 7th International Symposium on Advances in Geographic
Information System (ACM GIS’99). Estados Unidos, 1999
2
E-mail: [email protected]
E-mail: [email protected]
4
[email protected]
3
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Maria da Piedade Gomes de Oliveira, Eduardo Bauzer Medeiros
e Clodoveu Augusto Davis Jr.
como conseqüência da maior disponibilidade de serviços. Porém,
graves problemas ambientais podem ocorrer, se não houver um
monitoramento adequado do licenciamento e distribuição das atividades econômicas. Um controle adequado do impacto ambiental,
possível resultado do desenvolvimento econômico, só pode ser efetivado se ferramentas satisfatórias estão disponíveis aos administradores responsáveis pela supervisão formal de ocupação do solo. O
ruído é uma das principais fontes de perturbação em ambientes urbanos, e em geral nas grandes cidades representa 70% das reclamações aos órgãos de controle ambiental. Os habitantes de grandes
centros urbanos normalmente descrevem o ruído como um fator de
grande importância e que afeta a qualidade de vida. Este trabalho
descreve um conjunto de de ferramentas baseadas em SIG para proporcionar aos administradores urbanos uma metodologia que possibilita a avaliação do impacto acústico dentro do ambiente urbano.
Um modelo estabelecendo a correlação entre a distribuição espacial
de impactos e as atividades pertinentes é desenvolvido. Esse modelo
foi implementado em um protótipo em um ambiente de SIG e usado
o banco de dados geográfico de Belo Horizonte que representa a
situação de uma típica grande cidade brasileira. Medidas de campo
iniciais se comparam favoravelmente com este protótipo e indicam a
viabilidade da aproximação proposta.
1. INTRODUÇÃO
Nas grandes cidades, inúmeros problemas ambientais influenciam a qualidade
de vida do cidadão. Dentre os fatores ambientais que provocam perda de qualidade de vida, incluem-se ruído, poluição causada pela emissão de gases, riscos de
segurança e aglomeração de grande número de veículos ou pessoas. Esses fatores
são, em sua maioria, conseqüências da concentração de atividades econômicas
nos grandes centros urbanos.
O barulho excessivo degrada seriamente a qualidade do meio ambiente e é um
dos problemas ambientais mais freqüentes nas grandes cidades, sendo responsável por uma grande percentagem de reclamações que chegam aos órgãos municipais de controle ambiental. As principais fontes de ruídos nos centros urbanos são
o trânsito, construções e obras públicas, e atividades econômicas tais como indústrias, comércios e serviços. Todavia, a quantidade de ruído gerada por cada atividade varia de acordo com suas características (tais como a intensidade de uso e
tipo de maquinário ou o uso de sistemas de auto-falante) e com a instalação de
dispositivos de controle de ruído.
Este artigo apresenta um estudo do impacto que o ruído causa no meio ambiente urbano, apoiado em um Sistema de Informações Geográficas (SIG). Um mode82
Planejando o Meio Ambiente Acústico Urbano: uma abordagem baseada em SIG
lo simples da distribuição de som através do espaço e uma classificação genérica
das fontes de ruído são desenvolvidos, objetivando uma formulação das bases de
um sistema espacial de apoio de decisão. Este sistema pode ser utilizado por organizações de controle ambiental na avaliação de impactos causados por ruído, auxiliando especialmente administradores públicos a decidir sobre o licenciamento
de novas atividades geradoras de ruído [Oli97].
As Seções 2 e 3 apresentam uma descrição mais compreensível do problema
em estudo. A Seção 4 mostra as técnicas empregadas a fim de implementar o
modelo em um SIG. A Seção 5 fornece uma visão geral da infra-estrutura de informações geográficas usada para abordar adequadamente o problema e apresenta
um estudo de caso: um protótipo de sistema que foi desenvolvido para a cidade de
Belo Horizonte. A Seção 6 mostra as conclusões principais.
2. CARACTERIZAÇÃO DO PROBLEMA
Um grande número de variáveis é relevante à análise de impactos nocivos
causados pela concentração de atividades econômicas em grandes centros urbanos. Além disso, o meio ambiente é dinâmico e em constante processo de mutação. Isto é particularmente verdadeiro no meio ambiente urbano, onde a intensidade e a velocidade das mudanças introduzidas pelas atividades humanas tornam
as mutações difíceis de monitorar.
Na maioria das cidades, os administradores públicos são responsáveis por
propor medidas para a redução de impactos causados por fontes de poluição. No
caso de poluição do ar, as leis que exigem a instalação de filtros nas indústrias e
nos veículos levaram a importantes melhoras, conforme indicado pelo contínuo
monitoramento da qualidade do ar, nas grandes cidades. O mesmo é verdadeiro
no caso de efluentes líquidos, que podem ser detectados e controlados pelos órgãos responsáveis pelo controle ambiental urbano.
O controle da poluição sonora pode ser obtido por meio de duas estratégias
separadas. A primeira é reforçar a instalação de dispositivos de controle de ruído,
em situações onde o cumprimento da lei não é observado (coerção). A segunda é
estabelecer políticas que desaprovem a concentração de atividades em áreas já
poluídas (prevenção). A abordagem da prevenção só é plausível se a situação corrente de poluição sonora puder ser estabelecida para o meio ambiente urbano por
inteiro, tornando possível avaliar os impactos de novas atividades antes que elas
sejam realmente instaladas. Com tal instrumento, os administradores públicos
encarregados do licenciamento de atividades econômicas podem decidir se a concentração posterior é possível ou não. Alternativamente, o licenciamento só é feito com a condição de que a companhia responsável pela atividade concorde em
desenvolver medidas para diminuir seu próprio impacto no meio ambiente.
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Maria da Piedade Gomes de Oliveira, Eduardo Bauzer Medeiros
e Clodoveu Augusto Davis Jr.
A fim de caracterizar e identificar a poluição sonora, é necessário desenvolver
um modelo matemático no qual as fontes de ruídos e os obstáculos podem ser
aproximados e geograficamente distribuídos. Adicionalmente, parâmetros relacionados ao meio ambiente, como temperatura ou ventos, precisam ser considerados. Os resultados do modelo precisam ser comparados com dados reais de campo, a fim de calibrar seus parâmetros e alcançar maior confiança nas predições de
impacto de ruído. O modelo pode ser usado para gerar uma aproximação do pior
cenário de ruído, no qual baseia o processo de tomada de decisão.
3. O MODELO ACÚSTICO
A fim de possibilitar a geração adequada do modelo acústico, devemos entender a natureza do som e sua propagação através do ambiente. O som é um fenômeno de onda essencialmente envolvendo a propagação de ondas mecânicas em um
meio. O som é produzido por fontes (os elementos emissores de ruídos, tendo
uma geometria e propriedades que variam para cada caso), modificado por obstáculos (barreiras à propagação do som, absorvendo-o ou refletindo-o em variadas
percentagens, dependendo da sua natureza e sua posição nas proximidades de
fontes), e percebido por receptores (os elementos que são perturbados pelos ruídos, isto é, construções, instalações, e pessoas, ou uma combinação entre eles).
Considerando fontes, obstáculos e receptores, há vários métodos diferentes
com os quais a propagação do som pode ser modelada, cada qual satisfazendo as
peculiariedades de uma classe de problemas. A partir do ponto de vista do criador
do modelo, os principais aspectos particulares de modelamento acústico são dois:
1. a distribuição espacial do nível de ruído na vizinhança de uma fonte emissora
(propagação), e 2. a combinação dos efeitos de duas ou mais fontes em um dado
ponto (combinação). Com o modelamento destes dois aspectos, é possível estimar
os parâmetros do campo acústico.
A Seção 3.1 apresenta as bases para a formulação da análise do impacto
ambiental baseada nos princípio da propagação e da combinação. A Seção 3.2
segue estudando a formulação específica para a modelagem do impacto acústico.
Esta é a metodologia empregada no sistema de apoio à tomada de decisão.
3.1 Propagação e Combinação de Impactos Ambientais
A modelagem do impacto ambiental causada por ruídos com base na sua propagação e combinação é útil também para outros tipos de impactos ambientais
[Oli97]. Sempre que há muitas fontes de impacto pontuais, o uso de uma função
de decaimento de impacto f(d,i) se torna interessante. Esta função quantifica o
grau de impacto em um ponto localizado a uma distância d de uma atividade
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Planejando o Meio Ambiente Acústico Urbano: uma abordagem baseada em SIG
original associada com o impacto i. Claramente os efeitos serão os mais pronunciados quando d = 0 e irão diminuir com a distância até chegar a zero. De acordo
com o tipo de impacto, esta atenuação pode ser avaliada ao longo de uma linha
reta (distância Euclidiana), ou pode ser avaliada de acordo com outro critério, tal
como a distância ao longo de um rio, para a avaliação do impacto corrente abaixo
de esgoto industrial.
O uso da função de propagação f permite a determinação do impacto produzido pela atividade i, o qual pode ser sobreposto por efeitos produzidos por outras
fontes. Esta sobreposição pode ser convenientemente expressada por meio de uma
função de combinação. Essa função, nomeada SUM, permite a determinação do
valor acumulado Ip no ponto p, isto é, o impacto total no ponto p. Este procedimento matemático não é necessariamente uma soma algébrica simples, já que
aspectos físicos do fenômeno precisam ser considerados. A função SUM pode ser
expressada de forma geral como:
Ip = SUM(k = 1, n) f(dist(Ak, p), ik)
Onde: Ak é a posição geográfica do impacto k, ik é o impacto máximo causado
pela késima atividade de impacto, e dist é a função que avalia a distância entre a
atividade e o ponto p.
De acordo com essa fórmula todas as n atividades geradoras de impacto deveriam ser consideradas. Todavia, quando a função f é conhecida, a distância máxima de alcance δ de qualquer impacto (ou seja, δ é a d máxima para que f(d, i) = 0,
para qualquer valor de i) pode ser determinada, basta considerar atividades situadas a um distância igual ou menor que δ do ponto p. Baseado neste resultado, se a
análise é realizada em uma área delimitada, podemos restringir a avaliação da
propagação e combinação a um polígono de influência, traçado ao longo da área
original de interesse a uma distância δ.
3.2 Propagação e Combinação do Som
O problema agora é encontrar fórmulas adequadas para as funções f e SUM,
para o caso do modelo acústico. Esta fórmula pode ser conseguida considerandose fontes de ruído pontuais, como descrito a seguir.
3.2.1 Estimação da Intensidade Máxima
A estimação de ruído urbano neste trabalho considera dois tipos de contribuições: ruídos gerados por atividades econômicas e ruídos de trânsito. O primeiro
caso pode ser modelado como uma fonte pontual ideal. Entretanto, na maioria das
grandes cidades, o ruído gerado por trânsito representa a contribuição mais significativa do ruído no meio ambiente [Val97].
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e Clodoveu Augusto Davis Jr.
A fonte pontual ideal irradia ondas de sons esféricas, uma aproximação que
funciona satisfatoriamente na maioria dos casos. Note-se, todavia, que essa descrição idealizada da fonte deve exigir a introdução de correções nas proximidades de outros elementos, tais como paredes, ou na presença de ventos significantes
ou mudanças de temperaturas, o que deve introduzir distorções de propagação. A
fim de possibilitar a classificação do nível de ruído gerado pelas várias atividades,
algumas suposições gerais têm que ser consideradas. Assumiu-se que as atividades estão acontecendo normalmente e que elas não foram acusticamente fechadas
ou condicionadas, transmitindo-se completamente para o meio exterior. Diferentes atividades geram diferentes níveis de ruído. Se o nível exato de ruído para uma
atividade em particular localizada dentro de uma certa região não é conhecido
com precisão, é assumido que esta atividade tem o valor máximo de ruído recomendado pela regulamentação[Oli97]. O caso para o exemplo apresentado aqui é
descrito na Seção 5.
Um método conveniente foi utilizado para o modelo de ruído de trânsito [Val97].
Os veículos foram considerados como fontes de ruído pontuais, movendo-se em
uma linha reta ao longo do eixo de trilhas perfeitamente rígidas, com velocidade e
espaçamento constantes. O ruído de trânsito foi estimado considerando a classe
de via, como estabelecido pela regulamentação da cidade. Cada classe tem um
limite de ruído máximo especificado em dB, o que foi adotado como o ruído
existente no centro da via, configurando deste modo uma fonte linear.
3.2.2 Propagação e Combinação
A pressão e intensidade do som são descritos usualmente por meio de escalas
logarítmicas conhecidas como “níveis de som”. Escalas logarítmicas são usadas
principalmente devido à ampla faixa de valores encontrados na acústica, e devido
ao comportamento logarítmico do ouvido humano em relação à altura relativa de
dois sons. A escala logarítmica mais usada para descrever níveis de som é a escala
decibel (dB), usualmente empregando um peso A, muito parecido com a percepção do ouvido humano. O valor de referência dessa escala de pressão do som (P0)
corresponde à intensidade de uma nota pura de 1000 Hz que se encontra no
percentual mínimo de percepção para uma pessoa com audição normal.
O nível de som LA, de peso A, medido em dB(A), é provavelmente a medida de
ruído ambiente mais amplamente empregada. Níveis de som [KFCS82] são geralmente expressos por meio do nível de pressão do som (SPL), o qual pode ser
determinado através da Equação 1:
SPL = 10 log
P2
P02
dB (A)
(Eq. 1)
Onde Po = 0,00002 N/m2 é o valor de referência e corresponde ao limiar da
audição em 1000 Hz, e P é a pressão acústica medida.
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Planejando o Meio Ambiente Acústico Urbano: uma abordagem baseada em SIG
Quando duas fontes de ruído estão emitindo simultaneamente, e gerando níveis de pressão de som L1 e L2 em um dado ponto, considerando L1 > L2, o nível de
pressão total (SPLt) resultante do som nesse ponto pode ser expresso como:
SPL = L + 10 log [ 1+ 10
t
1
- (L1 - L2)/10
] dB(A)
(Eq. 2)
Ondas acústicas perdem energia ao se propagarem no ar. Fatores como distâncias de percurso, barreiras de tipos variados, absorção atmosférica e variações de
ventos influenciam para a variação da propagação do som no ar. Desses fatores,
apenas a distância percorrida foi considerada nesta fase da presente pesquisa, e há
uma tendência a superestimar o impacto total do ruído. Pode-se dizer, desta forma, que está se considerando o pior caso (limite).
O presente estudo levou em consideração as distâncias horizontais entre os
receptores e as fontes de ruído. A variação em altura da fonte durante esta fase da
pesquisa foi desconsiderada. O efeito adicional do ruído de trânsito foi levado em
conta.
A atenuação do nível de pressão do som com a distância depende da distribuição das fontes de ruído. As fontes foram supostas fixas no chão, irradiando toda a
energia para um espaço semi-infinito.
A correlação entre o nível de pressão do som (SPL) e o nível de pressão do som
em Watts (SWL) depende do directivity index (DI), que é uma medida da direção
de emissão para uma dada fonte, isto é, nem todas as fontes emitem com o mesmo
poder de emissão em todas as direções. Se r é a distância entre a fonte e o ponto
de medida, é possível escrever:
SPL = SWL = DI (θ) - 20 log r -11
(Eq. 3)
onde DI(0) = 10 log Qθ é o índice de direcionamento do som. Qθ é o índice de
direcionamento na superfície (no caso o solo) que reflete a energia do som total para
o espaço semi-infinito. Para o caso considerado, os valores Qθ = 2 e DI(θ )= 3 dB
foram assumidos.
Quando se consideram fontes pontuais, a relação entre SPL1 e SPL2, que são os
níveis de pressão do som às distâncias r1 e r2 da fonte, pode ser expressa como:
SPL - SPL = 20log (r1/r2)
1
2
(Eq. 4)
Uma conseqüência interessante da equação anterior é o resultado clássico (para
sons propagados) de que o nível de pressão do som cai 6 dB a cada vez que a
distância dobra. Esta equação pode ser convenientemente usada para representar
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o impacto da função decaimento f, considerada adiante neste texto para a estimação da análise do ruído ambiental.
Mesmo sendo perfeitamente possível empregar modelos mais sofisticados tanto
para gerar os dados de entrada como para criar novos procedimentos para a utilização do SIG aqui descrito, simplificações acústicas foram adotadas para permitir
a implementação imediata do método. Por exemplo, o modelo pode ser refinado
mais tarde para considerar a influência da topografia e obstáculos. Um procedimento acústico e numérico que pode ser empregado especificamente em áreas
residenciais ou industriais pode ser adotado [MK98]. Esta referência também descreve como combinar a emissão acústica de mais de uma fonte com dados topográficos a fim de estimar o nível de pressão do som nos receptores. A pesquisa
entrará agora na sua segunda fase, onde procedimentos acústicos mais compreensíveis serão avaliados, incluindo a análise da influência de obstáculos.
3.2.3 Avaliação do Impacto do Ruído
Considerando o assunto discutido nas seções 3.1 e 3.2, o impacto do ruído
dentro de uma região em consideração pode então ser estimado de acordo com as
seguintes etapas:
1. Para cada atividade econômica uma fonte de ruído é considerada, de
acordo com seu grupo [Oliv97].
2. O ruído de trânsito é avaliado de acordo com a classe de via de acesso estabelecida pela regulamentação da cidade, usando os limites especificados de ruído em dB para cada tipo.
3. A atenuação do som é avaliada até que o nível do som caia a 40 dB
SPL, um valor recomendado pela Organização Mundial de Saúde como
adequado para sono e repouso.
4. Para obter o ruído gerado por todas as fontes, contribuições individuais são acumuladas em cada célula na vizinhança dessas fontes, considerando a distância entre a célula e a fonte e determinando o nível
de pressão do som respectivamente, incluindo a atenuação para ruído
transportado.
4. SIG NA ANÁLISE ACÚSTICA
A posição desempenha um papel importante no comportamento de todos os
componentes do modelo acústico. Desta forma, o SIG se torna uma escolha natural de ferramentas para se implementar o modo de execução toda vez que informações suficientes sobre a natureza e localização das fontes, obstáculos e receptores são fornecidas. O SIG é também benéfico quando se chega a desenvolver
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Planejando o Meio Ambiente Acústico Urbano: uma abordagem baseada em SIG
ferramentas analíticas para ajudar no processo de tomada de decisão, baseado no
conjunto usual de capacidades de análise espacial incluído na maioria dos pacotes comerciais de SIG.
A fim de conceber uma aplicação geográfica para análise acústica, um modelo
esquemático de banco de dados foi desenvolvido, usando o OMT-G [Bor97], uma
extensão para o modelo OMT de Rumbaugh [RBP+91], no qual foram criadas
formas básicas especificamente para a representação das classes geográficas, e
suas relações foram incluídas. Neste diagrama (Figura 1), o ruído é modelado
como um geo-campo. Geo-campos são representações de fenômenos de variação
contínua, quer dizer, variáveis para as quais há um valor diferente em cada posição espacial. As fontes, por outro lado, são modeladas como geo-objetos (discretos), já que eles são caracterizados individualmente. As fontes relacionadas com
atividades econômicas são modeladas como pontos, localizadas no centro aproximado do edifício que sedia a atividade, e as fontes de trânsito modeladas como
linhas, no eixo da rua. Como o modelo acústico deve fornecer meios para se
estimar o nível de ruído em cada ponto da superfície da cidade, o aplicativo deve
ser capaz de gerar um geo-campo (nível de ruído) a partir de uma série de geoobjetos (fontes). Como indicado pela linha diagonal no canto direito superior, o
campo de ruído das fontes está contido no banco de dados, aplicando-se os métodos descritos na Seção 3. Um método de propagação está associado com a classe
de fonte de ruído, usando a intensidade máxima de ruído que é definida como
atributo. Um método de combinação é associado com o campo de ruído, já que a
acumulação dos efeitos das várias fontes é feita no momento da sua criação.
Figura 1 - Diagrama de dados de análise acústica OMT-G
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Para analisar a distribuição espacial de ruído utilizamos a análise de impacto
global [Oliv97]. Este tipo de análise é concebido com a intenção de exibir,
quantitativamente, o impacto da acumulação de fontes de ruído sobre uma área
definida pelo usuário. Assume-se que o nível de ruído é máximo na fonte, e a
atenuação varia com a distância da fonte, como mostrado na Seção 3. O usuário é
capaz de selecionar imediatamente uma região onde as áreas de maior ou menor
impacto pronunciado em potencial podem ser identificadas. As seguintes etapas
precisam ser consideradas nesta análise:
Estabelecer a área a ser analisada. Um retângulo R1 de dimensões w1 e h1
(que corresponde respectivamente à largura e altura em metros da área representada na tela do computador) é definido. Outro retângulo R2 tendo dimensões w2 e h2
é também definido, considerando, w2 = w1 + δ, e h2 = h1 + δ. Usando as relações
anteriores, é possível assegurar que todas as atividades que influenciam os níveis
de ruído dentro de R1 devem estar situadas dentro de R2 (Figura 2).
Dividir R1 segundo uma malha retangular. O usuário deve estabelecer a
largura das células a serem usadas na malha. O número total de células é uma
função das proporções de R1. O tempo de processamento é inversamente proporcional à largura da célula, aumentando com o quadrado da redução da largura da
célula.
Calcular o nível de ruído em cada célula. Aplicar a função Ip no centro de
cada quadrado da malha, assumindo o mesmo valor de impacto para a área total
do quadrado. O resultado será o “grau de impacto” introduzido pelas atividades
pertencentes à célula adicionada do grau de impacto introduzido pelas atividades
na sua vizinhança, avaliando-se o valor final por meio do processo descrito previamente.
Resultados presentes. Exibir na tela os resultados da análise realizada. O
resultado é apresentado como um mapa temático, onde para cada célula na matriz
é atribuída uma tonalidade de cor de escala correspondente à intensidade de impacto.
Figura 2 - Exemplo de área a ser analisada
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Planejando o Meio Ambiente Acústico Urbano: uma abordagem baseada em SIG
5. ESTUDO DE CASO: CIDADE DE BELO HORIZONTE
A aplicação descrita na Seção 4 foi implementada em um protótipo para a
cidade de Belo Horizonte, onde existem perto de 2.5 milhões de habitantes. Belo
Horizonte constitui um ótimo tema de estudo, com grande quantidade de variações acústicas, topográficas e de atividades econômicas, oferecendo várias opções de protótipos. A Prodabel - Empresa de Informática e Informação do Município de Belo Horizonte - tem desenvolvido aplicações urbanas baseadas em SIG
nos últimos 10 anos, e é responsável pelo gerenciamento do banco de dados
geográfico digital da cidade. Esse banco de dados foi combinado com informações de atividades econômicas licenciadas para fornecer dados para o protótipo.
5.1 Metodologia - Etapas Preliminares
A criação de um bom algoritmo é apenas parte do trabalho. Há sempre um
processo de tomada de decisão que nem sempre parece óbvio. É útil portanto
indicar os procedimentos que tenham sido tomados em conjunção com o método
aqui descrito.
O primeiro passo em qualquer trabalho relacionado com impacto ambiental é
estabelecer qual é a legislação pertinente. Isto é importante porque ela aponta para
o problema geral de uma maneira clara. Ao mesmo tempo as pessoas que tratam
da legislação ambiental se envolvem com o trabalho, tanto aqueles que propõem a
legislação quanto aqueles que são responsáveis por aplicá-la. Este procedimento
tem sido de extremo valor, porque as pessoas que lidam diariamente com a situação conhecem exatamente onde se encontra o problema.
É igualmente importante trabalhar com as instituições administrativas oficiais
a fim de descobrir a disponibilidade de dados relevantes, e como eles estão organizados. Um banco de dados bem organizado é um recurso valioso, e deve sugerir
alternativas para o projeto da interface do sistema. A administração pode também
fornecer informações valiosas sobre as atividades já estabelecidas, também proporcionando uma boa percepção dos problemas e perigos de impactos ambientais
em potencial.
Após os dois procedimentos prévios terem sido realizados é então possível
definir as variáveis que devem ser consideradas. Como próximo passo é possível
estabelecer o modelo descrito.
Finalmente, com um sistema completamente operacional, é possível registrar
todas as atividades existentes e planejadas. O sistema completo pode então ser
usado para estudar casos de impacto, e estabelecer linhas de direção para ações de
licenciamento e planejamento.
5. 2 Estrutura Operacional dos Sistemas
Como protótipo foi construído o “SEAU” (Sistema Espacial de Análise
Ambiental Urbana). O SEAU é baseado em um SIG, operando em um grande
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Maria da Piedade Gomes de Oliveira, Eduardo Bauzer Medeiros
e Clodoveu Augusto Davis Jr.
banco de dados geográfico urbano. Ele possibilita o acesso a um grande número
de detalhes adicionais do meio ambiente urbano, que pode ser às vezes útil na
análise do processo de licenciamento. Os dados utilizados incluem informações
como localização e natureza das atividades econômicas, rede de ruas e avenidas,
zonas de uso de solo, e várias outras.
5.2.1 Mapeamento dos Níveis Acústicos para Belo Horizonte
No Brasil, o sistema de concessões para o estabelecimento de qualquer atividade de negócio em grandes centros urbanos segue exigências bem definidas,
baseadas na legislação pertinente. A Lei de Parcelamento, Ocupação e Uso do
Solo de Belo Horizonte (LPOUS) tem atividades econômicas classificadas em
três grupos, de acordo com o grau esperado de impacto ambiental: Grupo I - atividades que não apresentam impacto ambiental, Grupo II - compreende atividades
que apresentam um impacto ambiental médio, e Grupo III - inclui atividades que
podem gerar risco de segurança ou que produzem um forte impacto ambiental.
As atividades do Grupo II e do Grupo III podem, segundo essa lei, ter os seguintes tipos de repercussões ambientais: geração de ruídos e vibrações; geração
de efluentes poluidores, odores, gases ou radiações ionizantes; atração de alto
número de veículos leves ou pesados; atração de alto número de pessoas e geração de risco de segurança. A partir do ponto de vista deste estudo, de acordo com
o descrito na seção 3.2.1, o ruído gerado pelas atividades emissoras de ruído
pertencentes ao Grupo II será considerado como 55dB(A) e pelas atividades do
Grupo III será de 70 dB(A).
O problema com as definições legais é que elas não levam em conta diretamente os efeitos combinados de mais de uma fonte de ruído, nem consideram
quaisquer efeitos (acústicos) indiretos. Os efeitos só são considerados indiretamente a partir do estabelecimento de limites permitidos para cada zona de ocupação. Entretanto, como uma consideração legal não está associada à outra, os resultados são menos que satisfatórios. Devido ao conceito global de que a legislação é baseada em suposições simples, os registros e as exigências padrões são
também, conseqüentemente, inadequados. O SIG em geral e o método descrito
em particular, oferecem uma alternativa melhor a isso, já que é possível combinar
e visualizar resultados ambientais que levem em consideração os aspectos legais
e técnicos e físicos com um procedimento unificado e adequado.
A implementação do SIG é idealmente adaptada para suportar todas as informações necessárias rápida e eficientemente, fornecendo dados gráficos e numéricos, em formulário integrado para análise e avaliação, e observando os aspectos
ambientais, legais, e de segurança. Foi utilizado um banco de dados convencional
contendo registros das atividades licenciadas desde 1992 até abril de 1997. Esses
registros foram georreferenciados e classificados por grupos (I, II ou III) e por
tipo de repercussão ambiental, e usados no protótipo, combinado aos mapas da
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Planejando o Meio Ambiente Acústico Urbano: uma abordagem baseada em SIG
cidade. A partir deste banco de dados, várias questões podem ser formuladas e
apresentadas tanto como relatórios como mapas temáticos:
• Qual é a concentração de atividades econômicas que possuem um
certo tipo de repercussão ambiental?
• Como qualificar uma certa região em termos de atividades existentes?
• Quais devem ser as mudanças ambientais se uma determinada atividade for instalada?
• Pode-se instalar uma outra atividade, geradora de ruído em um certo
quarteirão da cidade, sem aumentar o nível de ruído acima do limite
legal?
Figura 3 - Representação típica do impacto de ruído
causado por atividades econômicas
Figura 4 - Representação típica do impacto de ruído de trânsito
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Maria da Piedade Gomes de Oliveira, Eduardo Bauzer Medeiros
e Clodoveu Augusto Davis Jr.
As Figuras 3 a 5 exemplificam, numa escala de cinzas, a extensão do impacto
de ruído causado por várias atividades econômicas (Figura 3), por trânsito de veículos (Figura 4) e o efeito global (Figura 5) em uma região central de Belo Horizonte.
Figura 5 - Representação típica do impacto de ruído combinando
ruídos produzidos pelas atividades econômicas e pelo trânsito.
6. CONCLUSÕES
A pesquisa sobre poluição causada por ruído urbano é bem recente e ainda em
um estágio incipiente. A possibilidade de implementar diferentes tipos de modelos dentro de um SIG oferece aos planejadores uma ferramenta poderosa e flexível para analisar a ocupação do solo, e decidir sobre novos licenciamentos de
localização de atividades econômicas. A solução descrita provou ser adequada
para integrar os dados geográficos disponíveis em um modelo matemático acústico, fornecendo valores para a análise da relação entre os vários objetos geográficos.
A principal contribuição do SEAU é tornar disponível um instrumento que
permite uma avaliação mais adequada do ambiente urbano da cidade, particularmente em respeito aos aspectos ambientais. Na verdade, o SEAU é uma prova de
que esta integração de dados é essencial para se conseguir suporte suficiente e
análise adequada.
Ele integra as várias instituições e setores da administração oficial envolvidos
em um processo de tomada de decisão complexo, desta forma assegurando uniformidade e disponibilidade de informações. É esta integração que deve levar a
um planejamento ambiental global adequado, oferecendo um painel completo e
correto de uma área particular.
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Planejando o Meio Ambiente Acústico Urbano: uma abordagem baseada em SIG
O SEAU pode também ser utilizado por outras classes de impacto ambiental,
que devem exigir uma implementação muito similar àquela encontrada em Acústica. Na verdade ela foi projetada tendo em vista a flexibilidade. É também esperado desta forma que outros tipos de impacto devam ser incluídos, e que o modelo
Acústico deve experimentar alguns melhoramentos a fim de tornar o procedimento inteiro mais completo e apurado. É esta visão ambiental global que deve ser o
ponto decisivo para uma análise mais elaborada, levando talvez aos objetivos
maiores deste estudo, nomeadamente: fornecer uma vida melhor para a população.
O presente protótipo, criado dentro do SEAU, é a tentativa inicial de incrementar
o SEAU com mapeamento de informações de nível de ruído. Ele usa um modelo
matemático muito simples que todavia fornece uma primeira aproximação para a
determinação da poluição acústica. De todo modo, este é um aperfeiçoamento
importante sobre outras aproximações padrões para mapeamento de níveis de ruído, que não se baseiam em bancos de dados geográficos ou instrumentos de SIG.
Essas aproximações dependem de especialistas que adquirem dados de campo das
regiões a serem mapeadas, adotando simulações e criando mapas que são limitados à área de estudo. A principal vantagem do presente protótipo é que uma grande parte dos dados necessários já está disponível no banco de dados, e engloba
toda a cidade. Logo, vários tipos de diagnósticos de níveis acústicos podem ser
gerados baseados unicamente em modificar os modelos matemáticos e a classificação das principais fontes de ruído.
Em particular, pesquisas futuras envolvem o aumento da sofisticação dos métodos aplicados, adequando-os às necessidades específicas de cada área considerada
KEYWORDS
Urban noise-Pollution control- Geographic applications.
ABSTRATC
The economic development taking place in large urban centers can often provide
an improvement in life quality as a consequence of the wider availability of services.
However, severe environmental problems can also occur, if a coordinated strategy
involving adequate monitoring of established businesses is not carried out.
Adequate assessment of the environmental impact which may result from the
economic development can only be carried out if suitable tools are available to
the administrators, enabling proper supervision of land occupation. Noise is a
major source of nuisance in urban environments, and in general 70% of the
inhabitants of large cities usually describe noise related disturbances as a very
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Planejando o Meio Ambiente Acústico Urbano: uma abordagem baseada em SIG
important factor affecting life quality. This paper describes a set of GIS-based
tools intended to provide the administrators with a methodology enabling a proper
assessment of the acoustic impact within the urban environment. A model
establishing the correlation between the spatial distribution of impacts and the
relevant activities is developed. This model has been implemented as a prototype
in a GIS environment, using Belo Horizonte’s geographic database, which is
intended to represent a typical large Brazilian city situation. Initial field
measurements compare favorably with this prototype, indicating the feasibility of
the proposed approach.
KEYWORDS
Urban noise-Pollution control- Geographic applications.
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Planejando o Meio Ambiente Acústico Urbano: uma abordagem