CASO CLÍNICO DE NATRUM MURIATICUM Célia Regina Barollo Caso Clínico apresentado no XXXII Congresso Brasileiro de Homeopatia – São Paulo – Set/2014 É POSSÍVEL UM ÚNICO E MESMO MEDICAMENTO POR TODA VIDA? PARA OS QUADROS AGUDOS E CRÔNICO? INTRODUÇÃO: MJS, sexo feminino, 40 anos, secretária, espírita, a mais velha de 9 filhos. Natural de Alagoas veio para São Paulo com a família aos 10 anos, portadora de Doença de Chagas (MG positivo). Casou aos 20 anos; marido alcoólatra sem emprego fixo; foi ela quem sempre manteve a casa. RELATO em mai/1986: Marido foi embora há 4 dias; senti tristeza, raiva; preciso me programar financeiramente, tenho uma dependência dele, preciso saber notícias. Quando ele falava em ir embora me revoltava, me chocava muito; tinha insegurança de ficar sozinha. Não aguento ficar sem fazer nada, sempre procurando alguma ocupação, alguém para bater papo. No trabalho gostaria de ajudar para que houvesse harmonia, as pessoas se desgastam muito. IDA: leucorreia com odor forte e prurido; obstipação intestinal, menstruações regulares. Partos normais, 4 filhas, laqueadura em 1980. Sono bom. Sonhos: de cair; com assaltos. Ex. físico - PA 14 X 8,5, FC 68/min, rítmico; restante ndn. REPERTORIZAÇÃO: não realizada. MM Pura – Hahnemann, DC - 100 - Falta de INDEPENDÊNCIA. CONDUTA: Natrum muriaticum MCH – DU (mai/86) ACOMPANHAMENTO CLÍNICO: em jun/88, refere “angústia, solidão, desamparo, insegurança perante a vida, medo do futuro. Em março/88 mudei para casa da minha mãe, a família está me apoiando. Estudos espirituais estão me ajudando. Intestino melhorou”. Divórcio em jan/89 e tem novo companheiro 14 anos mais velho. A paciente evoluiu bem, com doses esporádicas de Nat-m MCH, sem sintomas clínicos até maio/89, quando teve um desmaio rápido, palpitações e cansaço ao subir escadas. Exames: EEG – hiperatividade irritativa à E; ECG – hiperexcitabilidade ventricular, com períodos de bigeminismo. Natrum muriaticum FC 10M – DU. Evoluiu trabalhando muito, contente, estudando alemão e doutrina espírita. Passou bem até jun/93, quando saiu da empresa em que trabalhava: “estou em nova empresa; faço de tudo e estou gostando, mas a dona tem me chamado a atenção, me sinto injustiçada e choro. Em nov/93 tive câimbras na perna E tive um desmaio durante evacuação. Uma semana antes do desmaio chefe novamente mexeu comigo, mas não chorei. Depois do desmaio tenho ficado com cabeça pesada ao acordar e insônia, acordo às 5 horas e não durmo mais. Há um mês tendo ondas de calor. Estou um pouco intolerante, muito eufórica ou muito tensa. Voltei a ter falta de equilíbrio WWW.IHJTKENT.ORG.BR Página 1 desde que comecei no novo serviço”. Prescrito Nat-m 300 CH – DU e depois 350 CH – DU. Em mai/96 relata: “saí da empresa e estou em nova profissão; sou corretora de imóveis desde abr/95. Muita correria e estresse, vendendo quase nada. Há um mês lesões descamativas nos pés e há uma semana nas mãos (ao exame: dermatofitose marginada). Menopausa em jun/95 - sem queixas. Ex- marido causando problemas, não quer vender nossa chácara. Há 3 meses estava com arritmia, cardiologista receitou Ancoron.”. Ago/97 - (tomou Ancoron até maio/97) ECG - ES bigeminadas durante esforço. “Voltei a tomar Ancoron. Muito trabalho; diariamente co v vvnfronto com gerente que é muito bruto, me desgasta muito; estou saindo da empresa”. Paciente continuou evoluindo bem, em dez/99 ECG e ECO normais, não tomou mais antiarrítmicos, assintomática. Dando aulas na Federação Espírita, estudando filosofia e psicologia social, violão e alemão. Mai/04 - ECG - arritmia; ECODOPLER - IM discreta e IA leve; relaxamento ventricular lento - sem sintomas. Medicada com potências crescentes de Nat-m 360400-500. Em Nov/04 passou a tomar Nat-m LM-6-12-18. Fazendo yoga e caminhada. Irmão mais novo esquizofrênico sob sua responsabilidade lhe causa muitos problemas e preocupação. Alguns períodos de bradicardia (40 a 48/min) com bigeminismo, alternados com períodos sem arritmia. Abr/07 - ECG - bloqueio divisional anterossuperior, distúrbio de condução do ramo D, alteração da repolarização - sem sintomas e sem medicação alopática. Trabalhando como corretora (ansiosa e insônia quando está para fechar negócio). Mantendo as demais atividades. Fez viagens para EUA, P. Gales, Noruega sem problemas. Exames de rotina normais: colonoscopia, gastroscopia, ultrassom abdominal, pélvico e mamário, mamografia, bioquímica. Ecodopler mantendo alterações anteriores + aneurisma apical de VE e dilatação da aorta - todos discretos: sem medicação alopática. Ativa sexualmente. Paciente mantém contato telefônico esporádico, sem queixas. Durante os 28 anos de acompanhamento todas as queixas da paciente, agudas ou crônicas, melhoraram, apenas ajustando dose e potência de Nat-m: episódios de ansiedade, labirintite, enxaqueca, leucorreia, desmaios, lombociatalgia, dermatofitose marginada, micose ungueal, gripe, tendinite anular, tendinite por esforço no pé E, arritmia, opressão no peito, dispneia, intoxicação alimentar, sem necessidade do uso de outros medicamentos, confirmando a teoria de Masi e Kent de um medicamento único para toda vida e para todos os sintomas. DISCUSSÃO E COMENTÁRIOS FINAIS: Por sua dependência afetiva suportou um casamento de muitos anos com uma pessoa que somente lhe trazia aborrecimentos, decepções e tristeza, mas não teve a coragem de se separar; entretanto, com o tratamento foi se tornando progressivamente mais segura, tomando decisões, deixou os empregos que lhe incomodavam e enfrentou a vida. Com o novo companheiro teve sempre uma vida independente, aproveitando todas as oportunidades de estudar e evoluir espiritualmente. Dinâmica Miasmática: desde o início a paciente permaneceu entre a psora em atividade e psora secundaria, com alguns períodos de psora latente. WWW.IHJTKENT.ORG.BR Página 2 Para Masi Elizalde - Natrum muriaticum necessita que alguém o leve pela mão, com sensação de invalidez pela vida. Vive a injustiça de quem não fez nada para viver assim desamparado. Se aceita compaixão, confirma sua invalidez. Gosta que a protejam, porém não gosta de pedir por sentir-se humilhada. Necessita do afeto dos outros e não quer reconhecê-lo. Pensa que não vai ter força quando romper os vínculos afetivos. É aquele que ajuda os pobres e desvalidos, os que têm falta de vigor físico e mental. Deus nos conserva a vida por graça e misericórdia - ASSEIDADE é o atributo divino que permite que Ele exista por si mesmo, sem depender de ninguém. Na Doença de Chagas, as lesões acontecem na fase aguda da doença (inflamação, necrose e fibrose) e são evolutivas; o órgão vai envelhecendo e quando consultamos a paciente 30 anos após a doença aguda, essas lesões já estavam estabelecidas, mas os danos cardíacos evidenciados no ECG foram aparecendo ao longo do tempo. Não é possível avaliar a extensão original da lesão e comprometimento cardíaco causados pelo agente etiológico na infância precoce (paciente veio para São Paulo ainda criança); as alterações eletrocardiográficas foram se agravando, mas sem sintomatologia cardíaca importante. É interessante notar que a Doença de Chagas acomete seletivamente o coração ou o aparelho digestivo. Normalmente o paciente tem ou lesão cardíaca ou lesão digestiva (megaesôfago e/ou megacolo). Isso nos remete ao Escrito Menor de Kent - Correspondência de Órgãos e Direção de Cura – onde ele aborda a questão dos órgãos relacionados ao Intelecto (pulmões, estômago, intestinos e rins) e a Vontade (coração, fígado, órgãos sexuais e articulações). Portanto, nessa paciente o comprometimento está ao nível da Vontade, dos afetos, do amor, comprometendo seu coração, com a parte intelectiva totalmente equilibrada. Infelizmente não temos casos de Doença de Chagas digestiva, para podermos verificar que tipo de comprometimento intelectivo teria o paciente. Do ponto de vista do Prognóstico Clínico Dinâmico, sua evolução se encaixa na 13ª Observação Prognóstica, proposta por Kent na Lição IX e por Masi - Melhora do paciente com persistência de alguns sintomas, por incapacidade do paciente de voltar ao antigo equilíbrio; pelo paciente ser incurável e deve encontrar novo equilíbrio; com melhora dos sintomas mentais, gerais, raros, peculiares e característicos, SSBEG, mas com persistência de alguns sintomas. BIBLIOGRAFIA I Diretriz Latino-Americana para o Diagnóstico e Tratamento da Cardiopatia Chagásica Arquivos Brasileiros de Cardiologia (Vol. 97, Nº 2, Supl-1, Ago- 2011). Patogenia e fisiopatologia da cardiopatia chagásica crônica - A CCC é essencialmente uma miocardiopatia dilatada em que a inflamação crônica, usualmente de baixa intensidade, mas incessante, provoca destruição tissular progressiva e fibrose extensa no coração. Vários WWW.IHJTKENT.ORG.BR Página 3 mecanismos devem contribuir para a patogenia das lesões cardíacas e a consequente instalação dos diversos distúrbios fisiopatológicos, conforme revisões recentes. DISAUTONOMIA cardíaca Vários estudos necroscópicos independentes em pacientes chagásicos e em modelos experimentais de infecção pelo Trypanosoma cruzi evidenciaram depopulação neuronal, predominantemente do sistema parassimpático cardíaco. Tais alterações patológicas se acompanham de disautonomia cardíaca, comprovada por inúmeros pesquisadores empregandose variados métodos de avaliação funcional. São encontradas antes da disfunção ventricular e nas formas indeterminada ou digestiva da doença. Em consequência desses distúrbios funcionais da regulação autonômica cardíaca, os pacientes chagásicos crônicos podem ser privados do controle inibitório vagal normalmente exercido sobre o nódulo sinusal e outras estruturas cardíacas, bem como se tornarem incapazes de ajustes cronotrópicos rápidos em resposta a estímulos fisiológicos, como alterações de postura e o exercício físico, mediados pelo sistema vagal... Embora de menor monta, ocorrem também alterações estruturais e funcionais do sistema simpático cardíaco, inclusive ao nível ventricular, em associação a distúrbios contráteis e perfusionais miocárdicos. É possível ainda que anticorpos circulantes, capazes de interferir com receptores de ambos os sistemas - simpático e vagal afetem fisiopatologicamente o comportamento autonômico cardíaco e modulem propriedades eletrofisiológicas envolvidas em mecanismos de arritmias malignas. Entretanto, o papel desses anticorpos na gênese de alterações miocárdicas é ainda obscuro, não se correlacionando com a disfunção ventricular contrátil. Em suma, a despeito de alterações morfológicas e funcionais do sistema autonômico do coração serem detectáveis em alguns pacientes chagásicos crônicos, elas ocorrem em intensidade variada e não se correlacionam diretamente ao grau de depressão ventricular. Dessa forma, a chamada “teoria neurogênica”, conforme entendida com base em estudos pioneiros, não se mostra convincente para explicar a destruição miocárdica da CCC. Fisiopatologia da CCC O dano cardíaco resulta das alterações fundamentais (inflamação, necrose e fibrose) que o T. cruzi provoca, direta ou indiretamente, no tecido especializado de condução, no miocárdio contrátil e no sistema nervoso intramural. O frequente comprometimento do nó sinusal, do nó atrioventricular e do feixe de His, por alterações inflamatórias, degenerativas e fibróticas, pode dar origem à disfunção sinusal e a bloqueios variados atrioventriculares e intraventriculares. Por serem estruturas mais individualizadas, o ramo direito e o fascículo anterior-superior esquerdo são mais vulneráveis e mais frequentemente afetados. Focos inflamatórios e áreas de fibrose no miocárdio ventricular, especialmente em regiões posterior-lateral e inferior-basal, podem produzir alterações eletrofisiológicas e favorecer o aparecimento de reentrada, principal WWW.IHJTKENT.ORG.BR Página 4 mecanismo eletrofisiológico das taquiarritmias ventriculares malignas, que acarretam morte súbita mesmo em pacientes sem insuficiência cardíaca ou grave disfunção de ventrículo esquerdo (VE). Outra consequência das lesões miocárdicas é a disfunção biventricular característica da CCC. Inicialmente, há comprometimento regional, assemelhando-se ao que ocorre na cardiopatia por obstrução coronária, mas, paulatinamente, verifica-se dilatação e hipocinesia generalizada, conferindo o padrão hemodinâmico de cardiomiopatia dilatada à CCC. Desde as fases mais precoces, discinesias ou aneurismas ventriculares predispõem a complicações tromboembólicas. Em estágios avançados, a dilatação global, a estase venosa e a fibrilação atrial são fatores adicionais que propiciam a formação de trombos e a consequente embolização pulmonar e sistêmica, como no sistema nervoso central. Esse aspecto confere à CCC, além das predominantes características de provocar arritmias malignas e insuficiência cardíaca refratária, a de ser precipuamente embolizante. WWW.IHJTKENT.ORG.BR Página 5