Relato de Caso
Osteíte fibrosa cística causando paraplegia crural
Crural paraplegia for osteitis fibrosa cystica
RESUMO
Lázaro Bruno Borges Silva1
Letícia Maria Coelho1
Sávio de Moraes2
Henrique Borges da Silva3
Sindeval José da Silva4
ABSTRACT
A osteíte fibrosa cística é uma apresentação avançada do
hiperparatireoidismo e pode acometer, mais raramente, a coluna
vertebral. No presente relato, a paciente evoluiu de um quadro de
dor localizada para paraplegia por compressão medular. Destacase a importância de investigação e abordagem precoces dessa
condição, a fim de evitar complicações irreversíveis.
Osteitis fibrosa cystica is an advanced consequence of
hiperparathyroidism and, eventually, it is situated in spine. In this
report, the patient showed a localized pain which quickly evaluated
to paraplegia caused by spinal cord compression. Early
investigation and intervention in this clinical condition are important
in order to prevent irreversible complications.
Descritores: Hiperparatireoidismo. Osteíte Fibrosa Cística.
Paraplegia. Neoplasias Ósseas.
Key words: Hyperparathyroidism. Osteitis Fibrosa Cystica.
Paraplegia. Bone Neoplasms.
INTRODUÇÃO
O advento dos testes bioquímicos mostrou que o hiperparatireoidismo primário não é uma condição tão infreqüente, mas que
atinge aproximadamente 50 indivíduos a cada 100.000 e que é
ainda mais incidente na faixa etária acima de 60 anos1. Uma de
suas formas de apresentação é a osteíte fibrosa cística, ou
tumor marrom, que decorre de um efeito direto do hormônio
paratireoidiano (PTH) no osso, o que pode levar à formação de
lesões císticas, mais comuns em metacarpos, falanges, ossos
do quadril e fêmur e que podem gerar vários sintomas, entre
eles a compressão medular2, como reportado no relato a seguir.
RELATO DE CASO
Paciente do gênero feminino, de 51 anos, referia que, há dois
anos e três meses, iniciou com quadro de dor contínua em
ombros, de moderada intensidade, sem caráter específico,
com irradiação para região cervical e membros superiores, sem
fatores de melhora ou de piora e sem outras manifestações.
Procurou facultativo que diagnosticou bursite, tratada com
antiinflamatórios e analgésicos, associados à fisioterapia, sem
melhora, no entanto, dos sintomas. Há um ano e meio,
apresentou quadro de dor leve e esporádica em joelhos,
associada à fraqueza de membros inferiores, que evoluiu com
astenia e dificuldade de deambulação, seguida de parestesia
crural a partir de T4, plegia e hiperreflexia de membros
inferiores. Foi encaminhada para um hospital universitário, com
suspeita diagnóstica de mieloma múltiplo, para investigação de
foco primário, mantendo quadro de dor em membros inferiores
e superiores. Foi submetida a exame radiológico, que evidenciou osteopenia difusa (Figura 1) e lesões líticas em arcos costais
e em cristas ilíacas. Realizou-se, em seguida, biópsia óssea
que demontrou áreas de fibrose com acúmulos de hemossiderina e pequenos fragmentos de osso neoformado maduro, sem
sinais de malignidade evidentes – Figura 2. A tomografia
computadorizada evidenciou compressão medular a partir de
T4 – Figura 3. Iniciou-se a investigação de hiperparatireoidismo
e encontraram-se níveis de cálcio e de paratormônio acima dos
referenciais de normalidade (12,6mg/dL e > 1500pg/mL,
respectivamente). À ultra-sonografia cervical, observou-se
nódulo sólido, medindo 11mm de diâmetro, extra-tireoideano,
em pólo inferior esquerdo, compatível com paratireóide. Foi
realizada paratireoidectomia parcial, com achado cirúrgico de
paratireóide inferior esquerda medindo 2,5x1,5x1,1cm e peso
de 2 gramas e exame anátomo-patológico que evidenciou
adenoma de paratireóide. Evoluiu, no pós-operatório imediato,
com quadro de “fome óssea”, necessitando de cuidados em
Centro de Terapia Intensiva para reposição de cálcio e recebeu
alta hospitalar, após 34 dias, com controle do quadro clínico,
evoluindo com melhora das dores ósseas, porém, persistindo
as manifestações da compressão medular. Não foi submetida à
cirurgia de descompressão medular pela relação riscobenefício não ser favorável pela complexidade de acesso
cirúrgico e o caráter irreversível da lesão diante do diagnóstico
tardio.
1) Acadêmico do curso de Medicina da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Uberlândia
2) Médico Cirurgião de Cabeça e Pescoço do Hospital de Clínicas da Universidade Federal de Uberlândia
3) Médico Patologista do Hospital de Clínicas da Universidade Federal de Uberlândia
4) Médico Cirurgião de Cabeça e Pescoço do Hospital de Clínicas da Universidade Federal de Uberlândia
Instituição: Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Uberlândia (UFU), Uberlândia, MG, Brasil.
Correspondência: Lázaro Bruno Borges Silva, Av. João Naves de Ávila, 888 apt. 501 – 38400-042 Uberlândia, MG, Brasil. E-mail: [email protected]
Recebido em: 21/01/2008; aceito para publicação em: 30/06/2008; publicado on-line em: 15/09/2008.
Conflito de interesse: nenhum. Fonte de fomento: nenhuma.
Rev. Bras. Cir. Cabeça Pescoço, v. 37, nº 3, p. 177 -178, julho / agosto / setembro 2008
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Figura 1 – Radiografias evidenciando osteopenia difusa em crânio
(característica de sal com pimenta) e de segundo metacarpo de mão
direita.
direta do PTH no osso e caracterizado por proliferação de
tecido fibroblástico, aumento de osteoblastos e osteoclastos e
hemorragia focal com depósitos de hemossiderina1,4. Acomete
mais freqüentemente metacarpos, falanges, ossos da pelve,
fêmur, maxilar e tíbia2,4, embora, mais raramente, possa ser
encontrado em coluna vertebral, gerando manifestações de
compressão medular2,4,5.
Nesse relato, a paciente evoluiu rapidamente de um
quadro de dor localizada em ombros para paraplegia crural
por compressão medular a partir de T4 e lesões ósseas líticas
difusas, que, a princípio, levaram à suspeita de malignidade.
Entretanto, a hipercalcemia foi acompanhada de níveis
elevados de PTH, suscitando o diagnóstico de hiperparatireoidismo, confirmado posteriormente por exames ultrasonográfico e anátomo-patológico.
O tratamento do hiperparatireoidismo primário por
adenoma pode ser feito pela paratireoidectomia. Já o
tratamento da compressão medular ainda não está bem
estabelecido, mas, em casos de comprometimento medular
importante, fácil acesso cirúrgico e dano neurológico reversível, pode ser tentada a descompressão cirúrgica2,4. Nessa
paciente, já não foi possível essa abordagem, deixando, como
seqüela, a paraplegia crural, visto situação contrária àquelas
que permitiriam a tentativa de descompressão. Assim, é
imprescindível o conhecimento dessa condição clínica que, se
não diagnosticada e tratada precocemente, pode levar a
danos irreversíveis.
REFERÊNCIAS
1. Bassler T, Wong ET, Brynes RK. Osteitis fibrosa cystica simulating
metastatic tumor. An almost-forgotten relationship. Am J Clin Pathol.
1993;100(6):697-700.
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Wakisaka S. Paraplegia caused by brown tumor in primary hyperparathyroidism. Case report. J Neurosurg. 1989;71(3):446-8.
3. AACE/AAES Task Force on Primary Hyperparathyroidism. The
American Association of Clinical Endocrinologists and the American
Association of Endocrine Surgeons position statement on the
diagnosis and management of primary hyperparathyroidism. Endocr
Pract. 2005;11:49-54.
4. Abrita RR, Sanders H, Souza SF, Carvalho AB, Moura LAR, Bastos
MG. Relato de caso: Síndrome de compressão medular por tumor
marrom relacionado ao hiperparatireoidismo secundário. J Bras
Nefrol. 2003;25(2):108-11.
5. Sundaram M, Scholz C. Primary hyperparathyroidism presenting
with acute paraplegia. AJR Am J Roentgenol. 1977;128(4):674-6.
Figura 2 – Corte histológico evidenciando tecido ósseo neoformado
maduro, sem sinais de malignidade evidentes, com áreas de fibrose e
acúmulos de hemossiderina (HE, 40x).
Figura 3 – Corte tomográfico de T-4 evidenciando compressão
medular.
DISCUSSÃO
O hiperparatireoidismo primário decorre, em 85% dos casos,
de adenoma de paratireóide e caracteriza-se por níveis
elevados de PTH, a despeito da hipercalcemia3.
O tumor marrom ou osteíte fibrosa cística é uma das apresentações avançadas de hiperparatireoidismo, decorrente da ação
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Rev. Bras. Cir. Cabeça Pescoço, v. 37, nº 3, p. 177 -178, julho / agosto / setembro 2008
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