PARECER COREN-SP 017 /2013 – CT PRCI n° 100.757 e Ticket: 281.201 Ementa: Atendimento da Equipe de Saúde da Família fora da área de abrangência. 1. Do fato Enfermeira da Equipe de Saúde da Família questiona a obrigatoriedade de prestar atendimento a paciente fora da área de abrangência, salvo em situações emergenciais. 2. Da fundamentação e análise Conforme o Código de Ética dos Profissionais de Enfermagem, é princípio fundamental da profissão o comprometimento com a saúde tanto na promoção, quanto prevenção, recuperação e reabilitação; sendo que o profissional de enfermagem deve respeitar a vida, a dignidade e os direitos humanos, em todas as suas dimensões. Exercendo suas atividades com competência, para a promoção da saúde do ser humano na sua integridade, de acordo com os princípios da ética e da bioética (CONSELHO FEDERAL DE ENFERMAGEM, 2007). Desta maneira, ao analisarmos os questionamentos, verificamos que o ato de cuidar é intrínseco da profissão de enfermagem, não podendo o profissional esquivar-se de tal tarefa, observando assim os princípios éticos que permeiam a profissão, conforme artigo 26 do já citado Código: [...] PROIBIÇÕES Art. 26 - Negar Assistência de Enfermagem em qualquer situação que se caracterize como urgência ou emergência. [...] (COFEN, 2007). No entanto, ante a situação fática trazida ao Conselho, há que ser observada a legislação a qual trata da ESF - Estratégia Saúde da Família, que preconiza através da política Nacional de Atenção Básica, que seus princípios são formados por um conjunto de ações de saúde direcionados a populações de territórios definidos, aos quais o programa assume a responsabilidade sanitária (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2011)1. Desta forma, a Política Nacional de Atenção Básica, tem na Saúde da Família sua estratégia prioritária para expansão, qualificação e consolidação da atenção básica, assim denominada ESF - Estratégia Saúde da Família (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2012 “grifo nosso”). No mesmo sentido, há recomendação de que no intuito de facilitação de acesso, vínculo e continuidade de cuidados, seja delimitado um número máximo de indivíduos para cada Unidade Básica de Saúde (UBS) com Estratégia Saúde da Família (ESF): [...] Com o intuito de facilitar os princípios do acesso, do vínculo, da continuidade do cuidado e da responsabilidade sanitária e reconhecendo que existem diversas realidades sócio epidemiológicas, diferentes necessidades de saúde e distintas maneiras de organização das UBS, recomenda-se: [...] 1 Ministério da Saúde. Portaria Nº 2.488, de 21 de outubro de 2011. ANEXO I. DISPOSIÇÕES GERAIS SOBRE A ATENÇÃO BÁSICA. DOS PRINCÍPIOS E DIRETRIZES GERAIS DA ATENÇÃO BÁSICA. A Atenção Básica caracteriza-se por um conjunto de ações de saúde, no âmbito individual e coletivo, que abrange a promoção e a proteção da saúde, a prevenção de agravos, o diagnóstico, o tratamento, a reabilitação, redução de danos e a manutenção da saúde com o objetivo de desenvolver uma atenção integral que impacte na situação de saúde e autonomia das pessoas e nos determinantes e condicionantes de saúde das coletividades. É desenvolvida por meio do exercício de práticas de cuidado e gestão, democráticas e participativas, sob forma de trabalho em equipe, dirigidas a populações de territórios definidos, pelas quais assume a responsabilidade sanitária, considerando a dinamicidade existente no território em que vivem essas populações. Utiliza tecnologias de cuidado complexas e variadas que devem auxiliar no manejo das demandas e necessidades de saúde de maior freqüência e relevância em seu território, observando critérios de risco, vulnerabilidade, resiliência e o imperativo ético de que toda demanda, necessidade de saúde ou sofrimento devem ser acolhidos. II - para UBS com Saúde da Família em grandes centros urbanos, recomenda-se o parâmetro de uma UBS para no máximo 12 mil habitantes, localizada dentro do território, garantindo os princípios e diretrizes da Atenção Básica. [...](MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2011) Isso acontece, uma vez que a equipe de Saúde da Família tem responsabilidade sanitária sobre os indivíduos cadastrados dentro de determinada faixa territorial, ocorrendo ainda, em algumas vezes a necessidade de constituição de mais de uma equipe para atendimento: [...] Cada equipe de Saúde da Família deve ser responsável por, no máximo, 4.000 pessoas, sendo a média recomendada de 3.000, respeitando critérios de equidade para essa definição. Recomenda-se que o número de pessoas por equipe considere o grau de vulnerabilidade das famílias daquele território, sendo que, quanto maior o grau de vulnerabilidade, menor deverá ser a quantidade de pessoas por equipe; [...](MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2012). Verifica-se neste caso, a preocupação existente no sentido de que, além de vincular os indivíduos de determinada região, tornar possível um acompanhamento eficaz e efetivo, bem como planejamento específico e singular que atenda os indivíduos de determinado território. Ou seja, a extrapolação do número de pessoas atendidas por uma eSF, poderia vir a comprometer o atendimento, além de tornar ineficaz o planejamento proposto para determinada região. Neste sentido, o Caderno de Atenção Básica à Saúde preconiza um número máximo de famílias por ESF, limitando entretanto, ao número de indivíduos a serem atendidos por cada equipe: [...] As Equipes de Saúde da Família (ESF) trabalham com a população adscrita, ou seja, com um número fixo de famílias. De uma forma geral, recomenda-se que cada ESF assista de 600 a 1.000 famílias com o limite máximo de 4.500 habitantes. [...] (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2000, p. 13/14) Prioritariamente, o que se verifica é que pelo princípio da Universalidade do SUS, não há como impedir que o usuário dos serviços de saúde se utilize de determinada unidade ou equipe fora de sua área de abrangência. No entanto, para garantir que a eSF possa realizar visita domiciliar, acompanhar a família e desenvolver o atendimento integral, equitativo e continuado, é importante que o indivíduo que recebe o atendimento seja vinculado ao seu território (área de abrangência). Corroborando com tal entendimento, transcrevemos trecho do PARECER Nº 1980/2008 CRM-PR do CONSELHO REGIONAL DE MEDICINA DO PARANÁ, o qual trata do atendimento médico em PSF: [...] Com embasamento no Código de Ética Médica e na Portaria do MS da qual foram citados alguns trechos, pode-se afirmar que o médico contratado para participar das atividades do ESF - estratégia da saúde da família - deve cuidar de pessoas que habitam território delimitado e executar ações de promoção e proteção da saúde, prevenção de agravos, diagnóstico, tratamento, reabilitação e manutenção da saúde. Isto só é possível se o cuidado for dirigido a um número limitado de famílias e pessoas, que o MS calcula em torno de 3.000 habitantes. Deve o médico estabelecer vínculo e responsabilizar-se pela continuidade da atenção dada a seus pacientes inclusive nos outros pontos de atendimento do sistema. [...](CONSELHO REGIONAL DE MEDICINA DO PARANÁ, 2008) Reafirmando, ao que tudo indica, a implementação de tal estratégia busca fazer com que o indivíduo possa ter acesso facilitado as ações de atenção à saúde, sendo que, a restrição de atendimento à pessoas não cadastradas, ou fora de sua área de abrangência, seria o mesmo que colocarmos obstáculo à busca pela saúde, o que por si só, é contrário ao princípio ético formador do Sistema Único de Saúde2, porém, atender a um número maior de indivíduos do que a capacidade de cada eSF, comprometeria da mesma forma a eficácia do programa. 2 A LEI ORGÂNICA DE SAÚDE Nº 8.080 de 19 de Setembro de 1990. Dispõe sobre as condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização e o funcionamento dos serviços correspondentes e dá Além do que, o prestar atendimento a indivíduos de determinada faixa territorial gera determinado custo para os cofres do Estado, e justamente tais custos devem fazer parte do planejamento orçamentário3, em contrapartida, em nenhum momento as políticas públicas de atendimento à saúde devem se sobrepor a possibilidade de acesso do indivíduo que busca atendimento4, o que certamente iria ferir o conceito de universalidade de atendimento estabelecido pelo já citado Sistema Único de Saúde – SUS. No mesmo sentido, a Norma Operacional Básica 96 – NOB 96, ao dar a base para um novo modelo de atenção à saúde, refere-se ao fato de se realizar a consolidação entre diversos ambientes do SUS e assim tornar possível o atendimento do indivíduo em qualquer local do país: [...] Cada sistema municipal deve materializar, de forma efetiva, a vinculação aqui explicitada. Um dos meios, certamente, é a instituição do cartão SUS-MUNICIPAL, com numeração nacional, de modo a identificar o cidadão com o seu sistema e outras providências. CAPÍTULO II - Dos Princípios e Diretrizes Art. 7º As ações e serviços públicos de saúde e os serviços privados contratados ou conveniados que integram o Sistema Único de Saúde - SUS são desenvolvidos de acordo com as diretrizes previstas no artigo 198 da Constituição Federal, obedecendo ainda aos seguintes princípios: I - universalidade de acesso aos serviços de saúde em todos os níveis de assistência; [...] IV - igualdade da assistência à saúde, sem preconceitos ou privilégios de qualquer espécie; [...] 3 Idem. [...]Art. 33 - Os recursos financeiros do Sistema Único de Saúde - SUS serão depositados em conta especial, em cada esfera de sua atuação, e movimentados sob fiscalização dos respectivos Conselhos de Saúde.[...] Art. 35 - Para o estabelecimento de valores a serem transferidos a Estados, Distrito Federal e Municípios, será utilizada a combinação dos seguintes critérios, segundo análise técnica de programas e projetos: I - perfil demográfico da região; II - perfil epidemiológico da população a ser coberta; III - características quantitativas e qualitativas da rede de saúde na área; IV - desempenho técnico, econômico e financeiro no período anterior; V - níveis de participação do setor saúde nos orçamentos estaduais e municipais; VI - previsão do plano qüinqüenal de investimentos da rede; VII - ressarcimento do atendimento a serviços prestados para outras esferas de governo.[...] Art. 36 - O processo de planejamento e orçamento do Sistema Único de Saúde SUS será ascendente, do nível local até o federal, ouvidos seus órgãos deliberativos, compatibilizando-se as necessidades da política de saúde com a disponibilidade de recursos em planos de saúde dos Municípios, dos Estados, do Distrito Federal e da União. § 1 - Os planos de saúde serão a base das atividades e programações de cada nível de direção do Sistema Único de Saúde - SUS, e seu financiamento será previsto na respectiva proposta orçamentária. 4 Ministério da Saúde. PORTARIA Nº 2.203.[...] 4. SISTEMA DE SAÚDE MUNICIPAL[...]A criação e o funcionamento desse sistema municipal possibilitam uma grande responsabilização dos municípios, no que se refere à saúde de todos os residentes em seu território. No entanto, possibilitam, também, um elevado risco de atomização desordenada dessas partes do SUS, permitindo que um sistema municipal se desenvolva em detrimento de outro, ameaçando, até mesmo, a unicidade do SUS. Há que se integrar, harmonizar e modernizar, com eqüidade, os sistemas municipais. agregá-lo ao sistema nacional. Essa numeração possibilita uma melhor referência intermunicipal e garante o atendimento de urgência por qualquer serviço de saúde, estatal ou privado, em todo o País. [...] (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 1996) Desta forma, o que as políticas públicas tentam é justamente dar efetividade ao mandado constitucional de acesso à saúde para todas as pessoas5, evitando-se muitas vezes a judicialização pelo não atendimento6. Certo é que por tal norma, as pessoas poderiam ser atendidas em qualquer localidade, no entanto, isso não deve ser considerado de forma absoluta, muito pelo contrário, tal atendimento deve ser excepcional, para que não venha a comprometer a eficácia da assistência integral proposta pelo programa, deixando assim, tal atendimento para os casos excepcionais7. 3. Da Conclusão Neste sentido, conforme a legislação vigente que trata do tema em questão, conclui-se que o atendimento de enfermagem em casos de urgência e emergência, deve ser prestado por qualquer equipe de Saúde da Família – eSF, independentemente do indivíduo que receberá o atendimento estar fora da área de abrangência. Nos demais casos, o usuário deverá ser 5 Constituição Federal do Brasil. [...]Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação. 6 Nelson NERY JUNIOR. Constituição Federal Comentada. 2 Ed. São Paulo: RT, 2009. p. 666. [...]O primeiro dado a ser considerado é a existência, ou não, de política estatal que abranja a prestação de saúde pleiteada pela parte no processo. Ao deferir uma prestação de saúde incluída entre as políticas sociais e econômicas formuladas pelo Sistema Único de Saúde, o Judiciário não está criando políticas públicas, mas apenas determinando o seu cumprimento. 7 CONSELHO REGIONAL DE MEDICINA DO PARANÁ. Parecer nº 1980/2008 CRM-PR. [...]Concluo dizendo que o médico tem amparo legal e ético para exercer suas funções de acordo com as normas da ESF. Que prioritariamente deve atender os pacientes e famílias sob sua responsabilidade e excepcionalmente poderá atender pacientes vinculados a outras equipes - (em situações de emergência, ausência do colega, quebra da relação médico paciente), porém isto deve ser exceção e não pode ser feito de rotina o que transformaria a USF em um posto de pronto atendimento, o que contraria o espírito da proposta do MS para o ESF. orientado a procurar atendimento pela eSF a qual está adscrito, ou outro serviço assistencial de saúde. Demandas consideradas fora da área de abrangência do território das equipes de Saúde da Família, que se apresentem de modo repetitivo às Unidades de Saúde da Família devem estimular as equipes e profissionais, considere-se entre esses o Enfermeiro, à redefinição da área de abrangência e de critérios de delimitação da área, sempre respeitando o limite máximo tanto de famílias, quanto de indivíduos a serem atendidos por equipe. É o parecer. 4. Referências BRASIL. CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL DE 1988. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao compilado.htm> . Acesso em: 08 Abr. 2013. ______. Lei Nº 8.080, de 19 de Setembro de 1990. Dispõe sobre as condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização e o funcionamento dos serviços correspondentes e dá outras providências. DOU de 20.9.1990. Disponível em: <http://www.planalto .gov.br/ccivil_03/leis/l8080.htm> . Acesso em: 18 Mar. 2013. CONSELHO FEDERAL DE ENFERMAGEM. Código de Ética dos Profissionais de Enfermagem. Disponível em: <http://www.portalcofen.gov.br/sitenovo/node/4158>. Acesso em: 05 Mar. 2013. ______. Resolução COFEN-311/2007. Aprova a Reformulação do Código de Ética dos Profissionais de Enfermagem. Disponível em: < http://novo.portalcofen.gov.br/resoluo-cofen3112007_4345.html>. Acesso em: 05 Mar. 2013. CONSELHO REGIONAL DE MEDICINA DO PARANÁ. Parecer nº 1980/2008 CRM-PR. Assunto: atendimento PSF. Disponível em: < http://www.portalmedico .org.br/pareceres/CRMPR/pareceres/2008/1980_2008.htm >. Acesso em: 19 Mai. 2013. MINISTÉRIO DA SAÚDE. Portaria Nº 2.488, de 21 de Outubro de 2011. Aprova a Política Nacional de Atenção Básica, estabelecendo a revisão de diretrizes e normas para a organização da Atenção Básica, para a Estratégia Saúde da Família (ESF) e o Programa de Agentes Comunitários de Saúde (PACS). Disponível em: <http://bvsms.saude.gov.br/bvs/ saudelegis/gm/2011/prt2488_21_10_2011.html > . Acesso em: 19 Mar. 2013. ______. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica. Política Nacional de Atenção Básica / Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Brasília, 2012. Disponível em: <http://189.28.128.100/dab/docs/publicacoes /geral/pnab.pdf.> Acesso em: 17 Abr. 2013. ______. Caderno de Atenção Básica. Programa Saúde da Família. Caderno 1. A implantação da Unidade de Saúde da Família. Brasília, 2000. Disponível em: < http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/caderno_atencao_basica_n1_p1.pdf >. Acesso em: 19 Mai. 2013. ______. Portaria Nº 2.203, de 5 de Novembro de 1996. Aprovar, nos termos do texto anexo a esta Portaria, a NOB 1/96, a qual redefine o modelo de gestão do Sistema Único de Saúde, constituindo, por conseguinte, instrumento imprescindível à viabilização da atenção integral à saúde da população e ao disciplinamento das relações entre as três esferas de gestão do Sistema. Disponível em: < http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/1996/prt2203_05_11_1996.html> . Acesso em: 07 Abr. 2013. NERY JUNIOR, N.; NERY, R. M.A. Constituição Federal Comentada e Legislação Constitucional. 2 ed. Revista, atualizada e ampliada até 15.1.2009. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009. São Paulo, 19 de Março de 2013. Câmara Técnica de Legislação e Normas Relator Alessandro Lopes Andrighetto Enfermeiro COREN-SP 73.104 Revisor Prof. Dr. Paulo Cobellis Gomes Enfermeiro COREN-SP 15.838 Aprovado em 27 de março de 2013 na 24ª Reunião da Câmara Técnica. Revisto e Reapresentado em 29 de maio de 2013 na 28ª Reunião da Câmara Técnica. Homologado pelo Plenário do COREN-SP na 840ª Reunião Plenária Ordinária.